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Transcrição:

Oliven, Ruben George. Computador, fax, celular, Internet e outras pragas que nos assolam. En publicacion: Cultura y Neoliberalismo. Grimson, Alejandro. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Buenos Aires. Julio 2007. ISBN: 978-987-1183-69-2 Disponible en: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/grupos/grim_cult/oliven.pdf www.clacso.org RED DE BIBLIOTECAS VIRTUALES DE CIENCIAS SOCIALES DE AMERICA LATINA Y EL CARIBE, DE LA RED DE CENTROS MIEMBROS DE CLACSO http://www.clacso.org.ar/biblioteca biblioteca@clacso.edu.ar

Ruben George Oliven* Computador, fax, celular, Internet e outras pragas que nos assolam NEOLIBERALISMO É UM TERMO, em geral, utilizado para mostrar como a idéia de mercado se alastra da economia para toda a sociedade e passa a ser a lógica pela qual esta deveria se reger. Tendo em vista que uma moderna economia não pode prescindir de um mercado, a transposição deste conceito para o resto da sociedade significa que coisas díspares como educação, cultura, saúde, entre outras, deveriam ser vistas pela ótica da oferta e da procura. São conhecidas as críticas que podem ser feitas a esta forma de compreender a dinâmica social e não pretendo avançar nesta linha. Gostaria de analisar a maneira como o cotidiano das pessoas é afetado por esta nova ordem social e como este processo se articula com as modernas tecnologias. Especificamente, gostaria de me deter a aspectos como diminuição do tempo livre, necessidade progressiva de mais dinheiro para atender às novas demandas criadas e a crescente burocratização da vida intelectual na academia. Algumas destas questões, embora muito recentes, se naturalizaram de tal forma que a maioria das pessoas não as questiona. Comecemos pelo impacto de novas tecnologias comunicacionais no cotidiano das pessoas. Algumas delas foram adaptadas ao uso pessoal como o fax, o telefone celular, o microcomputador, o correio * Professor Titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 151

Cultura y neoliberalismo eletrônico e a Internet e são relativamente recentes. Têm em torno de vinte anos de existência e tiveram um impacto tão ou mais importante em nossas vidas como a eletricidade, o telégrafo, o automóvel, o rádio, o telefone e a televisão em outras épocas. Para nossa geração é mais difícil medir ou ter uma idéia do impacto dessas últimas tecnologias, pois quando nascemos, elas já existiam e faziam parte do cotidiano. Mas como se comunicavam as pessoas antes do telégrafo e do telefone? O que faziam as pessoas depois do jantar antes do advento do rádio e da televisão? No Brasil, estes aparelhos surgiram, respectivamente, em 1923 e 1950. Recordo-me do pai de um amigo, vizinho de infância. Quando ele voltava do serviço (como se chamava o emprego de colarinho branco naquela época), a primeira coisa que fazia era tomar banho, colocar seu pijama de rua e levar uma cadeira para frente da casa. Ele e vários outros adultos tomavam a fresca antes do jantar, isto é, ficavam em frente da casa conversando com os vizinhos num traje que não era nem o da casa, nem o da rua, mas o da calçada, território tranqüilo que, naquela época, se situava entre esses dois domínios. Uma das promessas da modernidade era de que com o uso crescente da tecnologia, teríamos mais tempo e mais dinheiro a nosso dispor. O que ocorreu foi, infelizmente, o contrário. Cross começa seu livro Time and money. The making of consumer culture afirmando que tempo e dinheiro são as coisas mais escassas da vida moderna (1993: 1). Ele argumenta que, no período entre as duas grandes guerras mundiais, indivíduos de diferentes posições sociais, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, acreditavam que a produtividade industrial realizaria um sonho histórico: a satisfação das necessidades físicas humanas. Isso, por sua vez, criaria mais tempo livre e possibilidades de novas oportunidades de lazer. Mas para ele, na metade do século XX, ficou claro que essas idéias sobre tempo não se concretizaram. Essa derrota tem a ver com o surgimento de uma sociedade de consumo de massa. Sociedade esta que desmentiu a crença de que havia necessidades limitadas. Ao contrário, ela aumentou o número de demandas e, por conseguinte, fez com que os consumidores tenham que trabalhar cada vez mais para satisfazê-las. De modo semelhante, gostaria de argumentar que, descontadas as óbvias vantagens das modernas tecnologias comunicacionais, elas implicam aumento de gastos financeiros, diminuição de tempo livre e perda de autonomia individual. Do ponto de vista da questão financeira, toda esta aparelhagem significa investimentos individuais consideráveis que não existiam antes. Se antigamente, um domicílio de classe média precisava ter objetos como móveis, fogão, geladeira, rádio, televisão e telefone, atualmente além desses utensílios precisamos de freezers, micro-ondas, máquinas 152

Ruben George Oliven de lavar e secar roupa, máquina de lavar pratos, televisão por assinatura, DVDs (e home theaters se quisermos estar realmente up to date), telefones celulares (um para cada membro da família), mais uma parafernália de equipamentos de informática. Estes últimos equipamentos, além de serem caros, se desatualizam com impressionante rapidez e exigem constantemente novos programas. Ao passo que um carro pode facilmente durar dez anos se bem cuidado, o mesmo não vale para um computador que em poucos anos fica obsoleto e não consegue rodar os programas mais recentes. Todos esses equipamentos envolvem cuidadoso estudo para fazer a opção correta na compra e implicam em constante atualização para saber usar os programas. Se calcularmos a vida útil de um computador, em cinco anos, e se ele custar 1.000 dólares, teremos um custo de, aproximadamente, 17 dólares por mês somente para o aparelho. A isso teríamos que acrescentar a assinatura de um provedor e o acesso a uma conexão de banda larga que poderão custar em torno de 30 dólares por mês. Se somarmos ainda, a aquisição de programas e outros tipos de equipamentos, veremos que o item informática dos orçamentos domésticos fica cada vez maior. Os dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2002-2003, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizada em onze capitais de estados brasileiros e no Distrito Federal, revelam que as famílias brasileiras já gastam mais com provedor de Internet e assinatura de TV do que com arroz e feijão. Somados, estes dois itens básicos da mesa nacional, participam com 1,30% do orçamento familiar, ao passo que os gastos com Internet e TV por assinatura representam 1,49% do consumo. A FGV já pesquisava os gastos com esses dois itens em 1999-2000 (última pesquisa), mas a importância destes no orçamento cresceu muito. As despesas com Internet aumentaram cerca de 11 vezes, de 0,048% para 0,58%. Já as com TV por assinatura cresceram de 0,40% para 0,91% (Folha de São Paulo, 2004). Algo parecido pode ser dito com relação ao tempo. Qual é o número médio de horas que uma pessoa gasta lendo seu correio eletrônico? Quantas horas são dedicadas a navegar na Internet? Qual é a média de informações que utilizamos quando nos deparamos com milhares de entradas sobre um tema no Google? Quantas horas dedicamos a essa abundância de informações? O que fazer com esse excesso de dados? Conhecemos a análise que a Escola de Frankfurt fez da indústria cultural (Adorno), da reprodutibilidade técnica da obra de arte (Benjamin) e da tecnologia como uma forma moderna de ideologia (Habermas). Em que pesem as várias críticas que foram feitas à visão pessimista e às vezes vista como sem saída dessas posições, caberia se indagar sobre o poder que a burocracia adquiriu com as novas tecnologias eletrônicas. 153

Cultura y neoliberalismo Antigamente, se um administrador necessitava de algo, ele tinha que datilografar um ofício, endereçá-lo ao remetente e enviá-lo via correio. Pressupunha-se que o ofício estivesse escrito de forma correta. Hoje em dia basta digitar um e-mail, freqüentemente redigido de forma tosca, e enviá-lo para dezenas de pessoas. Em geral, essas mensagens vêm com um prazo e uma ameaça mais ou menos explicita (se não for cumprido o prazo, haverá uma perda). A resposta deve ser eletrônica, o que, freqüentemente, implica entrar em um site e fazer uma série de operações rígidas que não permitem sair dos parâmetros estabelecidos, sob pena de trancar o programa. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde trabalho, para atribuir conceitos aos alunos de graduação, o professor não recebe mais uma folha com a relação dos estudantes. É necessário entrar no site da universidade, munido de uma senha especial e então apropriar os conceitos. Não se trata, obviamente, de adotar um luddismo digital e ser contra o computador e a Internet. Sabemos que as modernas tecnologias digitais permitem a grupos que antes não conseguiam ter mais que um impacto local se organizar em uma escala nacional e mundial. Bem usados, esses meios têm um grande potencial. A questão é saber se eles estão aí para serem usados de forma democrática e com amplo acesso à população ou se serão cada vez mais um instrumento de dominação burocrática. Em congressos acadêmicos nos Estados Unidos existe cada vez mais o paper de sete páginas. Por que sete páginas? Porque a maior parte dos congressos têm um grande número de participantes e a eles são alocados quinze minutos para fazer sua apresentação que, em geral, é lida. Como em média levam-se dois minutos para ler cada página, sete páginas é o número certo. É claro que isso tem uma implicação para a forma como as pessoas desenvolvem seus argumentos. Poder-se-ia dizer que a formatação (para usar um termo que não existia antigamente) que nos é imposta, é uma forma também de formatar nossos cérebros, numa epistemologia burocraticamente concebida. Em universidades norte-americanas um professor precisa ter certo número (em média três) de office hours, período em que ele está disponível para atender alunos em seu escritório. Em geral, os professores colocam semanalmente uma folha em sua porta dividindo o tempo das office hours em slots (literalmente traduzido como fendas) de quinze minutos. O aluno sabe que é esse o tempo que dispõe para conversar com o professor e que há outros estudantes esperando do lado de fora da sala para falar com o professor. Por conseguinte, é preciso organizar antecipadamente as dúvidas e perguntas. Obviamente não há tempo para conversar sobre coisas laterais ou pessoais. No Brasil, pelo menos na área de Antropologia, os seminários de pós-graduação são, em geral, organizados para durarem um turno, isto 154

Ruben George Oliven é, toda uma manhã ou uma tarde. Isto significa que há um tempo de longa duração para discutir os temas e analisar os textos lidos. Geralmente, há um intervalo em que se vai para o bar e em que se conversam trivialidades ou se continua com as discussões do seminário. Nos Estados Unidos, os seminários de pós-graduação têm normalmente duas horas de duração, sem intervalos. Os alunos chegam e saem rapidamente, pois têm outros cursos a seguir ou trabalhos para fazer na biblioteca. Num artigo inspirador, Marylin Strathern, analisa o que é chamado de audit explosion, isto é, a proliferação de procedimentos para avaliar desempenho. Referindo-se à Grã-Bretanha, ela argumenta que: Na educação superior o objeto da auditoria (nesse sentido) é não tanto a educação dos estudantes, mas as provisões institucionais para sua educação. As universidades britânicas, como instituições, estão crescentemente sujeitas a um escrutínio nacional da competência de ensino, pesquisa e administração. No rastro desse escrutínio, vem um novo aparato de expectativas e tecnologias. Ao passo que a metáfora da auditoria financeira aponta para os importantes valores da accountability, a auditoria faz mais que monitorar ela tem uma vida própria que põe em perigo a vida que ela audita (Strathern, 1997: 305). No ensino superior brasileiro, a accountability se dá, fundamentalmente, na pós-graduação. Uma agência como a CAPES tem um sistema de avaliação, com longa tradição e razoável aceitação entre os pares. Nos últimos anos, o sistema tem sido crescentemente quantificado, gerando todos os tipos de índices. Isso se dá em detrimento da avaliação qualitativa, o que é compreensível pelo fato de que houve um impressionante crescimento dos programas de pós-graduação, tornando-se difícil analisá-los sem usar números. Mas a conseqüência é uma ditadura dos números, em que tudo vira ponto. Assim, os periódicos são avaliados e registrados num sistema chamado Qualis que ordena as revistas de acordo com sua importância nacional e internacional. Quanto melhor ranqueado (outro neologismo do linguajar burocrático), mais pontos um artigo produz para seu programa. Como a cada três anos, os programas são avaliados recebendo uma nota, que vai de 1 a 7, cria-se uma nova síndrome que acomete os coordenadores de programas e que poderia ser chamada de pontite. Seu principal sintoma é a pergunta quantos pontos gera na avaliação cada atividade dos docentes e discentes do meu programa? Perguntar-se-á: qual é a saída? Não se trata de apregoar a volta à máquina de escrever ou à caneta-tinteiro, nem de ser contra a avaliação, principalmente em instituições públicas. O que se necessita são formas ágeis e não burocráticas de organização e avaliação. Para isto, é preciso exercer uma vigilância sobre a burocracia. Em universidades, 155

Cultura y neoliberalismo isto significa basicamente que as atividades fins, como ensino, pesquisa e extensão, precisam ter precedência sobre as atividades-meio. A figura do ombudsman ou da ouvidoria são peças-chave nesse processo. As atividades-fins precisam, sim, ser avaliadas, mas a avaliação não pode ser meramente burocrática. As universidades federais no Brasil estão cheias de pseudo-avaliações, como a Gratificação por Atividade Docente (GED) e a promoção de um nível para outro dentro de uma classe de professor, que muitas vezes não passam de uma conta de somar pontos que não necessariamente correspondem a qualquer tipo de qualidade de ensino ou pesquisa. A modernização está, em geral, associada ao individualismo que substituiria, gradativamente, as relações mais pessoais de sociedades tradicionais. As modernas tecnologias digitais propiciam uma crescente individualização da sociedade. Os PCs são personal computers. A imagem dos jovens que passam horas em frente a um computador se ocupando com jogos eletrônicos é relativamente preocupante quando comparada com os jogos de antigamente em que havia uma maior interação com os pares. É claro que se poderia argumentar que novas formas de grupos são criadas. Entretanto, trata-se de uma comunidade virtual em que o contato face a face não existe, até se apaixonar eletronicamente, as pessoas podem. Aumenta a cada dia o número de atividades que anteriormente envolviam pessoas e que atualmente são feitas através de máquinas. É cada vez maior o número de empresas para as quais telefonamos e que têm um menu gravado nos solicitando que digitemos teclas. Antigamente ir ao banco era uma atividade que podia ser irritante pelas filas, mas que envolvia contato com pessoas. Hoje em dia a idéia dos bancos é que não entremos em uma de suas agências, mas que utilizemos máquinas ou a Internet para fazer nossas operações bancárias. O mesmo vale para compra de bilhetes aéreos e outros tipos de serviços. A administração do tempo passa a ser uma arte. Como utilizar bem o seu tempo de trabalho? Como lidar com o estresse que as crescentes demandas geram? Em conseqüência do aumento de horas dedicadas a responder e-mails, preencher formulários eletrônicos e relatórios na Internet, o número de horas livres diminui. Como conseguir mais tempo livre e como utilizá-lo? O que exatamente é o tempo de lazer? Boa parte do tempo livre noturno é gasta com a televisão (um brasileiro passa em média mais de cinco horas por dia na frente da televisão) (Castro, 2006) ou com a Internet, o que diminui o tempo de interação e diálogo entre os membros da família. Se considerarmos que nas famílias de mais alta renda, freqüentemente há mais de um aparelho de televisão em casa, essa atividade tende a ser cada vez mais individualizada. 156

Ruben George Oliven Nas últimas décadas desenvolveu-se uma série de atividades que tem relação com a manutenção da saúde como o jogging, as caminhadas em marcha forçada, a malhação em academias, etc. Essas atividades situam-se entre o tempo livre e o lazer. Trata-se de atividades eletivas, no entanto, consideradas obrigatórias se quisermos garantir uma boa saúde. Mas à semelhança do que ocorre com pessoas que gostam de fazer compras em supermercados, são atividades muitas vezes consideradas prazerosas. A manutenção da saúde, nesse sentido, tornou-se uma forma de lazer. Um dos aspectos centrais do projeto de modernidade sempre foi o da emancipação humana. Se a modernidade técnica não estiver a serviço do bem-estar social e da conquista da cidadania plena, ela perde o seu sentido. À medida que o Brasil e outros países da América Latina se tornam sociedades de consumo, o desejo de ter acesso a bens e serviços se dissemina. Ora, o que caracteriza vários desses países é justamente uma contradição gritante entre uma crescente modernidade tecnológica e a não realização de mudanças sociais que propiciem o acesso da maioria da população aos benefícios do progresso material. Isso, obviamente diz respeito à exclusão digital. Aqueles que conseguem vencer a barreira do analfabetismo se dão conta que não basta saber ler e escrever. Para poder participar é necessário dominar também rudimentos de informática e ter acesso à tecnologia digital. Um dos desafios da sociedade brasileira e de outras sociedades latino-americanas reside em estender a cidadania a maiores parcelas da população. A extensão da modernidade e da cidadania abarca a inclusão digital. Mas uma inclusão que não seja controlada pela burocracia e que não seja feita com a perda dos espaços de liberdades individuais. BIBLIOGRAFIA Castro, Daniel 2006 Brasileiro já vê TV mais de 5 horas por dia em Folha de São Paulo (São Paulo) 19 de janeiro. Cross, Gary 1993 Time and money. The making of consumer culture (Londres: Routledge). Folha de São Paulo 2004 Gasto com internet supera o de arroz e fijao em Caderno B (São Paulo) 9 de janeiro. Strathern, Marilyn 1997 Improving ratings audit in the British University system em European Review, Vol. 5, Nº 3. 157