Associação entre bruxismo e estresse em policiais militares

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Artigo Original Carvalho et al. Associação entre bruxismo e estresse em policiais militares Association between bruxism and emotional stress in military policemen Resumo Objetivo: O trabalho teve por objetivo mensurar a prevalência de bruxismo e de estresse em policiais militares e sua possível associação. Metodologia: Um estudo transversal foi conduzido na cidade de São Luís, MA, com membros da Polícia Militar do Estado do Maranhão. Foram selecionados 81 policiais do sexo masculino (idade média = 33,5 anos), os quais foram diagnosticados como bruxistas de acordo com os critérios clínicos: presença de facetas de desgaste dental associadas ao auto-relato de ranger de dentes, sensibilidade dolorosa nos músculos masseter e temporal e desconforto na musculatura da mandíbula ao despertar. Para o diagnóstico de estresse foi aplicado o Inventário de Sintomas do Stress (Stress Symptoms Inventory SSI). Resultados: A prevalência de bruxismo foi de 33,3% e a de estresse emocional, 13,6%. A prevalência de estresse em indivíduos com bruxismo foi significativamente maior em relação aos indivíduos sem bruxismo (teste qui-quadrado, P= 0,003). Conclusão: Dentro das limitações do estudo, concluiu-se que o estresse esteve associado à presença de bruxismo nesta amostra de policiais militares. Palavras alavras-chave: Bruxismo; estresse; policiais Swellya da Costa Aroucha Carvalho a Andréa Lúcia Almeida de Carvalho b Sílvia Carneiro de Lucena c Jeanne Paiva de Siqueira Coelho a Thayse Pacelly Brandão de Araújo a a Consultório particular, São Luís, MA, Brasil b Disciplina de Prótese Dental, Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil c Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Unicamp, Piracicaba, SP, Brasil Abstract Purpose: The aim of this study was to assess the prevalence of bruxism and emotional stress in military policemen and test their association. Methods: A cross-sectional study was conducted in members of the Military Police of the State of Maranhão in São Luís, MA. Sample was composed by 81 male subjects (mean age = 33.5 years). Bruxism was diagnosed according to clinical criteria presence of aligned wear facets associated with at least one of the following signs and symptoms: selfreport of bruxism grinding sounds, pain to palpation of the masseter and temporal muscles, report of morning masticatory muscle discomfort and/or masseter muscle hypertrophy. To diagnose stress the Stress Symptoms Inventory was applied. Results: The prevalence of bruxism was 33.3% and frequency of emotional stress was 13.6%. The stress prevalence in individuals with bruxism was significantly higher than that in subjects without bruxism (Chi-square test, P=0.003). Conclusion: Within the limitations of this study, it can be concluded that stress was associated with bruxism in this sample of policemen. Key words: Bruxism; stress; policemen Correspondência: Andréa Lúcia Almeida de Carvalho Rua das Macaubas s/n Ed Boulevard I apt. 101 São Luís, MA Brasil 650760-820 E-mail: andrea_alac@hotmail.com Recebido: 10 de janeiro, 2008 Aceito: 26 de maio, 2008 Rev. odonto ciênc. 2008;23(2):125-129 125

Bruxismo e estresse em policiais militares Introdução O termo bruxismo foi definido pela Associação Americana de Desordens do Sono (ASDA) como um distúrbio de movimento caracterizado pelo apertamento e/ou ranger dos dentes durante o sono, seguido de desgaste dentário, ruídos e desconforto nos músculos mastigatórios (1). A prevalência do bruxismo na população geral ainda é um assunto controverso e a literatura apresenta valores que variam de 6% a 90% (2). Embora haja divergência na literatura sobre a prevalência de bruxismo, a maioria dos estudos sugere que esta parafunção afeta uma grande parcela da população e que suas conseqüências podem ser altamente destrutivas para alguns indivíduos (3). Além da prevalência, a etiologia do bruxismo também é controversa e ainda não foi possível estabelecer uma relação direta de causa e efeito para o desencadeamento deste hábito (4). Desse modo, a literatura apresenta basicamente três fatores etiológicos: fatores morfológicos, patofisiológicos e psicológicos. Sob uma perspectiva histórica, durante muito tempo os fatores morfológicos como oclusão mutilada e interferências oclusais foram considerados os fatores mais importantes para o início e a perpetuação do bruxismo (5). No entanto, até o presente momento, nenhuma evidência demonstrou que as interferências oclusais causam bruxismo ou que sua eliminação inibiria este hábito parafuncional (6). Dentre os fatores patofisiológicos, o bruxismo tem sido relacionado a distúrbios do sono, alterações químicas cerebrais, uso de certos medicamentos, drogas e de fumo, consumo de álcool, e também fatores genéticos (7). Segundo a Classificação Internacional de Doenças, o bruxismo é listado no capitulo de Desordens Mentais e Comportamentais. Isto sugere que variáveis psicossociais e de estresse desempenham um papel preponderante na patogênese do bruxismo do sono (8). A correlação entre bruxismo do sono e fatores emocionais tem sido freqüentemente relatada na literatura. Alguns autores sugeriram que depressão, ansiedade e estresse emocional desempenham um importante papel na iniciação, na perpetuação, no tratamento, na freqüência, na duração e na severidade do bruxismo (3). Ahlberg et al. (9), em um estudo longitudinal com 211 pacientes, relacionaram relatos de bruxismo, sintomas biopsicossociais (estresse, desordens de sono e sintomas de dor) e fumo a sintomas de disfunção temporomandibular (DTM) e descobriram que estresse, desordens de sono, sintomas múltiplos de dor e sinais relacionados à DTM eram associados com bruxismo freqüente. Ainda que a literatura reconheça a relação entre bruxismo e fatores psicológicos, dentre eles o estresse emocional, não há consenso sobre até que ponto tais fatores podem estar associados. Poucos estudos avaliaram a relação entre bruxismo e estresse emocional em um grupo específico (policiais militares), supostamente mais exposto ao estresse emocional que a população em geral (10). Por este motivo, o propósito desta pesquisa foi verificar a prevalência de bruxismo e de estresse em policiais militares, bem como comparar a prevalência de estresse em indivíduos com e sem bruxismo. Metodologia Após aprovação pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Presidente Dutra UFMA (nº 33104-0429/2004), foram examinados 643 homens pertencentes à Policia Militar de São Luís, MA. O critério de inclusão foi apresentar pelo menos 26 dentes incluindo terceiros molares, não ter utilizado placa oclusal nos últimos 12 meses e ter boa saúde geral. Foram excluídos indivíduos com ausência de suporte dental posterior, usuários de prótese total ou parcial removível, que tivessem feito algum tratamento irreversível para DTM ou com presença de maloclusão grave. Foram excluídos ainda voluntários com histórico de desordens neurológicas ou psiquiátricas, uso excessivo de álcool, drogas ou medicamentos com possíveis efeitos no sono ou comportamento motor (4) registradas no prontuário do serviço médico da própria Polícia Militar. Dos indivíduos avaliados, foram selecionados 81 pacientes, com idade entre 22 e 45 anos. O principal motivo de exclusão foi a ausência do número mínimo de dentes seguido pela presença de maloclusão (Tabela 1). Os voluntários foram então submetidos à anamnese e exame clínico. Durante a anamnese e o exame físico, sinais e sintomas de bruxismo foram investigados, tais como fadiga nos músculos mastigatórios ao despertar, auto-relato de bruxismo durante o dia e/ou noites, este último indicado por sons de ranger de dentes (observados pelo paciente ou por algum companheiro de quarto) e presença de dores de cabeça na região temporal. O exame clínico também investigou a sensibilidade à palpação dos músculos masseter e temporal (11) e a presença de hipertrofia do músculo masseter. Esta última foi verificada pelo aspecto retangular da face do paciente dado por um aumento de volume de consistência mole na região do músculo e que se tornava rígido quando era solicitado ao paciente que apertasse os dentes (12). O exame intra-oral avaliou a presença de facetas de desgaste em esmalte e dentina através da inspeção visual das faces incisal e oclusal dos dentes anteriores e posteriores, com auxílio de um espelho bucal. Uma vez identificadas, as facetas de bruxismo foram distinguidas das causadas pela atrição fisiológica durante a mastigação. Para isso, solicitou-se ao paciente que realizasse movimentos protrusivos e laterais com a mandíbula para verificar o possível alinhamento das facetas em dentes antagonistas, uma vez que a mastigação Tabela 1. Percentual de pacientes excluídos de acordo com os critérios de eligibilidade do estudo. Critério de exclusão % pacientes excluídos Ausência de Dentes (menos de 26 dentes) 55,9% Maloclusão 29,5% Prótese parcial removível 8,4% Prótese total 3,1% Aparelho ortodôntico 1,8% Prótese parcial fixa 1,3% 126 Rev. odonto ciênc. 2008;23(2):125-129

Carvalho et al. normal reflete padrão de desgaste caracterizado por facetas em dentes antagônicos que não se alinham, enquanto que as facetas de desgaste apresentadas por pacientes bruxistas caracterizam-se pelo alinhamento com dentes antagonistas (2). Foram diagnosticados como bruxistas os pacientes que apresentaram facetas de desgastes alinhadas em dentes anteriores e/ou posteriores além da presença atual de pelo menos um dos seguintes sinais e sintomas de bruxismo: auto-relato de ranger de dentes durante o sono e/ou vigília; sensibilidade dolorosa à palpação nos músculos mastigatórios masseter e/ou temporal e desconforto na musculatura ao despertar (13). Para o diagnóstico de estresse foi utilizado um questionário validado, o Inventário de Sintomas do Stress ISS (14). Esse questionário identifica a presença ou ausência de estresse através da sintomatologia somática e psicológica que o paciente apresenta nas últimas quatro semanas. O ISS inclui 37 itens de natureza somática e 19 de natureza psicológica, os quais são divididos em três fases; primeira fase de alerta do estresse, segunda fase de resistência e terceira fase de exaustão física e emocional. A análise estatística dos dados de bruxismo e estresse foi feita através do teste Qui-quadrado ao nível de significância de 5%. Resultados A prevalência de bruxismo nos 81 policiais militares foi 33,3%, dos quais 77,8% estavam conscientes desse hábito parafuncional. Com relação aos sinais e sintomas entre os policiais bruxistas, 33,3% relataram desconforto nos músculos mastigatórios, enquanto somente 25,9% apresentaram sensibilidade à palpação dos músculos temporal e/ou masseter. A presença de estresse emocional foi observada em 13,6% dos policiais militares, entre os quais mais da metade (63,6%) relataram ranger os dentes durante o sono e/ou vigília. A freqüência relativa de bruxismo e de estresse em 81 policiais militares revelou que 64,2% não apresentaram nem bruxismo nem estresse; 2,5% somente estresse; 22,2% somente bruxismo; e 11,1% dos policiais apresentaram bruxismo e estresse (Fig. 1). Assim, observou-se que dentre os policiais com estresse 81,8% apresentaram bruxismo. No grupo de pacientes não-bruxistas 3,7% apresentaram estresse enquanto que o percentual de pacientes bruxistas que apresentaram estresse elevou-se para 33,3% (Fig. 2). A prevalência de estresse em indivíduos com bruxismo foi significativamente maior em relação aos indivíduos sem bruxismo (P = 0,003). Quando se comparou as freqüências de bruxismo e de estresse entre o grupo de policiais que realizavam atividades administrativas (n=15) e o grupo com atividade operacional (n=66), pôde-se constatar que 53,3% dos policiais com atividade administrativa apresentaram bruxismo enquanto que apenas 28,8% do grupo que desenvolvia atividade operacional foram diagnosticados como bruxistas. Em Com bruxismo 11% Com estresse 22% Fig ig.. 1. Prevalência de estresse e bruxismo em 81 policiais militares. 100% 80% 60% 40% 20% 0% 33,33% 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 Fig ig.. 2. Freqüência de estresse em policiais com bruxismo e sem bruxismo. relação ao estresse emocional, 26,7% dos policiais da administração apresentaram estresse enquanto que 10,6% do outro grupo apresentaram estresse. Não houve diferença significante entre os grupos para as duas variáveis (P = 0,1293; P = 0,2219). Discussão Com estresse e com bruxismo 3% Sem estresse e sem bruxismo 64% Com estresse Sem estresse Com estresse Sem estresse Com bruxismo 66,67% 96,30% Sem bruxismo 3,70% O uso de polissonografias em laboratórios do sono é atualmente considerado o método mais preciso para diagnóstico de bruxismo. Porém, é um método com alto custo e que não pode ser realizado em consultórios odontológicos ou na residência do paciente, exigindo o deslocamento do mesmo. A utilização de critérios clínicos para diagnosticar o bruxismo foi testada por Lavigne et al. (4), em 1996, através de um estudo comparativo dos resultados de registros polissonográficos avaliados sem o conhecimento do diagnóstico clínico de bruxismo. A comparação destes Rev. odonto ciênc. 2008;23(2):125-129 127

Bruxismo e estresse em policiais militares mostrou 81,3% de especificidade (percentagem de pacientes sem bruxismo) e 83,3% de sensibilidade (percentagem de pacientes com bruxismo), ou seja, o diagnóstico clínico de bruxismo foi correto em 81,3% dos pacientes controle e 83,3% dos bruxistas. No presente estudo, foram utilizados como critérios de diagnóstico sintomas freqüentemente associados ao bruxismo pela literatura (1,15) associados à presença de facetas de desgaste alinhadas, um sinal clínico característico da parafunção (2). A prevalência de bruxismo encontrada neste estudo foi de 33,3%, resultado que difere dos encontrados em pesquisa semelhante realizada nos policias militares de Campinas, SP, por Carvalho et al. (13) que observou uma prevalência de 50,2%. Já uma prevalência inferior de bruxismo durante o sono (8,2%) foi encontrada por Ohayon e Guilleminault (16) em pesquisa realizada com 13.057 indivíduos em três diferentes países, com faixa etária entre 15 e 100 anos de idade. No entanto, este resultado pode estar subestimado, uma vez que foi obtido somente através de auto-relato do paciente sobre o ranger de dentes e muitos bruxistas podem ter o hábito de forma inconsciente. Uma possível explicação para resultados tão conflitantes quanto à prevalência de bruxismo relaciona-se à falta de homogeneidade entre as amostras, a diferentes critérios de definição do bruxismo e ao emprego de diferentes metodologias para identificação da parafunção, em virtude da inexistência de padronização de meios de diagnóstico (2). No presente estudo, a prevalência de estresse em indivíduos com bruxismo foi significativamente maior em relação aos indivíduos sem bruxismo. Verificou-se que, no grupo de policiais não-bruxistas (n=54), 3,7% apresentaram estresse, enquanto no grupo de policiais bruxistas (n=27) o percentual de policiais que apresentaram estresse elevou-se para 33,3%. Resultado semelhante foi observado no trabalho de Ohayon e Guilleminault (16), no qual se observou que distúrbios de ansiedade e depressivos são mais freqüentes no grupo bruxistas e estavam significantemente relacionados ao ranger noturno de dentes uma vez que aproximadamente 69% dos indivíduos pesquisados reportaram bruxismo durante o sono. Manfredini et al. (17), ao estudarem a associação entre bruxismo e fatores psicológicos, encontraram diferença estatística na sensibilidade ao estresse entre os grupos de bruxistas e não bruxistas. Alguns autores, como Takemura et al. (18), acreditam que o bruxismo está relacionado a fatores psicossociais e que o estresse é um fator iniciante, predisponente e perpetuante do bruxismo. No entanto, Pierce et al. (19) acreditam que a relação entre variáveis psicológicas e a presença de bruxismo é complexa, sendo pouco provável que o autorelato de estresse diário seja o maior fator de identificação do comportamento bruxista, tendo em vista que encontraram relação entre bruxismo noturno e auto-relato de estresse somente em oito voluntários dentre 100 indivíduos pesquisados. Uma possível explicação para esses resultados, divergentes dos do presente estudo, refere-se ao fato do diagnóstico de estresse ter sido obtido através do auto-relato do paciente, uma vez que os próprios autores sugerem que os pacientes bruxistas têm uma limitada capacidade de reconhecer quando estão sob acontecimentos estressantes e/ou tendem a minimizar o impacto pessoal dos eventos estressantes da vida. Uma vez identificada a maior prevalência de estresse em policiais com bruxismo, surpreendentemente não foi encontrada associação estatisticamente significante entre essas variáveis e a função exercida pelo policial dentro da instituição (operacional ou administrativa). Uma possível explicação para esse resultado refere-se às fontes de estresse do policial militar, que, segundo Spielberger et al. (10) estão relacionadas a dois grandes grupos: natureza do trabalho e natureza da organização da polícia. Desse modo, apesar de o policial que desempenha atividade administrativa não estar tão exposto a pressões externas (agressão e violência físicas e cobrança da sociedade), ele está constantemente defrontando-se com fortes pressões internas (hierarquia da corporação e rígida disciplina), que podem deflagrar a ocorrência de estresse. Nesse sentido, segundo Romano (20), os policiais consideram os aspectos administrativos e burocráticos tão estressantes quanto os perigos inerentes ao trabalho. Os resultados encontrados nesse estudo observacional, embora não permitam estabelecer uma relação de causa/ efeito entre as variáveis pesquisadas, sugerem um possível papel do estresse emocional como fator predisponente do bruxismo. Porém, essa relação deve ser testada em futuros trabalhos que utilizem populações diferentes e métodos de diagnóstico do bruxismo mais conclusivos, como eletromiografias ou polissonografias. Conclusões Dentro das limitações do estudo, concluiu-se que o estresse esteve associado à presença de bruxismo nesta amostra de policiais militares. Agradecimentos Agradecemos à Polícia Militar do Maranhão e ao suporte financeiro dado pela Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão FAPEMA. 128 Rev. odonto ciênc. 2008;23(2):125-129

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