Crimes contra a dignidade sexual Lei /2009

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Transcrição:

Crimes contra a dignidade sexual Lei 12.015/2009 Francisco Monteiro Rocha Jr.* Alteração do título VI do Código Penal A Lei 12.015, de 2009, trouxe substanciais alterações nos crimes contra a liberdade sexual, como se verifica desde a alteração da própria nomenclatura do título VI do Código Penal que anteriormente se denominava dos crimes contra o costume e agora passa a se chamar dos crimes contra a dignidade sexual. Dessa forma, o objetivo dessa aula é abordar os tipos penais contemplados por esse diploma legal e seus respectivos desdobramentos na prática forense, que incluem, é de se destacar, efeitos concretos inclusive em casos com sentenças condenatórias que já transitaram em julgado. Estupro A nova redação do delito de estupro previsto no artigo 213 do Código Penal (CP) ficou positivada da seguinte forma: Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Agente ativo De pronto visualizamos a possibilidade de o agente passivo ser tanto o homem quanto a mulher, a partir dos 14 anos de idade. Da mesma forma, o autor do referido delito pode ser também homem ou mulher, acabando com a restrição que existia na Doutorando em Direito Penal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito Penal pela UFPR. Professor das Faculdades Integradas do Brasil (Unibrasil). Advogado.

DIREITO PENAL redação anterior, em que, excetuando-se a possibilidade de a mulher ser partícipe, só o homem poderia ser agente ativo e só a mulher agente passivo do crime de estupro. Isso altera a classificação do crime de estupro de crime próprio, em que o agente ativo somente poderia ser pessoa do sexo masculino, para o crime impróprio, cujo agente ativo pode ser qualquer pessoa. Fusão dos tipos penais do estupro e atentado violento ao pudor na nova lei Verifica-se também dessa nova redação que o delito de estupro passou a contemplar no mesmo tipo penal a conduta que era tipificada pelo crime de atentado violento ao pudor, o qual restou revogado com a Lei 12.015/2009. Conforme se vê do atual texto dado ao crime de estupro, este se realiza não só com a conjunção carnal, entendida como a penetração parcial ou total do pênis na cópula vagínica, mas também na prática de qualquer ato libidinoso, compreendido como qualquer ato que objetiva o prazer sexual, diverso da conjunção carnal (sexo oral, sexo anal, carícias no órgão genital da vítima etc.) Fusão do estupro e atentado violento ao pudor e proporcionalidade Em razão disso, é necessário ter em mente que a configuração do delito de estupro consistente na prática de qualquer ato libidinoso dependerá, à luz do princípio da proporcionalidade, da gravidade da conduta do agente. Sim, pois não sendo efetivamente grave a conduta praticada pelo agente (por exemplo, o beijo roubado em público, carícias por cima da roupa etc) ter-se-á crime de ato obsceno (CP, art. 233) ou contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor (beijo roubado em público, por exemplo) prevista no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais. É de se sustentar tal posição por conta da própria reprimenda de 6 a 10 anos de reclusão prevista para essa espécie de crime que deve ser direcionada às condutas mais graves. Aliás, segundo Bitencourt (2008, p. 9-10), esse entendimento já foi empregado em algumas decisões no TJSP (RT 730;225), no TJSC (RT 725;577) e no TJRS (Apelação Criminal 700000765230, Rel. Aramis Nassif, j. em 22/03/2000).

3 Fusão do estupro e atentado violento ao pudor e concurso de crimes Essa junção do antigo crime de atentado violento ao pudor no mesmo tipo penal do estupro, acabou por excluir a possibilidade de concurso material entre tais delitos, que tinha como consequência a soma das penas desses crimes. Dessa forma, se o indivíduo em um mesmo momento pratica, mediante violência ou grave ameaça, ato libidinoso qualquer e conjunção carnal, será ele responsabilizado penalmente pelo crime de estupro (CP, art. 213). Daqui, podem surgir duas indagações: haveria crime continuado entre a conjunção carnal e o ato libidinoso dela diverso? A resposta oferecida por Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 19) é no sentido de que somente se cuidará de crime continuado se o agente cometer, novamente, em outro cenário, ainda que contra a mesma vítima, outro estupro. Ressalta ainda o autor que referentemente aos diferentes atos praticados no mesmo momento poderá o juiz os sopesar para a fixação da pena, nos termos do artigo 59 do CP. há efeitos para os agentes que já foram condenados pela prática dos dois crimes (CP, art. 213 e 214) em concurso material? Entendemos que se deve aplicar a retroatividade da lei penal mais benéfica, passando ele a responder pela prática tão somente do delito de estupro, nos termos do artigo 5.º, XL, da Constituição Federal (CF). Contudo, na esteira do que ensina Luiz Flávio Gomes (2009, p. 3) não houve aqui o fenômeno da abolitio criminis, pois o tipo penal do atentado violento ao pudor foi incorporado ao crime de estupro, havendo assim a continuidade normativa-típica, ou seja, não se suprimiu a norma proibitiva da conduta de atentado violento ao pudor, apenas unificou-a com a norma proibitiva do estupro. De todo modo, e mesmo considerando a opinião de Luiz Flávio Gomes (2009, p. 4), haverá retroatividade benéfica, pois o aumento da pena em virtude do concurso material, na sistemática antiga, deverá ser alterado para aumento da pena em virtude de continuidade delitiva. Tipo subjetivo do crime de estupro O tipo subjetivo do crime permanece inalterável, consistente no dolo, constituído pela vontade consciente de constranger pessoa, contra a sua vontade, à prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

DIREITO PENAL Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 16), sustenta que há o elemento subjetivo específico consistente na conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso para a satisfação da lascívia, do desejo sexual. Qualificadoras do crime de estupro Por fim, as qualificadoras do crime de estupro passam a ter a seguinte redação: Art. 213 [...] 1.º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. 2.º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Assim, a nova redação acabou com a dúvida referente à aplicação ou não da qualificadora em casos de grave ameaça, pois a redação anterior, quando dispunha que se da violência resulta lesão corporal, estabelecia hipótese restrita ao caso de violência. A partir de agora, pouco importa se foi mediante violência ou grave ameaça para a aplicação da qualificadora. Violência sexual mediante fraude artigo 215 Assim dispõe a nova redação do artigo 215 do CP: Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. A novidade nesse tipo penal consiste na junção dos delitos de posse sexual mediante fraude (CP, art. 215) e atentado violento ao pudor mediante fraude (art. 216), dos quais, preservou-se a pena máxima. Da mesma forma que o delito de estupro, os sujeitos ativo e passivo podem ser qualquer pessoa. Vantagem econômica e multa Há que se destacar que quando o crime for cometido com finalidade econômica, nos termos do parágrafo único do artigo em comento, há ainda a aplicação de multa:

5 Art. 215 [...] Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. Elemento normativo para a realização do crime Conforme se observa do tipo penal, exige-se para a configuração da violência sexual mediante fraude o ardil, o engodo, o artifício que leva a vítima tanto o homem quanto a mulher ao engano. Observa-se assim que a fraude deve constituir meio idôneo para enganar a vítima. A expressão outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vítima deve ser entendida como outro meio semelhante e subsidiário à fraude. Elemento subjetivo O tipo subjetivo é o mesmo que o do estupro, não se punindo a forma culposa. Assédio Sexual artigo 216-A O crime de assédio sexual, que se constitui no ato de constranger alguém para obter favor sexual, prevalecendo-se de condição hierárquica, recebeu alteração legislativa unicamente no que diz respeito ao aumento de pena em até um terço se o crime for cometido contra menor de 18 anos e maior de 14. Ou seja, o crime de assédio sexual permanece tipificando a conduta de constranger alguém, com o fim específico de obter concessões sexuais, abusando de sua condição de superioridade ou ascendência decorrentes de emprego, cargo ou função. Estupro de vulnerável artigo 217-A A tutela penal neste campo da liberdade sexual se dá com maior proteção em relação às pessoas incapazes de externar seu consentimento racional de forma plena. Antes da Lei 12.015/2009 se tutelava a liberdade sexual das pessoas consideradas como incapazes de externar o consentimento através do artigo 224 do CP, o qual positivava a presunção da violência, que ocorria quando a vítima fosse a) menor de 14 anos de idade, b) alienada ou débil mental e o agente conhecesse tal circunstância, e, c) ou quando a vítima não pudesse, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

DIREITO PENAL A Lei 12.015/2009 substituiu a presunção de violência pela vulnerabilidade, nos termos do artigo 217-A do CP, que assim dispõe: Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. 1.º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Presunção de violência e erro de tipo Anteriormente à Lei 12.015/2009 discutia-se na doutrina e jurisprudência se a presunção de violência era absoluta ou relativa o que acarretava na possibilidade ou não de se fazer prova em contrário. Os mais recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmavam que a presunção de violência era absoluta, motivo pelo qual não cabia a discussão sobre o consentimento ou não da vítima (STJ - AgRg no Ag. 900161/MG) (STJ - ERESP 688211/ SC) (STJ -HC 86808/DF) Por outro lado, há precedentes do próprio STJ que entendem ser possível a incidência do erro de tipo referente à idade da vítima, o que possibilitava a prova em contrário. O Ministro Felix Ficher sustentava que cabia o erro de tipo (CP, art. 20, caput) na hipótese de o agente acreditar, em razão do porte físico da vítima, que esta contava com mais de 14 anos, o que afetava a consciência, elemento constitutivo do dolo e resultava na atipicidade da conduta do agente. Para o Ministro, a presunção absoluta acabaria por resultar, nesses casos, em responsabilidade penal objetiva do acusado, o que é repudiado pelo ordenamento jurídico pátrio. Acreditamos que a substituição do elemento de presunção de violência para vítima vulnerável não afastou a possibilidade de o agente agir em erro de tipo nos casos em que a vítima é menor de 14 anos, mas aparenta ser maior e o agente desconhece a sua idade. Especificamente porque o erro de tipo previsto no caput do artigo 20 do CP é aquele erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal, ou seja, falsa representação da realidade, que não pode ser afastada através de lei, mas sim, apurada através dos fatos concretos.

7 Estupro de vulnerável, fusão com atentado violento ao pudor, sujeitos e pena Uniu-se neste artigo 217-A o contexto dos atos sexuais, abrangendo tanto a conjunção carnal quanto outros atos libidinosos, na mesma forma em que ocorreu com o estupro (CP, art. 213) O agente ativo é qualquer pessoa maior de 18 anos, e o agente passivo deve ser pessoa vulnerável, ao contrário do que ocorria na legislação revogada. Há ainda que se destacar que a pena foi elevada para reclusão de 8 a 15 anos. Revogação do artigo 9.º da Lei de Crimes Hediondos O STJ, em julgamento do antigo crime de estupro presumido agora estupro contra vulnerável firmou o entendimento de que a Lei 12.015/2009 revogou o artigo 9.º da Lei 8.072/90 na parte que tange aos crimes contra a dignidade sexual. (Recurso Especial 1102005/SC Relator Ministro Félix Ficher), que estabelecia o aumento de metade da pena, no caso de presunção de violência nos termos do artigo 224 do CP. Revogação do artigo 223 do CP A lei também revogou o artigo 223 do CP que previa a qualificadora pelo resultado, mas inseriu artigo em comento, as causas de aumento dos parágrafos 3.º e 4.º, estabelecendo penas mais severas. Se houver lesão corporal grave, reclusão de 10 (dez) a (20) vinte anos. Se houver morte da vítima, reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Da mediação de vulnerável a servir a lascívia de outrem artigo 218 e da satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente artigo 218-A O antigo crime de corrupção de menores foi desdobrado na nova legislação em dois tipos penais. Analisemo-los separadamente. Da mediação de vulnerável a servir a lascívia de outrem artigo 218 Assim estabelece o artigo 218 do CP: Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

DIREITO PENAL O sujeito ativo é qualquer pessoa, ao passo que o sujeito passivo é o menor de 14 anos. A conduta descrita nesse tipo penal é induzir que significa persuadir, convencer alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia (desejo sexual) de outrem. Se a vítima for maior de 14 anos o agente indutor deverá responder pelo crime previsto no artigo 227, parágrafo 1.º do Código (mediação para servir a lascívia de outrem). Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente artigo 218-A Assim dispõe o artigo 218-A: Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. O agente ativo é qualquer pessoa e o agente passivo é o menor de 14 anos. Não se exige que o agente ativo tenha contato físico com o menor de 14 anos ou obrigue este a se despir ou adotar qualquer conduta atrativa, pois tal conduta enseja a incidência do crime de estupro de vulnerável. A conduta típica consiste na prática de ato sexual na presença do menor. Ainda que existam posições como a de Nucci (2009, p. 50), para quem, a simples indução (dar ideia) ao menor a presenciar ato libidinoso já configuraria o crime, a leitura do tipo penal em comento não permite tal tipo de ilação. O tipo subjetivo é o dolo e há o elemento subjetivo diverso do dolo consistente em satisfazer a lascívia própria ou de outrem. Favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável artigo 218-B Eis a formulação do artigo 218-B do CP: Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

9 Trata-se de figura típica na qual o legislador tratou como vulnerável o menor de 18 anos e o enfermo mental, criminalizando qualquer ato tendente a o encaminhar ou a não o retirar da prostituição ou outra forma de exploração sexual. O agente ativo é qualquer pessoa. O sujeito passivo entretanto é o menor de 18 anos e maior de 14 ou a pessoa enferma ou deficiente mental. O tipo subjetivo é o dolo não se punindo a forma culposa e não há elemento subjetivo diverso do dolo. O crime é punido com a cumulação da pena de multa, quando cometido com o fim econômico. Criou-se a figura típica apropriada para punir a pessoa que tiver relação sexual com menor de 18 anos e maior de 14, no cenário da prostituição (CP, art. 218-B, 2.º, I), e também, para o proprietário, gerente ou responsável pelo lugar onde se verifique a prostituição juvenil ( 2.º, II). No último caso, criou-se outro efeito obrigatório da condenação que é a cassação da licença de localização e funcionamento do estabelecimento. Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual artigo 228 O artigo 228 sofreu poucas alterações, tendo sido acrescentado somente que o induzimento ou a atração de alguém a prostituição, abarcará doravante também qualquer forma de exploração sexual. Os sujeitos ativos e passivos podem ser qualquer pessoa. A adequação típica é facilitar, induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou impedir o abandono do comércio da atividade sexual (prostituição). O elemento normativo do tipo consistente na exploração sexual depende da prova de fraude ou outro meio enganoso. Segundo Nucci (2009, p. 76), em razão disso, torna-se rara a possibilidade de induzir ou atrair alguém a ser sexualmente explorada sem se tornar partícipe do crime apropriado, envolvendo a exploração sexual, como, por exemplo, o artigo 215. É de se reparar que é indiferente tratar-se de vítima já inserida na prostituição para que se caracterize o crime, pois a lei tanto pune o induzimento ou aliciamento como a facilitação.

DIREITO PENAL Exige-se o dolo, não se admitindo a forma culposa. Há elemento subjetivo consistente em envolver a vítima no comércio profissional da atividade sexual. O parágrafo 1.º do artigo 228 qualifica a infração penal, com pena de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Casa de prostituição artigo 229 A partir da Lei 12.015/2009, além da prostituição, o estabelecimento não pode permitir a habitualidade (contida no verbo manter) de outras formas de exploração sexual, como os relacionamentos sexuais obtidos mediante fraude. Trata-se de crime comum, em que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O grande problema, como afirma Nucci (2009, p. 80), é que a prostituição por si não é crime e nem toda a forma de exploração sexual é delito, motivo pelo qual tal artigo apresenta problema relativo à ofensividade. A punição só é possível se o lugar for exclusivamente destinado à exploração sexual, conforme entendimento do STJ no recurso especial 102.912/DF. Ou seja, se o estabelecimento for destinado a outras atividades comerciais como bar, hotel, boate, danceteria etc., não se caracterizará o crime de casa de prostituição. O crime previsto nesse artigo pode ser condicionado à prova do delito precedente, casos em que somente haverá a condenação do dono do estabelecimento se houver prova do crime sexual, configurando a exploração sexual. Rufianismo artigo 230 Manteve-se o caput do anterior tipo penal, consistente em punir o rufião, ou seja, aquele que vive a custa da prostituição alheia. Contudo, houve alteração da figura qualificada do parágrafo 1.º, incorporando descrição mais abrangente. Agora, qualifica-se o crime, com pena de reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos, se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. Modificou-se também o parágrafo 2.º para acrescentar, além do emprego de violência ou grave ameaça, a fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima. Retirou-se a multa e manteve-se a pena de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência.

11 Tráfico Internacional de pessoa para fim de exploração sexual artigo 231 Alterou-se o elemento objetivo do crime, inserindo a finalidade do tráfico de pessoa para o fim de exploração sexual, mantendo-se o termo prostituição. O sujeito ativo é qualquer pessoa. O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que efetivamente se prostitua ou sofra qualquer delito sexual. Criou-se o parágrafo 1.º formulando tipo específico para punir qualquer pessoa que fizer parte no tráfico de pessoa para prostituição ou exploração sexual, assim pode ser punido quem agenciar, aliciar, comprar a pessoa traficada, transportar, transferir ou alojar tal pessoa. Alterou-se o critério da qualificadora com aumento da metade da pena se a vítima é menor de 18 anos (CP, art. 231, 2.º, I), ou se possuir enfermidade ou deficiência mental ( 2.º, II). Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância ( 2.º, III); se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude ( 2.º, IV), nesta hipótese retirou-se o sistema cumulativo referente à pena decorrente da violência. Aplica-se a pena de multa se for vislumbrado o fim de obter vantagem econômica (CP, art. 231, 3.º). Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual artigo 231-A Com a redação dada pela Lei 12.015/2009 o núcleo do tipo passa a ser promover (ser a causa geradora de algo) e facilitar o deslocamento (tornar fácil o deslocamento de um lugar ao outro) dentro do território nacional. O elemento subjetivo é o dolo, não se punindo a forma culposa. Há o elemento subjetivo diverso do dolo consistente em para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual. A Lei 12.015 criou o parágrafo 1.º, formulando o tipo específico para a intermediação do tráfico de pessoa para exploração sexual. Assim, qualquer pessoa que tomar parte no tráfico de pessoa para prostituição sexual pode ser punida. As qualificadoras permaneceram inalteradas.

DIREITO PENAL A ação penal artigo 225 Nos crimes contra a dignidade sexual definidos nos capítulos I (crimes contra a liberdade sexual) e II (crimes sexuais contra vulneráveis) a ação penal que era de iniciativa privada, passou a ser, em regra, pública condicionada à representação. A regra, portanto, a partir da nova lei é a representação do ofendido para dar início à ação penal. No entanto, procede-se mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 anos ou pessoa vulnerável. A ação também será pública incondicionada quando ocorrer o resultado morte ou lesão grave ou gravíssima, por força da súmula 608 do STF. Isto porque em se tratando de crime complexo, em que se tutela mais de um bem jurídico, aplica-se a regra do artigo 101 do CP que determina que a ação penal será pública quando a lei considerar como elementar ou circunstância do tipo legal, fatos que constituam crimes de ação penal pública (como o resultado morte ou lesão grave ou gravíssima). Aury Lopes Junior (2009, p. 4) e Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 70) sustentam que por ser alteração processual de índole material, a Lei 12.015/2009, que é mais benigna ao réu, deverá retroagir, salvo se já houver o trânsito em julgado, devendo o juiz ou tribunal suspender os casos em que se iniciaram mediante ação penal pública, mas que agora são condicionados à representação, para que a vítima ofereça a representação, sob pena de extinção do processo e da punibilidade pela decadência. As ações referentes aos crimes previstos nos demais capítulos são de iniciativa pública incondicionada. Disposições gerais artigos 234-A e 234-B A Lei 12.015 trouxe consigo a previsão do aumento da pena: Na metade, se do crime resultar gravidez; De um sexto até a metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador. O artigo 234-B disciplina que os processos em que se apuram os crimes definidos neste título (crimes contra a dignidade sexual) correrão em segredo de justiça. Este dispositivo se harmoniza com o artigo 201, parágrafo 6.º, do Código de Processo Penal (CPP), com redação dada pela Lei 11.690/2008, o qual estabelece que:

13 Art. 201. [...] 6.º O juiz tomará as providencias necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos ou outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação. Tratado de Direito Penal: parte especial 2, dos crimes contra a pessoa, de Cezar Roberto Bitencourt, editora Saraiva. Crimes contra a Dignidade Sexual e outras Reformas Penais, de Luiz Flávio Gomes, disponível em <http://www.lfg.com.br>. Ação Penal nos Crimes contra a Dignidade Sexual, de Aury Lopes Junior, disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13534>. Crimes contra a Dignidade Sexual: comentários à Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009, de Guilherme de Souza Nucci, editora Revista dos Tribunais.