Ressonâncias de um trabalho na Escola
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- Maria Clara Ximenes Borba
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1 Ressonâncias de um trabalho na Escola Lourenço Astúa de Moraes O coletivo de trabalho e pesquisa que se reúne no seminário intitulado Ressonâncias da Interpretação, realizado na EBP-Rio e conduzido por Marcus André Vieira, foi formado em sua maioria por correspondentes da seção Rio e antigos alunos do ICP, para investigar e pensar o conceito da Interpretação a partir de Freud e Lacan. O trabalho propriamente dito iniciou-se em 2009, com encontros quinzenais em torno da leitura e do comentário de passagens de, principalmente, Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, de Lacan. Cada semana, um ou dois participantes, além de desempenharem a função de leitores-guia, expunham aos demais um desenvolvimento elaborado a partir da junção de um trecho anteriormente escolhido e extraído dos textos de referência e um conceito-chave dentre os quais tínhamos, por exemplo, sujeito, desejo, poesia, destino etc., o que por sua vez dava início à discussão, ao trabalho e à elaboração em grupo. Em 2010 os encontros prosseguiram de forma um pouco diferente. Com trechos menores a trabalhar na maioria dos casos, uma só frase, o encarregado de apresentar não mais teve que ocupar a função de leitor-guia, o que resultou na possibilidade de elaborações originais e ricas em referências: além de literatura, poesia e textos de psicanálise e psiquiatria, também tivemos filmes, séries de televisão e animações. O que orientou o trabalho foi a constante e renovada tentativa de definir e pensar a interpretação, sua estrutura e modo de funcionamento ou sua mecânica, segundo Marcus André a partir dos temas chaves previamente escolhidos. Partindo da noção de saber ou saberes (prático, teórico e matemático), percorrendo pontualmente os Outros escritos, terminamos o ano tratando da realidade e do sonho. Ao longo desse tempo, falou-se das noções de verdade e ambiguidade, do insabido e da compreensão, da psicose e do infantil, do texto, das letras, da citação e da leitura. Tratou-se, tanto em 2009 como em 2010, de um trabalho que correspondeu a um momento muito vivo na aproximação de cada participante com a Escola. Segue um trecho da transcrição do encontro de 10 de junho, no qual Márcio Barbeito 1
2 comenta a frase A interpretação é extradiscursiva, tal como na psicose 1 : Márcio Barbeito: Entramos agora em um terceiro momento da apresentação: o que nos ensina a psicose? A resposta seria isso que Marcus acaba de dizer, que o significante está até mesmo na base do fenômeno elementar e que o delírio e a alucinação são significantes puros em suas reduções máximas. É por isso que o Porca!, tomado por essa vertente da interpretação que estamos propondo aqui, valeria como tal. Se Lacan de fato quer romper com a psiquiatria clássica, ele quer é romper com o significado, não com o significante. Lacan fala do significante como coisa última. É isso que explica o fato dele poder entrar e fazer parte de qualquer vivência, inclusive do fenômeno elementar. A ultimidade do significante, que não é a ultimidade do não palpável sendo essa algo meio etéreo, seria a coisa final do delírio, a coisa última... Celina Pinheiro: Ou a coisa primeira... Márcio Barbeito: Exatamente. Marcus André Vieira: Se formos regredindo, de cima até embaixo, encontraríamos essa coisa última, que é o significante. Márcio: Nas palavras de Lacan: É a linguagem, de sabor particular e frequentemente extraordinário, do delirante. É uma linguagem onde certas palavras ganham um destaque especial, uma densidade que se manifesta algumas vezes na própria forma do significante, dando-lhe esse caráter indiscutivelmente neológico tão surpreendente nas produções da paranoia. (Seminário 3 as psicoses p.42) E acrescenta: A intuição delirante é um fenômeno pleno, que tem para o sujeito um caráter submergente, 1 LACAN, J. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
3 inundante. Ela lhe revela uma perspectiva nova, cujo cunho original e sabor particular ele sublinha, como Schreber, quando fala da língua fundamental na qual ele foi introduzido por sua experiência. Ali, a palavra com sua ênfase plena, como dizem a palavra do enigma é a alma da situação. Em oposição, há a forma que a significação toma quando não remete a mais nada. É a fórmula que se repete, que se reitera, que se repisa com uma insistência estereotipada. É o que poderemos chamar, em oposição à palavra, o ritornelo. Ritornelo e palavra plena são aqui o mesmo fenômeno. Marcus André Vieira: Vamos nos deter um pouco na palavra do enigma, pois remete exatamente àquilo de que estávamos falando, a coisa última. Não há enigma sem a palavra do enigma. Tendemos a achar que o enigma é o vazio da significação, mas o enigma é aquilo que uma palavra enigmática produz. Trata-se de uma palavra que é, ao mesmo tempo, um furo. É um paradoxo. O ritornelo é uma palavra que faz furo. Aliás, qualquer palavra, se for repetida sem parar, se transforma no furo da significação. Márcio Barbeito: Continuando com Lacan: Essas duas formas, a mais plena [que seria o enigma] e a mais vazia [o ritornelo] param a significação, é uma espécie de chumbo na malha, na rede do discurso do sujeito. Característica estrutural em que, já na abordagem clínica, reconhecemos a assinatura do delírio. (Seminário 3 as psicoses p.44) Marcus André Vieira: Se mantemos o paralelo, a interpretação também é isso. São palavras que se agarram, que estruturam, mas que não dizem tanto. Elas põem em movimento a cadeia, são prenhes de sentido, mas não são exatamente feitas de sentido. É difícil, mas é disso que Lacan está falando. Márcio Barbeito: Como assinala Lacan, o próprio Schreber sublinha sem cessar a originalidade de certos termos de seu discurso. Quando ele nos fala, por exemplo, de Nervenanhang, de adjunção de nervos... 3
4 São palavras-chave e ele próprio nota que nunca teria achado a sua fórmula, palavras originais, palavras plenas, bem diferentes das palavras que emprega para comunicar a sua experiência. Ele próprio não se engana nesse particular, existem aí planos diferentes. É uma significação que basicamente só remete a ela própria, que permanece irredutível. O próprio doente sublinha que a palavra tem peso em si mesma. Antes de ser redutível a uma outra significação, ela significa em si mesma alguma coisa de inefável, é uma significação que remete antes de mais nada à significação enquanto tal. (Seminário 3 as psicoses p.43 ). E Lacan usa então o termo significação de significação, que seria uma outra forma de falar da ultimidade. Isso me remeteu à apresentação da Cristina Frederico no ano passado, quando falou da interpretação como o que rompe o discurso para parir a fala (Função e campo, p. 317). Ela diz: A interpretação como corte opera uma subversão do sentido, fixa algum ponto de parada diante da fala vazia, da proliferação incessante da cadeia significante e possibilita que se precipite algo da fala plena, da verdade do sujeito. É assim que entendo quando Lacan diz que a a interpretação só rompe o discurso para parir a fala. Lacan faz uma referência à técnica Zen, por esta também utilizar o corte da sessão. Marcus André Vieira: Essa frase nos faz pensar a interpretação como um ato que rompe o discurso. Mas na interpretação o que rompe o discurso é o significante. O ato é então conseguir que o significante rompa o discurso. Qualquer ruptura de discurso que pudermos observar será, por definição, efeito de significante, ainda que isso passe desapercebido. Na abertura do Seminário 1, Lacan diz que o mestre interrompe o silêncio de uma forma qualquer, com um sarcasmo, um pontapé. Esse pontapé, ou esse sarcasmo, é um ato, uma vez que ali conseguiu-se uma ação dentro da linguagem, mas fora do discurso do saber. O pontapé é o significante! Isso é que produz o corte e a novidade que o acompanha. A 4
5 definição que podemos então propor para a interpretação é: o ato significante que rompe o discurso que aparelha a fala. Vicente Machado Gaglianone: Mas isso pode ser qualquer coisa? Um ato, uma fala, uma palavra? Marcus André Vieira: De certa forma, isso que você está colocando é uma objeção técnica. Se tudo que o sujeito faz é, de qualquer forma, dentro da linguagem, a diferenciação entre significado e significante recobre a diferenciação anterior, que era ato e linguagem; ou seja, nada mudou, certo? Pois bem, se temos a ideia de que existe um ato que é significante, ou, dito de outra forma, um significante em ação, vemos então que isso que estamos chamando de interpretação ou de ato significante não é um significante qualquer. Trata-se de um significante que está na teia de significantes do campo discursivo em questão. Na oposição ato-linguagem, o ato se opõe ao discurso. O que estamos dizendo aqui é outra coisa: só será ato um significante do discurso em questão que escapar aos significados dessa cadeia, que romper com seus significados. Mas não adianta só romper a cadeia. O lacanismo foi muito para esse lado. Outra coisa é buscar o significante que faz efeito de chumbo na malha. É ele que vai cortar a malha. É preciso buscar os significantes presentes no discurso, porém não concatenados, numa certa posição extradiscursiva, de ultimidade, podendo ter efeitos de deslocação. O objetivo de romper as cadeias pelo viés desse significante não concatenado é parir a fala. 5
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