O MITO DO PAI. Irene Paiva Melo 1

Documentos relacionados
QUE PAI É ESSE 1. Unitermos: Função Paterna matemas da sexuação Nome do Pai Sinthome Pai real Pai simbólico Pai imaginário

NOME DO PAI E REAL. Jacques Laberge 1

Latusa Digital ano 1 N 8 agosto de 2004

ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO. Mical Marcelino Margarete Pauletto Renata Costa

As Implicações do Co Leito entre Pais e Filhos para a Resolução do Complexo de Édipo. Sandra Freiberger

NEUROSE OBSESSIVA E RELIGIÃO O OBSESSIVO E SUA RELAÇÃO COM O PAI NA RELIGIÃO

Como a análise pode permitir o encontro com o amor pleno

O PAI NA PSICANÁLISE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PSICOSES

A Função Paterna. Falo. Criança. Mãe. Tríade Imaginária

Nome-do-Pai. Integrantes: Eugénia de Jesus da Neves Francisca Maria Soares dos Reis (11/05/2010)

Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais - Almanaque On-line n 20

NOME PRÓPRIO - EM NOME DO PAI

DIMENSÕES PSÍQUICAS DO USO DE MEDICAMENTOS 1. Jacson Fantinelli Dos Santos 2, Tânia Maria De Souza 3.

O gozo, o sentido e o signo de amor

PERÍODO EDIPIANO. Salomé Vieira Santos. Psicologia Dinâmica do Desenvolvimento

Algumas considerações sobre a escuta psicanalítica

A AGRESSIVIDADE NA INFÂNCIA E AS FUNÇÕES PARENTAIS NA ATUALIDADE: UM RECORTE CLÍNICO DA SAÚDE MENTAL

SUPEREU: NOTAS SOBRE LEI E GOZO. Freud nomeou o supereu como herdeiro do complexo de Édipo, mas não deixou

O DESENVOLVIMENTO HUMANO SOB A PERSPECTIVA DE BION E WINNICOTT

CLÍNICA, TRANSFERÊNCIA E O DESEJO DO ANALISTA 1 CLINIC, TRANSFERENCE AND DESIRE OF THE ANALYST. Fernanda Correa 2

O FRACASSO ESCOLAR E SEUS IMPASSES 1 THE SCHOOL FAILURE AND ITS IMPASSES. Mara Carine Cardoso Lima 2, Tais Cervi 3

Reflexão sobre a cantiga Se essa rua fosse minha

Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais Almanaque On-line n.7

Eva Maria Migliavacca

6 Referências bibliográficas

Título: Histeria e manifestações na música contemporânea. Este trabalho tem um interesse particular no aspecto da histeria que a

Sofrimento e dor no autismo: quem sente?

A constituição do sujeito e a análise

Curso de Extensão: LEITURAS DIRIGIDAS DA OBRA DE JACQUES LACAN/2014

Culpa e Angústia: algumas notas sobre a obra de Freud

FREUD E LACAN NA CLÍNICA DE 2009

8 Referências bibliográficas

A contribuição winnicottiana à teoria do complexo de Édipo e suas implicações para a

O NÃO LUGAR DAS NÃO NEUROSES NA SAÚDE MENTAL

Amor e precipitação: um retorno à história de Sidonie C., a paciente homossexual de Freud

A PERSPECTIVA FREUDIANA SOBRE O FENÔMENO RELIGIOSO

O falo, o amor ao pai, o silêncio. no real Gresiela Nunes da Rosa

6 Referências bibliográficas

Referências Bibliográficas

A QUESTÂO DO EU, A ANGÚSTIA E A CONSTITUIÇÃO DA REALIDADE PARA A PSICANÁLISE 1

Escola Secundária de Carregal do Sal

MULHERES MASTECTOMIZADAS: UM OLHAR PSICANALÍTICO. Sara Guimarães Nunes 1

RAFAEL FERREIRA DA SILVA. Ciclo VI (quinta-feira noite) Reflexões sobre os ritos e atos obsessivos

CARLOS INTERROGA AO ANALISTA: COMO DAR VOZ AO DESEJO? capacidade de simbolização, de historicização, de representação. A reativação do complexo

O Fenômeno Psicossomático (FPS) não é o signo do amor 1

SINTOMA DA CRIANÇA: MANIFESTAÇÃO DO SUJEITO FRENTE AO OUTRO. ao Programa de Mestrado da Universidade Federal de São João del Rei.

A ESSÊNCIA DA TEORIA PSICANALÍTICA É UM DISCURSO SEM FALA, MAS SERÁ ELA SEM ESCRITA?

O real no tratamento analítico. Maria do Carmo Dias Batista Antonia Claudete A. L. Prado

A voz do Supereu. II Jornada da Associação Lacaniana de Psicanálise Brasília 23 e 24 de outubro de Luiza Borges

O real escapou da natureza

Sigmund Freud Profª Karina Oliveira Bezerra p.456, 467 e 458

Incurável. Celso Rennó Lima

A Interdição do Crime do Parricídio e a Constituição da Subjetividade Débora Patrícia Nemer Pinheiro Universidade Positivo

MÃES QUE SE SEPARAM DE SEUS FILHOS

Um rastro no mundo: as voltas da demanda 1

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TEORIA PSICANALÍTICA Deptº de Psicologia / Fafich - UFMG

Colaborador: Prof. Dout. Sérgio Scott (Universidade Federal de Santa Catarina)

Um tipo particular de escolha de objeto nas mulheres

UM RASTRO NO MUNDO: AS VOLTAS DA DEMANDA 1 Maria Lia Avelar da Fonte 2

ISSO NÃO ME FALA MAIS NADA! 1 (Sobre a posição do analista na direção da cura)

PROJETO EDUCAÇÃO SEM HOMOFOBIA SEXUALIDADE E A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO

A dor no feminino: reflexões sobre a condição da mulher na contemporaneidade

Angústia e desamparo. De onde vem este sentimento?

PSICANÁLISE COM CRIANÇAS: TRANSFERÊNCIA E ENTRADA EM ANÁLISE. psicanálise com crianças, sustentam um tempo lógico, o tempo do inconsciente de fazer

COMENTÁRIOS SOBRE A DIREÇÃO DA CURA 1. Muito foi dito, durante esta semana, sobre a ética e a direção da cura, textos

DO MAIS AINDA DA ESCRITA 1

O saber construído em análise e a invenção Autor: Mônica Assunção Costa Lima Professora da Puc-Minas Doutora em Teoria Psicanalítica pela

trois, à quatre, à cinq, e tutti quanti, isto é, de tantos quantos a turba julgasse Pai morto, pai amado Paulo R. Medeiros

O DESEJO NA DIREÇÃO DO TRATAMENTO 1

CENTRO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS Curso de Formação em Psicanálise Ciclo III - Noturno

R. BOETTCHER. TABU: O Fosso do Castelo. Necessidade para a Vida de uma Cultura?

Quando dar à castração outra articulação que não a anedótica? 1

OS ESCRITOS DE JOYCE NOS "ESCRITOS" DE LACAN 1

Evolução genética e o desenvolvimento do psíquismo normal No iníco, o lactente encontra-se em um modo de fusão e de identificação a uma totalidade

O amor e a mulher. Segundo Lacan o papel do amor é precioso: Daniela Goulart Pestana

3) Interrogações sobre a Ética da Psicanálise na Clínica com Pacientes Psicóticos.

Tempos significantes na experiência com a psicanálise 1

Seminário: Perversão - ano: IV prof. Flávio Carvalho Ferraz

Profa. Dra. Adriana Cristina Ferreira Caldana

Freud e a Psicanálise

A FALHA DA FUNÇÃO PATERNA E O SINTOMA. Desde 1957, Lacan ( /1995, p. 383) havia apontado que a interrogação o que é o

O estatuto do corpo no transexualismo

CEP - Centro de Estudos Psicanalíticos. A psicanálise como berço ou por que tratamos apenas crianças em nossos consultórios

TEMA-PROBLEMA. A experiência religiosa como afirmação do espaço espiritual do mundo FENÓMENO UNIVERSAL

Violência e corpo: psicopatologia da atualidade

Algumas considerações sobre o complexo de castração e o complexo de Édipo Daniela Goulart Pestana

Sobre o complexo de Édipo Seminário de Jacques Lacan em 06/03/1957.

Do sintoma ao sinthoma: uma via para pensar a mãe, a mulher e a criança na clínica atual Laura Fangmann

Endereço do Autor: Av. Delfim Moreira, 300/1301, Leblon, Rio de Janeiro, R.J., CEP

O OBJETO A E SUA CONSTRUÇÃO

O Complexo de Édipo e de Electra

Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN X

Prof. Me. Renato Borges

DESEJO DE ANALISTA. Ana Lúcia Bastos Falcão 1. O x da questão

Curso de Atualização em Psicopatologia 2ª aula Decio Tenenbaum

Tentativas de Suicídio: abordagens na Atenção Primária. Prof. Dr. Maurício Eugênio Maliska

O AMOR PILAR CENTRAL. por L A D Y A M A

Instituto Trianon de Psica nálise

Título. O Amor entre a histeria e a Obsessão. Autor: Waieser Matos de Oliveira Bastos 1. Palavras Chave: Amor, histeria, obsessão SUMÁRIO

O período de latência e a cultura contemporânea

Transcrição:

O MITO DO PAI Irene Paiva Melo 1 Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar (FREUD, 1912). Tendo como base os textos de Freud, Totem e Tabu (1912) e O Futuro de uma Ilusão (1927), nos quais ele escreve sobre o fenômeno religioso, enfatizando principalmente a imagem paterna que há por trás da figura de Deus, abordarei a questão da clínica como instrumento que revela o que permanece velado na religião. Segundo Freud, o sujeito é movido a procurar a religião pelo sentimento de desamparo experienciado na infância, inerente a todo ser humano. Assim, ele nos mostra como a religião se utiliza desse fato, trazendo a figura do pai para o centro de suas reflexões. Freud ao escrever Totem e Tabu (1912), pretendia explicar porque os aborígenes australianos evitavam o incesto utilizando um sistema exogâmico de relações numa organização social, aonde severas regras eram observadas. O pai de Totem e Tabu era o pai todo-poderoso, não castrado, que tinha todas as mulheres para si e por isso foi alvo da hostilidade dos filhos que o mataram. Após o ato, o consomem num banquete canibalesco para se apropriarem das marcas de sua onipotência e assumirem o seu lugar. Os filhos descobrem que também amavam esse pai, o amor foi então, transformado em sentimento de culpa e a palavra do pai se converteu em lei simbólica. Com a culpa e o arrependimento realizaram um culto através do qual a dívida seria honrada pela rendição à instituição simbólica da proibição do incesto. O homem que tinha todas as mulheres só advém como pai a partir do instante em que morre como homem. Esse crime está destinado a dar origem a toda civilização futura, foi o ato criminoso memorável com o qual começaram a organização social, as restrições morais e religiosas. (FREUD, 1912, p.91). Em o Futuro de uma Ilusão (1927), Freud defendia ser o homem, antes de ser um ser da razão, ele seria um ser de desejo. O ser humano é uma instância pulsional marcado e dividido pelo conflito. A cultura fundamenta-se sobre as bases da renúncia pulsional, e os 1 Membro de Intersecção Psicanalítica do Brasil/PE. E-Mail: irenepmelo@gmail.com.

indivíduos possuem atitudes hostis a ameaçarem a cultura e, por isso as interdições são necessárias apesar das frustrações que delas resultem. O homem sempre se questionou diante dos fatos e acontecimentos que o rodeia, sentindo sempre a necessidade de encontrar respostas para suas indagações, seja através do misticismo, seja através da ciência. O misticismo difere da ciência a partir do momento em que não necessita de fundamentação científica para existir. As religiões são marcadas pelo valor universal da crença, se organizam e exercem certo controle social em seus ambientes e fora deles, criando sanções e proibições a serem seguidas por todos. A verdade está em Deus. Na história da existência humana, 99,5% é denominada pré-história. Nesse período a vida religiosa desenvolveu-se sob a forma de mito. O homem primitivo ainda sem uso (completo) da razão, via na morte, nas doenças e nos fenômenos da natureza, forças sobrenaturais a encherem-no de medo. Para aplacar as forças criou um mito em torno de cada uma e só mais tarde surgiram às grandes religiões. Dessa forma, o medo, a dúvida, a insegurança, a incapacidade de resolver os problemas humanos, levaram o homem a criar um mundo mágico ao seu redor. As religiões continuam a orientar e manipular os homens com suas mensagens de salvação. Definem que para ter salvação devem ter como virtudes básicas a penitência, obediência e a abstinência sexual até o casamento, devem suportar com resignação os desígnios da providência, faltando com isso, mostrar sua parcela de responsabilidade no destino terrestre do homem. (FREUD, 1927, p.30). A tarefa de dominar por diferentes meios um impulso tão poderoso como a pulsão sexual, é tão árdua, que pode esgotar todas as energias do sujeito. O domínio por meio da sublimação é apenas acessível a uma minoria limitada. A imensa maioria sucumbe à neurose. As religiões não disponibilizam a figura do pai para ser usada como uma maneira de ir além desse pai. Pelo contrário, por elas, o sujeito deve ficar agarrado ao Complexo de Édipo, venerando esse pai morto, o ao menos um que não foi castrado, durante toda sua vida. Elas não têm interesse algum nesse desligamento de forma a possibilitarem um posicionamento como sujeito, lidando com a falta de sentido e se responsabilizando pelo seu gozo. Deus é a causa de todas as coisas, com isso o próprio sujeito corta seu acesso à verdade atribuindo a Deus a causa do seu desejo. Sob o ponto de vista religioso, o sujeito tem que continuar dependente da figura do pai como norteadora, caso contrário, as religiões perderiam o controle sobre as vidas de seus fiéis. (FREUD, 1927).

A criança teme o poder dos pais, mas também confia na proteção deles. Os homens inventam deuses, ou aceitam passivamente os deuses que sua cultura lhes impõe, exatamente por terem crescidos com esses modelos dentro de casa. Avaliar o valor de verdade das doutrinas religiosas não era a intenção de Freud em O Futuro de uma Ilusão, mas esclarecer quais as bases psicológicas para instauração das crenças religiosas. Qual a significação psicológica das ideias religiosas? (FREUD, 1927). Freud (1912) descreveu a função paterna como estruturante do psiquismo através do Complexo de Édipo, atribuindo ao pai à lei, um pai potente que intervém na relação mãefilho, privando a mãe do seu objeto e colocando um limite no gozo desmedido. Ele ajuda o filho a sair desse lugar de assujeitamento frente ao desejo materno. Sabemos que a presença do pai como terceiro intercepta este gozo e proíbe o incesto. O pai está inscrito no psiquismo da mãe, em sua experiência edípica com seu próprio pai e em sua vivência amorosa com seu parceiro. A palavra paterna depende, para circular, do sim ou não na mãe à palavra do pai. Vemos que o desejo da mãe está sustentado na lei e é a lei que faz surgir o desejo no filho. Num primeiro tempo, a lei contra o incesto é enunciada em Nome do Pai. No segundo tempo, a criança supõe ser o pai a lei; no terceiro tempo reconhece que o pai não é a lei, mas a transmite. O pai é um operador simbólico, o qual não remete à existência de nenhum pai encarnado. Ele ordena uma função estruturante do ponto de vista do inconsciente. (LACAN, 1957/58). O pai simbólico é o depositário legal de uma lei que lhe vem de outro lugar e nenhum pai da realidade pode se vangloriar de ser seu detentor ou fundador. Ele é apenas seu representante. A prescrição simbólica, a indicação desta lei supõe uma negociação imaginária prévia que se desenrola entre pai mãe filho, reunido na triangulação edipiana e todos têm que se referir a um 4º elemento: o falo. Só este 4º elemento constitui o parâmetro fundador suscetível de inferir a investidura do pai simbólico a partir do pai real, pela via do pai imaginário. (LACAN, 1957/58). O falo é a unidade significante do real da diferença dos sexos. Constitui o centro de gravidade da função paterna, que vai permitir a um pai real assumir a sua representação simbólica. O falo é o único agente regulador da economia do desejo e de sua circulação com referência à mãe e ao filho. A esta operação Lacan chamou de operação do Nome do Pai ou Metáfora paterna remetendo o pai ao estatuto de um significante que substitui o desejo da mãe. Através da sua presença e ausência, a mãe introduz o filho a uma primeira formulação do simbólico. Se o

desejo da mãe funciona sem ser nomeado pela função paterna, como puro capricho, estão assentadas as bases para uma estrutura psicótica ou perversa. É função do pai nomear o desejo da mãe e substituí-lo pelo significante Nome do Pai dando assim uma significação nova e barrando o gozo experimentado entre mãe e filho. A função paterna dará sentido, ela marca a passagem da natureza para a cultura, do animal para o humano. Freud (1912) atribui ao pai um lugar de alteridade e seria um modelo para todos, um pai soberano, ideal, um Grande Outro da linguagem, que Jacques Lacan denominou de Nome-do-Pai. Lacan enfatiza que o pai deve mostrar suas falhas, possibilitando ao filho ir além dele. Porém, esse movimento só se torna possível se o filho tomar o pai como um instrumento a ser usado e ultrapassado. E este é o movimento não permitido pela religião através de um oferecimento para o sujeito de um Deus-Pai perfeito (FREUD, 1912). Há a tentativa realizada pelo sujeito, em especial, o neurótico, de manter o pai no lugar do sagrado, na esperança de recuperar sua autoridade, que é posta em questão nas configurações familiares atuais. As famílias têm experienciado mudanças radicais ao longo do tempo. Mudanças de valores, identidades e comportamentos. Modificações nas condições de procriação, sendo que o ato sexual deixou de ser a única forma de fertilização existente; mudanças nas maneiras de se criar um filho, bem como a crescente demanda de modificação da identidade sexual. Era referência de normalidade e das melhores condições de organização psíquica a família tradicional, e tinha como base o pai, todo e qualquer modo de filiação que não se encaixasse nesse padrão iria produzir sujeitos com sérios problemas psíquicos. Porém, avaliando as consequências decorrentes dessas transformações, isto é, não estamos observando problemas mais sérios que os que já existiam com relação à subjetivação do indivíduo, devido à falta de um pai na família. Não é a presença do pai que faz a diferença, mas sim que o sujeito seja reconhecido pela palavra do Outro. Assim, não importa que o pai falte algumas vezes ou que haja uma carência paterna, por esse pai ser enfraquecido demais. O essencial é que o sujeito, seja por que lado for, tenha adquirido a dimensão do Nome-do-Pai (LACAN, 1957-58, p.162). A partir destas colocações cabe refletirmos sobre o que ocorre na prática. Uma analisante, seguindo um tempo os ensinamentos da igreja a qual sua mãe e tia pertenciam e insistiam que ela frequentasse, sentia-se sufocada. Resolve deixar de seguir essa religião, e diz: eu não quero mais essa vida de santa, eu quero viver, passear, me divertir, eu posso fazer tudo isso sem pecar. Minha mãe vive dizendo que estou indo pro caminho do

mal, o demônio está fazendo eu me afastar de Deus, minha vida é de pecado. Seus pais se separaram quando ela tinha dois anos. Meu pai foi um bom vivant, imaturo e irresponsável até hoje. Eu nem sei o que é uma família de verdade, meu pai foi e é muito ausente. Minha mãe me sufoca, e tudo que ela não foi ela me cobra. Ela mora com a mãe e avó materna. minha mãe é infantil e inconveniente. Qual a posição dos filhos (as), diante da religião imposta pelos pais? Qual a posição do pai diante do excesso do poder materno? No Seminário 11- Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise (1964), Lacan nos fala sobre a operação da alienação, ou seja, o que quer que se faça sempre se está um pouquinho mais alienado, quer seja no econômico, no político, no psicopatológico, no estético e assim por diante. A alienação consiste nesse vel que condena o sujeito a só aparecer na divisão, ao dizer que se ele aparece de um lado como sentido, produzido pelo significante, do outro ele aparece como afânise (desaparecimento). O vel da alienação se define por uma escolha cujas propriedades dependem do seguinte: que há, na reunião, um elemento que comporta que, qualquer que seja a escolha que se opere, há por conseqüência um nem um, nem outro. Se escolhemos o ser, o sujeito desaparece, ele nos escapa, cai no não-senso se escolhemos o sentido, e o sentido só subsiste decepado dessa parte de não-senso que é, falando propriamente, o que constitui na realização do sujeito, o inconsciente. Esse ou alienante está na linguagem. A bolsa ou a vida! Se escolho a bolsa, perco as duas. Se escolho a vida, tenho a vida sem a bolsa, isto é, uma vida decepada. As operações de alienação e separação são constitutivas do sujeito. A criança encontra-se de início dependente do mundo de significações e desejo do Outro. Após essa fase vem a operação de subtração, possibilitando a criança sair da posição de submissão e ter a condição de sujeito do seu próprio desejo (LACAN, 1964). Em relação aos analisantes, principalmente os que trazem questionamentos sobre a religião, a dor e o desamparo marcam esses sujeitos. Tais marcas estão expressas nos sofrimentos em conviver com esse pai da religião ou com a ineficácia do pai que não exerceu sua função paterna. Falar desse pai desfalicizado, enfraquecido, omisso, principalmente quando essas falhas começam a ficar mais visíveis e insuportáveis para esse sujeito, requer do sujeito uma elaboração da experiência frente ao pai. Muitas vezes o amor é usado como proteção contra a

angústia, velando a inconsistência paterna e impedindo, assim como o ódio, o contato com o desamparo presente na vida do sujeito. Ao trazer esse fragmento clínico questiono: Como se posicionar diante do Outro, qual o reconhecimento como sujeito do seu desejo? Assim, a insegurança, o medo, a angústia, permite que se faça uma comparação entre a situação de desamparo já experimentada nos primeiros tempos da vida e a situação de sofrimento que constitui uma demanda por análise. No processo de análise, o analisante é convocado a assumir as conseqüências de sua posição de sujeito, a qual será sempre responsável. REFERÊNCIAS FREUD, S. - Totem e Tabu (1912), ESB vol. XII 1976. Rio de Janeiro: Imago., O Futuro de uma Ilusão (1927), ESB vol. XXI 1976. Rio de Janeiro: Imago. LACAN, J. O Seminário, livro 5 - As Formações do Inconsciente. Rio de Janeiro, Zahar, 1953., O Seminário, livro 11 - Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. ROCHA, Z. - (1995). Freud, Moisés e o monoteísmo judaico: Contribuições para a leitura do livro "O homem Moisés e a religião monoteísta". In Freud: Aproximações (pp. 365-422). Recife, PE: Editora Universitária da UFPE, 1995. Revista Mal-estar E Subjetividade - ISSN (Versão impressa): 1518-6148 - Universidade de Fortaleza Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/