3. COMENTÁRIOS À JURISPRUDÊNCIA

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Transcrição:

3. COMENTÁRIOS À JURISPRUDÊNCIA 3.1 LIMITES CONSTITUCIONAIS À COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: ANÁLISE CRÍTICA DA SÚMULA 721 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL MAÍRA CARVALHO LUZ Advogada Integrante da Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares - RENAP 1. Teor da Súmula a ser comentada Súmula 721 do STF (DJU de 9/10/2003, publicada também no DJU de 10 e 13/10/2003): a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecida exclusivamente pela Constituição Estadual. 2. Razões A repartição de competência jurisdicional no tocante à competência originária para processo e julgamento de crimes comuns e de responsabilidade pelos tribunais é fixada na Constituição da República, de forma expressa e exaustiva, vedada qualquer interpretação extensiva. Da mesma forma, ocorre com os tribunais estaduais, cuja competência há de ser fixada, em sede constitucional estadual, segundo expresso mandamento do art. 125, 1º, da Constituição Federal. Ou seja, os limites da competência dos tribunais estão no texto constitucional, seja esse tribunal federal ou estadual, de modo que o legislador ordinário não pode ultrapassá-los, acrescentando nova competência ao rol exaustivo posto na Constituição, como se constituinte fosse. 3. Justificativa Apesar de a Constituição Federal de 1988 delimitar o âmbito dos agentes políticos que usufruem a garantia do foro por prerrogativa de função, e, conseqüentemente, estender a referida prerrogativa àqueles agentes públicos que exerçam funções simétricas, desde que previstas nas respectivas Constituições Estaduais, há controvérsia quanto à definição de quais funções possuem a referida simetria. Com isso, por vezes, a Súmula 721 do STF vem sendo descumprida, ao ter Tribunais que julgam crimes dolosos contra a vida, praticado por agente público que não usufruem a aludida prerrogativa de foro. 209 De Jure 9 prova 2.indd S1:209 11/3/2008 16:21:45

4. Comentários 4.1. Aspectos introdutórios O agente político que goza de foro especial por prerrogativa de função, estabelecido pela Constituição Federal, na hipótese de cometer crimes dolosos contra a vida, será processado e julgado pelo respectivo foro especial e não pelo Tribunal do Júri, tendo em vista que a própria Carta Magna prevê essa exceção. Isso significa que a regra de competência do Tribunal Popular não é absoluta, pois sempre que houver instituição de competência especial por prerrogativa de função na Constituição Federal, haverá o afastamento da norma geral. É o que acontece nos art. 29, X, da CF, em que o Prefeito será julgado pelo Tribunal de Justiça; art. 96, III, da CF, que prevê que Juízes e Promotores também serão julgados pelo Tribunal de Justiça; art. 102, I, b e c, art. 105, I, a, e art. 108, I, da CF/88. Grinover, Fernandes e Gomes Filho (2006) esclarecem que, tratando-se de duas competências constitucionais, deve prevalecer a garantia da prerrogativa de função, específica, sobre a genérica instituição do Júri para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por agentes públicos que gozam do referido foro especial estabelecido na Constituição Federal, sendo essa a linha adotada pela jurisprudência brasileira. Caso o crime doloso contra a vida tenha sido praticado em co-autoria, tendo, um dos réus, foro por prerrogativa de função e o outro não, haverá separação dos processos, e aquele que não tem prerrogativa deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri, uma vez que, nesse caso, prepondera a regra constitucional sobre a competência do Tribunal do Júri em detrimento da norma de lei ordinária (Código de Processo Penal) sobre a competência por conexão ou continência. Os Estados membros podem, no exercício de seu poder constituinte decorrente, estabelecer privilégios de foro para seus agentes políticos em suas Constituições Estaduais, em correspondência com os casos previstos na Constituição Federal. O art. 125 da Constituição Federal prescreve que os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nessa Constituição, acrescentando, no 1º, que a competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a Lei de Organização Judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. Compreende-se, assim, que o foro privativo deferido às autoridades estaduais deverá limitar-se ao julgamento de crimes estaduais, excluídos os juízos naturais previstos na Constituição Federal, de modo que, tratando-se de crimes federais ou eleitorais, a competência será a prevista na Carta Maior. A regra é que haja obediência às normas constitucionais e seja feita uma interpretação restritiva quanto às normas estaduais. 210 De Jure 9 prova 2.indd S1:210 11/3/2008 16:21:45

4.2. Entendimento jurisprudencial acerca da Súmula 721 do STF O Supremo Tribunal Federal tem considerado constitucionais os dispositivos estaduais que atribuem ao Tribunal de Justiça o processo e o julgamento de crimes dolosos contra a vida praticados por certas autoridades locais, tais como, deputados estaduais e secretários de Estado. Argumenta-se que, em razão do princípio da simetria com o centro, os deputados federais serão julgados pelo STF, e os deputados estaduais deverão ser julgados pelos Tribunais de Justiça dos Estados, com amparo legal no art. 27, 1º, da CF/88, no art. 102, I, b, da CF/88 - simetria com os membros do Congresso Nacional e no art. 125, caput, da CF/88. Assim, por se tratar de matéria constitucional, o Supremo Tribunal Federal aponta para a declaração de inconstitucionalidade ou para a suspensão, em sede de liminares, da eficácia de dispositivos de Constituições Estaduais que outorgam competência originária a seus tribunais para processar e julgar ações instauradas contra seus agentes políticos, cujos símiles, no âmbito federal, não detenham prerrogativas de foro conferidas pela Carta da República (ADI 2797/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; ADI 2860/DF, Rel. Min. Menezes Direito; ADI 2.587/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa; ADI 882-0/MT, Rel. Min. Maurício Corrêa; ADI 2.553-8/MA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Moraes (2007) defende que os deputados estaduais e secretários de Estado serão processados e julgados pelo Tribunal de Justiça de seu respectivo Estado, incluindo os crimes dolosos contra a vida, desde que expressamente previstos na Constituição Estadual. Argumentam que as respectivas Constituições estaduais, com base no exercício do poder constituinte derivado decorrente de auto-organização, corolário da autonomia federal prevista no art. 18 da Carta Federal, poderão atribuir a seus agentes políticos as mesmas prerrogativas de função de natureza processual penal que a Constituição Federal concedeu a seus correspondentes. Em Minas Gerais, a Constituição estadual prevê que o foro privativo do Secretário de Estado e dos deputados estaduais será perante o Tribunal de Justiça, nos termos do art. 93, 2º, e do art. 56, 1º. Nessa linha de raciocínio, Oliveira (2007) explica que a competência dos Tribunais de Justiça para o julgamento dos crimes comuns praticados pelos deputados estaduais decorre do disposto no art. 27, 1º, da Constituição Federal, que prevê igual tratamento aos referidos parlamentares no que diz respeito à inviolabilidade e imunidades, e do contido na norma geral do art. 25 da Constituição Federal, que explicita o princípio constitucional federativo, pois não há nenhuma determinação expressa de foro privativo aos deputados estaduais. Com isso, o campo de exercício dos poderes dos referidos deputados e, daí, de sua responsabilização penal, deverão limitar-se ao âmbito da 211 De Jure 9 prova 2.indd S1:211 11/3/2008 16:21:45

jurisdição do Poder Público estadual, no que se refere às infrações a bens e valores cuja proteção não se estenda a interesses federais da União. Assim todos os crimes da competência da justiça estadual, quando praticados pelos deputados estaduais, serão julgados pelo Tribunal de Justiça, incluindo os crimes dolosos contra a vida. Esses parlamentares submetem-se ao critério de competência de regionalização, desde que não se trate de crime da competência da Justiça Eleitoral ou da Justiça Federal. No julgamento da ADI 2587/GO, em que foi relator o eminente Min. Maurício Corrêa, a Suprema Corte, por maioria, reconheceu a constitucionalidade de criação, na Constituição do Estado de Goiás, de foro privativo por prerrogativa de função aos Procuradores de Estado e da Assembléia Legislativa e aos Defensores Públicos, rejeitando-a, porém, em relação aos delegados de polícia. Argumentou-se que as referidas funções seriam necessárias ao Estado democrático de direito, ao contrário do que ocorreria com os delegados de polícia, funcionalmente subordinados aos governadores estaduais e submetidos a controle externo pelo Ministério Público. Há que se registrar, contudo, que a Suprema Corte já decidiu que o direito constitucional estadual pode estabelecer casos de competência originária, em razão da pessoa, atribuindo ao Tribunal de Justiça o julgamento, por exemplo, ao Chefe de Polícia (Precedente: STF, RT 706/420). Já no HC 78.168/PB, em que foi relator o eminente Min. Néri da Silveira, o STF decidiu, em sessão plenária, que Procurador de Estado não tem prerrogativa de função. A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no HC 40.388/RJ, em que foi relator o eminente Min. Gilson Dipp, entendeu que a Constituição estadual pode atribuir competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar, originariamente, vereador, por ser agente político, ocupante de cargo eletivo, integrante do Legislativo municipal, o qual encontra simetria com os cargos de deputados estaduais, federais e senadores, sendo que estes, por força do disposto na própria Constituição Federal (art. 102, I, alínea b), têm foro por prerrogativa de função perante o Supremo Tribunal Federal, e aqueles perante os respectivos Tribunais de Justiça, conforme Cartas estaduais, tendo em vista, inclusive, a regra contida no art. 25, parte final, da Carta da República. Precedente, em sentido contrário, STJ, HC 11.939/RJ, Rel. Min. Edson Vidigal. Posto isso, verifica-se que parte da jurisprudência interpreta a Súmula 721 do STF no sentido de que o poder constituinte estadual comporta um juízo discricionário, cuja matéria é infensa a exame pelo Poder Judiciário, de modo que agentes políticos previstos exclusivamente pela Constituição estadual, que exerçam atribuições em que haja simetria com os cargos políticos previstos pela Carta Magna, como os vereadores, por exemplo, poderão gozar do foro especial por prerrogativa de função, ainda que cometam crimes dolosos contra a vida. 212 De Jure 9 prova 2.indd S1:212 11/3/2008 16:21:45

5. Conclusão DE JURE - REVISTA JURÍDICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS O julgamento dos crimes dolosos contra a vida pelo Tribunal do Júri é uma garantia constitucional, que advém da previsão do Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, do Capítulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, da Constituição Federal. Trata-se de competência em razão da matéria (crimes dolosos contra a vida, sejam consumados ou tentados) e qualificada pela Constituição Federal. Carneiro (2007) explica que o Tribunal do Júri é exemplo de competência funcional, pois pode caber a um juiz de Vara Criminal comum instruir o processo, ao juiz da vara privativa do Júri proferir a sentença de pronúncia e presidir o Júri, aos jurados responder aos quesitos, ao juiz fixar a pena e, por fim, ao juiz das execuções criminais apreciar os incidentes surgidos durante a execução da pena. Trata-se de competência funcional horizontal, tramitando o processo no mesmo grau de jurisdição. Conclui, referindose a Grinover, que a competência funcional é sempre absoluta, pois é instituída em razão do interesse público, e não da conveniência das partes. Não comporta, portanto, modificação, seja legal ou convencional. A competência por prerrogativa de função concedida às autoridades estaduais, inclusive com relação aos crimes dolosos contra a vida, decorre do princípio da simetria, do poder auto-organizatório dos Estados-membros e da autonomia dos entes federativos, nos termos art. 18 da Constituição Federal. Entretanto, como bem observam Mirabete (2007), Bulos (2007), Lenza (2004), Grinover; Fernandes; Gomes Filho (2006), se o foro especial for estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual, por lei processual ou de organização judiciária, o autor de crime doloso contra a vida deverá ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, visto que tais preceitos jurídicos não podem excluir a competência do Juízo instituído pela Carta Magna. Como bem afirma Bulos (2007), o art. 5º, XXXVII, d, da Constituição Federal, é o paradigma a ser seguido pelas ordens jurídicas estaduais. Assim, a instituição de foro especial por prerrogativa de função exclusivamente pela Constituição Estadual seria uma forma de infirmar a vigência e a eficácia da referida Carta Magna, tendo em vista que os valores instrumentais da efetivação da justiça, como a segurança pública e as garantias penais, estariam sendo gravemente transgredidas. Isto é, priorizar a competência por prerrogativa de função instituída exclusivamente pela Constituição Estadual em detrimento da competência constitucional do Júri seria violar os contornos da segurança jurídica da cidadania. Pois, como bem explica Silva (2005), o princípio constitucional da segurança jurídica, previsto no art. 5º, caput, da CF/88, visa assegurar o direito à igualdade, de modo que a segurança legítima do direito é apenas aquela que signifique garantia contra a arbitrariedade e contra as injustiças. 213 De Jure 9 prova 2.indd S1:213 11/3/2008 16:21:46

Ademais, ressalvadas as hipóteses previstas na Constituição Federal, preterir a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida para Tribunais de segundo grau compostos somente por membros togados, é uma afronta à vontade do legislador constituinte originário que elegeu o Júri como competente para julgar crimes de tal gravidade (competência em razão da matéria e qualificada pela Constituição Federal, art. 5º, XXXVIII) sem distinção das pessoas acusadas, que devem ser julgadas pelo mesmo procedimento, de modo que a decisão dos jurados na decisão da causa é soberana, não podendo ser substituída pelo entendimento do juiz togado, o que desrespeita o direito constitucional da igualdade. Atribuir o foro por prerrogativa de função para o processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por agentes políticos, cujos cargos estão previstos exclusivamente na Constituição Estadual, por conseguinte, é inconstitucional e afronta a Súmula 721 do Supremo Tribunal Federal. Isso significa que as Constituições Estaduais podem estabelecer foro privilegiado para outros cargos além daqueles que tenham simetria com a Constituição Federal, nos termos do art. 125 da Carta Magna, mas tal prerrogativa não alcançará os crimes dolosos contra a vida. 6. Referências bibliográficas BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2004. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. atual até a EC 55/07. São Paulo: Atlas, 2007. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. SILVA, José Afonso da. Constituição e Segurança Jurídica. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. (Org.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005. 214 De Jure 9 prova 2.indd S1:214 11/3/2008 16:21:46