A EXPERIÊNCIA RECENTE DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

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Transcrição:

A EXPERIÊNCIA RECENTE DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL INTRODUÇÃO Sérgio Eduardo A. Mendonça Secretário de Recursos Humanos Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão A Administração Pública no Brasil passou, no período de 1988 a 2002, por mudanças profundas em sua estrutura. Por duas vezes foi alterada a Constituição Federal, buscando um modelo mais eficiente de atuação do Estado brasileiro. Essas mudanças, todavia, não produziram o efeito esperado pelos governos anteriores, especialmente no que diz respeito à melhoria da qualidade dos serviços prestados ao cidadão. Naquele período, o Estado brasileiro restringiu seu foco de atuação, privatizou empresas estatais e atribuiu a trabalhadores contratados por terceiros (empresas), serviços antes realizados por servidores públicos. A Administração Pública Federal no Brasil passa, nesse momento, por uma fase de transição. O atual governo vem buscando recompor a capacidade de atuação do Estado, especialmente na administração direta, aquela que é responsável, isoladamente, ou em conjunto com outras esferas de governo (Estados e Municípios), pela prestação de serviços públicos de apoio e diretos ao cidadão. Medidas de recomposição da força de trabalho através de concurso público e de recuperação da remuneração real das diversas categorias de servidores têm sido tomadas pela atual administração, buscando fortalecer a capacidade de atuação do Estado brasileiro no plano federal. Associadas a essas medidas, o atual governo vem reduzindo o contingente de trabalhadores terceirizados voltando a valorizar a função de servidor público como instrumento essencial para concretizar a atuação do Estado. É nesse contexto que esse texto procura, resumidamente, apresentar a experiência de democratização das relações de trabalho na Administração Pública Federal que vem sendo conduzida pelo atual governo desde 2003. Trata-se de uma experiência inédita e inovadora no serviço público federal que busca estabelecer compromissos com a representação dos servidores públicos que resultem em melhoria da qualidade do serviço prestado ao cidadão e das condições de trabalho, carreira e remuneração dos servidores. Esta oportunidade, a convite do CLAD e da Divisão de Administração Pública e Gestão para o Desenvolvimento do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, permite relatar essa experiência de construção de um Sistema de Negociação Permanente que vem sendo desenvolvido pelo governo do Presidente Lula. O Brasil tem um serviço público complexo, organizado e integrado nas esferas federal, estadual e municipal, dividido entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, composto por um contingente aproximado de sete milhões de servidores públicos, espalhados por todo o território nacional. A Secretaria de Recursos Humanos - SRH é um órgão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, responsável pelo sistema de pessoal civil do poder executivo federal. A SRH coordena a rede de recursos humanos do governo federal, cerca de 205 órgãos (ministérios, autarquias e fundações) espalhados por todo o território nacional, rede essa que é responsável por mais de um milhão de servidores civis ativos, aposentados e pensionistas. Reconhecemos que o problema da profissionalização da função pública não é um assunto exclusivamente de ordem técnica, mas sim de ordem política. A experiência de construção de um modelo democrático de relações de trabalho no serviço público, insere-se nas tentativas de ampliar o grau de transparência e de controle social das ações do Estado brasileiro no plano federal. Para atingir os objetivos de transparência e controle social, o governo brasileiro vem 51

implantando, desde 2003, um programa de democratização das relações de trabalho no serviço público como mencionamos anteriormente. Composto de várias ações, esse programa tem como principal ação, a implantação de um Sistema de Negociação Permanente, voltado para assegurar uma interlocução institucional dos representantes do governo e dos servidores públicos federais. O SISTEMA DE NEGOCIAÇÃO PERMANENTE Preliminarmente, cumpre registrar a criação da Mesa Nacional de Negociação Permanente, que se constituiu em um instrumento provisório de interlocução para o atendimento de duas necessidades prioritárias: a) dar tratamento às demandas sindicais mais urgentes, apresentadas logo à posse do novo governo federal e b) promover a construção coletiva de um Sistema de Negociação Permanente. A Mesa Nacional foi constituída por intermédio da celebração de um Protocolo e têm suas regras de funcionamento fixadas em Regimento Interno, ambos aprovados por consenso do governo e dos sindicatos. A Mesa Nacional de Negociação Permanente é composta de duas Bancadas: a Bancada de Governo, composta por 8 Ministérios e a Bancada Sindical, composta por 18 entidades sindicais de representação nacional. A Mesa Nacional é coordenada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por intermédio da Secretaria de Recursos Humanos. Existem ainda, 10 Mesas Setoriais, implantadas em 10 Ministérios, com as mesmas características da Mesa Nacional, com a diferença que estas Mesas estão autorizadas a negociar assuntos que não dizem respeito a questões econômicas. E qualquer proposta neste sentido, deve ser levada para apreciação da Mesa Nacional. Para agilizar a discussão de temas estratégicos, a Mesa Nacional constituiu 4 Comissões Temáticas: Política Sindical, Seguridade Social, Diretrizes de Planos de Carreira e Política Salarial. A metodologia de trabalho estabelecida na Agenda visou desencadear o seguinte processo: a) primeiro as partes discutiram as bases conceituais da negociação coletiva no setor público; b) sobre essas bases conceituais desenvolver-se-ia o modelo de negociação; c) definido o modelo, buscar-se-ia sua sustentação legal, sugerindo legislação específica, constitucional e infraconstitucional Primeira etapa Bases Conceituais Por meio do debate democrático, com pequenas alterações de redação, foi aprovado por unanimidade dos participantes, o documento Sistema Democrático de Negociação Permanente SINP: uma concepção política Bases conceituais para instituição do Sistema de Negociação Permanente na Administração Pública Federal, posteriormente ratificada pela Mesa Nacional de Negociação Permanente. O estudo serviu de balizamento teórico para a formulação do modelo de negociação a ser implementado no âmbito da administração pública federal e apresenta-se como um conjunto de referências e diretrizes orientadoras da regulamentação da negociação coletiva para outras esferas da administração pública. Segunda etapa Arquétipo de Sistema de Negociação Considerando a aprovação das bases conceituais do modelo, após discussões internas e seminários, a Bancada Governamental apresentou uma minuta de sistema de negociação que substituiria a estrutura provisória da Mesa Nacional de Negociação Permanente. A proposta apresentada aproveitou experiências anteriores, notadamente àquelas desenvolvidas pela Prefeitura do Município de São Paulo no período de 2001 a 2004. Terceira etapa Constitucionalização e a legislação de suporte Aprovadas as bases conceituais e definido o modelo do sistema de negociação a ser implantado, reforçou-se a compreensão de que esses sistemas exigem, para uma completa e adequada regulamentação, instrumentos normativos de natureza e caráter diversos, a saber: a) detalhamento das regras em estatuto, regimento ou convênio especial, a serem firmados entre os participantes diretamente interessados; b) norma constitucional específica e c) legislação de suporte. 52

ANÁLISE DAS REFERÊNCIAS LEGAIS Analisaremos agora, resumidamente, as razões que justificam a opção por referências normatizadoras dos fundamentos, princípios e regras de negociação coletiva para o setor público. Estatutos, regimentos ou convênios especiais de negociação No Brasil, existem experiências bem sucedidas de negociação coletiva no setor público, entre as quais podemos citar a instituição da Mesa Nacional de Negociação Permanente do Sistema Único de Saúde e o Sistema de Negociação Permanente da Administração Municipal de São Paulo, que tem suas regras de negociação formalizadas detalhadamente em estatutos específicos (convênio, regimentos, protocolos, portarias, etc), negociados e firmados de comum acordo pelas partes. Tratase de providência salutar, imposta pela realidade dos fatos e que deve ser analisada sob vários aspectos: a) geralmente decorrem da ausência de antecedentes normativos administrativos e de legislação específica, já que a negociação democrática não faz parte da cultura da administração pública, de corte ainda bastante autoritária; b) ainda que houvesse uma legislação de caráter nacional dispondo sobre a matéria, dificilmente esta legislação abarcaria a diversidade de situações a serem regulamentadas detalhadamente em cada esfera pública (Federal, Estadual e Municipal); c) as regras de negociação, quando resultantes, também elas próprias, de processo democrático e participativo de negociação, gozam de maior legitimidade, gerando maior apego e compromisso. Amparo constitucional e legislação ordinária de suporte Ainda que por razões diversas, é possível constatar a existência de consenso sobre a oportunidade de constitucionalizar a negociação coletiva de trabalho para o setor público. Contudo, há que se recomendar o aproveitamento da oportunidade em que se esteja em discussão um processo semelhante, que se promova na mesma Emenda Constitucional que vá se criar o Sistema de Negociação Permanente e na mesma legislação ordinária de suporte, alterações que contemplem um conjunto de necessidades, comuns ás diversas experiências realizadas. Esse conjunto de necessidades pode ser resumido da seguinte forma: a) Competência do Congresso ou Assembléia Nacional Aqui se recomenda a redação de um ato normativo constitucional, que autorize a possibilidade de aprovação de uma legislação nacional mínima de negociação, que daria suporte imediato a todas as esferas políticas do Estado (Federal, Estadual e Municipal) b) Lei de Diretrizes Básicas Aquela legislação ordinária ou legislação mínima, não deve ser entendida como exclusiva, mas sim como uma espécie de lei de diretrizes básicas. Ou seja, além dela, poderia haver, ainda, regulamentações legislativas específicas, a critério de cada Estado ou Município, já que uma lei nacional mínima pode não dar conta das especificidades locais c) Características e natureza da negociação no setor público É conveniente salientar que no texto da Emenda Constitucional a ser elaborada e na legislação ordinária a ser criada ou a lei de diretrizes básicas, a natureza e o caráter diverso da negociação coletiva do trabalho do setor público da negociação coletiva do trabalho do setor privado, já que a primeira deve sustentar-se exclusivamente nos princípios e normas que regem a administração pública d) Reserva Legal e eficácia jurídica Entendemos também que a legislação mínima de suporte poderia sinalizar uma solução para a questão da eficácia jurídica dos instrumentos de formalização dos resultados da negociação coletiva. Não há dúvida que deve ser preservado intacto e de forma expressa o princípio da reserva legal sobre as matérias alcançadas por este instituto. Mas, dessa forma, os acordos celebrados nas Mesas de Negociação, cujos conteúdos estivessem submetidos á reserva legal, seriam necessariamente submetidos à ratificação do Poder Legislativo. Por este motivo, a redação do normativo constitucional deve contemplar, de fato, os diversos aspectos que possam fortalecer o instituto da negociação coletiva para o setor público e deixe 53

eventuais mas necessárias definições para regulamentação mínima de suporte BALANÇO DE RESULTADOS - 2003/2004 Como conseqüência da implantação da Mesa Nacional de Negociação Coletiva no Setor Público entre 2003 a 2004, a dinâmica do processo de negociação com os sindicatos que representam os servidores públicos federais alcançaram resultados inéditos na história da administração pública federal. Nestes anos foram apresentados ao Congresso Nacional mais de 26 atos normativos, todos aprovados por consenso de todos os Partidos Políticos. Os resultados podem ser mais bem expressos no quadro a seguir: RESULTADOS QUANTITATIVOS Carreiras estruturadas ou reestruturadas, sendo que doze destas carreiras passaram por duas negociações separadas, com objetos 51 distintos. Grupos de cargos isolados, tratados como se carreiras fossem, estruturados ou reestruturados, sendo que três destes grupos de cargos 11 isolados passaram por duas negociações separadas, com objetos distintos. Planos Especiais de Cargos criados 5 Tabelas Remuneratórias reestruturadas 112 Negociações concluídas 47 Negociações concluídas, dependendo de encaminhamento 9 Negociações em andamento, dependendo de solução orçamentária (criação de duas carreiras e de dois planos especiais de cargos, 2 reestruturação de uma carreira e de três tabelas remuneratórias). Servidores que tiveram seus cargos, carreiras e tabelas remuneratórias 1.116.138 reestruturados (Servidores ativos e aposentados e pensões) PRINCIPAIS DESAFIOS Certamente há um conjunto significativo de desafios a serem enfrentados para consolidar esse processo de democratização das relações de trabalho nos próximos anos. A seguir, apontamos algumas questões que devem ser enfrentadas para aperfeiçoar o sistema de negociação: Compromissos das bancadas (governo e entidades que representam os servidores públicos) Considerando a tradição corporativa das entidades sindicais, trata-se de um enorme desafio estabelecer compromissos que ampliem o escopo da negociação incorporando também a pauta da Administração Pública Federal. O fortalecimento da transparência e do controle social, embora possam ser considerados avanços inequívocos do processo de democratização das relações de trabalho, não garantem a estabilidade desse sistema. Na verdade, somente a incorporação dos interesses difusos da sociedade ao processo de negociação é que assegurará apoio dos atores sociais e políticos externos ao processo. Todavia, como fazê-lo? Se a negociação coletiva no serviço público for vista como uma ação entre amigos, que absorve recursos do orçamento público federal e compromete a alocação dos escassos recursos públicos em detrimento de outras políticas de forte alcance social, corre-se o risco de forte oposição ao sistema de negociação no setor público. Há, portanto, uma tensão positiva entre o interesse público difuso e os interesses dos servidores públicos na mesa de negociação. O sistema será estável se for capaz de incorporar às negociações e os acordos celebrados na mesa, como contrapartida, compromissos claros e transparentes com a melhoria dos serviços públicos prestados à população. De outra forma, a população pode se tornar forte opositora dos acordos. Está previsto no sistema, embora ainda não tenha sido testada, a inclusão de outras entidades que representem os interesses difusos, tais como 54

conselhos sociais, representantes do parlamento e de organizações da sociedade notadamente reconhecidas como de interesse público. Consolidação da transparência e o equilíbrio de interesses No conjunto da Administração Pública existem grupos de interesse mais fortes que outros. É o caso das carreiras que exercem funções estratégicas, tais como auditoria, área jurídica, previdência, entre outras. A mesa de negociação pode funcionar como contrapeso ao poder assimétrico dos setores com maior poder de pressão, já que reúne no mesmo espaço, a negociação dos interesses dos servidores públicos de toda a Administração. É verdade que a reunião de todos os setores do serviço público numa mesma mesa pode aumentar o poder de pressão das entidades representativas dos trabalhadores do setor público sobre o governo. No entanto, cabe lembrar os limites propostos no princípio da reserva legal, conforme exposto anteriormente. Quando a negociação e o acordo incorporarem elementos que possam ferir o princípio da reserva legal, os mesmos devem ser submetidos à ratificação ou revisão do parlamento nacional. O texto procurou expor resumidamente a experiência de democratização das relações de trabalho no serviço público em curso no Brasil. Embora o curto espaço de tempo dessa experiência não permita ainda avaliações mais acabadas sobre a mesma, seus primeiros resultados mostram-se promissores e estimulantes. Reconhecemos, entretanto, as características particulares desse processo. Trata-se de experiência histórica datada, possível de ser conduzida no governo do Presidente Lula, em função dos compromissos estabelecidos na campanha e do significado da negociação num governo presidido por uma liderança nascida no seio das lutas dos trabalhadores. Se tal experiência será bem sucedida e generalizada para outras esferas do poder público no Brasil, o tempo encarregar-se-á de demonstrar. Brasília (Brasil), 29 de abril de 2005 55

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