DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET: O CASO DO GOOGLE BOOKS



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Transcrição:

DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET: O CASO DO GOOGLE BOOKS RESUMO - Trata-se de uma discussão sobre o projeto Google Books, cujo propósito é o escaneamento de livros completos e sua disponibilização aos usuários da internet, passando pela análise de implicações relativas ao Direito Autoral. Atualmente, diversos estudiosos, a exemplo de Wolton, Castells, Lévy, endossam que a internet apresenta condições estruturais para a comunicação não-hierarquizada e não-regulamentada, a qual facultaria a emancipação informacional dos indivíduos, a partir da rede mundial de computadores. Instauram-se, nestas observações, polêmicas quanto à utilização de informação/conteúdos informacionais disponíveis na internet. Desta forma, as produções artísticas, intelectuais e científicas disponíveis na rede pertenceriam, invariavelmente, aos indivíduos que as utilizam? A internet representaria mesmo um ambiente desregulamentado e libertário, irresistível ao laissez-faire dos usuários, desconsiderando os direitos intelectuais dos autores dessas produções? Constitui um grave equívoco acreditar que as informações disponibilizadas em rede pertençam ao domínio público, ou mesmo, que sejam preteridas pela lei de direitos autorais mais especificamente, o direito autoral na internet. Esta assertiva constitui a principal celeuma entre os direitos dos autores (produtor intelectual de textos, imagens, audiovisuais, outros) e os indivíduos que se apropriam dessas produções para a fruição pessoal e/ou comercial. Importante ressaltar, no entanto, que as essas apropriações indevidas podem indicar o desconhecimento da lei que protege os produtores intelectuais, contribuindo, conseqüentemente, para a violação destes direitos. Concluise que, no Brasil, a exemplo, parece não existir sanções incisivas para proteger os proprietários de obras intelectuais: a radiodifusão de músicas nas praias e ruas, a pirataria, o uso comercial de obras protegidas, entre outros, demonstram o verdadeiro descaso à lei que resguarda a produção intelectual. Palavras-chave: Direito autoral; Copyright na internet; Google Books. COPYRIGHT ON THE INTERNET: THE CASE OF GOOGLE BOOKS ABSTRACT - This is a discussion about the Google Books project, whose purpose is the complete scanning of books and make them available for users in Internet users, through the analysis of implications regarding the Copyright Law. Currently, many scholars, like Wolton, Castells, Levy, endorses that the Internet presents structural conditions for communication non-hierarchical and non-regulated, which would provide the informational emancipation of individuals from the world wide web. Introduce themselves, these observations, polemics on the use of information / informational content available online. Thus, the artistic, intellectual and scientific productions available on the network belong invariably to individuals who use them? The Internet would represent, indeed, a deregulated and libertarian environment, irresistible to a laissez-faire of users, ignoring the intellectual rights of authors of these productions? Constitutes a serious mistake who believes the information provided in the network belong to the "public domain" or even deprecated by copyright law - specifically the copyright on the Internet. This assertion is a major stir among the authors' rights (intellectual producer of texts, images, audiovisual, etc.) and individuals that take these products for personal enjoyment and / or commercial. Importantly, however, that these "appropriations" may indicate undue ignorance of the law that protects intellectual producers, contributing thus for the violation. We conclude that in Brazil, for example, there seems to be forceful sanctions to protect owners of intellectual works, broadcasting music on the beaches and streets, piracy, commercial use of protected works, among others, demonstrate the true indifference the law that protects intellectual production.. Key-words: Copyright; Copyright on the Internet, Google Books José Carlos Sales dos Santos Mestrando em Ciência da Informação /UFBA ; Pós- Graduado em Gestão da Comunicação Organizacional Integrada - NPGA/EAUFBA e Graduado em Biblioteconomia e Documentação pelo Instituto de Ciências da Informação - ICI/UFBA. Professor convidado da Pós- Graduação da Escola de Administração, Instituto de Ciência da Informação e Faculdade de Farmácia. jsalles@ufba.br. 19

Atualmente diversos estudiosos como Wolton (2007), Castells (2001) e Lévy (1999) endossam que a internet apresenta condições estruturais para a comunicação nãohierarquizada e não-regulamentada, a qual facultaria a emancipação informacional dos indivíduos, a partir da rede mundial de computadores. Instauram-se, nestas observações, polêmicas quanto à utilização de informações disponíveis na internet. Destarte, ocorrem alguns questionamentos quanto aos conteúdos informacionais em rede: as produções artísticas, intelectuais e científicas, disponíveis na rede, pertenceriam, invariavelmente, aos indivíduos que as utilizam? A internet representaria mesmo um ambiente desregulamentado e libertário, propício ao laissez-faire dos usuários desconsiderando os direitos intelectuais dos autores dessas produções? As informações disponibilizadas em rede, entretanto, estão assistidas pela lei de direitos autorais mais especificamente ao direito autoral na internet. Esta assertiva constitui a principal celeuma entre os direitos dos autores (produtor intelectual de textos, imagens, audiovisuais, outros) e os indivíduos que utilizam essas produções, para a fruição pessoal ou comercial. Importante ressaltar, no entanto, que essas apropriações indevidas podem indicar a divulgação ineficaz da lei que protege os produtores intelectuais, contribuindo para a violação destes direitos. Notório que as tecnologias de informação potencializam transformações substanciais, no modus operandi, em diversas categorias sociais, como a produção artística e intelectual. Neste sentido, a internet configura-se como uma rede profícua de transferência das atividades humanas tradicionais para uma cultura cibernética (ou cibercultura), pois ela viabiliza a produção e o compartilhamento de informação, a partir de computadores interconectados. Para garantir a propriedade intelectual no ambiente web, existe a Lei Nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, destinada à regulamentação do direito autoral neste ambiente desregulamentado, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e revoga, quase que completamente, a Lei Nº 5988, de 14 de dezembro de 1973, que, antes, regulamentava este assunto. A Lei Nº 9 610 considera as obras intelectuais como as criações do espírito, registradas em suportes tangíveis ou intangíveis, a exemplo dos textos literários, artísticos 20

ou científicos. Esta lei resguarda a propriedade de conteúdo dos autores, protegendo a transmissão de informações a partir do ambiente eletrônico. Os e-books (os livros eletrônicos) representam mudanças estruturais na indústria editorial, ao permitir a disseminação destes, em formato web para diversos leitores conectados à internet. Neste contexto, surge o projeto denominado Google Books, que pretende revolucionar o mercado editorial. Lançado em outubro de 2004 nos Estados Unidos, o Google Books < http://books.google.com > representa a pesquisa de textos relacionados aos livros online, preterindo, assim, o pagamento advindo dos usuários para acessar o conteúdo. Antes conhecido como o Google Print e Google Books Search, o Google Books procura livros completos para escanear e disponibilizá-los aos usuários da rede. O resultado da pesquisa de livros eletrônicos, no site do projeto, apresenta anúncios e direcionamentos para homepages de editoras e/ou livreiros e restringe o número de páginas disponíveis para a visualização e download. O intuído deste procedimento visa a prevenir a utilização de materiais protegidos pelo direito autoral. Algumas reportagens clamam para o potencial democrático do projeto por disponibilizar informações (livros) a partir, apenas, do registro público no sistema. Este projeto, no entanto, apresenta algumas polêmicas quanto às orientações previstas na Lei Nº 9.610. O Departamento de Justiça americano, preocupado com o monopólio livreiro, investiga o acordo estabelecido entre o Google Books, as editoras e os autores, quanto à reprodução total ou parcial de livros. Representantes de organizações diversas, na Europa e América Latina, opõem-se ao acordo. No Brasil, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) concentra esforços para analisar as implicações legais dos termos propostos pelo projeto. Outro aspecto polêmico, relacionado ao monopólio virtual Google Books, condiz com a violação da lei antitruste norte-americana. Esta legislação objetiva o controle da concentração do poder econômico, com o intuito de assegurar a igualdade e oportunidades econômicas. Ao dialogar com diversas associações de autores e editoras, o Google declara que somente disponibilizará livros integrais em domínio público. Quanto aos livros 21

protegidos pelo direito autoral e que, porventura, tenham sido digitalizados, os editores e autores poderão reivindicar o pagamento desses direitos; os interessados devem comunicar, formalmente, a desaprovação da proposta ao Google. Nestes aspectos, residem os pontos mais polêmicos do acordo de divulgação: a empresa utiliza declaradamente os direitos dos autores e editores, porém são estes que precisam se comunicar com o Google, a fim de evitar a digitalização e disponibilização desses materiais em rede. Em relação aos livros órfãos 1, a jornalista do Jornal do Brasil On-line, Juliana Krapp, afirma que certos grupos acusam o Google de aproveitar este acordo, para usufruir livremente da comercialização dessas obras. Importante ressaltar que o acesso a esta biblioteca virtual estará disponível, apenas, às pessoas que estiverem ou residirem no território americano (IP estadunidense). Como os direitos autorais variam entre os países, as discrepâncias no acesso às informações seriam agravadas por essa barreira geográfica. Como a digitalização de livros, a partir do acervo das bibliotecas norte-americanas, abarca publicações de diversas nacionalidades incluindo títulos brasileiros, este procedimento demonstra a desvantagem autoral deste acordo. O discurso sobre a democratização da informação e do conhecimento, pondo-os ao alcance dos leitores/usuários disseminados em diversos países, não tem consistência argumentativa, pois os internautas situados além das fronteiras americanas estariam automaticamente cerceados deste projeto. Entretanto as críticas aos acordos do Google Books transcendem os autores e editores. A Microsoft, por exemplo, criticou publicamente o Google, pelo projeto de escaneamento-autômato de livros, sem a consulta prévia aos autores e editores, afirmado que este procedimento viola a lei de direito autoral. A partir deste discurso, a Microsoft revela o real interesse em publicizar as ferramentas do Microsoft Live Search Books, mecanismo similar ao Google, que cataloga apenas obras com direitos livres ou com a prévia permissão dos proprietários. Nesta disputa, não existe o lado bom ou o lado mal, sim, empresas guiadas pelos interesses de ampliar o mercado informacional. 1 Livros que não possuem direitos autorais definidos. 22

O governo francês condenou o Google, com uma indenização de 15 milhões de euros, por infringir os direitos autorais da editora La Martinière. Antes desta decisão, o presidente Nicolas Sarkozy proferiu um discurso polêmico, sobre a digitalização de livros, afirmando que a herança literária francesa não estaria sob a responsabilidade de empresas norte-americanas amigáveis 2. Em 2010, a França canalizará esforços para desenvolver um projeto de digitalização de livros, como uma alternativa ao sistema de arquivamento do Google, ou seja, para competir com a empresa norte-americana. Para compreender a dimensão desta investida, em dezembro de 2009, um tribunal francês encerrou o escaneamento de livros editados na França. O motivo, segundo o tribunal, seria a violação dos direitos autorais. Entretanto existem correntes que questionam o direito do autor. Stallman e Lessing 3, este último, fundador do Free Software Foundation e professor de direito na Stanford Law School, caracterizam o copyright como um sistema monopolista e regulador do mercado cultural, pois restringe o acesso e, mormente, o uso da informação. Estas considerações procederiam, caso estas informações fossem utilizadas com conotações estritamente educacionais. Estes autores defendem, ainda, que o direito de cópia cerceia os direitos a informações e impede o processo de democratização do conhecimento. O proprietário de uma obra intelectual, desta forma, apresenta-se como um componente frágil na relação editorial, devido à incipiência de mecanismos que garantam a segurança e o controle das vendas de obras publicadas. O debate sobre o direito autoral na internet, tendo como marco o primeiro congresso internacional sobre os aspectos éticos, legais e societários da informação em meio digital, ocorreu em 1997, na Itália 4. Na oportunidade, discutia-se a flexibilização das normas, a partir dos modelos alternativos ao sistema autoral corrente, como a Licença Copyleft e a Licença Creative Commons. Os defensores de projetos como o Google Books alegam os benefícios para o estudo, a pesquisa e a população em geral e para a circulação 2 Na matéria publicada no site Dossiê Alex Primo, A França versus a Google Books, Mariana Oliveira 3 Autores retomados no artigo Tecnologias da informação e da comunicação e a polêmica sobre direito autoral: o caso do Google Book Search, de Juçara Gorki Brittes e Joanicy Leandra Pereira (2007). 4 Informações retiradas do artigo de Juçara Brittes e Joanicy Pereira (p.172). 23

de informações enclausuradas em bibliotecas com pouca ou nenhuma circulação de usuários, indisponíveis ao acesso humano. As vantagens da digitalização de acervos para a democratização do conhecimento, neste sentido, requerem argumentos mais consistentes. Como os direitos dos autores estariam garantidos? As informações estariam disponíveis para todos os interessados em obtê-las? Estas indagações exigem debates constantes com todas as partes interessadas, inclusive a sociedade. Recentemente, o Ministério da Cultura (MinC) recebeu sugestões para a modernização da Lei de Direito Autoral no Brasil. Em setembro de 2010, o ministro Juca Ferreira recebeu de Jorge Yunes, diretor-presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), e do representante da Editora Abril Educação, Éktor Passini, documento formal com contribuições relativas ao setor livreiro escolar e à modernização da Lei de Direitos Autorais. A consulta pública, para a revisão desta lei, recebeu 7.863 sugestões, e, segundo o MinC, estas sugestões serão analisadas com acuidade. Para participar, os interessados cadastraram-se no domínio eletrônico do Ministério, afirmando concordar com os termos de uso. As discussões acerca dos direitos autorais na internet, mais especificamente o caso do Google Books, e a proposta de digitalização e disponibilização de livros no dito repositório, parecem distantes da suscitação de polêmicas. A relação, entre os diferentes interesses, converge para uma disputa estritamente econômica. Os discursos referentes à democratização da informação requisito fundamental (mas não condicionante) para geração de conhecimento, na verdade, reveste-se na ampliação de mercado consumidor. Este ponto da discussão merece especial atenção para não esbarrar-se em discursos infecundos e maniqueístas: o bem é totalmente bom e o mal é totalmente mau. Os interesses econômicos de empresas capitalistas (as editoras, o Google, outras) comportam a lógica de mercado. Contudo, a maior preocupação corresponde às dissonâncias existentes entre as promessas de acesso à informação, livre, desarticulada das barreiras geográficas, e o que é realizado efetivamente. A realidade apresenta-se demasiadamente complexa, principalmente no que tange a essa temática. Todavia, estas considerações não 24

devem constituir empecilhos para se prosseguir nas discussões e proposições que atendam, em princípio, à sociedade engendrada na informação. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 20 fev., 1998. Seção 1, p. 3. BRASIL. Ministério da Cultura. Consulta pública para modernização da lei de direito autoral. Disponível em: < http://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/>. Acesso em: 08 set. 2010. BRITTES, Juçara Gorski; PEREIRA, Joanicy Leandra. Tecnologias da informação e da comunicação e a polêmica sobre o direito autoral. O caso do Google Book Search. Ciência da Informação, Brasília, v.36, n.1, p.167-174, jan./abr. 2007. CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. 3ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. KRAPP, Juliana. Projeto do Google Books gera polêmica. Jornal do Brasil On-line, Rio de Janeiro, 8 maio 2009. Disponível em: < http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/05/08/e08054142.asp> Acesso em: 26 jan. 2010. LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999. MARTINS FILHO, Plínio. Direitos autorais na internet. Ciência da Informação, Brasília, v.27, n.2, p.183-188, maio/ago. 1998. OLIVEIRA, Mariana. A França versus a Google Books. Dossiê Alex Primo, [Rio Grande do Sul], 21 dez. 2009. Disponível em: < http://www.interney.net/blogs/alexprimo/2009/12/21/a_franca_versus_google_books/>. Acesso em: 26 jan. 2010. STORY, Alan; HALBERT, Debora; DARCH, Colin (ed.). The Copy/South Dossier: issues in the economics, politics and ideology in the global South. Canterbury: The CopySouth Research Group, 2006. 210p. Disponível em: <http://www.copysouth.org/> Acesso em: 16 dez. 2009. WOLTON, Dominique. As novas tecnologias, o indivíduo e a sociedade. In.. Internet, e depois? uma teoria crítica das novas mídias. Porto Alegre: Sulina, 2 ed. 2007. 25

ZMOGISKI, Felipe. MS critica Google Books por direitos autorais. INFO On-line, [São Paulo], 6 mar. 2007. Disponível em: < http://info.abril.com.br/aberto/infonews/032007/06032007-1.shl> Acesso em: 26 jan. 2010. 26