Sistema construtivo em alvenaria utilizado na Região Metropolitana do Recife, Nordeste do Brazil: Razões técnicas de sua inviabilidade



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Sistema construtivo em alvenaria utilizado na Região Metropolitana do Recife, Nordeste do Brazil: Razões técnicas de sua inviabilidade Carlos Welligton A. P. Sobrinho 1, Lucyana V. de Mélo 1 1 Fundação Instituto Tecnológico do Estado de Pernambuco Av. Prof. Luiz Freire, 700, Recife, Brazil e-mail: carlos@itep.br, web page: http://www.itep.br 18 th to 20 th September 2002 Belo Horizonte, Brazil ABSTRACT: This work presents some pertinent considerations about the constructive system on masonry used in the Northeast of Brazil. In the last nine years this system has been presenting problems of stability, carrying some buildings to the ruin. Such considerations reflect the position of the researchers from the Fundação Instituto Tecnológico of Pernambuco State and has the purpose of elucidate some doubts on this subject and to alert for the need of rethinking the use of this system, in the ambit of the Northeast of Brazil. Here are included: a brief historical of the ruin of some buildings located in the Metropolitan Area of Recife, an evaluation of the problem and an analysis of the factors that contribute to the instability of the constructive system used in this area. Key words: Masonry, Ruin of buildings, Factors of instability 1 INTRODUÇÃO O sistema construtivo comumente empregado na construção de edifícios de até quatro pavimentos, na Região Metropolitana do Recife (RMR), conhecido regionalmente como "edifício caixão, é estruturado em elementos de alvenaria com blocos de vedação executados em concreto ou cerâmica. Estima-se que hoje existem entre 4.000 a 6.000 prédios com essas características construídos na RMR. Este tipo de construção teve grande impulso a partir da década de 70 quando cooperativas habitacionais públicas e privadas foram incentivadas pelas políticas de aplicação de recursos oriundos do FGTS e das cadernetas de poupança para a execução de projetos habitacionais. Alguns edifícios, construídos utilizando este sistema, têm apresentado problemas de estabilidade e nos últimos 9 anos 5 edifícios ruíram provocando a morte de 12 pessoas, deixando centenas de desabrigados e milhares de pessoas, residentes em edifícios semelhantes, em estado de pânico. Este trabalho apresenta as características do sistema construtivo utilizado em edifícios de até 4 pavimentos na RMR e discute alguns aspectos que contribuem para sua instabilidade. 2 BREVE HISTÓRICO SOBRE A RUÍNA DE EDIFÍCIOS NA RMR Um dos primeiros edifícios a ruir na RMR foi o Edifício Aquarela, localizado no bairro de Piedade na cidade de Jaboatão dos Guararapes. Seu desabamento, ocorrido em 1992, não deixou vítimas, graças à constatação antecipada da ruptura parcial da fundação e à existência de cintas de amarração na sua estrutura. Em março de 1994, um dos blocos do Conjunto Residencial Bosque das Madeiras, localizado no bairro de Engenho do Meio, na cidade do Recife, ruiu ainda na fase de construção, sem deixar vítimas. Em novembro de 1999, o Edifício Érika, localizado no bairro de Jardim Fragoso, na cidade de Olinda, ruiu bruscamente deixando 5 vítimas fatais (CODECIPE, 2000a) Em dezembro de 1999, o Bloco B do Conjunto Enseada do Serrambi, localizado também no bairro de Jardim Fragoso, na cidade de Olinda, ruiu bruscamente deixando 7 vítimas fatais (CODECIPE, 2000b).

Em maio de 2001, o Edifício Ijuí, localizado no bairro de Candeias, na cidade de Jaboatão dos Guararapes, ruiu sem deixar vítimas, graças à constatação antecipada da ruptura parcial da fundação. Recentemente o Edifício Delmiro Gouveia, localizado no bairro do Cordeiro, na cidade do Recife, apresentou ruína parcial. Em todos os casos relatados anteriormente as edificações utilizavam o sistema construtivo em alvenaria portante com fundação em caixão vazio, e a ruína se deu por ruptura da fundação. Além disso, todas as edificações, exceto o bloco do Conjunto Residencial Bosque das Madeiras, foram construídas no final da década de 80. Durante os últimos 9 anos muitas outras edificações apresentaram problemas comprometedores de estabilidade, mostrando a fragilidade desse sistema construtivo e chamando a atenção para a dimensão do problema, que não é específico de uma região sendo mais grave nas edificações com fundação em caixão vazio. 3 AVALIAÇÃO DO PROBLEMA A grande quantidade de acidentes e problemas de instabilidade registrados com edificações que utilizam o sistema construtivo em alvenaria portante com fundação em caixão vazio chamou a atenção da comunidade técnica local no sentido de avaliar as razões que contribuíram para os problemas, procurando uma solução para evitar novos acidentes e tranqüilizar a população usuária das edificações com tais características. O problema apresentado não tem solução simples. A população que habita esses prédios, em sua grande maioria, pode ser enquadrada como de classe média baixa, onde o comprometimento da renda a impede de assumir gastos com avaliação e recuperação das edificações. Soma-se a isto o fato de muitos moradores, insatisfeitos com as dimensões e disposição dos cômodos das unidades, facilitados pela característica do próprio sistema construtivo que não contém elementos mais resistentes (pilares e vigas) e pela falta de informação, modificam por conta própria a arquitetura interna, desestabilizando ainda mais o sistema. Por outro lado, os construtores não se sentem obrigados a assumir o problema, já que muitos entendem que após 5 anos cessa sua responsabilidade sobre a edificação. Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor não deixa clara essa questão. Os agentes financiadores e/ou seguradores habitacionais se esquivam de assumir a responsabilidade sobre o problema, o que impede uma solução rápida. Os municípios, por outro lado, com códigos de obras arcaicos, carentes de recursos para fiscalização e com quadro técnico reduzido, atuam de forma tímida, e em alguns casos homologam edificações cheias de vícios construtivos e fora dos padrões técnicos. A ausência de uma lei mais enérgica, embasada por critérios técnicos e de responsabilidade, favorece a não punição dos agentes que contribuem para o agravamento deste quadro. A seguir são analisados, à luz das normas existentes, as características do sistema construtivo em alvenaria portante, denominado regionalmente de "edifício caixão" e largamente utilizado na RMR. 4 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA CONTRUTIVO UTILIZADO NA RMR O sistema construtivo empregado na RMR é executado segundo o conceito de alvenaria portante e definido como um sistema construtivo onde as paredes funcionam como elementos estruturais da edificação, recebendo as cargas das lajes e transmitindo-as aos elementos de fundação, sem necessariamente existir outros elementos distribuidores das tensões. Os blocos utilizados neste tipo de construção são, segundo a classificação das Normas Técnicas, blocos de vedação quando se deveria utilizar blocos estruturais e na grande maioria dos casos apresentam baixa qualidade e pequenas dimensões, contrariando as especificações normativas. São freqüentes as alterações de posicionamento das paredes internas das unidades habitacionais contrariando o princípio básico do sistema de alvenaria portante onde, o posicionamento das paredes estruturais não deve ser alterado entre pavimentos, sob risco de criar tensões elevadas de flexão que podem levar a problema de instabilidade. 4.1 4.1 Fundações 4.2 As fundações empregadas são em geral desprovidas de elementos estruturadores, como vigas e/ou cintas, projetados para absorverem deformações do solo. Algumas dessas fundações são construídas em alvenaria singela, sem revestimento, e funcionam como arrimo do próprio solo, sem terem sido projetadas para resistirem a tais esforços. 4.3 4.2 Formulação utilizada no cálculo estrutural A metodologia de cálculo estrutural mais utilizada para os edifícios em alvenaria construídos na RMR tem por base a NB1228/89 - Cálculo de alvenaria estrutural de

blocos vazados de concreto (ABNT, 1989), cuja formulação para verificação da tensão resistente em elementos de parede sob compressão simples está indicada na Eq. (1): Fa = 0,20.ƒp.[1 - ( h / 40.t ) 3 ]. (1) Onde Fa é a tensão admissível; ƒp é a resistência média à compressão de prismas de alvenaria; h é a altura da parede; t é a espessura da parede e A é a área líquida do bloco. No que se refere à aplicação da formulação acima, algumas considerações são efetuadas: a) Esta formulação foi obtida para alvenaria construída em blocos de concreto alinhados verticalmente com furos na vertical, satisfazendo a NBR 7171 (ABNT, 1998), onde o efeito parede/resistência do prisma foi estimado em 1/5 (20%), tendo por base experimentos realizados neste tipo de alvenaria. Para paredes construídas em blocos cerâmicos de vedação, com furos na horizontal, o comportamento é diferente, sendo a forma de ruptura brusca, não devendo ser aplicada tal formulação. b) Dados da literatura mostram que a resistência à compressão de prismas (ƒp) é sempre inferior à resistência dos blocos individuais (ƒb); assim, a substituição, na formulação, do valor de ƒm pelo valor de ƒb é contra a segurança. A literatura mostra que a resistência dos prismas pode chegar a 80% da resistência de blocos.(aly & Sabbatini, 1994). A maioria dos projetos de cálculo é baseada em ensaios de resistência de blocos sem considerar tal relação. c) A espessura da parede deve ser tomada sem a espessura do revestimento, já que foi comprovado, através de pesquisas relatadas na literatura especializada, que antes de atingir a ruptura, ou seja, para cargas da ordem de 70% da carga de colapso, o revestimento se desprende da parede (Cavalheiro, 1994). Em muitos projetos de cálculo a consideração da espessura de revestimento é efetuada para a obtenção de fatores de segurança aceitáveis d) Tomando valores corriqueiros, muito comuns em projetos de alvenaria portante como: altura de parede 260 cm, espessura de blocos de 9 cm e para as cargas valores de norma, teríamos a relação apresentada na Eq. (2) entre resistência da parede (Fa), a resistência do prisma (ƒp) e a resistência do bloco (ƒb): Fa = 0,20. ƒp [1- (260 / 40.9) 3 ] (2) Onde: Fa = 0,125. ƒp ou Fa = 0,1.ƒb Dessa forma a tensão admissível para parede é 10% da resistência média dos blocos. Considerando um edifício tradicional de 4 pavimentos, com vãos de 350 cm, a parede no térreo, divisória entre dois ambientes, receberia uma carga de aproximadamente 5,0 a 6,0 toneladas, o que obrigaria o bloco, de 9 cm de espessura, ter uma resistência média superior à 5,5 à 6,5 MPa.(55 a 60 Kg/cm 2 ). Resultados semelhantes podem ser observadas nos artigos de Oliveira (1994) e Duarte (1994). Tomando por base dados de ensaios realizados pelo ITEP ao longo dos últimos anos, pode-se considerar que a resistência média à compressão dos blocos cerâmicos não ultrapassa 3,5 MPa e a dos blocos de cimento chega a ter valor inferior a esta tensão, o que é inferior a resistência média exigida no cálculo acima. Outro fator que deve ser considerado é a esbeltez, ou seja, a relação h/t e as condições de contorno e a geometria da secção transversal. Para se obter uma condição de estabilidade satisfatória, a esbeltez deveria apresentar valor próximo a 18, o que obrigaria, nos prédios com altura de parede de 260 cm, uma espessura dos blocos superior à 14 cm (Duarte,1999) 5 ANÁLISE DOS FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A INSTABILIDADE DO SISTEMA CONSTRUTIVO UTILIZADO NA RMR 5.1 Limitações dos materiais e controle tecnológico do processo de produção de edifícios em alvenaria portante A resistência de elementos de alvenaria depende de uma série de fatores, que podem ser divididos em dois grupos. O primeiro relacionado às características físicas, geométricas e mecânicas dos materiais e o segundo relacionado à mão de obra e ao controle tecnológico empregado. Os fatores relacionados às características dos materiais dizem respeito a: a) Formato da unidade (bloco) - A ruptura de blocos com furos na horizontal se dá de forma brusca, o que não ocorre em blocos com furos na vertical. A própria norma brasileira NBR 7171- Blocos Cerâmicos para Alvenaria especificação (ABNT, 1998), preconiza que blocos com furos paralelos ao comprimento devem ser utilizados como bloco de vedação, sendo reprovado seu uso com função estrutural. b) Resistência da unidade (bloco) - Quanto mais uniforme for a resistência dos blocos e maior a

resistência média dos mesmos, maior a resistência do elemento (parede). Embora haja limitações quanto à relação resistência bloco/resistência da parede, observase pouca preocupação dos construtores quanto ao efetivo controle de qualidade na aquisição dos blocos, assim como dos calculistas na exigência do controle, mesmo sabendo que os blocos apresentam baixa resistência e que não é pratica a exigência do controle de qualidade na aquisição dos mesmos. c) Geometria da unidade/quantidade de juntas - Quanto maior a altura do bloco menor a quantidade de juntas e maior a resistência da parede. Por outro lado as desuniformidades das dimensões dos blocos, principalmente na altura, diminuem ainda mais a resistência final das paredes, já que exigem juntas de dimensões diferentes, provocando tensões adicionais. A grande maioria das indústrias cerâmicas não produz blocos padronizados segundo a norma, encontrando-se no mercado componentes com dimensões variadas, muitas vezes oriundos de uma mesma indústria. d) Características das argamassas de assentamento - A argamassa cumpre papel fundamental na transmissão das tensões e na deformabilidade das paredes. Poucos são os estudos específicos sobre o comportamento conjunto de blocos e argamassa em uma obra, ensaios em prismas recomendados por norma, muito raramente, são realizados. e) Espessura das juntas - Diversos pesquisadores indicam que a espessura ótima para as juntas é de 1 cm. Quanto maior a espessura da junta menor a resistência final da parede. Observa-se em geral a falta de controle das espessuras das juntas nas obras em alvenaria, notando-se muito freqüentemente a utilização de blocos de diferentes dimensões o que conduz a juntas de espessuras variadas. f) Qualidade dos componentes (blocos) - Observa-se que ao longo dos anos os blocos cerâmicos e os blocos de concreto apresentaram queda na sua qualidade. Os blocos cerâmicos apresentaram redução das espessuras das paredes internas (céptos) e mau cozimento, degradando-se pelo efeito da umidade; já os blocos de concreto apresentam-se mais porosos com aparente queda de consumo de cimento, provocando queda de resistência e alta absorção de água. Os fatores relacionados à mão de obra dizem respeito a: a) Preenchimento das juntas - As juntas horizontais devem ser completamente preenchidas. Juntas incompletas podem reduzir a resistência em até 33% (Roman, 1994). b) Traço das argamassas - O traço a ser empregado deve ser definido para atender as características de resistência e deformabilidade, tais fatores estão intimamente ligados às características dos materiais. Observa-se que poucos estudos são realizados para este fim no caso das construções em alvenaria portante. a) c) Perturbação das unidades (blocos) depois de assentadas - A perturbação das unidades após o assentamento reduz em muito a resistência e integridade da parede. Este fato acontece quando o pedreiro tenta corrigir alguns defeitos de prumo através de batidas nos blocos. d) Ritmo da construção - Quando se constrói em ritmo acelerado, pode-se estar assentando um número de fiadas excessivas sobre juntas de argamassa que ainda não adquiriram resistência suficiente, provocando microfissuras e diminuindo a resistência final da parede. e) Desvio de prumo ou alinhamento da parede - Paredes construídas fora de prumo ou desalinhadas entre pavimentos provoca o surgimento de esforços adicionais (cargas excêntricas) que diminuem significamente a resistência final da parede. 5.2 Limitações quanto ao empirismo Com base nas vistorias efetuadas em várias edificações executadas em alvenaria portante e nos resultados das investigações procedidas naquelas que ruíram, foram observados alguns fatores que contribuem para a instabilidade das edificações e que estão relacionados com um empirismo exagerado empregado neste sistema, entre os quais pode-se citar: a) Substituição de paredes em alvenaria dobrada por paredes de alvenaria singela nos pavimentos inferiores e na fundação, diminuindo a segurança e elevando os níveis de tensão nesses elementos. b) Supressão de cintas e pilaretes como elementos auxiliares e responsáveis pela amarração da edificação, impedindo uma perfeita redistribuição de esforços, aumentando as deformações e deixando a estrutura muito mais frágil quanto à forma de ruptura. c) Utilização de fundações em alvenaria como arrimo (caixão vazio) contrariando a teoria de que alvenarias não devem resistir a esforços de tração e, portanto, não devem ser utilizadas como arrimo. Neste caso os esforços do terreno não encontram resistência suficiente em alvenarias dobradas e muitas menos em alvenarias singelas como tem sido observado. d) Retirada de paredes que funcionam como elementos estruturadores, em parte ou no todo, pelo usuário,

provocando concentração de tensões e redistribuição de esforços, e contribuindo para a instabilidade da estrutura. 5.3 Limitações quanto ao conhecimento técnico sobre a degradação dos componentes construtivos Nos últimos anos a literatura nacional e internacional apresentou documentos e normas que fazem referência ao risco da degradação dos componentes construtivos sob a ação de meios agressivos. No que se refere a este aspecto, dois fatores estão intimamente ligados às causas de ruptura das edificações construídas em alvenaria portante na RMR: a) Degradação de elementos em concreto porosos em meios agressivos - Foi constatado que algumas áreas da RMR, principalmente aquelas sujeitas a transgressões e regressões marinhas, apresentam composição química que conferem às mesmas características de agressividade aos elementos em concreto poroso com pouca espessura, como é o caso de blocos de concreto, sapatas prémoldadas etc. A discussão sobre este assunto é relativamente recente. Nacionalmente, os primeiros textos foram publicados por Sobral (1984), Cincoto (1992) e Sobrinho et al., (2000). Em 1988 a CETESB publicou uma norma pelo CETESB, que trata da agressividade da água ao concreto. Degradação de componentes em cerâmica vermelha Foi constatado que em algumas edificações que ruíram os blocos em cerâmica apresentaram o efeito de expansão por umidade que resultou na queda de resistência dos mesmos. Estudos recentes, publicados nos últimos 5 anos, mostram a importância da perda de resistência de blocos cerâmicos quando submetidos a variações de umidade e apontam para importância dessa avaliação (Ferreira, 2000). 6 CONCLUSÕES Com base nos fatos aqui apontados e considerando que: A ruína de 5 edificações, construídas em alvenaria portante na RMR, nos últimos 9 anos deixou a população, usuária dessas edificações, em estado de alerta e insegurança; A possibilidade da existência de outras edificações em escala de risco de ruína tem gerado intranqüilidade e desespero para a população; As causas da ruína das edificações não foram originárias de um fato isolado, mas, conseqüência de falhas na concepção estrutural, no processo construtivo e na qualidade dos materiais, comuns às demais edificações que utilizam este sistema; Não existem estudos suficientes, no âmbito da RMR, no que se refere às características agressivas do meio sobre os elementos construtivos empregados nas edificações; O sistema construtivo atualmente empregado não tem embasamento técnico e não está respaldado em nenhuma Norma ou mesmo recomendação nacional ou internacional; A forma de ruptura brusca observada neste tipo de edificação impede qualquer tentativa de socorro às vítimas no momento da ruína; Os níveis de empirismo empregados na execução das edificações que utilizam este sistema e as alterações arquitetônicas efetuadas pelos moradores nas unidades comprometem a segurança das edificações; A baixa qualidade dos materiais e componentes, utilizados nas edificações em alvenaria, compromete a estabilidade e a durabilidade das edificações; Não há a preocupação por parte dos construtores de reavaliar e recuperar/reforçar as edificações executadas segundo este sistema os proprietários/moradores das unidades habitacionais não apresentam condições financeiras de promover recuperação/reforço destas edificações e os agentes financeiros e de seguros se esquivam em assumir tais reparos; Pode-se concluir que há a urgente necessidade de se adotar medidas que assegurem a regulamentação das construções de edifícios em alvenaria estrutural, considerando as Normas Técnicas existentes e exigindo a análise da água do subsolo para identificar sua agressividade aos elementos constituintes da fundação. Ao mesmo tempo, chama-se a atenção para o fato de que toda construção já edificada sob este sistema deve ser alvo de avaliações técnicas minuciosas que conduzam a ações e intervenções que assegurem a sua estabilidade e durabilidade e que os prédios já licenciados para construção devem ser reavaliados e seus projetos devem ser alterados segundo esta mesma abordagem. 7 REFERÊNCIAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas- NB 1228/89 - Projeto e cálculo de alvenaria estrutural de blocos vazados de concreto, ABNT 1989. ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas - NBR 7171/98 - Blocos Cerâmicos para Alvenaria - especificação, ABNT 1998. C.W.A. P. Sobrinho; R. Oliveira; L.V. Mélo, Degradação de elementos de concreto porosos submetidos à ação de águas agressivas na planície costeira da Região Metropolitana Do Recife, IV Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto, São Paulo 2000.

CODECIPE, Laudo técnico sobre as causas do Desabamento do Bloco "B" do Conjunto Residencial Enseada do Serrambi, Recife, 2000. CODECIPE, Laudo técnico sobre as causas do desabamento do Edifício Érica. Recife, 2000. H.C Ferreira, Estudos das causas de falência estrutural de edifícios em alvenaria estrutural, IV Simpósio EPUSP sobre Estruturas de Concreto, São Paulo, 2000. H.R. Roman, Resistência à compressão. Documento apresentado no Curso Internacional de Alvenaria Estrutural, UFSC, Dpto Engenharia Civil 1994. O. P. Cavalheiro, Resistência e Deformabilidade de pequenas paredes em Alvenaria Cerâmica Tradicional. 5º Seminário Internacional de alvenaria estrutural em países em desenvolvimento, Floranópolis, 1994. Oliveira Jr e L.M. Pinheiro, Análise de paredes de alvenaria estrutural calculadas no estado limite último, 5º Seminário Internacional de Alvenaria Estrutural em Países em Desenvolvimento, Florianópolis 1994. R. B Duarte, Recomendações para o projeto e execução de edifícios de alvenaria estrutural, Publicação da ANACER, 1999. R. B. Duarte, Considerações sobre o projeto estrutural de paredes de alvenaria, 5º Seminário Internacional de Alvenaria Estrutural em Países em Desenvolvimento, Floranópolis, 1994. V.L.C. Aly & F.H. Sabbatini, Determinação de correlações de resistência mecânica de paredes de alvenaria estrutural de blocos de concreto. 5º Seminário Internacional de alvenaria estrutural em países em desenvolvimento, Floranópolis, 1994.