Rev Saúde Pública 2003;37(2):191-6 www.fsp.usp.br/rsp



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Rev Saúde Pública 2003;37(2):191-6 191 Tendência da mortalidade por doenças respiratórias em idosos do Estado de São Paulo, 1980 a 1998 Trends in mortality due to respiratory diseases in elderly, Brazil, 1980 to 1998 Priscila Maria Stolses Bergamo Francisco a, Maria Rita de Camargo Donalisio a e Maria do Rosário Dias de Oliveira Lattorre b a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil. b Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil Descritores Mortalidade, tendência. Doenças respiratórias, epidemiologia. Idoso. Séries de tempo. Distribuição por idade. Saúde do idoso. Coeficiente de mortalidade. Estudos ecológicos. Keywords Mortality, trends. Respiratory tract diseases, epidemiology. Aged. Time series. Age distribution. Aging health. Mortality rate. Ecologic studies. Resumo Introdução A maior expectativa de vida no País e a queda da mortalidade trazem desafios aos programas sociais de atenção ao idoso, em especial na área na saúde. O objetivo do estudo foi analisar a tendência da mortalidade por doenças do trato respiratório em idosos. Métodos O estudo foi realizado com dados de mortalidade em idosos no Estado de São Paulo, no período de 1980 a 1998. Os dados foram obtidos do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS/DATASUS). Trata-se de um estudo ecológico de séries temporais onde foram analisadas as tendências das taxas padronizadas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório, segundo faixas etárias (60 a 69, 70 a 79 e 80 ou mais anos), utilizando modelos de regressão linear. Descreve-se a mortalidade proporcional das doenças respiratórias frente às demais causas. Resultados Observou-se, no período, tendência crescente das taxas de mortalidade para ambos os sexos, principalmente a partir da faixa etária de 80 anos ou mais, havendo aumento na proporção de óbitos por doenças respiratórias em relação às demais causas. Conclusões As doenças respiratórias são causas preocupantes de hospitalização e morte, particularmente na população idosa. As ações de prevenção e assistência a estas causas, bem como maior investigação etiológica, devem ser priorizadas no atual contexto epidemiológico da saúde do idoso no Brasil. Abstract Introduction The increase in life expectancy and the decline in mortality rates in Brazil have an impact on social programs to the elderly, especially related to health care.the objective of the study isto analyze the mortality trends for respiratory diseases in elderly. Methods An ecological time series was carried out and mortality data was obtained from the Mortality Information System of the Ministry of Health (SIM/MS-DATA-SUS). it was analyzed the time trends of standardized mortality rates according to age groups (60 Correspondência para/ Correspondence to: Priscila Maria Stolses Bergamo Francisco Faculdade de Ciências Médicas - Unicamp Caixa Postal 6111 13083-970 Campinas, SP, Brasil E-mail: priscila@nepo.unicamp.br Recebido em 26/2/2002. Reapresentado em 10/9/2002. Aprovado em 21/10/2002.

192 Mortalidade por doenças respiratórias em idosos Rev Saúde Pública 2003;37(2):191-6 to 69, 70 to 79 and 80 years old and more) and gender, using linear regression models. The proportional mortality for this disease group compared to all causes of death was also studied. Results There were increasing trends for mortality rates in both sexes, especially among males. The proportion of deaths due to respiratory diseases was higher among older ages. Conclusion Respiratory diseases are one of the main causes of hospitalization and death in the elderly population. Prevention and care for elderly, as well as further etiology studies should be a priority in Brazil. INTRODUÇÃO O envelhecimento da população brasileira tem tido grande impacto social, econômico e epidemiológico no País 2,9 e os declínios conjuntos das taxas de mortalidade e fecundidade ao longo do tempo foram determinantes no envelhecimento populacional, com ganho de anos de vida em todas as faixas etárias. 2 A melhoria da qualidade de vida, o aumento da escolaridade, opções de estilo de vida mais saudável, além da maior cobertura das ações de saúde pública e assistência médica têm contribuído para a maior esperança de vida e para eliminar parte dos óbitos precoces. 6 Na área da saúde, o reflexo do envelhecimento pode ser observado na mudança do padrão de morbidade e mortalidade da população, tornando crescente a demanda por prevenção e assistência à saúde. Nas pessoas acima de 60 anos, a infecção respiratória destaca-se como uma das principais causas de mortalidade e importante causa de morbidade, freqüentemente necessitando de hospitalização. 4,19 Nas últimas décadas, vários autores têm demonstrado que as incidências de infecções agudas do trato respiratório e de suas complicações cresceram globalmente e a taxa de incidência anual de pneumonia aumentou em indivíduos maiores de 65 anos, em diversos países. 8,12,19 Porém, até o momento, não há estudos avaliando esta causa de óbitos em idosos brasileiros. O objetivo do presente estudo é examinar a tendência das taxas de mortalidade por doenças respiratórias entre a população idosa no Estado de São Paulo, nos anos de 1980 a 1998, analisando, também, a mortalidade proporcional no período. MÉTODOS Realizou-se estudo ecológico de séries temporais, utilizando dados de óbitos de pessoas com 60 anos ou mais, no período de 1980 a 1998, no Estado de São Paulo. Foi investigada a mortalidade de idosos definida pela Organização Mundial da Saúde, para países em desenvolvimento, como o segmento da população de 60 anos e mais, o qual foi classificado em três grupos etários: 60 a 69, 70 a 79 e 80 anos ou mais. De acordo com Morgenstern, 18 este delineamento é adequado para estimar tendências temporais, principalmente de coeficientes de incidência e de mortalidade de uma área específica. Escolheu-se trabalhar com o Estado de São Paulo devido à disponibilidade dos dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM/SUS - DATASUS), desde 1975 e à melhora crescente da cobertura e qualidade das informações. As estimativas da população residente no Estado, por sexo e idade foram obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 7 Calculou-se a mortalidade proporcional a- nual por doenças do aparelho respiratório, segundo sexo e grupos etários, para avaliar a importância 14 desse grupo de doenças dentre os demais óbitos e os coeficientes específicos de mortalidade segundo o capítulo de causa da Classificação Internacional de Doenças (CID): Doenças do Aparelho Respiratório (capítulos VIII da CID-9 e X da CID-10). Procedeu-se à padronização dos coeficientes de mortalidade pelo método direto, onde a população padrão considerada foi a média harmônica das populações no período. 14 Considerou-se a padronização necessária, pois as faixas etárias são decenais e o aumento da sobrevida da população nos últimos 20 anos é amplamente conhecido. A análise da tendência temporal foi feita por meio de diagramas de dispersão que mostraram a relação entre as taxas de mortalidade por doenças respiratórias e os anos de estudo. Em todos os casos observou-se que a suposição de uma evolução linear ao longo do tempo poderia ser assumida. Por isso, para a análise da tendência foram estimados modelos de regressão linear. 13,17 Em seguida, procedeu-se à modelagem, considerando as taxas de mortalidade por doenças respiratórias como variáveis dependentes (Y) e os anos de

Rev Saúde Pública 2003;37(2):191-6 Mortalidade por doenças respiratórias em idosos 193 estudo como variáveis independentes (X). Optou-se por utilizar a variável centralizada (X-1989), já que o ano de 1989 é o ponto médio da série histórica, evitando, assim, a auto-correlação entre os termos da equação de regressão. 12,18 Neste caso o modelo estimado é Y = β 0 + β 1 (X-1989), onde Y= coeficiente de mortalidade por doenças respiratórias, o β 0 = coeficiente médio no período, β 1 = incremento médio anual e X= ano. O modelo de regressão linear simples mostrou-se bastante apropriado, pois a análise de resíduos revelou que os mesmos tinham distribuição normal, aleatória, sem vieses, e sem a presença de valores aberrantes da série. Considerou-se tendência significativa aquela cujo modelo estimado obteve p<0,05. RESULTADOS Observa-se que a proporção de óbitos por doenças do aparelho respiratório vem aumentando em pessoas maiores de 60 anos em relação ao total de óbitos, apresentando valores maiores entre os mais idosos, na série temporal de 1980 a 1998 (Tabela 1). O percentual de incremento da mortalidade proporcional por doenças respiratórias apresentou-se distinto quanto aos grupos etários e sexo. Enquanto na população masculina entre 60 e 69 anos o aumento foi de 41,5%, na feminina foi de 62,5%. Para a população na faixa etária entre 70 e 79 anos, os percentuais de incremento apresentaram-se em torno de 55,8% para homens e 59,7% para mulheres e no grupo etário de 80 e mais anos esses valores atingiram os percentuais de 71,2% e 69,8% para as populações masculina e feminina, respectivamente. As taxas anuais de mortalidade específicas por doenças do aparelho respiratório da população de 60 anos e mais mostraram evolução crescente para ambos os sexos entre 1980 e 1998, com picos nos anos de 1988, 1990 e 1994 (Figura 1), o mesmo acontecendo quando se faz a análise segundo faixa etária (Figura 2). A Tabela 2 apresenta os resultados da análise de tendências das taxas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório para os sexos masculino e feminino, segundo os grupos etários. Observa-se que houve tendência de aumento estatisticamente significativo em todas as faixas etárias, em ambos os sexos. O 10,00 8,00 6,00 4,00 2,00 0,00 1978 1980 1982 1984 1986 masculino 1988 Figura 1 - Taxas padronizadas de mortalidade por doenças respiratórias (por 1.000 habitantes) na população de 60 anos e mais, segundo sexo. Estado de São Paulo, 1980 a 1998. 35,00 30,00 25,00 20,00 15,00 10,00 5,00 0,00 1990 feminino Figura 2 - Taxas específicas de mortalidade por doenças respiratórias na população de 60 anos e mais segundo grupos etários. Estado de São Paulo, 1980 a 1998. 1992 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 1994 1996 60-69 70-79 80 e + 1998 2000 Tabela 1 - Mortalidade proporcional (%) por doenças do aparelho respiratório na população de 60 anos e mais. Estado de São Paulo, 1980 a 1998. Ano do Masculino Feminino Total Óbito 60-69 70-79 80 e + Total 60-69 70-79 80 e + Total 60-69 70-79 80 e + Total 1980 7,43 9,43 11,82 9,14 6,22 7,53 9,90 7,88 6,95 8,55 10,74 8,55 1981 7,29 9,34 11,41 8,97 6,02 7,14 9,88 7,66 6,78 8,31 10,55 8,36 1982 7,53 9,54 12,16 9,33 6,58 7,82 9,40 7,95 7,15 8,74 10,64 8,69 1983 8,34 10,82 12,79 10,30 6,42 8,51 10,46 8,54 7,58 9,77 11,48 9,48 1984 8,86 11,68 14,28 11,20 6,73 9,48 11,73 9,45 8,03 10,67 12,86 10,39 1985 9,29 12,41 15,46 11,91 7,56 9,63 12,53 10,05 8,62 11,14 13,80 11,04 1986 10,11 13,05 16,82 12,81 8,14 10,09 12,85 10,50 9,34 11,70 14,57 11,73 1987 9,50 13,08 17,15 12,64 7,91 9,48 13,09 10,31 8,87 11,42 14,83 11,54 1988 10,34 13,95 18,26 13,62 8,60 10,88 14,37 11,51 9,66 12,55 16,05 12,63 1989 9,76 13,96 17,62 13,23 8,37 10,30 13,74 10,99 9,21 12,26 15,43 12,18 1990 10,65 14,59 18,93 14,17 9,13 11,53 15,02 12,14 10,05 13,16 16,71 13,21 1991 9,93 14,03 17,85 13,37 8,46 11,04 14,41 11,51 9,35 12,64 15,89 12,49 1992 9,96 14,85 19,25 14,07 8,62 10,75 15,08 11,74 9,44 12,94 16,88 12,97 1993 10,85 15,38 20,33 14,91 9,85 12,15 16,17 13,05 10,46 13,90 17,95 14,03 1994 11,11 15,60 20,48 15,15 9,93 12,47 16,52 13,34 10,65 14,17 18,20 14,30 1995 11,34 15,61 21,16 15,43 9,34 13,07 16,63 13,42 10,53 14,44 18,52 14,46 1996 10,94 15,56 20,35 15,09 9,81 12,62 16,52 13,40 10,49 14,21 18,14 14,29 1997 10,14 14,70 20,35 14,56 9,73 11,88 16,49 13,14 9,97 13,41 18,11 13,88 1998 10,51 14,69 20,23 14,70 10,11 11,92 16,71 13,38 10,35 13,43 18,20 14,07 Fonte: Sistema de Informações de Mortalidade do Sistema Único de Saúde (SIM/SUS).

194 Mortalidade por doenças respiratórias em idosos Rev Saúde Pública 2003;37(2):191-6 coeficiente médio do período (β 0 ) foi maior na faixa etária de 80 anos e mais e em todas as faixas etárias os coeficientes médios masculinos foram sempre superiores aos femininos. Os maiores incrementos médios anuais (β 1 ) ocorreram na faixa etária de 80 anos ou mais (+0,84 ao ano e +0,57 ao ano, respectivamente para os sexos masculino e feminino). Observa-se que na faixa etária de 60 a 69 anos os incrementos médios anuais foram de apenas 0,05 e 0,03 ao ano nos coeficientes de mortalidade, respectivamente para o sexo masculino e sexo feminino. DISCUSSÃO Ao acompanhar as taxas de mortalidade no tempo, observou-se um incremento real das doenças respiratórias no período de 1980 a 1998, no Estado de São Paulo, tendo-se controlado o efeito da mudança da composição etária no período por meio da padronização das taxas de mortalidade. Assim, houve aumento significativo das taxas de mortalidade por doenças respiratórias nos grupos etários em ambos os sexos, porém essa elevação anual foi maior entre a população idosa masculina e nas pessoas com 80 anos e mais. Portanto, o risco de morte por doenças do aparelho respiratório foi maior para os homens idosos e aumentou com a idade, para ambos os sexos, destacando-se a magnitude dos coeficientes no grupo etário de 80 anos e mais. Para o sexo masculino, o coeficiente médio anual para a faixa etária de 80 anos e mais foi cerca de nove vezes ao da faixa etária de 60 a 69 anos; para o sexo feminino, o aumento foi de cerca de 12 vezes. Certamente, além do envelhecimento da população com conseqüente aumento na proporção de pessoas com 60 anos ou mais, esta coorte populacional foi submetida a exposições prévias diferenciadas, como as ocupacionais, o tabaco e outras que também poderiam influenciar as taxas de mortalidade. No entanto, é inegável o papel que este grupo de doenças passou a ter nesta faixa etária. A tendência das taxas de mortes por doenças respiratórias nas várias faixas etárias no Estado de São Paulo pode ser explicada por diversos fatores. A susceptibilidade do idoso, particularmente às infecções respiratórias e suas complicações, tem sido notificada como importante causa de internação e óbito em vários países do mundo. 4,8,10-12,19 Este fato pode ser explicado em parte, pela diminuição progressiva das funções pulmonares no idoso, determinada pela perda da elasticidade pulmonar, da capacidade vital e do volume expiratório forçado, além da diminuição da função ciliar e reflexo de tosse. Essa susceptibilidade, associada à poluição atmosférica, pode ocasionar o aumento de atendimentos por diversas doenças respiratórias em idosos. 15,16 A presença de doenças crônicas, mais comuns no idoso incrementa suas chances de morte por pneumonia comunitária e intra-hospitalar. Porém, alguns autores mostram que a idade é fator preditivo de morte por pneumonia nosocomial, independente do sexo, diagnóstico primário, presença de enfermidade crônica e severidade da doença. 10 Por outro lado, a complexa interação entre agentes infecciosos e populações humanas pode resultar em variações da incidência nas faixas etárias. As diferenças na virulência, na transmissibilidade e a susceptibilidade devido a exposições prévias a cepas semelhantes influem nesta dinâmica. Em todos os segmentos etários, registram-se picos de mortalidade em 1988, 1990 e 1994/1995 (Figura 2). Embora sejam grandes as possibilidades etiológicas das doenças respiratórias epidêmicas, a influenza, em particular, tem sido mais investigada Tabela 2 - Resultados da análise de tendência dos coeficientes padronizados de mortalidade por doenças do aparelho respiratório segundo sexo e grupos etários. Estado de São Paulo, 1980 a 1998. Sexo/Grupo etário β 0 β 1 p (Modelo) r 2 Tendência Masculino 60 a 69 anos 2,95 0,05 <0,001 0,60 70 a 79 anos 8,96 0,20 <0,001 0,74 80 anos e mais 26,25 0,84 <0,001 0,83 60 anos e mais 6,50 0,16 <0,001 0,87 Feminino 60 a 69 anos 1,45 0,03 <0,001 0,83 70 a 79 anos 4,74 0,09 <0,001 0,69 80 anos e mais 17,57 0,57 <0,001 0,82 60 anos e mais 4,08 0,11 <0,001 0,90 Fonte: SIM/SUS e estimativas da população residente, Fundação IBGE. 7 β 0 : coeficiente médio do período (por 1.000 habitantes). β 1 : incremento médio anual.

Rev Saúde Pública 2003;37(2):191-6 Mortalidade por doenças respiratórias em idosos 195 devido à possibilidade de prevenção por meio da vacina. São sistematicamente identificadas as cepas virais da influenza em diversas regiões do mundo. Embora nesses anos não haja registros sobre os subtipos de vírus da influenza circulantes no Brasil, há referências de aumento de circulação viral em outros países. Na Inglaterra, em 1989-90, 1 e em Portugal 5 foram notificadas epidemias pelo vírus influenza tipo B em 1990 e tipo A em 1994/1995, como também na França, 3 uma epidemia de influenza-like em 1995/96. Esses registros, entre outros, identificam anos epidêmicos em outras regiões e sugerem a possibilidade de ocorrência similar no Brasil. Os resultados do presente estudo, cujo enfoque foi o sexo, idade e evolução da mortalidade por doenças do aparelho respiratório, mostrou algumas particularidades deste segmento populacional. Embora haja um importante crescimento proporcional da população idosa nas últimas décadas, os dados analisados mostraram que o incremento da mortalidade por doenças respiratórias independem da mudança ocorrida na estrutura etária da população no período de 1980 a 1998, no Estado de São Paulo. As taxas de mortalidade foram crescentes para ambos os sexos, porém observou-se o predomínio entre os homens, podendo ser explicado por sua maior exposição aos agravos à saúde durante todo o ciclo de vida, além das dificuldades de busca por atenção médica preventiva. Por se tratar de faixa etária de risco, a análise da mortalidade por doenças respiratórias em idosos pode ser sensível para detectar variações na ocorrência sazonal de infecções pulmonares. A comparação da tendência das mortes por doenças respiratórias no Estado de São Paulo com outras regiões, onde a etiologia das infecções respiratórias é investigada, permite levantar hipóteses sobre a possível circulação de cepas virais similares. Futuras investigações podem esclarecer essas tendências. A ampliação das ações de promoção, prevenção e assistência à população idosa é um desafio ao Sistema Único de Saúde (SUS), particularmente na atenção às doenças respiratórias, considerando-se o contexto social, demográfico e epidemiológico do País. REFERÊNCIAS 1. Ahmed AH, Nicholson KG, Nguyen-Van-Tam JS. Reduction in mortality associated with influenza vaccine during 1989-90 epidemic. Lancet 1995;346:59195. 2. Berquó ES. Algumas considerações demográficas sobre o envelhecimento da população no Brasil. In: Seminário Internacional sobre o Envelhecimento Populacional: uma agenda para o fim do século. Brasília (DF); 1996. 3. Carrat F, Flahault A, Boussard E, Farran N, Dangoumau L, Valleron A. Surveillance of influenza-like illness in France. The example of the 1995/1996 epidemic. J Epidemiol Commun Health 1998;52(Suppl 1):32S-8S. 4. Dodet B. Immunity in the elderly. Vaccine 2000;18:1565. 5. Falcão IM, Andrade HR, Santos AS, Paixão MT, Falcão JM. Program for the surveillance of influenza in Portugal: results of the period 1990-1996. J Epidemiol Commun Health 1998:52Suppl 1:39S-42S. 6. Finch CE, Schneider EL. Envelhecimento e medicina geriátrica. In: Benett JC, Plum F. Tratado de medicina interna. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997. p. 15-29. 7. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo de 2000. Disponível em URL: http:// www.fibge.gov.br [2002 ago]. 8. Glezen WP, Greenberg SB, Atmar RL, Pietra PA, Couch RB. Impact of respiratory virus infections on persons with chronic underlying conditions. JAMA 2000;283:499-505. 9. Guidugli OS. Mapa do envelhecimento demográfico no Estado de São Paulo. In: Encontro nacional de estudos populacionais da ABEP 12. Caxambu; 2000. Anais [texto on-line] 2000. Disponível em URL: http:// www.abep.org.br [2001 jul 6]. 10. Hanson L, Weber D, Rutala W, Samsa G. Risk factor for nosocomial pneumonia in the elderly. Am J Med 1992;92:161-6. 11. Heuser M, Case LD, Ettinger WH. Mortalily in intensive care unit with respiratory disease. Is age important? Arch Intern Med 1992;152:1683-8. 12. Kaiser L, Couch RB, Galasso GJ, Glezen WP, Webster RG, Wright PF, Hayden FG. First international symposium on influenza and other respiratory viruses: summary and overview. Antiviral Res 1999;42:149-76. 13. Latorre MRDO. Câncer em Goiânia: análise da incidência e da mortalidade no período de 1988 a 1997 [Tese de livre-docência]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2001. 14. Laurenti R, Mello Jorge MHP, Lebrão ML, Gotlieb SL. Estatística de saúde. São Paulo: EPU; 1987.

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