Relação entre área específica da folha (SLA) e herbivoria em clareira e sub-bosque em uma floresta de terra firme na Amazônia Central Taise Farias Pinheiro, Ana Catarina Conte Jakovac, Rodrigo Antônio de Souza & Tadeu Guerra Introdução A dinâmica de clareiras tem sido descrita como um dos fatores mais importantes para se entender a regeneração natural de espécies nos trópicos (Uhl et al. 1988). O resultado da abertura periódica de clareiras em diferentes pontos da floresta resulta em uma sucessão de mosaicos de vegetação com diferentes idades e condições ambientais (Martinez-Ramos et al. 1989). A importância da formação de clareiras está associada à sua influência sobre a regeneração por originar micro-habitats diferenciados, cujas características mais notáveis são o aumento da disponibilidade de luz, espaço e nutrientes (Whitmore 1978; Denslow 1987). Os micro-habitats originados por clareiras podem criar uma heterogeneidade ambiental que favorece a coexistência de espécies com estratégias adaptativas diferentes (Whitmore 1978). Estas estratégias resultam na alocação diferencial de recursos para fotossíntese e podem ser inferidas através da medição da área específica foliar (SLA, do inglês specific leaf area), calculada através da razão entre área e massa foliares (Crawly 2001). O SLA representa a demanda conflitante do investimento da folha em área fotossintética em detrimento da espessura foliar (Crawly 2001). O aumento da área fotossintética aumenta a captura de luz, mas implica em uma maior evapotranspiração. Por outro lado, o aumento da espessura da folha diminui a captura de luz, diminuindo a evapotranspiração e protegendo a planta contra herbivoria (Grime 1983). Algumas espécies têm como estratégia a alocação preferencial de recursos para maximizar a sua taxa de crescimento através de uma maior eficiência fotossintética, como é o caso de plantas pioneiras (Grime 1983). Estas plantas investem mais em área foliar fotossintética do que em elementos estruturais e de defesa (Coley 1983), possuindo então alto valor de SLA. Assim, as plantas pioneiras possuem, em sua maioria, folhas finas com grande área (Grime 1983). Outras espécies têm como estratégia uma alta tolerância a condições ambientais adversas, investindo menos em crescimento, como é o caso das não pioneiras (Grime 1983). Estas, ao contrário das pioneiras, alocam mais recursos para elementos estruturais e de defesa do que para a fotossíntese (Coley 1983), possuindo um
baixo SLA. Logo, as não pioneiras normalmente possuem folhas grossas com baixa área foliar. As diferentes estratégias das plantas resultam também em respostas distintas às interações ecológicas com outros grupos da comunidade (Grime 1983; Coley 1983; Crawly 2001). Um importante componente é a interação planta-herbívoro que está diretamente relacionada com aspectos morfológicos e fisiológicos das folhas (Loyola & Fernandes 1992). Plantas pioneiras são geralmente mais consumidas por herbívoros por apresentarem um maior SLA decorrente de um menor investimento em estruturas para defesa, tornando suas folhas mais palatáveis do que as de plantas não pioneiras (Coley 1983). Visto que este é um tema pouco estudado no nível de comunidades em florestas tropicais (G. Ganade com. pess.), nossos objetivos foram: 1) verificar se a comunidade de plantas de ambientes de clareira apresentam valores distintos de SLA em relação à comunidade de sub-bosque; 2) verificar se há relação entre os valores de SLA e a frequência de herbivoria e se esta relação se modifica nos dois ambientes estudados. Material & métodos Realizamos o estudo em uma área de floresta contínua de terra firme na Amazônia Central (02 24 S; 59 52 O), localizada a 80 km ao norte de Manaus, AM. A temperatura média anual da região é de 26,7 com pluviosidade anual em torno de 2200 mm (RADAMBRASIL 1978). Amostramos dez áreas de clareira encontradas ao azar ao longo de uma trilha e sorteamos a direção para escolha das dez áreas de sub-bosque adjacentes a serem amostradas. Em cada ambiente, estabelecemos uma parcela de 5 x 5 m, na qual determinamos um gride de 25 pontos eqüidistantes um metro. Sorteamos cinco pontos por parcela, nos quais amostrávamos a planta mais próxima ao ponto sorteado. Para obtermos as medidas de área específica da folha (SLA), selecionávamos a folha madura mais apical. Folhas com marcas de herbivoria foram descartadas. As folhas selecionadas foram coletadas e pesadas com uma balança de precisão de cinco casas decimais em laboratório. Para estimar herbivoria sorteamos uma nova folha madura em cada planta, totalizando cinco folhas por parcela. O nível médio de herbivoria por parcela foi quantificado através do método proposto por Dirzo & Domingues (1995), que classifica as folhas pela área foliar consumida (AFC) em seis categorias: 0 (0% de AFC); 1 (1-6%); 2 (6,1-12%); 3 (12,1-25%); 4 (25,1-50%); 5 (50,1-100%). Para testar a diferença entre SLA de clareira e sub-bosque, assim como a relação
entre herbivoria nestes ambientes utilizamos análise de variância em bloco (ANOVA Fatorial). Para avaliar a correlação entre SLA e herbivoria nos dois ambientes foi utilizada análise de covariância (ANCOVA), sendo o SLA a covariável e o nível de herbivoria a variável dependente. Resultados O SLA médio por parcela variou de 57,4 a 184,3 (92,6 ± 40.5; média ± erro padrão) na área de clareira e de 59,6 a 280,4 (116,7 ± 74,9). Não houve diferença significativa no SLA entre os ambientes de clareira e de sub-bosque (F (1,9) = 1,4; p = 0,26; Figura 1). O nível de herbivoria médio por parcela variou de 1,2 a 2,6 (1,9 ± 0,4) na clareira e de 1,2 a 3,2 (1,84 ± 0,5) no sub-bosque. Não houve diferença significativa na herbivoria entre clareira e subbosque e a interação entre ambiente e herbivoria também não foi significativa, indicando uma fraca relação entre herbivoria e SLA (Tabela 1). No entanto, existe uma tendência de aumento da herbivoria em função do SLA na clareira, e uma diminuição da herbivoria em função do SLA no subbosque (Figura 2). Tabela 1. Análise de covariância do nível de herbivoria entre clareira e sub-bosque em função da área específica foliar (SLA) em uma floresta de terra firme na Amazônia Central F g.l. p Ambiente 1,39 1 0,25 SLA 0,04 1 0,83 Ambiente x SLA 2,37 1 0,14 Erro 16 Figura 1. Comparação dos valores de área foliar específica (SLA) entre clareira e sub-bosque, em uma floresta de terra firme, Manaus (As barras indicam o erro padrão).
Figura 2. Relação entre área foliar específica (SLA ) e nível de herbivoria nos ambientes de clareira (o) e sub-bosque (x) em uma floresta de terra firme, Manaus. Discussão Dentro do ambiente florestal, onde a luz é um recurso limitante, esperávamos que em ambientes de sub-bosque e de clareira ocorressem comunidades com valores médios de SLA distintos. Entretanto, não corroboramos nossa hipótese. Observamos que nos dois ambientes as espécies apresentam maior área fotossintética em relação à biomassa foliar, o que sugerimos estar associado às diferentes estratégias das plantas em cada ambiente. Na clareira, as pioneiras necessitam de maior área fotossintética para o rápido crescimento, enquanto as espécies de sub-bosque necessitam de maior área fotossintética para otimizar a captação de luz. Uma vez que não houve diferença no SLA entre os ambientes, era esperado que o índice de herbivoria também não diferisse, pois as espécies de ambas as assembléias possuem folhas finas e, portanto, não devem possuir defesas estruturais contra herbívoros (Larcher 1970). No entanto, correlacionando o SLA e a herbivoria observa-se uma tendência diferente em cada ambiente, que apesar de não significativa, pode indicar um padrão recorrente em florestas tropicais. Enquanto as espécies de sub-bosque investem na manutenção das folhas existentes devido ao seu crescimento lento, as espécies pioneiras investem na produção constante de novas folhas para o rápido crescimento (Grime 1983). A produção de novas folhas representa, portanto, um custo maior para as espécies não pioneiras do que para as pioneiras, que devem investir mais em compostos secundários qualitativos para proteção contra
ataques de herbívoros, como alcalóides e compostos cianogênicos (Larcher 1970). Essa tendência merece ser estudada em larga escala avaliando também os aspectos ecológicos e fisiológicos de espécies de clareira e subbosque afim de se entender melhor as estratégias de alocação de recursos no nível de comunidades. Referências bibliográficas Coley, P.D. 1983. Herbivory and defenses of tropical trees. Ecological Monographs, 53: 211-229. Crawly, M.J. 2001. Plant ecology. Crawly, M.J. (ed), pp. 703. Blackwell Science, Oxford. Deslow, J.S. 1987. Tropical rainforest gaps and tree species diversity. Annual Review of Ecology and Systematics, 18: 431-451. Dirzo, R. & C.A. Domínguez. 1995. Plantherbivore interactions in a Mesoamerican tropical dry forest. In: Seasonally Dry Tropical Forest. Bullock, S. H., Mooney, A. & Medina, E. (eds.), pp. 305-325. Cambridge University Press, Cambridge. Grime, J.P. 1983. Plant strategies and vegetation processes. Grime, J.P. (eds), pp. 220. The Pitman Press, Great Britain. Larcher, W. 1970. Ecofisiologia vegetal. Larcher, W. (ed), pp. 319. Editora Pedagógica e Universitária Ltda., São Paulo. Loyola, R.J. & Fernandes, G.W. 1992. Herbivoria em Kielmeyra coriacea (Guttiferae): Efeito da idade da planta, desenvolvimento e aspectos qualitativos de folhas. Revista Brasileira de Biologia, 53: 295-304. RADAMBRASIL. 1978. Folha SA 20, Manaus, pp. 261. Rio de Janeiro, Ministério de Minas e Energia, Departamento Nacional de Produção Mineral. Whitmore, T.C. 1978. Gaps in the forest canopy. In: P.B. Tomlinson & M.H. Zimmerman (eds.), Tropical trees as living systems. Cambridge University Press, New York. Martinez-Ramos, M.; Alvarez-Buylla & Sarukhán, J. 1989. Tree demography and gap dynamics in a tropical rain forest. Ecology, 70: 555-558. Uhl, C.K.; Dezzeo, N.; Maquirino, P. 1988. Vegetation dynamics in Amazonian tree fall gaps. Ecology, 69:751-763. Orientação: Gislene Ganade