O PAPEL DO SENADO FEDERAL NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE INTRODUÇÃO Geraldo Andrade da Silva * O presente artigo procura analisar o papel do Senado Federal dentro do controle difuso de constitucionalidade após a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. A suspensão, pelo Senado Federal, de uma norma declarada inconstitucional no caso concreto 1 concede a eficácia erga omnes às decisões pacíficas do Supremo Tribunal Federal que declaram a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no controle difuso. Assim, desde a Constituição de 1934, a suspensão da execução pelo Senado é a forma de outorgar generalidade à decisão 2. Na verdade, o comando utilizado pelo constituinte de 1934 foi repetido nas Constituições de 1946, 3 de 1967 4 e na Constituição de 1988. 5 * Estudante do 9º período em Direito pela ESDHC. 1 O supremo Tribunal Federal firmou entendimento no julgamento do Processo Administrativo nº 4.477/72 de que a comunicação ao Senado só é cabível na hipótese de declaração incidental de inconstitucionalidade. 2 Assim dizia o art. 91, IV da Constituição de 1934: Compete ao Senado Federal: IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário; 3 Art 64 - incumbe ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto declarados inconstitucionais por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. 4 Art 45 - Compete ainda privativamente, ao Senado: IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou decreto, declarados inconstitucionais. por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; 5 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
2 O art. 52, X, da Constituição de 1988 comporta interpretações, mas a suspensão pelo Senado Federal somente se dará se tratar de decisão do Supremo em controle concreto, pois a suspensão do ato declarado inconstitucional visa conferir efeitos erga omnes a uma decisão que, até então, tem efeito apenas para as partes litigantes. A suspensão da execução pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional pela excelsa Corte foi a forma definida pelo constituinte para emprestar eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade nos recursos extraordinários. (MENDES. 2008. p.1078) Outra polêmica, que será abordada em capítulo próprio, referese ao caráter vinculante ou discricionário do ato praticado pelo Senado. A doutrina é divergente, afirmando que o ato do Senado é optativo, mas deve ser baixado sempre que se verificar a hipótese prevista na Constituição. Uma segunda corrente afirma que a suspensão da lei pelo Senado é um dever e concorre com os requisitos legais. Assim, não pode o Senado furtar à suspensão da lei declarada inconstitucional pelo Supremo. Parte da doutrina brasileira, liderada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, defende uma releitura do art. 52, X, da Constituição de 1988, por entender que tal dispositivo tenha sofrido uma mutação constitucional. O objetivo é limitar o ato político do Senado e ampliar a competência do Supremo, fazendo com que a decisão de inconstitucionalidade proferida pelo STF passasse a ter eficácia geral e vinculante. A mutação constitucional é defendida em razão da completa reformulação do sistema jurídico diante do paradigma do Estado de Direito Democrático que exige do Judiciário um papel mais ativo, preocupado com as transformações sociais e com a celeridade. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos.
3 O PAPEL DO SENADO FEDERAL NA SUSPENSÃO DO ATO O papel do Senado Federal, atualmente, está passando por uma mutabilidade interpretativa e consequente aprimoramento, que tende pela desnecessidade da interferência, admitindo a significação da introdução do controle abstrato das normas. Nas suas razões históricas, reporta o Ministro Gilmar Ferreira Mendes às constituições anteriores que, ao instituírem a atribuição do Senado de suspender a execução do ato declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, remetem a um dever jurídicoconstitucional, com vistas a prevenir as ações judiciais e a possibilidade de existirem decisões judiciais conflitantes e, por conseguinte, o estado de insegurança jurídica. Constitucionalidade afirma: Luís Roberto Barroso, em obra intitulada Controle de quando a Corte Suprema declara inconstitucional qualquer dispositivo de lei ou ato governamental, o Procurador Geral da República comunicará a decisão ao Senado Federal, para os fins do artigo 52, X, suspenda, e bem assim a autoridade legislativa ou executiva de que tenha emanado lei ou ato. Reforça, portanto, o modelo jurídico brasileiro mais ligado à vertente romano-germânica que tende a priorizar a não eficácia vinculante às decisões judiciais, mesmo as referentes ao Supremo Tribunal. O que se contrapõe, a identificação no Direito norte-americano de controle incidental e difuso onde as decisões de tribunais são vinculantes para os demais órgãos judiciais sujeitos a sua competência revisional. (BARROSO, 2006. p.109) No Direito norte-americano, o stare decisis empresta efeitos vinculantes às decisões das cortes superiores. Daí ter-se adotado, em 1934, a suspensão de execução pelo Senado como mecanismo destinado a outorgar generalidade à declaração de inconstitucionalidade. Importante, ainda, ressaltar que, em 1934, já se trabalhava com a concepção da divisão de poderes, há muito consolidada. E quando da
4 promulgação desse texto, outros países já atribuíam eficácia geral às decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas, tais como o previsto na Constituição de Weimar de 1919. A abrangência e competência do Senado Federal, ao suspender o ato, estendem para as esferas estaduais e municipais. O Senado, órgão da Federação, pode suspender a execução de qualquer ato normativo declarado inconstitucional pelo STF, seja no âmbito federal, estadual, municipal ou distrital. Sob outro ângulo, o Senado Federal, instância política, está com a atribuição de funções substantivas, contendo o entendimento de que somente ato de suspensão do Senado mostra-se apto a conferir defeitos gerais à declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal cuja eficácia estaria limitada às partes envolvidas no processo, o que seria a própria negação da idéia de nulidade da lei, devidamente declarada pelo órgão máximo do Poder Judiciário (MENDES, 2008, p. 522).. Segundo Luís Roberto Barroso, na obra citada, compete ao Senado Federal suspender todos os atos normativos de quaisquer níveis de Poder. No mesmo sentido, argumenta o Ministro Gilmar Mendes que a abrangência das leis estaduais e municipais não se restringe à lei ou a decreto, tal como previsto no texto constitucional, contemplando as várias modalidades normativas de diferentes denominações. Quanto aos efeitos da resolução do Senado, indaga-se será ex tunc ou ex nunc. A despeito de argumentos contrários, no sentido de que a execução da lei declarada inconstitucional significa a retirada do ordenamento jurídico, o efeito deve ser ex nunc para não prejudicar situações jurídicas anteriormente realizadas com base na lei julgada inconstitucional. Assim, os efeitos da suspensão operam efeitos ex nunc, eis que não se cuida de declarar a inconstitucionalidade e, sim, de uniformizar o controle incidental.
5 O Ministro Gilmar Mendes, que estuda amplamente os efeitos da suspensão pelo Senado, sustenta a tese de que o efeito deveria ser ex tunc. Para ele, a expressão suspender, no todo ou em parte, lei ou norma declarada inconstitucional, do inciso X, art. 52, implica que o dispositivo não autoriza a equiparação do ato do Senado a uma declaração de ineficácia prospectiva. Assim, a suspensão constitui um ato político que retira a lei do ordenamento jurídico, de forma definitiva e com efeitos retroativos. Contrariamente ao entendimento do Ministro, a maioria dos doutrinadores propõe que a deliberação senatorial produza efeitos ex nunc, ou seja, prospectivos ou para o futuro. Permanecem com a segunda posição, por exemplo, Themístocles Brandão Cavalcanti, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, José Afonso da Silva, Regina Maria Macedo Nery Ferrari e Lênio Luiz Streck, citados por Mendes. Contrapondo-se a esta presença majoritária de personalidades citadas, o próprio Supremo já decidiu no sentido de que a suspensão da vigência da lei por inconstitucionalidade torna sem efeito todos os atos praticados sob o império da lei inconstitucional. E, seguindo tal referendo, o próprio Ministro Gilmar Mendes afirma que:... compartilhamos da orientação segundo a qual a resolução do senado produz efeitos ex tunc ou retroativos. Significando, portanto, que cumpre ao Senado tão somente emprestar eficácia geral à decisão do Supremo tribunal federal, que fica, assim, valendo para todos, com todos os seus efeitos,inclusive os retroativos, como se a lei jamais houvesse existido... (2008: 1.080) Por outro lado, independentemente da modulação ou não dos efeitos, anote-se que a resolução do Senado impede que o Supremo Tribunal Federal altere sua posição, variando a jurisprudência, pois, se o fizer, a eficácia será apenas para o caso concreto, por outro lado, a estabilidade da jurisprudência, no controle difuso, poderia ser resolvida com a edição de uma súmula vinculante pelo próprio Supremo.
6 CONCLUSÃO A doutrina brasileira, sobretudo após a Constituição de 1988, passou a fazer novas leituras sobre o mesmo instituto jurídico. Nessa esteira, alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal passaram a entender que deveriam dar novo sentido às decisões proferidas em sede de controle incidental. A mutação constitucional, conforme querem alguns, em última análise, pretende unificar os efeitos das decisões concretas e abstratas do Supremo. Porém, encontra dificuldades por ausência de base legal ou constitucional para fazê-lo. Muito embora o art. 52, X, da CF, contemporaneamente, não tenha a mesma razão de ser de quando foi erigido a postulado máximo pela Constituição Federal de 1934, o Supremo também, dentro do Estado de Direito, não pode simplesmente fechar os olhos para a mutação constitucional e nem fazer de conta que o dispositivo é inconstitucional, pois não o é, uma vez que no Brasil não existe inconstitucionalidade de norma originária. Assim, a Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes da Sentença vem tomando força a cada dia entre os constitucionalistas, bem como entre os componentes da Suprema Corte, sobretudo a partir de sua nova composição. A transcendência é uma realidade, não mera utopia. A tese sustentada pelo atual Presidente do Supremo, Ministro Gilmar Mendes, mostrase sedutora e até mesmo louvável. Não é, contudo, uma unanimidade. Está muito longe disso. Carrega consigo o fardo de ser minoritária no ordenamento pátrio.