1546 NATIVOS DIGITAIS: UM NOVO PERFIL DE USUÁRIO DIGITAL NATIVES: A NEW USER PROFILE Jaqueline Ferreira Silva de Castro Alberto Calil Junior Resumo: Apresenta o conceito de nativos digitais no contexto da sociedade da informação. Verifica, por meio de levantamento bibliográfico, a representatividade do termo nativos digitais e outros de equivalente semântica, bem como sua aplicação frente a outras terminologias. Objetiva elucidar a representatividade deste novo perfil de usuário para as bibliotecas de instituições educacionais, assim como verificar sua presença na literatura na área de Biblioteconomia e Ciência da Informação. Compara diferentes termos e definições que designam os indivíduos nascidos após o surgimento da sociedade da informação. Aborda a função das bibliotecas perante a necessidade de letramento informacional de seus usuários enquanto nativos digitais. Considera a questão do acesso e uso de tecnologias. Discute os conceitos de geração e população para designar os nativos digitais. Conclui ser pertinente a adequação das bibliotecas a esses usuários e suas demandas a partir de novos parâmetros e metodologias a serem adotados pelas mesmas. Sugere novos estudos a respeito destes indivíduos enquanto usuários da informação a fim de produzir conhecimentos. Palavras-chave: Nativos digitais. Biblioteca. Letramento informacional. Abstract: Introduces the digital natives concept in the information society context. Uses a bibliographic research as a method to verify the representativeness of the term digital natives to designate individuals who were born after the emergence of the information society. Considers other terms and different definitions to designate these individuals who were born in a society evolved by the media and its technological tools. Aims to clarify the digital natives terminology use in the Library Sciences and Information Sciences areas, as ell as to discuss this ne users profile. Discusses the library's role towards their users need for information literacy, while digital natives. Considers the issue of access and use of technologies. Discusses the concepts of generation and population to designate the digital natives. Concludes that the libraries have to be adapted to these users and their demands, by embracing new parameters and methodologies. Keywords: Digital natives. Libraries. Information literacy. 1 INTRODUÇÃO As mudanças sociais trazidas pelas tecnologias da informação, fizeram com que as bibliotecas passassem a receber um público apontado por alguns autores como diferenciado justamente por seu contato com tais tecnologias desde sua primeira infância (ZIMMERMAN, 2012; PALFREY; GASSER, 2008; ROWLANDS et al, 2008). A expansão do acesso e uso das tecnologias no cotidiano dos cidadãos possibilita novas apropriações das mídias digitais. Entretanto, devemos considerar que este acesso não está ao alcance de todos, principalmente nos países em desenvolvimento, dadas as diferenças de ordem social e econômica. No entanto, a despeito de possíveis distinções no acesso aos dispositivos, torna-se corrente a narrativa de que essa relação estreita com a tecnologia, característica da sociedade
1547 atual, traz benefícios para o sujeito. E, dentre os diversos efeitos dessas transformações societárias, uma das narrativas que ganha destaque é a do surgimento de uma geração diferenciada, justamente por ter nascido em uma época caracterizada pela onipresente conexão. A geração de alunos que as escolas e universidades recebem atualmente está cada vez mais envolvida pelos avanços tecnológicos. Trata-se de uma geração envolta pelas mídias. Apesar de toda a discussão a respeito do fosso digital, esforços têm sido postos em prática para diminuí-lo. Mesmo que não haja um contato a todo o momento, ao menos nos grandes centros, mesmo os menos favorecidos socialmente têm, de alguma maneira, acesso às mídias, e estão conectados e em rede. No entanto, como afirma Sorj (2008, p.62, tradução nossa), o acesso às mídias não assegura por si só o uso potencial das mesmas, dado que a capacidade intelectual e profissional de cada usuário para usufruir ao máximo de cada uma das tecnologias de comunicação e informação é tão importante quanto o próprio acesso. Desta forma, a biblioteca escolar e/ou universitária deve estar preparada para agir ativamente no processo de letramento, seja pela necessidade de letramento digital ou informacional dos indivíduos que a ela se apresentam. É importante também que os profissionais bibliotecários que ali se coloquem estejam conscientes deste papel a ser desempenhado. Nesta perspectiva, consideramos importante compreender este novo público, com suas demandas, características e anseios. Chama atenção a multiplicidade de denominações, tanto na literatura acadêmica quanto no cotidiano, existente para nomear essa geração. 2 NATIVOS DIGITAIS Nativos digitais, Millennials, Geração Y, Geração I, Geração Internet, Nascidos digitais. De acordo com Zimerman (2012, p. 174) estas são apenas algumas das muitas denominações encontradas na literatura para designar os indivíduos nascidos após a explosão tecnológica que veio a afetar o dia a dia da sociedade desde os aspectos institucionais até as relações sociais e o próprio modo de vida destes indivíduos. O autor afirma que os nativos digitais surgem em torno do ano de 1980 e que nativo digital é apenas um entre muitos nomes usados para descrever a geração de indivíduos que têm acesso a computadores e tecnologia digital desde seu nascimento (ZIMERMAN, 2012, p. 174, tradução nossa).
1548 Prensky (2001) adota o termo Nativos digitais para designar esta geração e ressalta que o termo seja o mais adequado por esses indivíduos serem falantes nativos da linguagem de computadores, vídeo games e da internet. Veen e Vrakking (2006, p. 10, tradução nossa) definem os nativos digitais, sendo por eles adotado o termo homo zapiens, como a geração que cresceu usando vários dispositivos tecnológicos desde a infância: o controle remoto de televisão, o mouse do computador, o minidisc e, mais recentemente, o celular, o ipod e o mp3 player. Os autores afirmam que estes dispositivos possibilitaram às crianças controlar o fluxo de informações e a lidar com a sobrecarga informacional. No entanto, nos parece no mínimo audacioso prever que elas estejam no controle dentre as múltiplas possibilidades oferecidas por estes meios. Palfrey e Gasser (2008) afirmam que o mundo começou a mudar rapidamente ao final da década de 1970. Os autores adotam o termo nativos digitais ao se referirem aos indivíduos nascidos na era digital e consideram nativos digitais os indivíduos nascidos após 1980, havendo mudança no modo de interação entre as pessoas que antes se comunicavam utilizando meios não digitais, tradicionais, como as cartas, por exemplo. Os autores definem os nativos digitais como aqueles que têm acesso às tecnologias digitais e possuem habilidades para lidar com tais tecnologias. Para Palfrey e Gasser (2008, p.4) são considerados nativos digitais os indivíduos que passam boa parte de suas vidas conectados e não distinguem sua vida online de sua vivência off-line. Este grupo de indivíduos tem em comum o acesso à tecnologia e a data de início do contato com a tecnologia, mas é preciso salientar que este contato inicial está intrinsecamente ligado a outros fatores sociais como condição financeira favorável e iniciativas governamentais a fim de financiar o acesso. Ro lands e outros (2008) utilizam o termo Geração Google, e os definem por terem nascido após 1993 e fazerem parte de um grupo que não tem memória da vida antes da internet. Os autores afirmam ainda que o impacto das TICs na geração que lhes segue seria superestimado e que os jovens demonstram uma aparente facilidade e familiaridade com computadores, eles dependem muito de motores de busca, vêem em vez de ler, e não possuem as habilidades críticas e analíticas para avaliar as informações que encontram na web (ROWLANDS et al, 2008, p.290, tradução nossa). Tapscott (1999, p.7, tradução nossa) já definia a Geração Net como a primeira a crescer rodeada pelas mídias digitais e estariam tão envolvidos pelas mídias digitais que chegariam a pensar que esta fizesse parte da paisagem natural, não distinguindo o mundo real do virtual.
1549 Apesar de haverem muitas terminologias para designar os nativos digitais e de alguns autores identificarem características específicas e os classificarem por meio delas (como no caso da Geração Google, de Rowlands e outros, 2008) encontramos enquanto termo mais geral Digital natives, aqui traduzido por Nativos digitais. Além de ter mais ocorrências na literatura consultada, o termo se coloca como mais abrangente e relacionado diretamente às mídias digitais, dessa forma mais adequado para enfatizar a relação desta geração, os nativos digitais, com as TICs e demais dispositivos tecnológicos enquanto mediadores entre o usuário e a informação. A revisão de literatura, resultante da pesquisa de mestrado desenvolvida na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, aponta para uma falta de consenso no uso do termo em língua inglesa. Em alguns artigos, Digital natives e Born-digital são utilizados como sinônimos, no entanto, em outros marca-se uma diferença. Dessa forma, considera-se necessária uma análise dessa apropriação. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Os procedimentos técnicos utilizados nesta pesquisa podem definí-la como bibliográfica, elaborada com base em material já publicado (GIL, 2010, p.29). A produção bibliográfica a respeito dos nativos digitais é do interesse de várias áreas do conhecimento, incluindo a biblioteconomia. Na análise dessa literatura, constatou-se que dentre os diversos termos utilizados, nativos digitais tem sido aquele que ganha maior destaque. Foi realizado levantamento bibliográfico acerca dos Nativos digitais levando em consideração a variação dos termos existentes em língua inglesa Digital natives e Born-digital. Com o intuito de verificar a representatividade destes estudos no campo da Ciência da Informação e da Biblioteconomia foram elencadas as seguintes bases de dados: ISTA (Information Science & Technology Abstracts), LISA (Library & Information Science Abstracts), e LISTA (Library, Information Science & Technology Abstracts). O levantamento foi realizado em duas etapas. Em um primeiro momento utilizou-se os termos em língua inglesa - Digital natives e Born-digital para em seguida realizar a busca com os termos em língua portuguesa - Nativos digitais e Nascidos digitais. A busca dos termos em língua portuguesa foi ampliada para todas as bases constantes do Portal de Periódicos da CAPES, pois ao realizar a busca nas bases supra-citadas, não recuperou-se um número significativo de resultados - apenas dois artigos. Algo notável na literatura em língua inglesa é a utilização do termo 'Born-digital' para referir-se a objetos digitais já criados em ambiente virtual, enquanto o termo 'Digital natives'
1550 se mostra mais recorrente ao tratar de indivíduos. Esta distinção no uso dos termos torna-se mais clara a partir das tabelas e gráfico gerados para demonstrar o levantamento bibliográfico realizado (ver TABELAS 1-3). Os resultados aqui demonstrados foram coletados no período entre novembro de 2012 e fevereiro de 2014. TABELA 1 recuperação de artigos em periódicos científicos. Bases Born-Digital Digital Natives LISA 4 9 LISTA 90 40 ISTA 37 13 Total 131 62 Fonte: Portal de Periódicos Capes (2012). A TABELA 1 demonstra todos os resultados obtidos. Após apreciação destes e seleção dos textos que tratam apenas de indivíduos nos foi possível apresentar nova tabela: TABELA 2 artigos recuperados relevantes à pesquisa. Bases Born-Digital Digital Natives LISA 1 5 LISTA 10 14 ISTA 5 4 Total 16 23 Fonte: Portal de Periódicos Capes (2012). A análise dos dados mostra que não há consenso, em língua inglesa, para nomear os sujeitos "nascidos na era digital. Apesar de ser possível afirmar que o termo Born-digital é mais utilizado para significar objetos criados em meio digital e Digital Natives para designar os sujeitos, constatamos falta de consenso no uso dos termos. A TABELA 1 mostra o resultado total obtido na busca para cada base, e o somatório de artigos recuperados em todas. Ao aplicarmos os critérios de seleção gerou-se a tabela 2, em que não foram considerados os artigos que tratam de textos ou outro tipo de material criado em ambiente digital ao se referirem aos termos buscados e sim apenas aqueles que se referem
1551 a indivíduos. A partir da comparação entre as duas tabelas nota-se maior relevância para a utilização do termo 'Digital natives ; o total de artigos selecionados para o termo 'Borndigital' corresponde a 12,22% do total recuperado na busca inicial, enquanto para o termo 'Digital natives' corresponde a 37,1% do total: GRÁFICO 1 Comparativo do total de artigos Fonte: Elaborado pelos autores (2013). Assim, podemos verificar que o termo 'Digital natives' possui maior relevância ao tratar de indivíduos nascidos em ambiente digital, enquanto nos foi possível perceber o termo 'Born-digital' sendo mais utilizado para referir-se a objetos digitais. No entanto, não encontramos documentos que se refiram ao uso dos termos ou mesmo um consenso com relação a tal utilização. Ao realizarmos a mesma busca com os termos traduzidos para a língua portuguesa, respectivamente 'Digital natives', como Nativos digitais e 'Born-digital', como Nascido digital, conforme já mencionado, não obtivemos um resultado significativo, apenas dois artigos. Em consequência, foi feita a busca simples por assunto no Portal de Periódicos Capes a fim de ampliar o universo de pesquisa, recuperando-se os seguintes resultados: TABELA 3 Recuperação de artigos em busca simples por assunto Base Nascidos digitais Nativos digitais Portal de Periódicos Capes 3 16 Total 3 16 Fonte: Portal de Periódicos Capes (2014). Novamente, mas desta vez em língua portuguesa, confirmamos a preferência pelo uso dos termos para referir-se a documentos (nascidos digitais) ou pessoas (nativos digitais). Na busca por nascidos digitais, todos os artigos recuperados referem-se a objetos digitais,
1552 enquanto o termo "nativos digitais" foi utilizado apenas para designar indivíduos em todos os textos recuperados. Tais resultados nos levam a crer que a discrepância no uso dos termos encontrado em língua inglesa não se traduz à língua portuguesa, e mais, reafirmam nossa prerrogativa com relação a distintos usos dos termos. Outro ponto a ser destacado na analise é o baixo número de artigos recuperados, tanto em língua inglesa, quanto em língua portuguesa, o que corrobora a afirmação de Zimerman (2012, p. 176, tradução nossa) de que há uma grande quantidade de literatura sobre nativos digitais e seu lugar no mundo, mas não muita diretamente relacionada a bibliotecas. 4 CONCLUSÕES É no contexto da sociedade da informação, em uma sociedade global, que surgem os chamados nativos digitais. Apesar da crença de ser esta uma geração independente no uso da tecnologia, cada vez mais intuitiva e com menos manuais de usuário, o fato de lidarem com facilidade com os dispositivos tecnológicos não lhes garante o uso consciente e crítico da informação ou das fontes de informação. A sociedade da informação e os nativos digitais desafiam as bibliotecas e os bibliotecários a se adequarem às suas necessidades, exigindo o surgimento de novas metodologias e de novos parâmetros. Nesse sentido, os estudos sobre os sujeitos contemporâneos e sua relação com os dispositivos tecnológicos, bem como com a informação surgem como relevantes para o entendimento dos processos que envolvem o letramento informacional em nossa sociedade. REFERÊNCIAS GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010. 184 p. KUHLTHAU, Carol. Guided Inquiry for School Libraries in the 21st Century. School Libraries Worldwide, v. 16, n. 1, p. 17-28, jan. 2010. Disponível em: <http://comminfo.rutgers.edu/~kuhlthau/ docs/gi-school-librarians-in-the-21-century.pdf >. Acesso em: 20 maio 2014. MARCONDES FILHO, Ciro. Haverá vida após a Internet?. 2001. Disponível em: <http:// www.eca.usp.br/nucleos/filocom/ciro1.html>. Acesso em: 12 jul. 2014. OXFORD Dictionaries. Oxford University Press, 2013. Disponível em: <http://oxforddictio naries.com/definition/english/population?q=population>. Acesso em: 27 jul. 2013. PALFREY, John, GASSER, Urs. Born digital: understanding the first generation of digital natives. New York: Basic Books, 2008. 375 p. PRENSKY, Marc. Digital natives, digital immigrants. On the horizon, MCB University Press, v. 9, n. 5, p.1-6, 2001, Disponível em:
1553 <http://www.twitchspeed.com/site/prensky%20%20digital%20natives,%20digital%20immi grants %20-%20Part1.htm>. Acesso em: 4 jun. 2013. ROWLANDS, I. et al. The Google generation: the information behaviour of the researcher of the future. Aslib Proceedings: New Information Perspectives, v. 60, n. 4, p. 290-310, 2008. Disponível em: <http://www.emeraldinsight. com/insight/viewpdf.jsp?contenttype=article&filename=html/output/published/emeraldf ulltextarticle/pdf/2760600401.pdf>. Acesso em: 15 out. 2013. SCOTT, John; MARSHALL, Gordon. Oxford Dictionary of Sociology. 3. ed. Oxford: OxfordUniversity Press, 2009. Disponível em: <http://www.oxfordreference.com/view/10.1093/acref/9780199533008. 001.0001/acref- 9780199533008>. Acesso em: 30 jun. 2013. SORJ, B. Information Societies and Digital Divides. Milão: Polimetrica, 2008. 101 p. Disponível em: <http://www.bernardosorj.com.br/pdf/information_societies_and_digital_ Divides_ebook.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2013. TAPSCOTT, Don. Educating the Net Generation. Educational Leadership, v. 56, n. 5, p. 6-11, Feb. 1999. Disponível em: <http://www.ascd.org/readingroom/edlead/abstracts/feb99. html>. Acesso em: 19 jun. 2013. VEEN, Wim; VRAKKING, Ben. Homo zappiens: growing up in a digital age. London: Network Continuum Education, 2006. 160 p. ZIMERMAN, Martin. Digital natives, searching behavior and the library. New Library World, v. 113, n. 3/4, p. 174-201, 2012. Disponível em: <http://www.emeraldinsight.com/journals.ht m?issn=0307-4803&volume=113&issue=3/4&articleid=17024631& show=html>. Acesso em: 05 ago. 2013.