RECUPERAÇÃO DE NASCENTES EM ÁREA DE CERRADO, EMBRAPA GADO DE CORTE, CAMPO GRANDE, BRASIL. Danielle Romagnoli Pregelli 1 ; Lidiamar Barbosa de Albuquerque 2 ; Jucely Gouveia 1 ; Rodiney de Arruda Mauro 3 ; Mario Jorge Campos 4 ; Mamede Borges; Arnildo Pott 3 ( 1 Universidade Católica Dom Bosco, graduação em Biologia, Campo Grande, MS, Brasil. e-mail: danipregelli@gmail.com 2 ; Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. 3 EMPRAPA- GADO DE CORTE, Campo Grande, MS, Brasil) 4 ;Universidade Federal de Sergipe, CCBS, Dept. de Biologia. Aracaju, SE, Brasil) Palavras-chave: Cerrado, restauração, áreas degradadas Introdução O Cerrado é considerado um "hotspot" de biodiversidade, mas o processo de fragmentação florestal é crescente pela expansão agropecuária. Este fato têm como conseqüência a erosão dos solos, o assoreamento dos cursos d'água, a degradação de diversas nascentes e a extinção de várias espécies. Atualmente a restauração de áreas degradadas se configura como uma estratégia ou modelo de conservação e manutenção da biodiversidade, abandonando os conceitos antigos nos quais as técnicas de restauração se baseavam em práticas agrícolas ou silviculturais de plantio de espécies arbóreas perenes, para uma visão mais sistêmica, com a restauração envolvendo inúmeras áreas do conhecimento buscando a devolver ao ambiente, a ser recuperado, a sua resiliência (Rodrigues & Gandolfi, 2000). Das áreas de pastagens cultivadas, pelo menos 50% apresentam algum grau de degradação causado, principalmente, por práticas agrícolas inadequadas, excesso de animais por área, espécies forrageiras não adaptadas, uso de fogo constante e agravada pela conseqüente ocorrência de pragas e doenças (EMBRAPA, CNPGC apud ROEL et al., 2003 ). Assim, os solos sem cobertura florestal reduzem sua capacidade de retenção de água de chuva, pela constante lixiviação, o que não permite o adequado abastecimento do lençol
freático, promovendo a diminuição da água armazenada. Com isso, reduzem-se as nascentes, especialmente nos períodos mais críticos de estiagem (BARBOSA, 1999). As nascentes são consideradas como afloramentos do lençol freático, que vai dar origem a uma fonte de água de acúmulo (represa), ou cursos d água (regatos, ribeirões e rios). Em virtude de seu valor dentro de uma propriedade agrícola, deve ser tratada com cuidado (CALHEIROS et al., 2004). Mesmo porque, as áreas de vegetação nativa ao longo dos cursos d água configuram Áreas de Preservação Permanente (APP), onde a vegetação original deve ser mantida. Em cursos d água com até 10 m de largura, essa faixa de proteção deve apresentar, no mínimo, 30 m de largura, e ao redor das nascentes, deve ter um raio de 50 m (BRASIL, 2002). Alguns trabalhos foram feitos nos últimos anos e que reforçam a idéia da preocupação atual com a recuperação de nascentes. Alvarenga (2004) e Vilela (2006) avaliaram a proposta metodológica de plantio de mudas e semeadura direta em nascentes pertencentes a propriedades rurais de Minas Gerais. Oliveira (2006) avaliou o plantio de espécies nativas e uso de poleiros artificiais para restauração de uma área perturbada no Cerrado do Distrito Federal. Cardoso Leite et al. (2004) trabalharam com o levantamento fitossociológico de um fragmento de mata ciliar, e Durigan et al. (1999) com propostas de plantio direto de mudas, ambos na região de São Paulo. Este trabalho é parte do projeto que visa a criação de metodologias para a recuperação de nascentes da Embrapa Gado de Corte (CNPGC). A maioria das nascestes da Embrapa foram destinadas a servirem de reservatórios de água para os bovinos. A área se encontra bastante alterada, com o solo apresentando compactação e ausência de vegetação nativa. Com a preocupação atual em se recuperar esses corpos d água, se faz necessário a realização deste trabalho, que tem como objetivo avaliar a metodologia de recuperação das nascentes da Embrapa Gado de Corte, através do monitoramento das mudas das espécies nativas em campo. Materiais e Métodos
Este trabalho está sendo realizado em duas nascentes da Fazenda Experimental da Embrapa Gado de Corte (CNPGC), Campo Grande, MS, (20º27' S, 54º37' W e Altitude de 530m). A área experimental está localizada em um solo da classe Latossolo Vermelho Escuro, álico fase cerradão, caracterizado por textura argilosa, ph ácido, baixa saturação por bases e alta concentração de alumínio. O clima da região, segundo a classificação de Köppen, é do tipo Cwa (tropical com duas estações bem definidas), caracterizado por seca no inverno e temperatura média do mês mais quente acima de 22 C. A precipitação pluvial anual é em torno de 1.500 mm e a temperatura média anual oscila entre 19 e 25 ºC (Embrapa, 1979). Este trabalho iniciou-se em dez/2004, com a construção do viveiro e a coleta de sementes dos fragmentos florestais, para a produção de mudas das principais espécies arbóreas nativas de matas ciliares do Cerrado. A metodologia utilizada envolve retirada do gado, isolamento das nascentes e plantio com mudas de espécies nativas distribuídas em diferentes espaçamentos (3m x 3m e 2m x 3m) e instalação de poleiros. Os experimentos foram montados no entorno de duas nascentes: Nascentes 1 e 2, respectivamente. A Nascente 1 e 2 estão descaracterizadas, com ausência de vegetação arbórea e dominância de gramínea (Brachiaria decumbes) e se transformaram em açudes para os bovinos. O que provocou a alteração da paisagem e acelerou o processo de compactação do solo, com vegetação remanescente praticamente ausente. Anteriormente a este processo, a Nascente 1, com área menor, fazia parte de uma vereda. Essa fisionomia foi alterada pelo processo de ocupação humana, o qual resultou na implantação de uma estrada que corta a área. A Nascente 2, com área maior, apresenta solo bastante compactado por pisoteio dos bovinos. Atualmente, ambas as nascentes apresentam água somente no período de cheia, em função da degradação da paisagem. As espécies nativas foram selecionadas de acordo com suas categorias sucessionais e suas características de adaptabilidade as condições de nascentes e/ou mata ciliar. Dentre as espécies selecionadas estão as que foram consideradas como Pioneiras: Myracrodruon urundeuva Allemão (Aroeira), Jacaranda caroba (Vell.) A. DC. (Caroba), Cedrela fissilis Vell. (Cedro), Amburana cearensis (Fr. Allem.) A. C. Smith (Cumaru), Inga vera Willd. (Ingá), Tapirira guianensis Aubl. (Peito de pomba) e Croton urucurana Baill. (Sangra
d água) e Não Pioneiras: Tabebuia alba (Cham.) Sandwith (Ipê), Genipa americana L. (Genipapo), Calophyllum brasiliense Cambess. (Guanandi), Schefflera morototoni (Aubl.) Maguire (Mandiocão), Hymenaea courbaril L., Steyerm. & Frodin (Jatobá) e Eriotheca candolleana (K. Schum.) A. Robyns (Embiruçu). Para o plantio das mudas, as espécies foram sorteadas, de modo serem introduzidas no campo através de uma tabela de números aleatórios. O plantio foi manual em covas de 30 cm de diâmetro, com espaçamentos entre uma cova e outra de 3 x 2 m na Nascente 1, e 3 x 3 m na Nascente 2. A instalação dos poleiros artificiais foi feita a cada quatro mudas. A taxa de sobrevivência e o desenvolvimento das mudas nas nascentes foram avaliados trimestralmente após o plantio, respectivamente através do monitoramento do número de indivíduos mortos, e da altura e diâmetro dos mesmos. Resultados e Discussão O percentual de mortalidade de mudas na nascente I foi de 24,22%, enquanto na nascente II foi de 27,16%. Os valores mais altos na área II se devem principalmente pela invasão de gado na área delimitada, o qual ocasionou a perda de alguns indivíduos pela quebra do caule e perda foliar, o que resultou na morte de algumas mudas no mês de agosto de 2007 (Fig. 1). A partir de março houve um declínio de valores, com um ligeiro aumento no período de seca, correspondente a avaliação feita em janeiro de 2008, evidenciando os efeitos da sazonalidade (Fig 1).
Índivíduos mortos (%) 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Março (2007) Junho (2007) Setembro (2007) Nascente I Nascente II Janeiro (2008) Figura 1 Percentual de mortalidade das mudas de espécies nativas plantadas nas nascentes I e II, Fazenda Experimental Embrapa Gado de Corte, Campo Grande, MS. A sobrevivência das espécies plantadas foi de 75,78 % (Nascente I) e 72,84% (Nascente II), esses valores demonstram a plasticidade dessas espécies ao longo de 10 meses. Knowles e Parrotta (1995, apud MORAES et al, 2006), em pesquisas com restauração de áreas degradadas por mineração na Amazônia, sugerem que espécies com taxa de sobrevivência a partir de 75% devem ser selecionadas para plantios. Na restauração de florestas tropicais secas estacionais no norte da Tailândia, o desempenho de mudas de 37 espécies arbóreas nativas foi avaliado, e foram consideradas com desempenho excelente as que apresentaram taxa de sobrevivência igual ou acima de 70% (ELLIOTT et al. 2003 apud MORAES et al, 2006). A taxa de mortalidade, em relação ao total de indivíduos plantados por espécie foi na Nascente I maior entre as espécies: C. fissilis (6,61%), C. brasiliense (4,08%), Inga vera (2,72%) e na Nascente II. C. brasiliense (6,68%), C. fissilis (3,19%), T.guianensis (3,03%). Estas espécies foram consideradas como pioneiras, exceto C.brasiliens (não-pioneira). A média de altura (cm) para as espécies utilizadas variou 2,58 ± 2,39 a 38,5 ± 30,77 sendo o menor valor de Eriotheca pubescens (Embiruçu) e o maior Croton urucurana (Sangra
d'água), nas duas nascentes. Das espécies que apresentaram o maior desenvolvimento em altura foram, na Nascente I: I. vera (Ingá) (27,41 ± 20,64), C. urucurana (Sangra d'água) (13,22 ± 13,08), M. urundeuva (Aroeira) (12,5±15,22) e na Nascente II: C. urucurana (Sangra d'água) 38,5 ± 30,77, C. brasiliense (Guanandi) 30,03 ± 22,69, Scheflera morototoni (Mandiocão) 16,41 ± 21,93. Entre as espécies que tiveram o maior crescimento estão as pioneiras e também as não-pioneiras. Segundo Moraes et al. (2006) o rápido desenvolvimento das espécies pioneiras viabiliza o desenvolvimento das demais espécies e garante um meio favorável a reestruturação da área local (MORAES et al. 2006) O maior crescimento médio para diâmetro (mm) ao nível do solo foi na Nascente I: Inga vera (Ingá) 0,07±0,04, Myracrodruon urundeuva (Aroeira) 0,05±0,04, Scheflera morototoni (Mandiocão) 0,04± 0,02 e na Nascente II: Calophyllum brasiliense (Guanandi) 0,08 ± 0,07, Genipa americana (Jenipapo) 0,05 ± 0,03, Croton urucurana (Sangra d água) 0,05 ± 0,06, sendo essas classificadas como secundárias tardias com exceção da I. vera e C. urucurana. Conclusões A metodologia utilizada na recuperação de áreas degradas utilizando espécies nativas do cerrado demonstrou-se extremamente viável a partir da análise da taxa sobrevivência das espécies em campo e do seu desenvolvimento. A sobrevivência foi superior a 70%, indicando excelente desempenho dessas espécies, podendo ser utilizadas para recuperação de áreas perturbadas. Referência Bibliográficas ALVARENGA, A. P. Avaliação incial da recuperação de mata ciliar em nascentes. 2004. 175f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Florestal), Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2004. BARBOSA, L, M. Implantação de Mata Ciliar. In: Simpósio Mata Ciliar Ciência e Tecnologia, 1999, Belo Horizonte. Anais...Lavras: UFLA/FAEPE/CEMIG, 1999. p. 113-135. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução Conama nº302, de 20 de março de 2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 90, 13 maio 2002. Seção 1.
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