3) Interrogações sobre a Ética da Psicanálise na Clínica com Pacientes Psicóticos. Yzabelle dos Anjos Almeida (IP-UERJ), Rita Maria Manso de Barros (IP-UERJ) Resumo: Este trabalho pretende tratar da ética da Psicanálise com pacientes psicóticos. Historicamente nascida do interesse de Freud pelo enigma clínico da histeria, a clínica psicanalítica muito cedo se viu desafiada a explicar, no contexto de sua própria metapsicologia, os mecanismos psíquicos envolvidos na gênese das psicoses.embora Freud restringisse o sucesso da Psicanálise à clínica das neuroses, Lacan deu uma guinada ética quando passou a escutar os psicóticos. Esses pacientes tornavam evidente algo que ele já havia percebido no inicio de sua carreira como médico: que a loucura estava antes a serviço de uma criação individual do que a favor de uma defesa. E a Psicanálise deveria poder estar à altura dessas criações. A partir do dito lacaniano que recomenda ao analista não recuar diante da psicose, interrogamos sobre o lugar que o analista deve ocupar na clinica com pacientes psicóticos e qual o suporte de seu desejo. Palavras-chave: Psicanálise, ética, desejo. A Psicanálise, historicamente nascida do interesse de Freud pelo enigma clínico da histeria, muito cedo se viu desafiada a explicar, no contexto de sua própria metapsicologia, os mecanismos psíquicos envolvidos na gênese das psicoses.lacan deu uma guinada ética quando passou a escutar as psicoses. Elas tornavam evidente algo que ele já havia percebido no inicio de sua carreira como médico, que a loucura estava antes a serviço de uma criação individual do que a favor de uma defesa. E a psicanálise deveria estar à altura dessas criações. Para referir-se ao mecanismo especifico da psicose, Lacan recorreu a um neologismo para designar a condição essencial da psicose, a foraclusão do Nome-dopai, conceito que trata da relação especifica que o psicótico estabelece com o significante. Segundo o psicanalista francês, é num acidente desse registro e no que nele se realiza, a saber, na foraclusão do Nome-do-Pai no lugar do Outro, e no fracasso da metáfora paterna, que é possível apontar a falha que confere à psicose sua condição essencial, como uma estrutura específica e peculiar que a separa da neurose e da perversão (LACAN, 1957-58/1998, p. 582). Freud fez a análise do caso Schreber, a partir do qual também funda sua teoria acerca das psicoses. Segundo o austríaco, o delírio seria uma forma de reorganização do aparelho psíquico, no sentido de uma tentativa de cura, concepção hoje bastante estabelecida. Ele mostrou que delírios e alucinações não são efeitos imediatos de uma
dada causa, mas uma defesa do Eu, na tentativa de se livrar de uma representação inassimilável e ameaçadora. Essa representação que ameaça o Eu está ligada à experiência de castração. Esse registro da experiência de castração é o que Freud denomina representação intolerável, e é contra essa representação que o Eu se defende pela foraclusão. Para Freud, a causa do desencadeamento da psicose de Schreber foi a irrupção de um impulso homossexual (FREUD, [1911] 1996, p.54). Articulando desejo homossexual e desencadeamento, ele afirma que, ao menos em sujeitos do sexo masculino, as principais formas de paranóia conhecidas podem ser todas representadas como negação da proposição única:eu (um homem) o amo (um homem) (FREUD, [1911] 1996, p. 71). Nas três formas de negar a proposição fica bastante evidente que a iniciativa parte do outro e que o sujeito está em posição de objeto. Lacan afirma que: para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome-do-Pai, foracluído, isto é, jamais advindo no lugar do Outro, seja ali invocado em oposição simbólica ao sujeito. É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado, dá início à cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que seja alcançado o nível em que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante (LACAN, 1958, p.584). De acordo com Lacan, a noção freudiana de Verwerfung estabelece que na psicose falta um significante (a metáfora paterna) que amarre a cadeia simbólica. Essa relação maciça do sujeito com o significante que surge neste lugar de falta, onde as palavras são tomadas como coisas, numa enxurrada de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, é estabilizada através da certeza delirante. É, portanto, fundamental a escuta do delírio, pois através dele o sujeito se endereça ao outro. Essa clínica é um desafio no que diz respeito à transferência, interpretação e manejo no que tange a postura e o lugar que o analista possa ocupar.lacan desenvolve e aprofunda o estudo das psicoses, afirmando que não devemos recuar diante das possibilidades de tratamento, tratamento esse que valoriza fortemente a escuta do delírio. Ele introduz a idéia de que o psicótico dá testemunho efetivamente de uma certa virada na relação com a linguagem... (LACAN,1985, p.237). Por isso devemos
escutá-lo, mesmo que o que ele diga seja incomunicável e sem sentido para nós. Dessa forma, nos interrogamos sobre o lugar que o analista deve ocupar na clinica com pacientes psicóticos e qual o desejo que o sustenta em seu ofício. A psicanálise se baseia na relação do sujeito com sua própria fala, e o psicótico apresenta uma relação diferenciada, especial com a linguagem, com o seu discurso. Sabe-se que a linguagem possui como característica um mal-entendido fundamental. Assim, é preciso estar atento para a contrapartida disso, isto é, a existência, necessária, em algum ponto do discurso, de algo que não engana. Na psicose há ausência de um Outro capaz de produzir um reconhecimento simbólico. Isso faz com que em alguns momentos o sujeito seja submetido a uma falta de referência, pois o saber que ele detém não é suficiente para sustentá-lo dentro da ordem simbólica. O saber do psicótico é sem sujeito suposto e por isso cabe a ele sustentar a sua certeza. O psicótico vive no pensamento do Outro, num imaginário descolado do real, não vive no seu próprio corpo. Seu corpo é privado da palavra, é um corpo sem sujeito ou sujeito sem corpo. Essa denegação do corpo é determinada pela foraclusão do simbólico. E assim, o psicótico encarna a condição de uma vida que só se pode dizer através do sintoma, pois não se vê enquanto sujeito. Cabe ao analista identificar qual é a sua demanda enquanto sujeito, oferecendo-lhe a oportunidade de falar o que quiser e se quiser, sem pressupostos. Segundo Quinet (1993), a demanda pode ser formulada por duas vertentes: pelo simbólico ou pelo real, mesmo que geralmente essas duas vias se misturem. O psicótico pode trazer questões muito semelhantes as do neurótico: Estou vivo ou morto? Sou homem ou mulher? As questões do neurótico se alicerçam sobre o desejo do Outro, sob a forma de repetição ou sintoma. Na psicose, a resposta se produz mesmo antes da questão, e o sujeito busca na análise a confirmação e o testemunho do analista, ou que ele faça barra ao gozo do Outro que o persegue, que fala em seu interior, em sua cabeça, ou que o olha na rua. Essas questões se apresentam de forma diferente nas relações do sujeito neurótico, verificando-se nele uma incessante busca pela felicidade irrestrita, um ideal de felicidade, proliferando-se absurdamente na tentativa de preencher a fenda estrutural do sujeito, a falta que não tem cura. O sujeito, então, procura uma análise, buscando uma resposta, encarnada na figura do analista, sobre a sua felicidade. O discurso
psicanalítico instaura um limite, um impossível do qual não se pode fugir. A falta não pode ser sanada. Lacan (1959-60/2008) afirma que a ética da psicanálise nada tem a ver com uma disciplina da felicidade, trata-se da ética do desejo, desejo de despertar desejo, daquilo que o sujeito possui de mais particular. Porém, sabemos que essa é uma demanda neurótica, que nada diz respeito à estrutura psicótica. Lacan, no Seminário,livro 3 (1955-56), propõe que os analistas se tornem "secretários do alienado", tomando ao pé da letra o que este lhes conta. Trata-se de saber escutar aquilo que os psicóticos manifestam de sua relação com o significante. A psicose não se encontra num total rompimento com o mundo, já que o delírio prenuncia justamente outra realidade onde existe, sim, a exigência do significante. O delírio é uma tentativa de cura, de reconstrução. Dessa forma, Lacan nos orienta a escutar o discurso do sujeito com delicadeza e cuidado para as suas diferenças, já que é por meio desse discurso, o discurso delirante, que devemos aceitar o que ele diz, mesmo que seja incomunicável e sem sentido, uma vez que há ai uma relação especial com a linguagem, o que determina uma forma de se relacionar com o mundo. Segundo Costa e Freire (2010), secretariar o alienado consiste, portanto, em sustentar, de um lado, um lugar de parceria, e, de outro, como polo de endereçamento, de modo a auxiliar o sujeito a ancorar o pulsional pela escrita e fundar, assim, outra forma de alteridade. O analista paga - muitas vezes com a moeda de seu mal-estar -, o preço de buscar que algo da ordem do impossível possa se colocar, ali, através de seu desejo. O psicanalista também paga, renunciando ao lugar que o psicótico, como objeto de gozo, pode lhe demandar. Na contramão deste gozo está outra ordem de satisfação, aquela advinda do desejo do analista, ligada à autenticação que se pode conferir às construções que o psicótico deposita à medida que se constitui um laço mínimo de endereçamento. Referências bibliográficas: COSTA, Carlos Alberto Ribeiro; FREIRE, Ana Beatriz. Lacan, secretário do alienado. In: Mental, Barbacena, v. 8, n. 14, 2010. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s16794427201000010000 5&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 18 ago. 2014.
FREUD, S. A perda da realidade na neurose e na psicose (1924).In: Obras Completas. Vol. XIX, Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 152.. Notas Psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (1911).In: Obras Completas. Vol. XII, Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 15-108. LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1957/58). In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p. 582-584.. O Seminário, livro 3: as psicoses (1955/56). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.. O Seminário, livro7:a ética da psicanálise (1959/60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. QUINET, A. Teoria e clínica da psicose.rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2ºEd Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003..As 4+ 1 condições da análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. Mestranda em Pesquisa e Clínica em Psicanálise da UERJ yzabellesoares@hotmail.com Professora Associada da UERJ e da UNIRIO Programa de Pós-graduação em Pesquisa e Clínica em Psicanálise da UERJ ritamanso@globo.com