A norma de configuração do papel social de empresário no direito brasileiro

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Fundacao Getulio Vargas, Brazil From the SelectedWorks of Cássio Cavalli 2007 A norma de configuração do papel social de empresário no direito brasileiro Cássio Cavalli Available at: http://works.bepress.com/cassiocavalli/3/

A NORMA DE CONFIGURAÇÃO DO PAPEL SOCIAL DE EMPRESÁRIO NO DIREITO BRASILEIRO * Cássio Cavalli 1 O Direito Comercial brasileiro sofreu profundas alterações pela promulgação do novo Código Civil. A teoria dos atos de comércio, que marcava a denominada fase objetiva do Direito Comercial, foi superada por meio da adoção da teoria da empresa, que marca a chamada fase subjetiva moderna 2 do Direito Comercial, por meio da qual afirma-se o papel social do empresário como o eixo do atual Direito Comercial. Desta forma, afirma-se que a teoria dos atos de comércio foi substituída pela teoria da empresa. Neste sentido, conforme LIMPENS, o direito comercial objetivo desapareceu e o direito comercial subjetivo tornou-se um direito profissional da empresa. 3 Com efeito, segundo JAEGER 4, dos diversos perfis da empresa 5, a grande maioria da * A versão original deste artigo foi publicada na Revista da Ajuris, Porto Alegre: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, v. 34, n. 106, p. 31-40, jun. 2007. 1 Professor de Direito, Fundação Getulio Vargas. E-mail: cassio.cavalli@fgv.br. 2 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 25. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 14-15. No mesmo sentido, GONÇALVES NETO afirmou que ocorreu, inequivocamente, um retorno ao sistema subjetivo com a volta do mercador, do comerciante ou, modernamente, do empresários (do agente econômico) para o centro de suas atenções. GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito comercial: apontamentos. Curitiba: Juruá, 1999, p. 80. Também para VERÇOSA, que afirmou: Em vista dos problemas acima enumerados, verificou-se na Europa o retorno a um sistema subjetivo de qualificação do comerciante, com reflexos no Direito Brasileiro. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial. v. 1. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 49. 3 LIMPENS, Jean. L'unificazione del Diritto Civile e Commerciale. Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni, Milano, v. 51, n. Parte Prima, p. 422, 1953. 4 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 35. 5 Sobre os perfis da empresa no novo Código Civil brasileiro, afirmamos que o Código brasileiro, contudo, não adotou terminologia uniforme para referir-se a cada um dos perfis da empresa. A empresa, em seu perfil subjetivo, é o empresário individual, pessoa natural, ou a sociedade empresária, pessoa jurídica, que exerce atividade econômica organizada própria de empresário. No entanto, para referir-se à pessoa natural que individualmente exerce atividade empresarial, o Código utiliza três expressões distintas: (a) empresário (cf. arts. 226, 967, 968, e 1.º, 969, 970, 971, 972, 973, 975, 978, 979, 980, 1.142, 1.144, 1.150, 1.152, 1.º, 1.156, 1.163, e p. único, 1.166, 1.179, e 2.º, 1.181, p. único, 1.184, 2.º, 1.185, 1.187, p. único, inc. III, 1.190, 1.191, 1.º, 1.194, 1.195, 2.031 e 2.037); (b) empresário individual (cf. art. 931); e (c) empresa (cf. arts. 1.178 e 1.188). Para referir-se à pessoa jurídica que exerce atividade empresarial, o Código utiliza as expressões (a) sociedade empresária (cf. arts. 983, 984, 1.142, 1.144, 1.150, 1.179, 1.181, p. único, 1.184, 2.º, 1.185, 1.190, 1.191, 1.º, 1.194 e 2.037); (b) sociedade (cf. arts. 226, 1.187, ú., III, e 1.195); e (c) empresa (cf. arts. 931, 1.178, 1.187, II, 1.188 e 1.504). Na terminologia do Código, então, a expressão empresa é utilizada para designar ora o empresário individual e ora a sociedade empresária. Ao referir-se à atividade empresária, o Código utiliza a expressão (a) empresa (cf. arts. 974, e 1.º e 2.º, 1.185, 1.142, 1.155, 1.172 e 1.184). Utiliza, também, as expressões (b) atividade (cf. arts. 966, 967, 972, 973, 975, 982, 1.136, 1.168, 1.187 e 1.194), ou (c) atividade negocial (cf. art. 628). E no que respeita ao perfil objetivo da empresa, o estabelecimento, o Código utiliza somente a expressão estabelecimento (cf. arts. 75, 1.º, 164, 969, parágrafo único, 1.134, 1.142, 1.143, 1.144, 1.145, 1.146, 1.147, e parágrafo único, 1.148, 1.149, 1.164, parágrafo único, 1.178, e parágrafo único, 1.184, 1.º, 1.187, parágrafo único, inc. III, 1.268, 1.467, inc.

doutrina terminou por identificar na empresa não mais do que a atividade econômica exercida pelo empresário, pondo o acento naquilo que Asquini definiu como o perfil subjetivo. Desta forma, a importância em caracterizar-se o empresário consiste em identificar-se quem será o destinatário do conjunto de normas que compõem o estatuto profissional do empresário. O novo Código Civil estabelece uma série regras que integram o estatuto do empresário (ver, por exemplo, os arts. 967 a 971, quanto à inscrição; os arts. 972 a 980, quanto à capacidade para exercício de atividade empresária; o art. 983, quanto aos tipos societários das sociedades empresárias; os arts. 1.142 a 1.149, quanto ao estabelecimento empresarial; os arts. 1.150 a 1.154, quanto ao registro; os arts. 1.155 a 1.168, quanto ao nome empresarial; e os arts. 1.179 a 1.195, quanto à escrituração). Além disso, somente os empresários e as sociedades empresárias estão sujeitos à falência e à recuperação de empresa, conforme dispõe o art. 1. da Lei 11.101/05. Ademais, conta o estatuto do empresário com a norma integrativa contida no art. 2.037 do Código Civil, que determina dever-se aplicar aos empresários e às sociedades empresárias as normas não revogadas pelo novo Código relativas aos comerciantes e às sociedades comerciais. Deste modo, as normas de caracterização do empresário individual e da sociedade empresária consistem em normas de configuração, no sentido de que qualificam um sujeito, de modo prévio, para que se possa aplicar outras normas jurídicas que contêm, em seu suporte fático, referência a qualidade previamente atribuída ao sujeito 6. Com efeito, deve-se determinar quem é empresário para identificar-se quem está sujeito à aplicação das normas que compõem o estatuto do empresário. A fattispecie do empresário encontra-se no art. 966 do Código Civil, no qual lê-se: Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Deste enunciado normativo a doutrina extrai os elementos caracterizadores do empresário. Consistem estes elementos nos seguintes: atividade, profissionalidade, economicidade e I). CAVALLI, Cássio Machado. O direito da empresa no novo Código Civil. Revista de direito mercantil, São Paulo, v. 131, p. 153-184, jul./set. 2003. 6 CASTRO, Torquato. Teoria da situação jurídica em direito privado nacional. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 31 e ss. Em especial, p. 33, em que o autor asseverou que as leis que regulam em geral as condições de exercício das profissões são assimiladas às normas configurativas do status.

organização. Para ASCARELLI, a atividade consiste em uma série de atos coordenados entre si em relação a uma finalidade comum 7. Desta forma, a atividade deve ser voltada para a produção ou circulação de bens ou serviços, conforme indicado na parte final do caput do art. 966 do Código Civil. Por profissionalidade entende-se o exercício habitual 8 ou permanente 9 de uma atividade econômica, conquanto admita-se atividades sazonais 10, no sentido de que não se impõe que a atividade seja ininterrupta, bastando que não seja meramente eventual ou aleatória. 11. Ao passo que, por economicidade, entende-se a intenção de realizar lucro, entendido este último em sentido amplo 12, do que decorre a noção de economicidade de gestão, entendida como equilíbrio estrutural entre ingressos e dispêndios. 13 Para parte significativa da doutrina, o lucro constituiria um elemento não-essencial 14 do conceito de empresário. Além disso, sobre o dispositivo correlato ao art. 966 do Código Civil, afirmou JAEGER que nem todos os elementos contidos no art. 2082 do Código Civil italiano são essenciais para a caracterização do empresário 15. Por fim, a organização comporta um duplo significado, conforme o critério adotado para explicá-la. O primeiro critério é de ordem quantitativa ou vertical 16 ; o segundo, de ordem qualitativa ou horizontal 17. O critério de ordem quantitativa é baseado na noção econômica de organização dos fatores de produção empregados pelo sujeito, para que se lhe aplique o estatuto do empresário. A origem deste critério encontra-se nos conceitos de empresa formulados 7 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 147. 8 RESCIGNO, Pietro. Codice Civile. Milano: Giuffrè, 1997. p. 2387. 9 BULGARELLI, Waldírio. Estudos e pareceres de direito empresarial (o direito das empresas). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 241. 10 Entretanto, é importante estabelecer limites para a exigida habitualidade e estabilidade, que certamente, não podem chegar a ponto de excluir do âmbito da empresarialidade as atividades exercidas sazonalmente, como é o caso de certos hotéis e restaurantes situados em estâncias rurais ou em cidades litorâneas. DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa à luz do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Método, 2004. p. 118. 11 DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa à luz do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Método, 2004. p. 118. 12 RESCIGNO, Pietro. Codice Civile. Milano: Giuffrè, 1997. p. 2389. 13 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. In Direito empresarial. São Paulo: Saraiva. 1.995. p. 10. 14 Conforme entende ASQUINI, seria elemento natural, mas não essencial, o fim de remuneração (lucro) como motivo da atividade do empresário. ASQUINI, Alberto. Profili dell'impresa. Rivista del Diritto Commerciale e del diritto Generale delle Obbligazioni, Padova, v. 41, p. 9, 1943. 15 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 38. 16 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 37.

ao longo do século XIX, notadamente o conceito de VIVANTE, que destacava a importância da combinação dos fatores de produção para a conceituação da empresa 18. Este traço distintitvo do empresário igualmente foi utilizado por ASQUINI ao descrever o perfil subjetivo da empresa, para quem um dos elementos que conformam o empresário consiste na organização do trabalho alheio e do capital próprio ou alheio 19. Deste modo, passou-se a sustentar que seria empresário quem organizasse trabalho alheio ou, ao menos, trabalho prevalentemente alheio em relação ao próprio trabalho do empresário 20. É também a partir deste critério quantitativo que se investiga o significado da expressão elemento de empresa, contida no Parágrafo único do art. 966 do Código Civil 21, no qual lê-se: Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Deste modo, afirma-se que as profissões intelectuais não se submeteram às normas empresariais, salvo se o exercício da profissão ocorrer em uma estrutura organizacional maior, organizada sob a forma empresarial. Neste sentido, manifestou-se o Conselho de Justiça Federal pelos Enunciados 194 e 195 formulados na III Jornada de Direito Civil, nos quais, respectivamente, lê-se: Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade pessoal desenvolvida ; e A expressão elemento de empresa demanda interpretação econômica, devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, como um dos fatores da 17 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 37. 18 VIVANTE, Cesare, Tratado de derecho mercantil, v. I. Madrid: Academia Editorial Reus, 1932, p. 131. 19 ASQUINI, Alberto. Profili dell'impresa. Rivista del Diritto Commerciale e del diritto Generale delle Obbligazioni, Padova, v. 41, p. 7, 1943. A observação de que ASQUINI destacava a organização do trabalho alheio encontra-se em JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 39. 20 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 39. JAEGER refere o paralelismo que se estabeleceu na Itália entre organização do trabalho e organização dos meios de produção. JAEGER, Pier Giusto e DENOZZA, Francesco. Appunti di diritto commerciale. 4 ed. v. 1 Milano: Giuffrè, 2000, p. 18. 21 Referido dispositivo legal possui sua inspiração no art. 2238 do Codice Civile, que dispõe: Se o exercício da profissão constituir elemento de uma atividade organizada em forma de empresa, aplicam-se também as disposições do título II (...). O referido título II do Código Civil italiano cuida do Trabalho na empresa.

organização empresarial. 22 O critério quantitativo de investigação da organização do empresário, contudo, foi objeto da crítica de BIGIAVI que, ao investigar o conceito de pequeno empresário contido no art. 2083 do Código Civil italiano, recorreu ao seguinte questionamento ad absurdum: se o empresário substituísse todos os seus empregados por máquinas, ele deixaria de ser considerado empresário por não organizar trabalho alheio? 23 Como passo sucessivo, conforme registrou JAEGER, parte da doutrina passou a admitir que não somente a organização do trabalho, mas também do capital, não entra como elemento essencial na definição do empresário. 24 Além disso, há outra crítica que se pode objetar ao critério quantitativo de caracterização do empresário. É que se a nota diferencial entre o empresário e o nãoempresário reside na quantidade de fatores de produção (capital e trabalho) organizados, deveria ser possível encontrar na lei a indicação desta quantidade. O Código, no entanto, silencia quanto a indicação desta medida. Ademais, quanto à organização do trabalho alheio, o próprio Parágrafo único do art. 966 autoriza a interpretação de que ninguém será considerado empresário por ser empregador. Deste modo, não será a organização dos fatores de produção que caracterizará alguém como empresário 25, - apesar de freqüentemente os empresários organizarem fatores de produção, - da mesma maneira que não é uma pretensa ausência de organização que exclui os profissionais intelectuais do conceito de empresário 26. Esta conclusão remete ao critério qualitativo de classificação da organização do empresário. Neste sentido, o que diferiria o empresário do não-empresário não seria a quantidade de fatores de produção organizados, mas a distinção entre as atividades profissionais de organização desenvolvidas. Desta forma, segundo ASCARELLI, não seria a ausência de organização que excluiria o profissional intelectual do empresário, mas uma diversa valoração social 27 da atividade desenvolvida. Esta valoração social 22 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. III Jornada de Direito Civil. Disponível em: <http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/iiijornada.pdf > Acesso em: 3 de junho de 2006. 23 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 39. 24 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 40. 25 Para JAEGER, não somente a organização do trabalho, mas também a do capital, não entra como elemento essencial na definição do empresário. JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 40. 26 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 170-171. 27 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 168.

seria fundada na tradição 28. Com efeito, certas profissões intelectuais, comumente referidas pelo adjetivo liberais, por necessitarem de uma regulação do acesso e da fiscalização do seu exercício 29, organizaram-se em torno de corporações profissionais que desempenham a dupla função de órgão de (a) registro e de (b) normatização e fiscalização do exercício da profissão. Este é, inclusive, o sentido que preponderantemente se atribui ao termo profissão intelectual no Codice Civile, que refere, em seu art. 2229, aquelas profissões que possuem listas próprias. Neste sentido, inclusive, propôs-se fosse interpretada a expressão profissão intelectual contida no Parágrafo único do art. 966 do Código Civil 30, - ou seja, como aquelas profissões liberais organizadas em corporações próprias, - pois, tomada em sentido amplo, a atividade das profissões intelectuais confunde-se, em abstrato, com a atividade econômica de produção de serviços para o mercado 31. Esta interpretação é corroborada pelas disposições dos art. 2.º da Lei 8.934/94 32 e do próprio caput do art. 982 do Código Civil 33, que afirmam, respectivamente, um critério de exclusão do regime do registro e do estatuto do empresário. Neste sentido, integram a norma dos referidos dispositivos as normas contidas nos estatutos profissionais regulados por leis próprias. No Brasil, foram reconhecidas diversas profissões por meio da formação de órgãos de classe, a quem cumpre a função de fiscalizar o exercício da profissão e de registrar do profissional individual. As sociedades formadas por esses profissionais, contudo, registram-se no Registro Civil de Pessoas Jurídicas 34. Há, porém, órgãos profissionais a quem compete não somente o 28 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 44. 29 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 168. 30 CAVALLI, Cássio Machado. O direito da empresa no novo Código Civil. Revista de direito mercantil, São Paulo, v. 131, p. 153-184, jul./set. 2003. 31 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 168. 32 Dispõe o art. 2. da Lei 8.934/94: Os atos das firmas mercantis individuais e das sociedades mercantis serão arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, independentemente de seu objeto, salvo as exceções previstas em lei. 33 Dispõe o art. 982 do Código Civil: Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. 34 Neste sentido, há os Conselhos Regionais de Medicina, a quem compete, conforme o art. 15 da Lei n. 3.268, de 30 de setembro de 1957, a) deliberar sobre a inscrição e cancelamento no quadro do Conselho; b) manter um registro dos médicos, legalmente habilitados, com exercício na respectiva Região; c) fiscalizar o exercício de profissão de médico ; os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária, a quem compete, conforme o art. 18 da Lei n. 5.517, de 23 de outubro de 1968, inscrever os profissionais registrados residentes em sua jurisdição e expedir as respectivas carteiras profissionais. Há os Conselhos Regionais de Técnicos de Administração, a quem compete, em razão do art. 8. da Lei n. 4.769, de 9 de setembro de 1965, b) fiscalizar, na área da respectiva jurisdição, o exercício da profissão de Técnico de

registro de profissionais individuais como também de sociedades formadas por esses profissionais 35. Por outro lado, além da atividade das profissões liberais tradicionais, há, no corpo do próprio Código Civil, normas que excluem outras atividades profissionais do âmbito do registro e do estatuto do empresário. É o que se passa, por exemplo, com aqueles que exercerem atividade rural, que não serão considerados empresários, conforme dispõem os arts. 971 e 984 do Código Civil. Contudo, estes mesmos dispositivos estabelecem a possibilidade de aquele que exercer atividade rural sujeitarse voluntariamente ao estatuto e ao registro do empresário desde que registre seus atos no Registro Público de Empresas. Ou seja, estabelece o Código a hipótese de sujeição voluntária ao estatuto do empresário. Além disso, ao interpretar o dispositivo do art. 2238 do Código Civil italiano, que é análogo ao Parágrafo único do art. 966 do Código Civil brasileiro, registrou JAEGER opinião largamente prevalente 36 na doutrina italiana, segundo a qual referido art. 2238 se limita a reconhecer que a atividade dos profissionais pode se inserir em uma atividade de empresa (o exemplo clássico, contido na relazione do Código, é aquele do médico que administra uma casa de saúde): neste caso, se ambas atividades são encabeçadas pelo mesmo sujeito, ele, além de se qualificar como profissional, qualifica-se também como empresário e submete-se ao relativo estatuto 37. Esta interpretação ressoa em parte da doutrina brasileira que critica a exclusão, de plano, de certas sociedades de profissionais liberais do regime da empresarialidade 38. Além disso, Administração; c) organizar e manter o registro de Técnicos de Administração (administradores de empresas). Há a Ordem dos Músicos do Brasil, que exerce, por meio de Conselhos Regionais, a atribuição de deliberar sobre a inscrição e cancelamento de músicos no quadro do Conselho, conforme a Lei n. 3.857, de 22 de dezembro de 1960. Da mesma forma, conforme o art. 13 da Lei n. 2.800, de 18 de junho de 1956, os Conselhos Regionais de Química devem registrar os profissionais de acordo com a presente lei e expedir carteira profissional. 35 Nesse sentido, os Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura, a quem compete, conforme o art. 34 da Lei n. 5.194, de 24 de dezembro de 1966, organizar, disciplinar e manter atualizado o registro dos profissionais e pessoas jurídicas que, nos termos desta lei, se inscrevam para exercer atividades de engenharia, arquitetura ou agronomia, na Região. Também se insere nessa categoria a profissão de Corretor de Imóveis, a cujo Conselho Federal de Corretores de Imóveis compete, conforme o art. 17 da Lei n. 6.530, de 12 de maio de 1978, organizar e manter o registro profissional das pessoas físicas e jurídicas inscritas. O mesmo ocorre com os profissionais da advocacia e as sociedades de advogados, conforme a Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, que atribui ao Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a inscrição do advogado (art. 10) e da sociedade de advogados (art. 15, 1. ). 36 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 45, nota de rodapé 101. 37 JAEGER, Pier Giusto. La nozione d impresa. Milano: Giuffrè, 1985. p. 44-45. 38 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados São Paulo: Atlas, 2004. p. 25.

registra-se que atualmente há uma tendência no direito comunitário europeu a se considerar como sociedades empresárias os grandes escritórios de advocacia 39. Eis a razão pela qual existe a possibilidade de um mesmo sujeito exercer, simultanemanete, o papel social de empresário e o de profissional liberal, sujeitando-se, portanto, ao estatuto do empresário e ao estatuto da profissão liberal desenvolvida, ou seja, submetendo-se a uma multiplicidade de regimes. É o quanto, por exemplo, sustenta DUARTE 40, para quem inexiste impedimento da submissão de um único profissional a uma multiplicidade de regimes. Assim como inexiste qualquer óbice ao exercício simultâneo, por um mesmo indivíduo, das atividades de empresário e profissional intelectual em ramos distintos, não se veda que, em uma atividade aparentemente idêntica, haja a submissão do sujeito a uma diversidade de regimes, conforme a natureza da atividade desenvolvida. É o caso, verbi gratia, de um médico que é titular de uma clínica e presta atendimento a pacientes seus. Em tal circunstância, submeter-se-á aos dois regimes jurídicos: o de empresário e o de médico exercente da profissão intelectual, os quais serão concorrentemente aplicados. A caracterização das sociedades como sendo empresárias ou não-empresárias relaciona-se aos critérios utilizados para a classificação do empresário individual, tendo em vista a norma do art. 982 do Código Civil, que estabelece considerar-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro. Neste sentido, enquanto a caracterização do empresário individual se dá pelo efetivo exercício da atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços 41, a sociedade empresária, por sua vez, é caracterizada pelo escopo societário 42, que deverá ser empresarial, conforme dispõe o art. 982 do Código Civil. Assim, conforme ASCARELLI, enquanto nas pessoas físicas a atividade não poderá ser imputada a não ser após a efetiva prática de atos por meio dos quais ela surge (sendo, por isto considerada como um fato ), nas pessoas jurídicas será suficiente o 39 Nesse sentido, ver MAC-DONALD, Norberto Da Costa Caruso. O projeto de Código Civil e o Direito Comercial. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre, v. 16, p. 139-160, 1999. No mesmo sentido, TRENTINI, Flávia. O novo conceito de empresa. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 92, n. 813, p. 18, jul. 2003; e DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa à luz do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Método, 2004. p. 125. 40 DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa à luz do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Método, 2004. p. 125. 41 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 156. 42 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 156.

escopo de exercê-la 43. Contudo, caso o escopo societário seja de espécie excluída do âmbito da empresarialidade mas a sociedade efetivamente desenvolver atividade empresária, será esta última que prevalecerá para a caracterização da sociedade como sendo empresária 44. Os únicos tipos societários que são considerados sempre como subordinados ao Registro de Empresas e ao Estatuto do Empresário são a sociedade anônima e a sociedade em comandita por ações, conforme dispõem o Parágrafo único do art. 982 do Código Civil e o art. 2., 1., da Lei 6.404/76. Nesta hipótese, há o critério de empresarialidade pela forma ou por determinação legal. Por outro lado, o tipo societário que será sempre excluído da empresarialidade, independentemente da atividade que desenvolva, será a sociedade cooperativa, em razão do disposto no Parágrafo único do art. 982 do Código Civil, que dispõe serem as cooperativas consideradas simples. Assim, apresenta o Código Civil o critério de exclusão legal do regime da empresarialidade. Neste sentido, conforme observa WALD, as sociedades anônimas e as cooperativas ficam excluídas do critério legal de classificação com base na atividade. 45 Além disso, ao dispor no caput do art. 982 que Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais, o Código Civil utiliza a expressão sociedade simples no sentido de sociedade não-empresária. No entanto, o próprio Código Civil utiliza a expressão sociedade simples a significar um tipo societário específico, regulado nos arts. 997 a 1.038. Deve-se atentar a esse duplo significado atribuído a expressão sociedade simples porque nem sempre que a expressão for utilizada se estará a referir aos dois sentidos. Isto porque, conforme dispõe o art. 983 do Código Civil, a sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. Desta maneira, quando uma sociedade, em razão do seu objeto, for 43 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 152. 44 ASCARELLI, Tullio. Corso di Diritto Commerciale. Milano: Giuffrè, 1962. p. 152. 45 WALD, Arnoldo. Comentários ao novo Código Civil (arts. 966 a 1.195) v. 14. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 81.

caracterizada como sociedade empresária, ela poderá adotar a forma de sociedade em nome coletivo (regulada pelos arts. 1.039 a 1.044 do Código Civil); de sociedade em comandita simples (regulada pelos arts. 1.045 a 1.051 do Código Civil); de sociedade limitada (regulada pelos arts. 1.052 a 1.054 do Código Civil). Independentemente de seu objeto, conforme o Parágrafo único do art. 982 do Código Civil, serão sempre consideradas empresárias as sociedades por ações, ou seja, a sociedade anônima (regulada pelos arts. 1.088 a 1.089 do Código Civil e pela Lei 6.404/76) e a sociedade em comandita por ações (regulada pelos arts. 1.090 a 1.092 do Código Civil e pela Lei 6.404/76, em especial pelos arts. 280 e seguintes). Contudo, se a sociedade, em razão do seu objeto, for caracterizada como simples, ou seja, sociedade não-empresária, ela poderá adotar a forma de sociedade simples (regulada pelos arts. 997 a 1.038 do Código Civil); de sociedade em nome coletivo (regulada pelos arts. 1.039 a 1.044 do Código Civil); de sociedade em comandita simples (regulada pelos arts. 1.045 a 1.051 do Código Civil); de sociedade limitada (regulada pelos arts. 1.052 a 1.054 do Código Civil). Neste sentido, poderá haver uma sociedade simples, no sentido de sociedade não-empresária, que adote a forma de sociedade simples, no sentido de tipo societário; poderá, também, por exemplo, haver uma sociedade simples, no sentido de sociedade não-empresária, que adote o tipo sociedade limitada; e assim por diante. Desta forma, o art. 983 do Código Civil estabelece a liberdade de escolha do tipo societário a ser adotado para o exercício de atividade econômica. Conforme ensina WALD, o sistema jurídico brasileiro traz uma série de tipos societários com características e regimes diversos. Em princípio, há liberdade de escolha, pelas partes, da forma societária a ser adotada, ressalvados certos casos, nos quais a lei exige a adoção de determinado regime societário. 46 Precisamente por constituir o eixo sobre o qual assenta o Direito Comercial contemporâneo, a fattispecie da norma de configuração do empresário é aquela que se apresenta como a mais sensível às transformações deste ramo do Direito e identifica mais adequadamente suas atuais fronteiras em relação aos demais direitos profissionais. Referências bibliográficas 46 WALD, Arnoldo. Comentários ao novo Código Civil (arts. 966 a 1.195) v. 14. Rio de Janeiro:

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