Thompson, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, 427 págs.

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Transcrição:

Thompson, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, 427 págs. RESENHADO POR: ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa, de John B. Thompson, foi primeiramente publicado por Polity Press e Blackwell Publishers, em 1990. A tradução brasileira veio a público em 1995, fruto do trabalho do Grupo de Estudos sobre Ideologia, Comunicação e Representações Sociais da pós-graduação da PUCRS, através da Editora Vozes. Thompson retoma e estende a sua obra anterior Studies in the theory of ideology, dirigindo o tema a um referencial teórico sistemático. Suas observações, segundo o próprio autor, carecem ainda de uma complementação que deverá vir em um volume subseqüente que tratará de teoria social e meios de comunicação. Situado no campo da Teoria Social Crítica, esse trabalho trata de interpretar os processos sociais nos quais, e pelos quais, "as formas simbólicas permeiam o mundo social", de modo crescente e generalizado. Busca determinar qual é a natureza e o papel da ideologia nesse processo que se aprofunda e se amplia radicalmente a partir da era moderna, impulsionado pelo aparecimento e pela consolidação do capitalismo e dos meios de comunicação de massa. A partir dessa perspectiva, o autor faz uma larga revisão dos campos teóricos implicados: ideologia, cultura e mídia. Além disso, apresenta uma importante seleção de dados referentes a l mass media' e uma série de conceitos operantes, entre os quais, o de ideologia crítica, o de midiação da cultura e o de hermenêutica de profundidade. Ao longo das mais de quatrocentas páginas, temos um texto abundante em informações e portador de uma coerência lógica impecável. A esta resenha, interessa a parte essencial desse texto, a qual trata justamente da possibilidade metodológica de compreensão e exposição das formas de dominação, estabelecidas coadjuvantemente pelo uso ideológico das formas simbólicas. 143

Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3 (1) 1997 Ideologia, cultura e midiação Segundo Thompson, o conceito de ideologia tem sido considerado, predominantemente, de duas maneiras: ou é tido como um sistema de idéias (os 'ismos' - socialismo, liberalismo, etc), ou é considerado muito ambíguo e, por isso, abandonado. Para recuperar esse campo essencial às suas proposições, estuda as várias fases do conceito e seus contextos teóricos e sócio-históricos. Nesse percurso, o autor retoma o termo 'ideologia', tal como foi apresentado por pensadores como Destutt de Tracy, Marx, Lenin, Lukács, Mannheim e outros. A partir dessa revisão, constrói a sua concepção especial de ideologia ou concepção crítica: "ideologia é sentido a serviço do poder". Ou seja, estudar ideologia é compreender e explicar as maneiras pelas quais as formas simbólicas são usadas para a implantação e para a manutenção de relações de dominação. Cabe destacar que, apesar de manter a negatividade do conceito, acompanhando Marx, retira-lhe o caráter 'ilusório'. Como fala em uso de formas simbólicas, dirige o fenômeno ideológico ao campo mais amplo da cultura e de suas construções de sentido. Nessa direção, revisa o conceito de cultura e, do mesmo modo que descrevemos acima, retira desse procedimento uma concepção diferenciada e operante. É a concepção estrutural de cultura, a qual define a análise cultural desse modo: "o estudo da constituição significativa e da contextualização social das formas simbólicas". Podemos, pois, resumir um importante aspecto dessa discussão, articulando esses conceitos com o trabalho de Norman Fairclough. Ele nos fala da relação dialética entre estrutura social e discurso. O discurso é moldado pela estrutura social, mas é também socialmente constitutivo. O mesmo se pode dizer, concordando com Thompson, das formas simbólicas em geral, e da ideologia em particular. A ideologia está relacionada, desse modo, a uma determinada estrutura social, mas, por outro lado, é igualmente constitutiva dessa estrutura. Uma vez que se tenha presente esse processo, pode-se entender a importância que Thompson credita ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, bem como a oportunidade do seu conceito de midiação da cultura moderna : "o processo geral através do qual a transmissão das formas simbólicas se tornou sempre mais mediada pelos aparatos técnicos e institucionais das indústrias da mídia". O desenvolvimento da 'mass media' está ligado ao surgimento do capitalismo e ao incremento dos meios técnicos relacionados à produção, transmissão e recepção de formas simbólicas. É extremamente relevante porque representa tanto uma transformação das próprias formas simbólicas quanto uma alteração dos contextos sociais dessas formas. 144

Alexandre F. da Costa A descrição do desenrolar desse fenômeno é brilhantemente realizada ao longo de uma boa parte da obra, rica em dados, principalmente em relação à Europa e aos Estados Unidos. Entre os mais impressionantes, estão aqueles que demonstram como poucos conglomerados retêm grande parte dos aparatos técnicos e institucionais. Uma só empresa pode ser dona de diversos jornais, de canais de televisão, de rádio, de produtoras e distribuidoras de discos e de editoras. Não é gratuitamente que a mídia é chamada de "quarto poder", uma percepção que sempre esteve presente, conforme o autor demonstra na análise das discussões políticas sobre a 'mass media'. Nessa parte do trabalho, destacam-se, ainda, outras duas observações importantes: a questão do impacto da comunicação de massa sobre os tipos de interação e o processo de 'valorização' das formas simbólicas. A segunda refere-se ao fato de as formas simbólicas poderem adquirir diferentes quantidades e qualidades de valor econômico ou simbólico e é extremamente relevante na discussão do poder dos conglomerados acima referidos. A primeira diz respeito ao surgimento do que Thompson chama de 'quase-interação': um tipo de interação que se dá quase que exclusivamente em uma só direção, propiciando poucas chances de resposta aos receptores. Essa classificação dá conta da relação entre a 'mass media' e o seu grande público receptor e representa uma das grandes alterações que se produziu na cultura moderna. O autor conclui essa parte da discussão, ressaltando que a análise da ideologia deve conceder um papel central à natureza e ao impacto da 'mass media'; apesar de não ser o único local em que ela se manifesta, é nele que seu raio de operação foi ampliado significativamente. Afirma também que o caráter ideológico não deve ser buscado apenas na análise das instituições ou das mensagens, pois ele é definido também no campo da recepção. Ou seja, estão constituídos parâmetros amplos dentro dos quais as mensagens adquirem um caráter ideológico, mas, para avaliar essa condição, é imprescindível relacionar essas mensagens aos contextos em que são recebidas. A metologia de interpretação Ao construir sua metodologia de interpretação, Thompson elege como referencial teórico a Hermenêutica de Profundidade (HP) e faz o seguinte questionamento: "Podemos buscar na tradição hermenêutica algo a mais que um conjunto de condições gerais para a investigação sócio-históri- 145

Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3 (1) 1997 ca? Podemos buscar na HP um referencial metodológico que possa ser empregado para o estudo das formas simbólicas em geral, e para a análise da ideologia em particular?" Propõe-se, então, a responder essas perguntas e demonstrar que uma construção simbólica exige interpretação e que só deste modo se fará justiça a esse 'campoobjeto'. Além disso, acrescenta que outros métodos de análise são necessários para que se considere devidamente a contextualização social das formas simbólicas e suas características estruturais internas. Sustenta que a HP apresenta um referencial teórico dentro do qual esses vários métodos podem ser sistematicamente inter-relacionados, mesmo que não seja o único enfoque possível. Ao determinar que o estudo das formas simbólicas é fundamentalmente e inevitavelmente um problema de compreensão e interpretação, trata de evitar o que chama de a 'tentação' de reduzi-las a 'objetos naturais', passíveis de análise formal, estatística e objetiva. Esse posicionamento deve-se ao fato de considerar que o objeto dessas investigações é, ele mesmo, um território pré-interpretado: "o mundo sócio-histórico é um campo-sujeito". Portanto, os analistas estão oferecendo "uma interpretação de uma interpretação, ou seja, estão re-interpretando um campo pré-interpretado". Além disso, os achados da análise social possuem uma relação de apropriação potencial, isto é, podem realimentar o campo pesquisado. Desse modo, os constituintes do campo-objeto podem empregar esse conhecimento para transformar a si mesmos, como uma condição de possibilidade. A partir dessas observações, Thompson passa a descrever os seguintes procedimentos como "formas de investigação hermenêutica". Em primeiro lugar, é preciso realizar a "hermenêutica da vida quotidiana" ou "interpretação da doxa", através de uma pesquisa etnográfica desvendar a 'pré-interpretação' feita pelos participantes do próprio campo. Procede-se, então, uma ruptura metodológica com essa interpretação. Inicia-se a "hermenêutica de profundidade" através da análise sócio-histórica que o autor sintetiza desse modo: "reconstruir as condições e os contextos sócio-históricos de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, examinar as regras e convenções, as relações sociais e instituições, e a distribuição de poder, recursos e oportunidades em virtude das quais esses contextos constróem campos diferenciados e socialmente estruturados". 146

Alexandre F. da Costa Como as formas simbólicas são complexas e apresentam uma estrutura interna articulada, que expressa "alguma coisa sobre algo", passa-se, então, para a "análise formal". Sob este rótulo estão análises como a semiótica, a discursiva, a da conversação, a sintática, a da estrutura narrativa e a argumentativa. Concluídos os procedimentos analíticos, é chegado o momento da síntese: a 'interpretação ou reinterpretação'. Trata-se de uma "reconstrução criativa do sentido", ou seja, "uma explicação do que é dito ou representado". Nesse momento, surge o "potencial crítico" da interpretação, a possibilidade de produzir uma ruptura entre a pré-interpretação e a reinterpretação ou, por outra, entre a superficialidade e a profundidade. Após essa breve exposição do método, é importante observar o seguinte: a questão interpretativa mostra a relevância das proposições de Thompson para a Teoria Social Crítica. A última parte do trabalho trata da interpretação da ideologia. Conforme descrito acima, pode-se demonstrar se as formas simbólicas estão ou não sendo usadas ideologicamente. Caso fique demonstrada a conexão com as relações de dominação, abre-se a possibilidade de que participantes do 'campo-objeto' possam se apropriar dessa interpretação e, se for o caso, buscar a superação dessa 'assimetria'. Como o próprio autor adverte, trata-se de uma tarefa arriscada, porque é interpretativa e cheia de conflitos, tocando "os nervos do poder". A tradição marxista, com sua indiscutível contribuição crítica, foi, muitas vezes, usada de forma ideológica. Portanto, as observações de Thompson são esclarecedoras e 'intrumentalizadoras'. O seu trabalho certamente contribuirá para a grande reformulação das ciências sociais, necessária na imensa tarefa que a nossa época impõe. 147