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Transcrição:

INTRODUÇÃO Quanto mais nos aproximamos do estudo de um objecto, mais ele nos parece complexo, pois assim evidencia os seus diversos e por vezes contraditórios pormenores. O pensamento filosófico-político a que alguns chamam «contemporâneo», obviamente mais próximo de nós, desde logo temporalmente, sendo embora vário, já nos não é totalmente familiar: e bem pode dividir-se em duas grandes fases ou «momentos». Será por isso objecto de três livros desta colecção, que realmente se encadeiam, e só o todo representará o conjunto da Filosofia Política Contemporânea. Simbolicamente, começamos o primeiro destes volumes, o presente, com a figura de Espinosa, homem livre por excelência, anunciador da contemporaneidade, uma das mais belas e mais livres inteligências de sempre. Já no plano da história política, é com as revoluções modernas, desde logo aflorando na «Revolução Gloriosa» britânica, por Locke contada às crianças e explicada ao Povo no seu Segundo Tratado do Governo Civil, que se pode datar a época de que curamos. Os manuais de 3

História geral normalmente referem a Revolução Francesa, e, nela, a tomada da Bastilha, em 1789, como o momento de viragem. Mas não parece errado que recuemos até ao século XVII, porque nele estão as raízes de tudo o que viria depois. A primeira fase do pensamento político contemporâneo encontra-se sob o signo de uma dupla oposição. Oposição, antes de mais, ao Antigo Regime e ao Despotismo Esclarecido, ou, pelo menos, à sua faceta absolutista. Mas, depois do triunfo do pensamento a que poderemos chamar liberal, lato sensu, no Reino Unido, com o estabelecimento aí de Guilherme e Maria de Orange e a concomitante renovada importância do Parlamento, após o triunfo da independência dos Estados Unidos da América e a própria consolidação e estabilização da Revolução Francesa (meta desejada tanto por um Napoleão como por um Augusto Comte), a ordem burguesa também não terá propriamente paz. Porquanto, ao privilegiar da liberdade como função da propriedade (grande princípio dos primeiros tempos), vai contrapor-se a contestação da propriedade, ou pelo menos da propriedade burguesa, em nome da igualdade e da justiça. Socialistas ditos «utópicos», como Proudhon, e socialistas ditos «científicos», como Marx, serão a primeira e mais clássica posteridade das críticas mítico-antropológicas de Rousseau a esse homem que nascera «livre» mas com demasiada frequência se encontraria «a ferros». 4

Pareceu fazer sentido dedicar este volume, do pensamento juspolítico contemporâneo mais clássico, a esses dois vectores essenciais da primeira polémica que o nosso tempo ainda encerra: a da Liberdade e da Propriedade vs. a Igualdade e a Justiça social. O que é outra forma de dizer que o presente livro cura sobretudo dos primeiros liberais e dos primeiros socialistas, embora mais daqueles do que destes. Começamos com um protoliberal como Espinosa, passamos depois a um liberal clássico que foi Locke e, pelo tempo fora, de liberais a socialistas, terminamos com um «liberal» muito heterodoxo (que já morre no século XX, aliás), que recusa as «regras do jogo» marxista: Freud. Não sendo, aliás, um verdadeiro filósofo político, Freud é a ponte (sobretudo uma ponte simbólica, mas também epistémica e metodológica sobretudo inspiradora se diria) para um mundo de uma modernidade contemporânea em que a polémica muda de sentido: ao ponto de haver quem lhe haja chamado já pós-modernidade. Assim, a segunda grande fase, e a segunda oposição, será entre a Ordem e o Estado de uma contemporaneidade moderna e a Desordem ou Nova Ordem e o «pós-estado» de uma contemporaneidade tardo-moderna ou pós- -moderna. Não nos ocupamos neste volume, por conseguinte, dessa outra corrente de pensamento (em parte coetânea destas) que privilegia a ordem, o Estado e algum utopismo organicista ou utilitário, e que vai, só para 5

falar dos seus mais altos expoentes, de Kant a Comte, passando por Hegel e Bentham (todos se incluindo nessa outra vertente que vai do idealismo ao positivismo), nem das múltiplas figuras ainda mais próximas de nós, que têm em Rawls, Luhmann, Habermas e Lyotard ou Foucault mais conhecidos representantes. Nos próximos volumes (um sobre Filosofia Política Romântica e o outro sobre o século XX especificamente), destes todos se falará e ainda de alguns dos mais clássicos, como Carl Schmitt, Hans Kelsen, Raymond Aron, ou Norberto Bobbio, sem os quais se não pode compreender o nosso tempo político. 6

ÍNDICE Introdução... 3 Bento Espinosa (Amesterdão, 1632-Haia, 1677). Um homem livre, excomungado, filho de exilados... 7 John Locke (Wrington, 1632-Oates, 1704). Liberdade e propriedade pelo trabalho... 27 Montesquieu (Bordéus, 1689-Paris, 1755). Liberdade pela separação dos poderes... 32 António Ribeiro dos Santos (Porto, 30-III-1745-Lisboa, 16-I-1818). Velhas e novas liberdades... 37 António Rosmini (Rovereto, 1797-Stresa, 1855). Liberdade, fé e caridade... 42 Alexis de Tocqueville (Paris, 1805-Cannes, 1859). Liberdade ou democracia?... 49 John Stuart Mill (Londres, 1806-Aix-en-Provence, 1873). Propriedade, condição da liberdade... 54 Jean-Jacques Rousseau (Genebra, 1712-Ermenonville, 1778). Propriedade e (des)igualdade... 59 93

Proudhon (Besançon, 1809-Paris, 1865). Liberdade sem propriedade... 67 Karl Marx (Treves, 1818-Londres, 1883). Abolição da propriedade burguesa... 73 Sigmund Freud (Freiberg, 1856-Londres, 1939). Propriedade e agressão num «liberal» pós-marxista 84 94