Televisão: Da regulamentação ao interesse público 1. Paula Cecília de Miranda MARQUES 2. Universidade Estadual Paulista, São Paulo, SP

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Transcrição:

Televisão: Da regulamentação ao interesse público 1 Paula Cecília de Miranda MARQUES 2 Universidade Estadual Paulista, São Paulo, SP RESUMO O conteúdo veiculado na televisão aberta no Brasil é alvo de constantes críticas, feitas muitas vezes sem considerar aspectos objetivos para esse tipo de análise e tampouco os fatores que motivam a atual configuração da programação da radiodifusão brasileira. Este trabalho mostra as características do meio, processos de outorga e exploração, e defende que a regulamentação tem influência sobre o que é veiculado na TV do país. Também verifica quais são os princípios estabelecidos pela regulamentação dessa mídia e aponta as dificuldades na fiscalização das detentoras das concessões no cumprimento da legislação. PALAVRAS-CHAVE: televisão; regulação; conteúdo; interesse público. INTRODUÇÃO É comum nos estudos acadêmicos sobre televisão que a abordagem seja quanto à qualidade do conteúdo televisivo no que tange sua linguagem, gêneros, formatos ou aspectos técnicos. Ao pesquisar comunicação, a intenção é deixar de reproduzir o discurso midiático hegemônico vigente. Para isso, são estudados teóricos como Adorno e a teoria da Indústria Cultural. Entretanto, produzir conteúdo experimental inovador que seja de boa qualidade, leia-se de interesse público, e que seja atraente é uma tarefa trabalhosa. A preocupação com uma programação socialmente interessante, capaz de informar, educar, estimular e entreter tudo ao mesmo tempo está sempre presente. Ou seja, fala-se muito sobre o processo de produção. Porém, é importante ressaltar que há outro fator determinante e um pouco menos evidente para a qualidade do que é exibido nas redes de TV: a regulação televisiva. 1 Trabalho apresentado no DT 7 Comunicação, Espaço e Cidadania do XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, realizado de 3 a 5 de julho de 2013. 2 Mestranda do Curso de Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp, email: paulacmmarques@hotmail.com. 1

A regulação midiática influencia todo o processo de produção: afinal, quem gere o meio de comunicação pode determinar o produto, assim como os preceitos apontados pela legislação podem auxiliar as geradoras de conteúdo no direcionamento de sua programação. E o questionamento que surge é se a regulação, do modo como se apresenta, garante que suas diretrizes de zelar pela programação educativa e de interesse público sejam obedecidos. Segundo Jambeiro, o modelo de exploração comercial das concessões permite que as emissoras desviem de sua finalidade, priorizando programas que chamam mais a atenção do público. O resultado é que a qualificação legal da radiodifusão como um serviço de interesse público e com finalidades educacionais tornou-se meramente retórica, sem conseqüências objetivas em termos de implementação. Na prática, o modo comercial de exploração da TV tem sido esmagadoramente predominante e o número e qualidade de programas de entretenimento têm superado de longe aqueles com características educacionais. (JAMBEIRO, 2008, p.89). No âmbito dessa discussão, é fundamental entender a questão da finalidade dos serviços dos meios de comunicação eletrônica, a radiodifusão. A FINALIDADE EDUCATIVA CULTURAL A televisão aberta no Brasil pode ser dividida em dois grupos 3 : comercial e educativa. As emissoras comerciais têm como característica o financiamento originado de publicidade veiculada em suas programações, que é vendida de acordo com seus índices de audiência, ou seja, visam lucro. Já as emissoras chamadas educativas e culturais são definidas por ter seu financiamento oriundo de publicidade institucional, de recursos públicos ou da prestação de serviços. A outorga de exploração dessas emissoras não comerciais cabe a União, estados, municípios, universidades ou fundações públicas. Cabe ressaltar que, de acordo com a o decreto 52.795/63 que aprova o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão, todas as geradoras devem respeitar o interesse nacional: Os serviços de radiodifusão têm finalidade educativa e cultural, mesmo em seus aspectos informativo e recreativo, e são considerados de interesse nacional, sendo permitida, apenas, a exploração comercial dos mesmos, na medida em que não prejudique esse interesse e aquela finalidade. (Art. 3º, Capitulo II.) 3 Definições da Agência Nacional de Cinema Ancine, no Mapeamento da TV Aberta 2010, com base no decreto 2.108/96. 2

Assim, nota-se que a lei não isenta as emissoras comerciais da responsabilidade da produção de conteúdo de interesse público. Todos os modelos devem atender aos mesmos preceitos. Entretanto, historicamente, a radiodifusão de sons e imagens no Brasil foi marcada pela busca de audiência e retorno comercial, majoritariamente, e essa característica é consequência da forma como se estruturou a regulação dos meios comunicação eletrônica desde os primórdios das explorações do espectro no país, nos anos 1930, em que foi feita a opção de outorgar as concessões principalmente à iniciativa privada (SPINILLO, 2011). A radiodifusão surgiu como um serviço público, por ocupar o espectro de frequência, tido como privilégio do Estado (JAMBEIRO, 2002), por isso, necessita da outorga para ser explorado. O Estado como poder concedente e o interesse privado como o executor e beneficiário da atividade. Tal fundamento tem sido a base legal para que os canais de TV, considerados bens públicos, de interesse nacional, e com propósitos educacionais, sejam cedidos a empresas privadas, para obterem lucros com sua exploração comercial. (JAMBEIRO, p.91) As concessões televisivas tem validade determinada de 15 anos, que podem ser renováveis por períodos sucessivos e iguais, desde que obedecidos alguns preceitos, como estabelece a Código Brasileiro de Telecomunicações (CTB): [...] se os concessionários houverem cumprido todas as obrigações legais e contratuais, mantidas a mesma idoneidade técnica, financeira e moral, e atendido o interesse público. Com base na lei nº 4.117/62, que institui o CBT ainda o principal instrumento regulador da radiodifusão no país, na Constituição Federal de 1988 e no conjunto de leis e decretos posteriores que tratam da regulação da televisão é possível identificar os princípios que são estabelecidos para nortear a programação televisiva e definir as obrigações legais e contratuais acima citados. É possível destacar o CTB, que estabelece que os serviços de radiodifusão devem obedecer às finalidades educativas e culturais e estabelece alguns parâmetros objetivos, como: o tempo máximo de publicidade deve ser inferior à 25% do total diário; o conteúdo informativo deve ser de, no mínimo, 5% de conteúdo noticioso. Posteriormente, o decreto de 1963 estipulou ainda, que as emissoras são obrigadas a reservar 5 horas semanais para transmissão de programas educacionais. 3

Esses parâmetros são bem generosos, de acordo com Jambeiro, que destaca que ao estipular esses valores, fica evidente que o objetivo é a maximização do lucro, contribuindo para a homogeneização de conteúdos. A ausência de regras mínimas para a programação também permite aos concessionários perseguir fórmulas que usam os gostos e interesses comuns ao maior número possível de telespectadores para atraí-los e manipulá-los. Pelos cânones deste modelo, temas complexos, ou que desatendam ou questionem aqueles gostos e interesses devem ser evitados. (JAMBEIRO, 2008, p.91) Após os decretos, a Constituição Federal também tratou da radiodifusão no capítulo Da Comunicação Social, que em seu artigo 221 estabelece: A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. (CONSTITUIÇÃO, 1988) Como se pode perceber, na Constituição brasileira há artigos que tratam genericamente da Comunicação Social e sua abordagem. Entretanto, mesmo com as normativas estipuladas pelo governo, a exploração de forma comercial desses espaços abriu a possibilidade para que o cidadão fosse tratado como consumidor, uma vez que este pagaria pela publicidade que sustenta a televisão aberta. Segundo Miguel (2004, p. 141), esse modelo permite que informação e cultura sejam reduzidas a elementos de disputa pela audiência, levando a uma padronização de conteúdos. Essa homogeneização do que é produzido contraria a finalidade educativa e cultural, pois é a diversificação que garantirá a presença de representações de cada segmento social na mídia, com suas diferentes perspectivas. A padronização de conteúdos prejudica o exercício da cidadania, pois, ao mesmo tempo em que marginaliza as minorias, não permite à sociedade acesso às informações distintas para que possa construir seu repertório, entender suas possibilidades e ter ferramentas de transformação da realidade. Esse e outros aspectos abordados pela regulação, assim como o incentivo da produção independente e regional, são diretrizes que não têm destaque nesse modelo de exploração, já que não geram interesse do ponto de vista comercial. Podemos apontar 4

como um dos motivos para que a regulamentação não seja atendida o fato de que essas indicações ainda não foram regulamentadas e isso dificulta a fiscalização e cobrança do governo e sociedade. Segundo Lima (2011), a exploração comercial também contribuiu para a formação de grupos empresariais familiares que são também os mesmos grupos oligárquicos da política regional e local e que dominam os meios de comunicação. Assim, essa exploração muitas vezes não é aliada da promoção do que é de interesse público e não fomenta temas que possam estar em desacordo com o que prega a emissora e possa colocar em questionamento qualquer tipo de dominação. Jambeiro aponta como característica única da regulação brasileira o fato de ser centralizada no poder executivo com aval do congresso nacional, enquanto em outros países comissões criadas especificamente com esse fim são responsáveis pela regulação da radiodifusão. Isso causa estranhamento combinado ao fato de que parlamentares não são impedidos de serem concessionários 4, a previsão legal apenas impede que estes sejam diretores ou gerentes de meios de comunicação. De acordo com Miguel (2004, p.131), a concentração das mídias nas mãos de um grupo de empresas significa que a difusão da informação é, em grande medida, controlada por um grupo de pessoas com significativos interesses em comum. Segundo Siqueira e Rothberg (2005), para atender ao interesse público, a televisão deve ser inclusiva e diversa. Os autores sugerem que os estudos da Ofcom 5 podem servir de orientação para a programação brasileira, pois mostram que o público busca uma programação que amplie sua compreensão de mundo e o faça pensar. De acordo com a Ofcom (apud SIQUEIRA e ROTHBERG, 2005), a TV comercial em sua busca pelo lucro pode incorrer em quatro falhas: a) não é capaz de oferecer informação precisa e plural o suficiente para a formação de cidadãos no nível de esclarecimento exigido pelas democracias liberais contemporâneas; b) não é capaz de cultivar uma identidade cultural a partir da expressão das diferentes comunidades regionais, o que abre caminho para a dominação de valores culturais de outros países; c) não consegue estimular, apesar da enorme potencialidade do meio televisivo, o interesse sobre o domínio de conhecimentos de história, ciência e meio ambiente, imprescindíveis ao crescimento intelectual; d) é incapaz de disseminar valores comuns sobre como a sociedade funciona, quais regras devem ser seguidas e quais relacionamentos devem ser construídos. (OFCOM, 2004, apud, SIQUEIRA e ROTHBERG, 2005) 4 Segundo Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica SSCE, do Ministério das Comunicações, em nota enviada ao Congresso em Foco. 5 Office of Communication é a entidade reguladora da radiodifusão britânica. 5

Para evitar as falhas da mídia com a sociedade, o autor Venício Lima (2011) defende uma regulação das comunicações como pilar para o fortalecimento e avanço da democracia brasileira. O jornalista, em seu livro Regulação das comunicações: história, poder e direitos evidencia a relação desequilibrada de poder no setor da radiodifusão. Lima lembra que no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de 2003, houve um discreto avanço das políticas públicas na área, com a fundação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e com a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Uma das grandes críticas do autor é com relação à falta de influência da sociedade civil na Comunicação, classificando seus integrantes como não atores do setor. A situação ideal seria a garantia da maior quantidade de atores sociais com capacidade para difundir produções simbólicas. Lima, ao tratar dos direitos na regulação da comunicação, destaca a questão da cidadania defendendo que, para a realização dos direitos políticos, a mídia democratizada mostra-se como condição imprescindível. Nesse sentido, os autores Bolaño e Brittos (2003), acrescentam que embora o Brasil tenha referências a produção de conteúdo de interesse público, essas diretrizes são frouxas, não havendo efetividade na cobrança do cumprimento dessas normativas. A atual regulamentação da televisão brasileira impõe poucas obrigações sociais às corporações, sugerindo a influência do poder econômico nas relações políticoinstitucionais. Faltaria à legislação o objetivo de controlar o mercado. Falta à legislação nacional uma verdadeira pretensão regulamentadora, de estabelecer ao privado imposições favorecedoras do público, independentemente do estatal. Na arena regulatória o empresariado tem buscado obter ganhos que beneficiem seus negócios, o que é facilitado porque os espaços de articulação via de regra mostram-se pouco pluralistas. Não há, portanto, a suposta neutralidade do Estado, que seria delineada pelos imperativos da globalização capitalista. (BOLAÑO e BRITTOS, 2003, p.57) Com isso, o debate que se estabelece é sobre a possibilidade de assegurar os interesses sociais, impedindo os oligopólios; promovendo a participação mais ativa da sociedade, de forma a tornar a mídia mais democrática. Porém, apesar de o governo sinalizar favoravelmente quanto a uma regulação mais severa aos meios de comunicação, os detentores desses veículos prontamente se blindam, afastando assim as propostas de retomar o tema, conforme relata Pieranti (2008), ao afirmar que, quaisquer tentativas de regulação de conteúdo ou a ela relacionadas são, em geral, 6

consideradas pelos meios de comunicação práticas de censura (PIERANTI, 2008, p. 129). Contudo, nos últimos anos, iniciativas do governo federal, como a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação e o III Programa Nacional de Direitos Humanos, evidenciam a emergente necessidade de debruçar sobre o assunto e iluminar as questões relativas à regulação da comunicação. Para garantir a neutralidade e atitudes favorecedoras do público, Bolaño e Brittos sugerem a confecção de um documento que desmanche os grandes monopólios de comunicação e reúna uma legislação única, que verse sobre todo o processo comunicacional, como a formação do Conselho de Comunicação Social, a proibição da propriedade cruzada e a discussão da relação entre mídia e sociedade. O país precisa de desconcentração da propriedade, instrumentos de controle público, acesso plural à produção, revalorização da cultura local e abertura à diversidade cultural, o que poderia estar consubstanciado num único documento, algo como um Código de Comunicação Social (o que representa mais do que as anteriormente prometidas Lei de Comunicação de Massa ou Lei de Radiodifusão), que reunisse a regulamentação dos processos midiáticos como um todo, dando um sentido de unidade ao conjunto regulamentar. (BOLAÑO e BRITTOS, 2003, p.58) Unido a isso, por meio de relatório, a UNESCO, em fevereiro de 2011, defendeu a criação de órgão regulador do rádio e da TV no Brasil, esse setor centralizaria todo o processo regulatório da radiodifusão, como propunham Bolaño e Brittos (2003). O texto da organização foi confeccionado a partir das opiniões coletadas com amostras da sociedade e também dos órgãos governamentais. O resultado são sugestões de medidas a serem adotadas pelo país a fim de ajustar a legislação ao contexto da radiodifusão no país, para sair do que a organização chamou de labirinto. A UNESCO aconselha mudanças com relação às autoridades responsáveis pelas concessões e também pela regulação dos serviços de radiodifusão. CONSIDERAÇÕES É difícil definir a eficiência da regulação da radiodifusão no Brasil. Com a falta de parâmetros objetivos, não é possível determinar o cumprimento ou não das normativas pelas concessionárias. Critérios como pluralidade, programação educativa e de respeito à cultura regional são complexos para mensurar. O que se nota, com base na 7

análise bibliográfica, é que a programação, pautada pelo interesse comercial dos grupos que detêm os meios de comunicação, não está atendendo plenamente ao interesse público. A responsabilidade social é frequentemente associadas às TVs públicas de titularidade estatal, mas com gestão pública e com financiamento vindo da sociedade, as emissoras comerciais ocupam um espaço que é um bem público e devem uma resposta à sociedade. Além de que, no Brasil, assim como nos Estados Unidos, as TV pública se mostra conteúdo de nicho e não atinge grande da população. Ramos (2012) defende que, embora na TV pública haja espaços de qualidade, não tem audiência e não concorre com a hegemonia da televisão comercial. É um instrumento de educação, informação e construção da cidadania, como deveria ser a TV comercial. A complementaridade entre TVs públicas, estatais e comerciais, surge então da pressão da radiodifusão para afastar a ideia de controle social, com a criação de um estatuto público. O que não é de interesse das emissoras comerciais, fica a cargo das TVs públicas. No processo de regulação e fiscalização da televisão, a sociedade deve se tornar ator, participar da democratização da mídia e praticar o controle social. Segundo Santos (apud SPINILLO, 2011), esse controle acontece onde existe cidadania, sociedade organizada e organismos de representação: [ ] é importante considerar que o controle social não acontece apenas quando há vontade da sociedade, é necessário que o Estado crie mecanismos para que essa atuação aconteça (SANTOS, 1999, apud SPINELLO, 2011). Spinello aponta que o controle social é um mecanismo de participação da sociedade e fiscalização da comunicação, efetivando o direito à comunicação. Verifica-se que para atingir a televisão brasileira de interesse público, é preciso uma união sociedade, estado e mídia, que entendam que uma programação plural e diversificada pode ser o caminho da cidadania. Antes de pensar em formatos e conteúdos, a partir da realidade que se apresenta, pode ser vantajoso primeiro discutir os modelos de exploração da televisão no Brasil e como torná-la um instrumento de representação social. REFERÊNCIAS 8

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