Não armazene suas fotos no Facebook



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Transcrição:

Não armazene suas fotos no Facebook Carolina Guerra Libério Universidade CEUMA cgliberio@hotmail.com Resumen O presente artigo aborda as mudanças nos hábitos de guarda e veiculação social de fotos na transição do analógico para o digital. Analisar a fotografia no momento atual significa refletir sobre os seus usos como meio de comunicação, tanto interpessoal, quanto massivo. Uma foto é sempre uma mensagem que será passada para alguém, e esta dimensão da fotografia como mensagem se torna particularmente presente na era digital, em que fotos são realizadas cada vez mais visando o compartilhamento social. O artigo questiona, para além do compartilhamento, as possibilidades de conservação da memória fotográfica digital. Abstract The present paper questions the possible changes in habits of safekeeping and sharing of photos in the transicion from analogical to digital technology. To analize photography nowadays means to reflect upon its usage as a mean of communication, as much in an interpersonal level, as in a social and massive way. A photo is always a message to be conveyed to someone, and this particular dimension of photography becomes even more present in the digital age, in which photography is increasingly more directed to social sharing. The paper questions, beyond the matters of sharing, the potentials and possibilities of preservating memories in the context of digital photography. Palabras clave: Fotografia; Imagem Digital; Facebook; Memória Não armazene suas fotos no facebook No livro Mediated memories in the digital age (2007) a teórica holandesa José van Dijck discute as transformações que a fotografia digital traz para o âmbito da reconstrução da memória pessoal a partir de imagens. Segundo a autora a transferência da fotografia para o campo da linguagem digital modifica o lugar central reservado à prática fotográfica. A autora considera que, se antes era prioridade tratar a foto como um objeto a ser guardado para 1

posterior memória, com a fotografia digital vemos uma maior valorização dos usos comunicativos e performativos da imagem. Se antes a fotografia era guardada e exibida para poucos escolhidos, hoje em dia ela é publicizada em meio a uma rede de transmissão e recepção de mensagens, o que a torna um tipo diferente de enunciação: Quando as fotos se tornam uma linguagem visual veiculada por um meio de comunicação, o valor das imagens individuais diminui, enquanto o significado geral de comunicação visual aumenta.(djick, 2007, p.115). Isto leva a um outro tipo de relação do produtor fotográfico amador com a imagem produzida. A partir da inserção das imagens pessoais em grandes redes de distribuição, a seleção das imagens fotográficas passa a ser considerada a partir de categorias do compartilhamento, mais do que relacionadas a preocupação de guarda e de registro: (...) as fotografias parecem estar sendo cada vez mais usadas como ferramentas de comunicação em tempo real do que como meio de guardar momentos da vida para memória posterior.(dijck, 2007, p.99). Toda e qualquer visualização de imagem digital é apenas uma aparição desta imagem. Saindo do léxico do mágico e reentrando na terminologia computacional, toda aparição de uma imagem digital é uma atualização da imagem que, enquanto permanece não vista, é apenas virtual. Portanto, não são só os novos espaços de exibição da imagem digital que estão em fluxo, mas a própria imagem passa a ser também um código flutuante sempre pronto a ser reatualizado. O componente de transformação da imagem em diferentes meios não é novo, ele está no cerne do surgimento da imprensa ilustrada do início do século XX (SZARKOWSKY, 1989, p.178), que trouxe transformações tanto à prática do fotógrafo quanto à percepção social da fotografia. A partir do momento que a fotografia se integra aos meios de comunicação, o que vemos é o surgimento de outros processos de enunciação fotográfica. Um dos grandes problemas iniciais desta adaptação da fotografia aos meios de comunicação era justamente a transposição da informação fotográfica de base analógica para páginas de jornais e revistas, dificuldade hoje já superada, especialmente após a popularização do uso da fotografia digital. O digital transforma o processo de adaptação da imagem para transmissão em massa em um processo mais rápido, mais econômico e mais preciso, a partir da substituição da matriz material, como um negativo de vidro, por exemplo, por uma matriz numérica, 2

constantemente repetível. Daí para frente é possível que haja perda de qualidade e de informações, mas trata-se das escolhas na forma de atualização desta imagem, e não de uma característica intrínseca, já que no meio digital não existem graus de diferenciação entre originais e cópias. Um exemplo dos modos de existência da fotografia digital: escolher imprimir uma fotografia na impressora de casa, em um papel não especializado terá um resultado estético diferente de imprimi-la em um laboratório especializado. No digital, apenas a matriz numérica pode ser considerada constante, não os resultados posteriores. A conformação de uma matriz numérica não significa que não haverá degradação da informação contida em uma imagem digital. De forma destacada, manter e administrar informações tem se tornado um dos grandes problemas da atualidade. A questão afeta tanto empresas, quanto indivíduos. No caso da fotografia digital, um dos espaços destacados de organização e armazenagem tem sido o dos álbuns de fotografia em redes sociais. Em março de 2010, o site especializado em fotografia digital Petapixel chamava a atenção de seus usuários com o artigo Don t Use Facebook for Photo Storage. Traduzindo literalmente, o titulo do artigo é um aviso: Não use o Facebook para armazenar fotografias. O texto faz referência às estatísticas publicadas no jornal The Washington Post, em matéria realizada pela jornalista Caitlin McDevitt, sobre os modos de uso da fotografia digital nos Estados Unidos: 40% dos lares com câmeras digitais não imprimem mais fotografias; 65% das pessoas compartilhando fotografias on-line o fazem pelo site Facebook; Menos de 33% destas pessoas se dão conta de que o site Facebook armazena fotografias em uma resolução menor. (MCDEVITT, 2010, s.p.) Seguindo as estatísticas apresentadas na pesquisa, o autor do texto, Michael Zhang alarma para a possibilidade de que (...) talvez tenhamos toda uma geração de pessoas que está essencialmente 'jogando fora seus negativos' após fazerem cópias muito pequenas.(zhang, 2010, s/p). A preocupação expressa por Michael Zhang é realista, mas chama atenção no texto os vestígios de uma mutação na economia simbólica de uso, de guarda e de consumo de fotografias. Mais a frente, o autor confabula que: Também é perturbador que a maioria dos usuários não tenha ideia de que, ao armazenar uma fotografia no Facebook e então deletá-la de sua câmera significa que você tenha perdido a imagem original para sempre. Isto é provavelmente porque as fotos do Facebook pareçam simplesmente boas o bastante em uma tela de computador.(zhang, 2010, s/p) 3

Talvez a análise mais efetiva sobre a atual conjuntura, em que cada vez imprimimos menos e compartilhamos mais, seja justamente a de um engenheiro do site Facebook. Scott Marlette considera que o importante nos dias de hoje não é o tamanho da imagem armazenada, mas que (...) o valor de uma foto é quem está nela, quando foi tirada e qual memória ou experiência associamos a ela. (MARLETTE apud SUMMERS, 2009, s.p.). Os sites de relacionamento têm se tornado os lugares privilegiados de exibição de imagens pessoais. Nestes sites, o objetivo não é a conservação de arquivos, mas antes o estímulo à circulação social de conteúdos. Neste sentido, parece importar cada vez menos aos usuários que as fotos armazenadas jamais sejam impressas e vistas em suas mãos, pois torna-se mais importante veicular estas imagens em rede, torná-las disponíveis à visualização de amigos, entes queridos ou até mesmo ilustres desconhecidos. O que será de nossa memória? O armazenamento e a guarda das imagens digitais é um dos problemas principais em torno da fotografia digital. No início da computação, uma das principais limitações era a pouca capacidade de armazenamento de memória do computador. De 1950 para cá, o crescimento da possibilidade de armazenamento de informações digitais foi exponencial. Enquanto no princípio a capacidade de armazenamento se restringia à casa dos megabytes, hoje encontramos pequenos dispositivos com capacidade de mais de uma dezena de gigabytes, além da popularização crescente de memórias superiores a um terabyte. Apesar de cada vez maiores em sua capacidade, os dispositivos de armazenagem computacional não são confiáveis. Para assegurar a existência de um arquivo digital, recorremos sempre a uma série de cópias de segurança, seja em outros dispositivos, ou agora, de modo mais proeminente, através do recurso do cloud computing (computação em nuvem) que armazena os arquivos não em um dispositivo material, mas em uma rede de dispositivos. Neste sentido, há tanto modos profissionais de armazenamento por envio via internet, quanto alternativas tão mais baratas, quanto mais inseguras, de dar guarda aos arquivos digitais. A produção de arquivos não para de crescer a uma taxa ainda maior do que cresce a capacidade de armazenagem dos dispositivos computacionais. O problema sendo não apenas de armazenamento, mas também de como lidar com o imenso número de informações que 4

armazenamos. No caso de uma pessoa com compulsão fotográfica, o suporte digital torna possível tirar mais de 100 fotos em um dia, ou mesmo em uma hora. Porém, o que acontece com estas imagens? Elas chegam ao menos a serem vistas? Como lidar com tanta informação? No caso da fotografia digital, a maior parte das imagens produzidas em câmeras digitais não chega jamais a ser impressa. Do grande número de imagens produzidas, comparativamente são poucas as que chegam à veiculação publica da internet. Neste sentido, para muitas pessoas, publicar fotos em sites de relacionamento ou de armazenamento fotográfico tem se convertido em um novo hábito de organização e visualização de imagens. Todavia, como nos afirma Dijck, os novos meios virtuais de publicação de imagens não equivalem aos álbuns fotográficos de outrora (2007,p.114). Não há, nos meios de armazenamento digital, nenhuma garantia de guarda a longo prazo, nenhuma certeza de memória. O que há é um fluxo contínuo de informações atualizáveis por tempo indeterminado. Do momento decisivo à decisão por momentos disponíveis Com a fotografia digital cresce o número de imagens que um indivíduo é capaz de produzir em um curto espaço de tempo. Na fotografia profissional, era comum realizar um grande número de imagens, de onde apenas poucas seriam escolhidas para representar o tempo total de duração do ato fotográfico. Os modos de aquisição fotográfica automática, a capacidade de realização de centenas de fotos, mais a possibilidade de revisão imediata da foto realizada contribuem no campo da fotografia digital para um deslocamento da prática de realização de imagens. Com a fotografia digital, há a possibilidade de se produzir em um curto período de tempo, um número cada vez maior de imagens. No entanto, o número de imagens produzidas por um indivíduo não é necessariamente proporcional ao número de imagens que chegam a ser valorizadas e guardadas com cuidado pelo fotógrafo ou qualquer outra pessoa. Mesmo havendo um número cada vez maior de imagens em circulação, isto não significa um aumento no número daquilo que poderíamos chamar de imagens-tesouro: pequenas lembranças de momentos ou pessoas guardadas com cuidado no interior de álbuns, gavetas ou entre as páginas de um livro. 5

Por maior que seja a quantidade de fotografias que um sujeito seja capaz de produzir, as imagens-tesouro, como seria a imagem da foto de formatura de um filho na parede, parecem se tornar materialmente escassas, ou ao menos, sua economia simbólica passa a ser outra. O lugar de guarda, de cuidado e atenção para estas imagens não é mais necessariamente o porta-retrato na cabeceira, ou o retrato no quadro da parede, mas a tela de fundo de um computador, um avatar em uma rede social, ou a imagem de uma ligação em um celular. Estes novos espaços digitais, em constante fluxo de reatualização, parecem se configurar como novas formas de condensamento da imagem fotográfica, cada vez mais uma imagem fantasmática, já agora em outro sentido. Se antes a fotografia era fantasmática em seus mitos de fluído, de transferências vaporosas da aura para a chapa fotossensível (DUBOIS, 1994), o que há agora de mais fantasmático é o próprio suporte. Armazenamento da imagem do analógico ao digital Os lugares reservados às fotografias na era analógica eram lugares específicos de exibição de imagens impressas, objetos materiais. Dentre estes lugares destacamos: os álbuns fotográficos, feitos para serem folheados; os porta-retratos, lugares de destaque para determinadas fotografias escolhidas; os quadros na parede, no caso de imagens muito importantes, como de formatura ou casamento; ou o interior de objetos pessoais, como carteiras, para-sóis de automóveis. As imagens fotográficas seguiam uma vida própria no mundo das substâncias (AGAMBEM, 2009). No caso dos porta-retratos e dos retratos de parede, estes eram deixados nos espaços comuns de trânsito das pessoas. Os álbuns e fotografias guardadas em objetos pessoais requeriam uma vontade direcionada de revisitar as imagens. Às vezes estas representações permaneciam por tanto tempo no mesmo lugar que chegavam a se tornar invisíveis. No entanto, quando lembradas, poderiam ser revistas, pois permaneciam lá, apesar dos possíveis desgastes químicos. Por vezes se perdiam, mas sempre era possível reencontrá-las. Eram propriamente coisas, objetos materiais e, inadvertidamente, poderíamos esbarrar com uma quando menos esperássemos. O par achado/perdido referente às fotografias impressas em papel não equivale, no caso da fotografia digital, ao par disponível/indisponível. Imagens digitais são imagens virtuais. Toda forma de apresentação de uma imagem digital é um dos modos possíveis de 6

sua aparição isto desde que a imagem esteja disponível. Se não houver um programa capaz de acessá-la, ou se houver algum erro no código da imagem, é possível que jamais a vejamos novamente. Faço referência aqui a uma experiência pessoal. Em viagem à cidade de Canela RS, fiz um passeio de teleférico. Durante o passeio, foi tirada uma fotografia por uma câmera automática do estabelecimento local. Como no dia tinha presente equipamento fotográfico próprio, o funcionário do estabelecimento deu como opção transferir o arquivo da imagem, do computador local para a câmera. Assim feito, a imagem aparecia como disponível na visualização da câmera. No entanto, o formato do arquivo era, de algum modo, incompatível com o programa do equipamento. Isto resultou em uma imagem aprisionada, que nunca foi possível transferir para qualquer outro suporte ou dispositivo. Possuo a imagem, a vejo, mas ela me permanece indisponível. Apesar de ser fundamentalmente imaterial, a fotografia digital só pode ser visualizada por equipamentos de existência física, que possuem configurações próprias e, também, um custo. Estes equipamentos são guiados por programações e modos específicos de funcionamento que são inacessíveis a boa parte dos usuários. Mais ainda, estas imagens são construídas em código, e não há nenhuma segurança de que este código vá permanecer o mesmo, e de que poderemos no futuro acessar as imagens que produzimos hoje. A segurança da durabilidade de uma imagem digital é inexistente, já que ela passa a depender de suportes sobre os quais a maior parte da população tem apenas um controle ínfimo, e que ainda estão sujeitos, como quaisquer outros objetos materiais, às intempéries do tempo. A falta de garantia do armazenamento digital se dá também pela sazonalidade dos formatos de gravação. Como acessar hoje em dia uma informação armazenada em um disquete, tecnologia que era tão comum na década de 1990? Que garantia temos que os formatos de arquivamento que utilizamos hoje serão válidos daqui há dez ou vinte anos? Mesmo que Lúcia Santaella e Winfried Nöth afirmem que o caminho da humanidade tenha sido na busca de meios cada vez mais resistentes e imperecíveis de armazenamento (SANTAELLA & NÖTH, 2008, p.138), a atual conjuntura do digital nos faz duvidar e questionar até que ponto está assegurado o acesso futuro ao imenso contingente de imagens e conteúdos culturais que circulam nos dias de hoje. Pois, se o digital favorece o 7

compartilhamento das mensagens, é também verdade que ele favorece o fluxo interminável de substituição de uma mensagem por outra, sem garantias de conservação das que passaram. REFERÊNCIAS AGAMBEM, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó, SC: Argos, 2009 DIJCK, José van. Mediated memories in the digital age. Stanford, CA: Stanford University Press, 2007 MCDEVITT, Caitlin. Pros and cons to Facebook's fast-growing role in digital photography. In: The Washington Post. Washington, 14 de março de 2010, Seção Business. Disponível em: < http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/03/13/ar20100313000 90.html>. Acesso em 18 de dezembro de 2010. SANTAELLA, Lucia ; NÖTH, Winfred. Imagem: Cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 2008. SUMMERS, Nick. Don't Expect High-Resolution Photos on Facebook Any Time Soon. In: Revista Newsweek on-line, 27 de outubro de 2009. SZARKOWSKI, John. Photography until now. New York: Museum of Modern Art/Bulfinch Press, 1989. ZHANG, Michael. Don t Use Facebook for Photo Storage. In: Petapixel. 13 de março de 2010. Disponível em: < http://www.petapixel.com/2010/03/13/dont-use-facebook-for-photo-storage/>. Acesso em 15 de dezembro de 2010. 8