Hoje, online, artigo de opinião de Miguel Regal, sócio da RVR - Regal, Varela, Ramos & Associados, dedicado ao tema da reforma do Regime da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Os processos de insolvência e recuperação de empresas e particulares são actualmente regulados pelo Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/04, de 18 de Março. Apesar deste diploma já haver sido revisto por cinco vezes - mas nunca quanto às suas linhas orientadoras -, os processos de natureza falimentar continuam a arrastar-se nos tribunais portugueses, em especial nos Tribunais de Comércio, como o de Lisboa, sobretudo quando a massa insolvente não se revela de todo insuficiente para liquidar os créditos reclamados, ao menos parcialmente. Na presente conjuntura de recessão económica e significativo aumento dos processos de natureza falimentar, faz todo o sentido reformar o Código de Processo de Insolvência e Recuperação de Empresas e a legislação conexa com este diploma, alterando as suas linhas orientadoras, agilizando e simplificando a tramitação dos processos e criando procedimentos extra judiciais alternativos ou preparatórios. 1 / 7
A Ministra da Justiça acaba de anunciar uma reforma do regime de insolvência e recuperação de empresas, apresentando-a com dois grandes objectivos: (i) adoptar medidas que possibilitem a recuperação de todas as empresas que se encontrem ainda em condições para continuarem no mercado, gerando riqueza e emprego; (ii) agilizar e simplificar o actual regime da insolvência, de forma a incrementar a satisfação rápida e efectiva dos interesses dos credores que se relacionem com todos aqueles que já não estejam em condições de prosseguir a sua vida ou de desenvolver a sua actividade. Em concreto, as medidas propostas em sede de alteração ao regime da insolvência e, em particular, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, foram enunciadas da forma seguinte: 1- Redução do prazo para apresentação à insolvência e incremento da responsabilização do devedor pelo não cumprimento de tal dever propõe-se a redução, para metade, do prazo actualmente consignado para este efeito (60 dias para 30 dias). 2- Alteração do regime de abertura do incidente de qualificação da insolvência, fazendo depender a tramitação de tal incidente da existência de indícios que, se provados, serão susceptíveis de conduzir à qualificação da insolvência como culposa. 3- Eliminação do carácter de urgência atribuído ao incidente de qualificação da insolvência. 4- Diversas alterações para agilizar e simplificar o incidente de verificação e graduação de créditos a) Atribuição de carácter facultativo à tentativa de conciliação existente em matéria de verificação e graduação de créditos, fazendo depender a sua realização do prudente juízo que o juiz fizer quanto à sua pertinência em cada caso concreto. b) Redução do prazo para reclamação ulterior de créditos, passando de um ano para seis meses. c) Redução, de três meses para 30 dias, do prazo para que, por inacção negligente do autor, a acção possa extinguir-se. 5. Simplificação do procedimento a observar em matéria de venda antecipada de bens, atribuindo ao administrador da insolvência poderes bastantes para que possa, por si, tomar a decisão de vender bens antecipadamente, desde que se encontrem verificadas um conjunto de condições, e sem prejuízo da possibilidade de tanto os credores como o juiz reagirem contra 2 / 7
eventuais erros por aquele cometidos. 6. Reforço dos poderes de gestão processual concedidos ao juiz da causa em matéria de suspensão da assembleia de credores, permitindo a suspensão tantas vezes quantas se mostrar necessário para a obtenção de um acordo e que essa suspensão possa perdurar por mais tempo. 7. Reforço dos poderes do juiz da causa em matéria de satisfação dos direitos a alimentos a menores que dependam do insolvente. 8. Reforço da articulação entre o processo de insolvência e a acção executiva, propondo-se que o Ministério Público, em defesa da legalidade e da regularidade do comércio jurídico, passe a ter o dever expresso de encetar o processo de insolvência de todos aqueles que, não tendo bens penhoráveis, estejam inscritos na lista pública de execuções. 9. Simplificação de procedimentos de citação, de notificação dos interessados e de publicidade do processo de insolvência: a) Quanto aos procedimentos de publicidade utilizados, ponderando se substituir a publicação dos actos em Diário da República pela publicação no Portal Citius. b) Quanto ao procedimento de citação a utilizar nas acções intentadas para a verificação ulterior de créditos, substituindo-se a citação edital tradicional por citação edital através de edital electrónico. 10. Consagração da protecção dos credores que intervenham em processo de reestruturação de devedores em situação económica difícil os negócios que sejam realizados entre o devedor e as entidades que lhe aportem capital alheio com vista a propiciar a sua recuperação, no contexto de processo extrajudicial de propiciar a sua recuperação, ficam a salvo da resolução a favor da massa insolvente. Por outro lado, o Governo informou que pretende introduzir diversas medidas avulsas quanto à recuperação de empresas, como as seguintes: 1. O procedimento extrajudicial de recuperação de devedores, que permitirá que as partes - o devedor e os credores possam, ainda antes de recorrer ao processo judicial de insolvência, optar por um acordo extrajudicial que vise a recuperação do devedor e que permita a este continuar a sua actividade económica. 2. A instituição de um procedimento judicial de aprovação de planos de reestruturação negociados entre credores e devedor fora dos tribunais, o qual permitirá que, existindo um acordo para a recuperação do devedor assinado entre o devedor e um conjunto significativo de credores, mas não a sua totalidade, o devedor possa solicitar a homologação do acordo por um juiz, através de um procedimento necessariamente célere, e por essa via garantir a vinculação 3 / 7
de todos os credores ao acordo, incluindo daqueles que não o celebraram. Julgamos que a reforma vai ficar, mais uma vez, muito aquém das profundas reformas necessárias para responsabilizar as empresas e os seus legais representantes, para simplificar e agilizar processos, encurtando os seus prazos de duração, e para conseguir a satisfação possível dos credores, na medida do possível. Na verdade, algumas das medidas, como a possibilidade de inexistência de incidente de qualificação da insolvência, terão o efeito de desresponsabilizar os legais representes das empresas, ao arrepio da evolução que se tem registado nos demais países europeus. Por outro lado, a alteração que obrigaria o Ministério Público a encetar o processo de insolvência de todos aqueles que, não tendo bens penhoráveis, estejam inscritos referida lista pública de execuções implicaria a rotura total dos Tribunais com competência falimentar. Os mesmos efeitos podem ser alcançados sem necessidade de multiplicar processos e os custos a eles associados. Porque não alterar o regime previsto na acção executiva no sentido da citação do executado nos termos do disposto no art. 833-B, nº 4, do CPC, também ser feita com a cominação de ser 4 / 7
declarada a insolvência do executado na acção executiva pendente caso este não deduza oposição à execução, não pague a quantia exequente, não indique bens penhoráveis e não demonstre a sua solvência? Não se vislumbra qualquer razão para iniciar um processo falimentar se o executado confessar a sua insolvência e estiver demonstrada a inexistência de bens e de rendimentos do executado. Também o anunciado procedimento extrajudicial de recuperação de devedores, que permite que as partes - o devedor e os credores possam, ainda antes de recorrer ao processo judicial de insolvência, optar por um acordo extrajudicial que vise a recuperação do devedor e que permita a este continuar a sua actividade económica, fica aquém do desejável. O procedimento extrajudicial de recuperação de devedores deveria ser obrigatório para as empresas de maior dimensão segundo o critério que se vier a entender, seja o capital social, o tipo social, o número de trabalhadores ou outros -, funcionando como forma de responsabilização dos legais representantes e como medida preventiva da insolvência. Se aos legais representantes se exige que apresentem a empresa à insolvência quando a empresa está em condições de insolvência porque não exigir que iniciem um procedimento extrajudicial de recuperação de devedores quando a empresa ainda pode ser recuperada com acordo dos seus credores, porventura concedendo-se à empresa em recuperação o benefício da protecção contra credores enquanto o procedimento decorrer? 5 / 7
E vamos mais longe: os credores que recusassem participar nestes procedimentos deveriam ser sancionados de alguma forma, eventualmente em termos de perda percentual do seu crédito quando este vier a ser verificado e/ou graduado em qualquer procedimento judicial que eventualmente suceda ao procedimento extra-judicial. Por fim, lamenta-se que nada se diga quanto à remoção de muitos dos actuais obstáculos ao andamento dos processos judiciais de insolvência e recuperação de empresas: a) A existência de Tribunais verdadeiramente especializados em processos judiciais de insolvência e recuperação de empresas continua a não ser uma realidade, até porque os Tribunais de Comércio cada vez mais são chamados para apreciar outro tipo de processos; b) A relação entre os administradores de insolvência e o Estado quanto ao cumprimento das obrigações fiscais que impendem sobre os legais representantes dos devedores continua por regular, apesar de há muito se impor a tomada de medidas quanto a esta matéria; c) Os administradores de insolvência continuam a ser os mesmos há longos anos, sabendo-se que muitos não têm formação adequada, e não é conhecida qualquer intenção de abrir um concurso para renovação da classe; d) Os processos que se arrastam há vários anos nos tribunais portugueses deveriam merecer a atenção do legislador, estabelecendo-se prazos razoáveis para a sua conclusão e reforçando os meios humanos afectos aos tribunais em que se verificam as pendências mais elevadas. O regime jurídico da insolvência e da recuperação de empresas e particulares é de fundamental importância neste período de grandes dificuldades económicas e de enorme fragilidade do tecido empresarial português. Tememos, porém, que as medidas propostas sejam demasiado tímidas para lograrem alcançar os objectivos, louváveis, que se propõem alcançar. Artigo de opinião de Miguel Regal, sócio da RVR - Regal, Varela, Ramos & Associados. 6 / 7
Fonte: Advocatus 7 / 7