Leonardo da Vinci, o Homem Vitruviano e a Anatomia.



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Transcrição:

Leonardo da Vinci, o Homem Vitruviano e a Anatomia. GOMES, Ivy Tasso SANTOS, Mariana Soares Pereira dos Discentes do curso de Medicina Veterinária da FAMED-FAEF/Garça FILADELPHO, André Luís ZAPPA, Vanessa Docentes do curso de Medicina Veterinária da FAMED-FAEF/Garça RESUMO As mudanças materiais ocorridas na Europa a partir do século XI resultaram em um movimento cultural que recebe o nome de Renascimento, pois foi encarado como uma volta à rica cultura da Grécia e Roma antigas. A arte tenta representar fielmente a natureza e para isso o artista deve estudar as ciências naturais, como a anatomia, para melhor representar o corpo. Começa-se a prática da dissecação e suas representações. Leonardo da Vinci é o melhor representante desta época onde o artista e o cientista se fundem. É o primeiro artista a fazer dissecações e representa-la visualmente com maestria. PALAVRAS-CHAVE: anatomia, arte, Leonardo da Vinci, medicina. TEMA CENTRAL: Medicina Veterinária. ABSTRACT Material changes occurred in Europe from the eleventh century led to a cultural movement that receives the name of the Renaissance, it was seen as a turn to the rich culture of ancient Greece and Rome. The art tries to represent faithfully the nature and that the artist must study the natural sciences such as anatomy, to better represent the body. It begins the practice of dissection and their representations. Leonardo da Vinci is the best representative of this season where the artist and scientist fuse. It is the first artist to do dissections and visually represents it with mastery. KEYWORDS: anatomy, art, Leonardo da Vinci, medicine. 1. INTRODUÇÃO Em 15 de abril de 1452, nasce na aldeia de Vinci, próxima à Florença, filho de Pietro e Caterina, Leonardo da Vinci, como seria conhecido. Em 1466 sua família transfere-se para Florença e Leonardo vai trabalhar no atelier de Andréa Verrochio. Oferece seus serviços a Ludovico Sforça, o mouro, senhor da cidade de Milão, em 1482, apresentando-se como engenheiro, arquiteto e pintor. Quando as tropas de Luís XII, em 1499, ocuparam Milão e Ludovico foge, da Vinci Transfere-se para Florença. De 1500 são os estudos de anatomia e proporções e de perspectiva. Em 1503 escreve o Códice sobre o vôo dos pássaros. É convidado novamente a voltar a Milão por Charles D Ambroise em 1506, e um ano depois é nomeado pintor e engenheiro na corte de Luís XII da França. Volta a Florença em 1508, e continua seus estudos científicos. Em setembro deste mesmo ano estuda hidráulica. Vai a Roma em 1513 onde é protegido pelo irmão do Papa Leão X, encontrando lá a possibilidade e desenvolver seus estudos de ótica. Em 25 de abril de1519 dita seu

testamento. Morre em 02 de maio deste mesmo ano em Cloux na França. Seu sepultamento ocorre no convento da Igreja de São Florentino, em Ambroise. 2. CONTEÚDO As mudanças materiais ocorridas na Europa a partir do século XI, o renascimento do comércio, do artesanato e das cidades, o nascimento da burguesia e o processo de formação das monarquias nacionais, foram acompanhadas por mudanças nas idéias resultando em um grande desenvolvimento da literatura, das artes plásticas e das ciências. Este movimento cultural, desenvolvido nos séculos XIV, XV e XVI, recebe o nome de Renascimento, pois foi encarado como uma volta à rica cultura da Grécia e Roma antigas. A cultura renascentista marca uma nova concepção do homem e do universo inspirada nas obras humanistas dos gregos e romanos, opondo-se à mentalidade medieval. O teocentrismo foi substituído pelo antropocentrismo, isto é, o centro das preocupações humanas deixa de ser Deus e passa a ser o próprio homem. Consequentemente, há a valorização da razão em detrimento da valorização da fé (SANTOS et. al., 2007). Como exemplo temos as próprias palavras de Leonardo da Vinci: Estudo com paixão a anatomia, porque o homem é o modelo do mundo (CITINO, 1998). Como conseqüência do racionalismo característico desta época, houve, além do desenvolvimento da literatura e das artes plásticas, também um grande desenvolvimento das ciências, voltado para a busca do verdadeiro conhecimento da natureza, do universo e do próprio homem. Os principais ramos científicos desenvolvidos foram a astronomia, a física e a anatomia. Refletindo a nova mentalidade que caracteriza a época renascentista desenvolveu-se o espírito científico, o espírito crítico e o método experimental, reforçando-se a preocupação com a pesquisa e as experiências, procurando-se através de fatos concretos confirmar verdadeiramente os conhecimentos (SANTOS et.al., 2007). Pode-se comprovar, nos diferentes períodos históricos, como se refletem na arte de curar as doutrinas médicas e como se representa a ideologia geral da época, suas concepções filosóficas e religiosas, produzindo a explicação da doença e, consequentemente, os seus métodos terapêuticos. Para compreender estas

interações torna-se necessário conhecer, além dos fatos médicos, as demais manifestações da civilização, especialmente a filosofia. A interpretação das teorias médias como produto de seu tempo permite compreender: a interpretação da doença como fenômeno sobrenatural e o caráter mágico-religioso da medicina arcaica (Mesopotâmia e Egito) determinados pela concepção mítica do mundo; a interpretação da doença em termos de causas naturais racionalmente inteligíveis pelos médicos gregos como conseqüência da abordagem racional do mundo pelos filósofos jônicos, o pensamento teológico dos médicos medievais derivado da filosofia escolástica; a significação do movimento anatômico durante a Renascença como conseqüência do nascer de novo da arte e da cultura da Grécia clássica; a medicina baseada nas ciências naturais, que se desenvolve com o nascimento da ciência moderna no século XII (GUSMÃO, 2009). Observando a história do conhecimento médico podemos constatar que existem dois tipos distintos de análise ou intervenção sobre o corpo e que vão resultar em concepções específicas sobre aquilo que se considera como perfeito e imperfeito ou normal e patológico: as práticas não-invasivas e as práticas invasivas. Na antiguidade ocidental predominavam as primeiras, sendo que a identificação das doenças ocorria através de diagnósticos clínico-filosóficos. Hipócrates, Aristóteles e Galeno podem ser os representantes deste tipo de saber, pois considerando os desarranjos do corpo e da alma como fenômenos interligados, perceberam que não era possível compreender as paixões da lama e as perturbações do espírito (pathos) sem associá-las aos desequilíbrios e distúrbios, às dores e doenças do corpo. Somente no Renascimento seriam admitidos, ainda que com certa prudência e recato, pois a religião antiga impunha o respeito ao cadáver, os procedimentos de invasão do corpo humano através de estudo de cadáveres, o que acarretou um atraso incalculável aos estudos anatômicos (CHEREM, 2005). Leonardo da Vinci foi acusado, em Veneza, de desrespeito aos mortos por dissecar cadáveres, prática que constituía crime, além de ser um terrível pecado contra a Igreja (CITINO, 1998). Leonardo realizou estudos anatômicos, unificando o conhecimento anatômico obtido através da dissecação ao conhecimento da representação artística, focalizando os detalhes da forma externa do corpo humano. Em 1495, abandonou seus estudos anatômicos, para retomá-los em 1508-10, iniciando uma nova metodologia de investigação, registrando o que via, e depois, a função da estrutura, observada

através da dissecação. Foi o primeiro a perceber que os órgãos internos deveriam ter uma função (PRATA, 2000). O ponto de partida de da Vinci foram os escritos do arquiteto e engenheiro militar Marco Vitrúvius, o qual estabelecera no século I antes de Cristo o princípio que relacionava a proporcionalidade da bela arquitetura com as do homem de boa formação (CHEREM, 2005). Vitrúvius escreveu também um livro afirmando que um homem com as pernas e braços abertos caberia perfeitamente dentro de um quadrado e de um círculo, figuras geométricas perfeitas, e que o centro do corpo é o umbigo. Da Vinci desenhou as dimensões do homem no universo, representado pelo círculo, e a obra tornou-se o mais famoso desenho de proporções do corpo humano no mundo (BEZERRA, 2002). Assim, retomando aos estudos antigos e com as das construções, da Vinci definia que o centro do corpo humano é a sínfise pubiana e não o umbigo (CHEREM, 2005). Ampliando a perspectiva vitruviana, Leonardo da Vinci estudou as proporções do corpo como parte de um tratado biológico e anatômico que media também o interior do corpo humano, visibilisando domínios nunca antes abordados com tal interesse e intensidade. Entretanto cabe observar que seus escritos não se constituem apenas num registro sobre arte ou exclusivamente sobre proporções humanas, mas abrangiam as pesquisas da fisiologia humana, contemplando da embriologia às proporções dos ossos, investigando nervos e vasos sanguíneos e estudando os movimentos. Em seu tratado de anatomia jamais terminado, projetado para ser escrito em colaboração com o jovem professor de anatomia Marcantino della Torre, da Vinci admitiu que ajudou a dissecar 30 cadáveres junto a escolas de medicina. Assimilava a concepção de anatomia por meio de representações visuais e artísticas que ninguém até então fora capaz de conceber. (CHEREM, 2005) Kenneth Clarke em Civilização, descreve uma cena em que Leonardo descobre um centenário em um hospital de Florença, e espera alegremente sua morte para examinar-lhe as veias. Para da Vinci cada pergunta exigia uma dissecação e cada dissecação era desenhada com precisão maravilhosa (VICENTINO, 1997.). Leonardo decompôs o corpo e analisou cada detalhe anatômico, dissecando-o e representando-o. Ao dissecar o ombro, desenhava-o em tamanho ampliado retratando os nervos isoladamente. Porém, a representação definitiva não seria a da musculatura isoladamente, mas a dos músculos, ossos,

nervos e vasos em conjunto. Trinta anos mais tarde Vesalius concebeu a dissecação do corpo, decompondo-o em partes, agora observadas enquanto peças. È certo que os desenhos de Leonardo inspiraram a elaboração da obra De humani corporis fabrica libri septem, mas agora o interesse artístico transformara-se em interesse científico. Não à toa, o médico belga seria considerado posteriormente, o pai da investigação científica moderna (CHEREM, 2005). Para se ter uma idéia do avanço que Leonardo representou para os estudos anatômicos, basta comparar seus desenhos com as miniaturas e ilustrações elaboradas alguns decênios antes de da Vinci. E vários fatores influíram decisivamente para o êxito da carreira de Leonardo como anatomista. Em primeiro lugar, pesou bastante o seu extraordinário talento de desenhista. Depois, a ajuda e a orientação que obteve junto a Marco Antonio della Torre, professor de anatomia em Pádua. Leonardo o conheceu em Pávia, durante o período em que ambos freqüentaram a corte dos Visconti. Em terceiro lugar, da Vinci teve oportunidade de observar diretamente a estrutura do organismo durante a dissecação de cadáveres, Assim ele pode elaborar esquemas considerados perfeitos, das veias e artérias, ramificações do aparelho respiratório, estômago, intestinos, esqueleto, músculos e tendões, ao mesmo tempo em que cometia alguns enganos como o caso da placenta de vaca representada no lugar de uma humana, pois da Vinci nunca havia dissecado uma mulher. (AMORIM, 1973) Foi o primeiro a fazer um molde de cera do interior de um crânio e a pensar em utilizar modelos de vidro ou cerâmica a fim de mostrar o funcionamento do globo ocular e do coração. Foi o primeiro a desenhar um útero aberto com o embrião dentro, embora o processo de placentação fosse de uma vaca. (CITINO, 1998) Da Vinci sobre seu próprio trabalho diz: Aquele que objetasse que é melhor estudar anatomia sobre o cadáver do que por meio dos meus desenhos, eu contestaria. Seria assim se pudesses ver numa simples dissecação tudo o que um dos meus desenhos mostra; mas, por mais penetração que tivesses, não conseguirias ver e reconhecer senão algumas poucas veias. Enquanto eu, a fim de obter completo conhecimento, realizo a dissecação de dez corpos humanos de idades diferentes, desintegrando todos os seus membros, retirando, até as últimas partículas; toda a carne que cerca as veias, sem derramar sangue algum, a menos que se leve em consideração as gotas quase imperceptíveis dos vasos capilares. E quando um corpo se revela

insuficiente, por ter-se decomposto durante a investigação, eu dissecava quantos corpos fossem necessários para um conhecimento perfeito do assunto, e procedia duas vezes a mesma pesquisa a fim de verificar as variações. Multiplicando desenhos, ofereço uma tal representação de cada membro e cada órgão como se tu os tivesse mas mãos, e, virando-os de um lado e de outro, os examinasses sob todas as faces, por dentro e por fora, por baixo e por cima (CITINO, 1998). Além disso, a profundidade dos textos explicativos que acompanham os desenhos coloca Leonardo como autêntico Homem Novo, o símbolo do Renascimento, talvez demasiadamente genial para ser compreendido pelos seus contemporâneos. (AMORIM, 1973) Fora que seus treze volumes foram escritos da direita para a esquerda o que parecia um código indecifrável, porém, como a letra boa e clara, se lia com facilidade por meio de um espelho. É provável que da Vinci não quisesse que todos lessem seus escritos. (CITINO, 1998) Do ponto de vista prático, a obra de Leonardo da Vinci contribuiu muito pouco para o progresso da anatomia, contrariamente com o que sucedeu com os trabalhos de Vesálius, que iriam surgir poucos anos mais tarde. Tal fato se explica, devido à maneira de trabalhar de da Vinci, que recusava sistematicamente subordinar-se a um método ordenado. Essa teria sido a razão principal pela qual o valor de suas observações isoladas e toda a força de intuição de que era capaz não terem dado os frutos que normalmente seria lícito esperar. (AMORIM, 1973) 3. CONCLUSÃO Leonardo da Vinci foi um marco na história das ciências naturais e grande representante do renascimento cultural. Apesar da escrita em código e da falta de um método mais ordenado obstruírem sua contribuição à ciência, não se pode deixar de considerar sua grande influência para os estudos da anatomia. Da Vinci deu o passo inicial para a representação visual nos estudos anatômicos em uma época que começava a prática da dissecação humana, influenciando artistas e médicos como Michelangelo, Vesalius entre outros para estes estudos. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMORIM, Flávio Lúcio. Renascimento: A anatomia. Medicina e saúde: História da Medicina. Vol. 2. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

BEZERRA, Armando José China. As proporções do corpo humano segundo vitruvius. Admirável mundo médico: arte na história da medicina. Brasília: Conselho regional de Medicina do DF, 2002. p.51. CHEREM, Alfredo Jorge. Medicina e arte: observações para um diálogo interdisciplinar. <http://www.actafisiatrica.org.br/v1%5ccontrole/secure/arquivos/anexosartigos/d645920e39 5FEDAD7BBBED0ECA3FE2E0/acta_vol_12_MedxArte_color%5B1%5D.pdf>, 2005. Acessado em 09/04/2009. CITINO, Rosana. Leonardo da Vinci: Vida e Pensamento. São Paulo: Martin Claret, 1998. GUSMÃO, Sebastião Silva. História da Medicina: Evolução e Importância. <http://www.sbhm.org.br/index.asp?p=noticias&codigo=93> Acessado em 09/04/2009 PRATA, Sérgio. Anatomia Artística. Curitiba: Prata, 2000. <http://www.sergioprata.com.br/port/anato1.htm> Acessado em 05/04/2009. SANTOS, M. A.; MUGAYAR, M. E.; MUGAYAR, M. E. (ed.). Mercúrio/Júpiter: Hitória. Vol. 2. São José do Rio Preto: Gráfica Editora e Informática Rio Preto, 2007. Apostila. P. 119-124. VICENTINO, Cláudio. Renascimento Cultural. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997. p. 185, 189.