CIÊNCIA EQUATORIAL ISSN 2179-9563 Artigo Original Volume 1 - Número 1-1º Semestre 2011 DETERMINAÇÃO DA ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE FERRO EM CRIANÇAS DE 03 A 04 ANOS ASSOCIADA À ENTEROPARASITOSES - MACAPÁ-AMAPÁ Autany Trindade de Souza 1, Silvia Maria Mathes Faustino 2, Ártemis Socorro do Nascimento Rodrigues 3 RESUMO A anemia por deficiência de ferro é a manifestação mais comum de doenças observadas em países em desenvolvimento, principalmente nas crianças. A anemia é definida como sendo uma síndrome que apresenta sintomas clínicos e um quadro laboratorial caracterizado pela diminuição do hematócrito, da concentração de hemoglobina no sangue e da concentração de hemácia por unidade de volume. O objetivo deste estudo foi determinar a presença de anemia por deficiência de ferro em crianças de 03 a 04 anos associada a enteroparasitoses em uma creche no município de Macapá, Amapá. Nossos resultados demonstraram que das 53 crianças estudadas, 58,5 % apresentavam anemia e 84,9% estavam infectadas por pelo menos uma espécie de parasito. Concluímos então que os resultados deste estudo alertam para a necessidade de implantação de medidas preventivas e de controle nesta população. Palavras-chave: anemia por deficiência de ferro, enteroparasitoses, crianças, hemoglobina DETERMINATION OF IRON DEFICIENCY ANEMIA IN CHILDREN BETWEEN 03 TO 04 YEARS OLD ASSOCIATED WITH ENTEROPARASITOSIS- MACAPÁ-AMAPÁ. ABSTRACT Iron Deficiency Anemia is the most common manifestation of diseases observed in developing countries, especially* in children. The study s goal was to determine the presence of Iron Deficiency Anemia in children between 03 to 04 years old associated with enteroparasitosis in a daycare located in Macapá City, Amapá. Our results showed that from 53 of children who were studied, 58,5% had anemia and 84,9% were infected by at least one specie of parasite. Until now we didn t get informed about any documented study in Amapá State related to Iron Deficiency Anemia associated with enteroparasitosis in children, especially in pre-school age. Keywords: Iron Deficiency Anemia, enteroparasitosis, children, hemoglobin
INTRODUÇÃO A anemia é definida como sendo uma síndrome que apresenta sintomas clínicos e um quadro laboratorial caracterizado pela diminuição do hematócrito, da concentração de hemoglobina no sangue e da concentração de hemácia por unidade de volume 13. As anemias podem ser classificadas de acordo com o mecanismo pelo qual ocorrem, em três grandes grupos: 1) anemias por falta de produção; 2) anemias por excesso de destruição; e 3) anemias por perdas. Nenhuma anemia ocorre fora de um desses mecanismos básicos, embora a mesma anemia possa ser causada por mais do que um mecanismo 10. A anemia é sempre um sinal secundário de alguma doença de base, podendo ser decorrente de múltiplas causas. A mais freqüente é por deficiência de ferro ou ferropriva, que é também a doença mais habitual do mundo, acometendo em torno de 0,5 bilhões de pessoas. Embora a anemia ferropriva seja a mais comum, existem vários outros tipos de anemia, em que o ferro está em níveis normais ou até em excesso. É fundamental, o diagnóstico correto para a instituição da terapêutica adequada 10. Em crianças e adolescentes, a anemia está associada ao aumento da mortalidade, retardo do desenvolvimento mental, do desenvolvimento motor e de habilidades cognitivas e redução do desempenho escolar. Também prejudica a homeostase do sistema imune 7. Dentre as causas de anemias ferropriva, destaca-se o aumento da demanda de ferro observado em gestantes e lactentes e a dieta pobre em ferro que ocorre principalmente nas classes sócio-econômicas de baixa renda acometendo principalmente crianças e idosos 11. No Brasil, a anemia ferropriva constitui a carência nutricional mais prevalente em crianças com menos de três anos, superando até mesmo a desnutrição energético-protéico 6. A associação entre anemia e enteroparasitoses constitui um tema de crescente interesse no âmbito da saúde pública, principalmente em crianças em idade escolar. Nesta faixa etária, a presença de alguns parasitas costuma determinar o aparecimento de anemia, em especial a ferropriva. Os ancilostomídeos (Ancylostoma duodenale e Necator americanus) são os helmintos mais associados a esta patologia, porém outras espécies como Ascaris lumbricóides, Trichuris trichiura e S. mansoni também apresentam relação com anemia. A intensidade da manifestação depende da idade, estado nutricional, carga parasitária e associação com outras espécies de parasitas 11. Em crianças em idade escolar, a presença de doenças parasitárias costuma determinar o aparecimento de anemia ferropriva, principalmente as que provocam perdas sanguíneas crônicas. Em determinados casos, as enteroparasitoses podem ser a causa de uma anemia que não responde ao tratamento clínico rotineiro 1. A anemia é causada pelo intenso hematofagismo exercido pelos vermes adultos de Necator americanus e Ancylostoma duodenale, sendo que o primeiro suga de 0,1 a 0,4 ml sangue/dia, enquanto o segundo, de 0,03 a 0,05 ml sangue/dia. Essa espoliação, associada à deficiência nutricional, irá levar às manifestações que caracterizam a anemia ferropriva. O Trichuris trichiura pode danificar a mucosa do intestino delgado, se alimentando do sangue presente. Em infecções maciças, pode provocar anemia, com grande perda de hemoglobina. Na ascaridíase e na estrongiloidíase, a anemia geralmente é de ordem secundária, ocasionada pelas hemorragias, que podem ser produzidas pelas larvas de Strongyloides stercoralis e Ascaris lumbricoides em trânsito dos capilares para os alvéolos. Na estrongiloidíase, esse quadro pode ser reforçado pelos pontos hemorrágicos que têm possibilidade de surgir no intestino devido à penetração do S. stercoralis na submucosa do intestino delgado 7. Ciência Equatorial, Volume 1 - Número 1-1º Semestre 2011 Página 59
As regiões de baixo nível socioeconômico e precárias condições de saneamento básico têm elevada prevalência de enteroparasitoses. Nestas áreas a população infantil é intensamente acometida, de modo que tais parasitoses podem ser a causa de uma anemia que não responde ao tratamento clínico adequado 11. O objetivo deste estudo foi determinar a ocorrência de anemia ferropriva associada à enteroparasitoses na Creche Municipal Jardim Nosso Cantinho do Amor em Macapá- AP, durante o período de 04 a 08 de Agosto de 2010. Exames Hematológicos O Gráfico 1 demonstra os percentuais das amostras analisadas da dosagem de hemoglobina. Os resultados revelaram que 31 (58,5%) das crianças apresentaram anemia, isto é, dosagem de hemoglobina <11mg/dL. Sendo 13 (24,5 %) do sexo feminino e 18 (34,0 %) do sexo masculino, 22 (41,5 %) restantes não apresentaram anemia (hemoglobina 11mg/dL). MATERIAL E MÉTODOS Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade SEAMA, e a assinatura o Termo de Consentimento Livre Esclarecido pelos responsáveis das crianças. Foram coletadas 53 amostras de sangue e fezes de crianças de ambos os sexos matriculadas na Creche Municipal Jardim Nosso Cantinho do Amor em Macapá-AP. Todas as amostras foram submetidas às seguintes análises laboratoriais: avaliação da série vermelha no contador automatizado D- CELL 60, confecção do esfregaço sanguíneo corado por Giemsa e exame direto de fezes a fresco com solução iodada ( lugol). RESULTADOS Foram estudadas 53 amostras de sangue de crianças de 03 a 04 anos de idade, sendo 25 (47,1 %) do sexo feminino e 28 (52,9 %) do sexo masculino. Realizamos exames hematológicos para analisar a dosagem de hemoglobina e exame parasitológico de fezes para verificar a prevalência de parasitoses intestinais, objetivando a relação entre anemia e parasitismo. Gráfico 1 Percentagem de crianças de ambos os sexos, anêmicos e não anêmicos, com base na dosagem de hemoglobina. Exame Parasitológico Exame Direto A tabela 1, demonstra o resultado dos exames parasitológicos microscópicos, onde de um total de 53 lâminas, obtivemos um resultado de 45 (84,9 %) exames positivos para pelo menos uma espécie de parasita intestinal. Tabela 1 Resultado dos exames parasitológicos AMOSTRAS NÚMERO DE CASOS % TOTAL Exames positivos 45 84,9 Exames negativos 08 15,1 TOTAL 53 100 Ciência Equatorial, Volume 1 - Número 1-1º Semestre 2011 Página 60
No Gráfico 2, as espécies de parasitas mais prevalentes nas amostras analisadas, foram Ascaris lumbricoides com 23 (51,1%) Giárdia lamblia, 21(46,7%), Endolimax nana 16 (35,5%). Gráfico 2 Prevalência de Parasitas encontrados nas amostras analisadas por espécie. Os resultados contidos no Gráfico 3 demonstram que das 58,5% (31) amostras diagnosticadas com anemia, 83,9% (26) estavam associadas com algum parasito. presença de alguns parasitas costuma determinar o aparecimento de anemia, em especial a ferropriva 11. Os critérios indicados pela Organização Mundial de Saúde para diagnosticar anemia baseiam-se na concentração de hemoglobina, considerando-se anêmicos homens com valores de hemoglobina inferior a 13g/dL, mulheres em idade fértil e crianças de 7 a 14 anos (valores inferiores a 12 g/dl) e crianças menores de 6 anos (valores inferiores a 11g/dL) 5. Entre as 53 crianças da Creche Municipal Nosso Cantinho do Amor, 58,5% apresentaram anemia ferropriva (Gráfico 01) por demonstrarem concentrações de hemoglobina inferior a 11,0 g/dl, e células microcíticas e hipocrômicas no esfregaço sanguíneo. Na anemia ferropriva, é comum a microcitose (diminuição do volume corpuscular médio- VCM), bem como a hipocromia (redução da hemoglobina corpuscular média-hcm). Como a avaliação do tamanho das hemácias é uma chave para o diagnóstico de anemia, o VCM é o mais importante índice hematimétrico 7. Das amostras analisadas não foram determinadas condições socioeconômica e estado nutricional, fatores que influenciam na anemia. Levamos em consideração apenas a idade e a concentração de hemoglobina das crianças. Gráfico 3 Relação (%) do grau de parasitismo das amostras positivas da população analisada. DISCUSSÃO A associação entre anemia e enteroparasitoses constitui um tema de crescente interesse no âmbito da saúde pública, principalmente em crianças em idade escolar. Nesta faixa etária, a De acordo com ALVES, et al., 2007, a anemia ferropriva apresenta maior prevalência entre o sexo masculino. Isso ocorre devido à maior velocidade de crescimento apresentada pelos meninos, acarretando maior necessidade de ferro no organismo, não suprida pela dieta. Em nosso estudo esse índice foi concordante, das 53 amostras estudadas com diagnóstico de anemia, 18 (34%) foram do sexo masculino. Segundo QUEIROZ, 2000 no Brasil não existem dados nacionais que comprovem a prevalência de anemia ferropriva, entretanto, por meio de estudos pontuais constatou-se que em diversas regiões do país a prevalência de Ciência Equatorial, Volume 1 - Número 1-1º Semestre 2011 Página 61
anemia ferropriva é maior em menores de dois anos de idade, independente do nível econômico. Isso ocorre devido ao desmame precoce, anterior aos seis meses de vida, e à introdução do leite de vaca que apesar de conter o mesmo teor de ferro que o leite materno, apresenta biodisponibilidade muito baixa. Analisando a tabela 01, observa-se que 84,9% das amostras apresentaram enteroparasitoses. Sendo que a mais prevalente entre as 53 amostras foi a Ascaris lumbricóides (51,1%), resultado semelhante a esse foi encontrado por ROCHA, et. al, 2004 e CANTOS, et. al, 2003. O segundo tipo mais frequente de parasito encontrado em nosso estudo foi a Giardia lamblia (46,7%), seguido da Endolimax nana (35,5%). As helmintoses intestinais representam um grave problema de saúde pública, principalmente nos países do terceiro mundo, onde se verificam condições precárias de saneamento básico e higiene. A transmissão desses parasitos, geralmente é oro-fecal, através de alimentos, água ou mesmo de qualquer outro objeto contaminado com fezes que se coloque na boca 11. Os resultados demonstraram que das 31(58,5%) amostras diagnosticadas com anemia todas estavam associadas com algum parasito. Esse resultado em associação com o que encontramos na literatura comprova que as enteroparasitoses continuam sendo um dos principais fatores associados com anemia ferropriva em crianças em idade escolar. Segundo CANTOS, 2004, a situação torna-se mais grave, pois, a associação de enteroparasitoses com anemia, poderá comprometer a função cognitiva, a habilidade para o aprendizado e até atraso e crescimento. Após analisarmos nossos resultados e associarmos com o que está presente na literatura, acreditamos que é de extrema importância o diagnóstico e o estabelecimento de medidas preventivas da anemia ferropriva na comunidade pré-escolar. Esse foi o primeiro estudo feito no município de Macapá associando casos de anemia ferropriva com enteroparasitoses. CONCLUSÃO Das 53 amostras analisadas 58,5% apresentaram anemia por deficiência de ferro. 84,9 % das amostras estudadas estavam associadas com enteroparasitoses. O Ascaris lumbricóides foi o helminto de maior prevalência 51,1%. Além disso, há a necessidade de se disponibilizar e dispensar os medicamentos específicos ao tratamento das enteroparasitoses e orientar os pacientes quanto às medidas de prevenção e controle de enteroparasitoses. AGRADECIMENTOS Este trabalho foi realizado no laboratório de hematologia e parasitologia do laboratório UNILAB-Macapá-AP. Agradecemos aos biomédicos e técnicos do laboratório pelo suporte técnico para a realização desse estudo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ALMEIDA, J. Prevalência de Anemia Ferropriva associada a Fatores de Risco em Pré-Escolares da Creche Cantinho do Fiorello no Município de Natividade RJ. Newslabs. São Paulo: Vox, n.º 84, 2007, p. 114-129. 2. ALVES, L. A.; CAMPOS, V. A. S.; SANTANA, R. K. Determinação da Anemia Ferropriva em Crianças de Dois a Seis Anos em Macaubal, Interior de São Paulo. Newslabs. São Paulo: Vox, n.º 80, 2007, p. 132-140. 3. ASSAO, T. Y. et al. A importância do ferro na saúde e nutrição do grupo maternoinfantil. Compacta Nutrição. São Paulo: UNIFESP-EPM, vol. V, n.º 03, 2004, p. 01-22. Ciência Equatorial, Volume 1 - Número 1-1º Semestre 2011 Página 62
4. AYRES, M. et al. Bioestat: Aplicações Estatísticas nas áreas das Ciências Biomédicas. Belém. 2005. p.100-102. 5. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação-geral da Política de Alimentação e Nutrição. Oficina de trabalho Carências nutricionais: desafio para a saúde pública. II Mostra de Saúde da Família (01 a 03/06/2004), 2004, p. 01-15. 6. CALDAS, K. S.M. et al. Anemia em Escolares de 5 0 a 8 0 Série do Ensino Fundamental da Rede Pública da Cidade de Natal, RN. Newslab. São Paulo: Vox, n.º 75, 2006, p. 166-176. 7. CANTOS, G. A.; DUTRA, R. L.; KOERICH, J. P. K. Ocorrência de Anemia Ferropriva em Pacientes com Enteroparasitoses. Saúde Rev., Piracicaba, n.º 5, 2003, p. 43-48. 8. CAPANEMA, F. D. et al. Anemia ferropriva na infância: novas estratégias de prevenção, Intervenção e tratamento. Rev. Méd. Minas Gerais. Minas Gerais: Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, n.º 13, 2003, p. 30-34. 9. CIMERMAN, B.; CIMERMAN, S. Parasitologia humana e seus fundamentos gerais, São Paulo: Atheneu, 1999, p 345-347. 10. GUALANDRO, S. F. M. Diagnóstico Diferencial das Anemias. J. Brás. Nefrol., 22:7-10,2000. Newslabs. São Paulo: Vox, n.º 64, 2004, p. 118-126. 13. ROCHA, M. O. Exame Parasitológico de Fezes. 10ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2000. 14. ZAGO, M. A.; FALCÃO, R. P.; PASQUINI, R. Hematologia: fundamentos e prática. São Paulo: Atheneu, 2004. 15. WEFFORT, V. R. S. Anemia ferropriva na infância Minas Gerais: Sociedade Mineira de Pediatria, 2006, p. 01-10. (Texto científico) 1 Autany Trindade de Souza Biomédica 2 Silvia Maria Mathes Faustino, PhD Professora Adjunto I Ciências Farmacêuticas Universidade Federal do Amapá UNIFAP 3 Ártemis Socorro do Nascimento Rodrigues, PhD Professora Adjunto I Programa de Pós- Graduação em Ciências da Saúde - PPGCS Universidade Federal do Amapá UNIFAP artemis@unifap.br 11. MARINHO, M.S.; SILVA, G.B.; DIELE, A.C. et al. Prevalência de enteroparasitoses em escolares da rede pública de Seronopédica, município do estado do Rio de Janeiro. RBAC, v.34, n.4, p.195-196, 2002. 12. ROCHA, K. A. M. et al. Prevalência de Anemia em Crianças e Adolescentes Portadores de Enteroparasitoses. Ciência Equatorial, Volume 1 - Número 1-1º Semestre 2011 Página 63