A FAMÍLIA O ELEMENTO-CHAVE DE UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO



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Transcrição:

A FAMÍLIA O ELEMENTO-CHAVE DE UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO Maria Adélia Campello Honrou-se a Dra. Maria Teresa Carcomo Lobo com o convite para participar como palestrante do 3º Encontro Latino-Americano de Direito, Sociedade e Cultura, atribuindo-me o tema A Família o elemento-chave de um mundo em transformação. Esse tema contém 03 elementos: o primeiro, a família; o segundo, o mundo em transformação; e o terceiro, a família como elemento-chave desse mundo em transformação. São, portanto, 03 subtemas contidos em um tema principal, e é nessa ordem que eu vou expor meu pensamento. A FAMÍLIA. Inicialmente, precisamos determinar exatamente de que família estamos falando. Se é da família tradicional, matrimonializada, ou seja, formada por pai, mãe e filhos ocupando o mesmo espaço habitacional, ou se falamos das diversas entidades familiares que hoje existem e assim são consideradas por força de mandamento constitucional. Melhor explicando: desde o Código Civil de 1916 até, pode-se dizer, o advento da Constituição Federal de 1988, apenas a família matrimonializada era considerada ao abrigo da lei. Quando a Constituição Federal abriu a possibilidade da existência de entidades familiares de outras naturezas, como aquela formada pelas uniões estáveis ou, ainda, as famílias monoparentais, um universo de variadas núcleos passou a ser considerado família, e todos esses novos tipos começaram a reivindicar proteção legal.

vem bem a propósito: O texto do Prof. Mauro Serapioni, da Universidade Federal do Ceará, A família forma a unidade básica da organização social da nossa sociedade. Ela representa o pré-requisito de um sistema social estável. Muitos cientistas sociais, entretanto, percebem um declínio da família como instituição social e sustentam que a família tem perdido sua autoridade moral e seu sentido de responsabilidade e, somente voltando aos valores da família tradicional, é possível deter o declínio moral. Esse tipo de análise contém uma imagem idealizada da família: um casal heterossexual casado, incluindo os parentes biológicos da criança, formado por um único domicílio monofamiliar. Essa tipologia constitui o que muitos definem como núcleo familiar normal ou família tradicional (Clarke, 2001). Analisando, contudo, dados referentes à tipologia e estrutura da família de qualquer país ocidental, industrializado ou em desenvolvimento, pode-se observar que a família não é uma entidade fixa, mas uma pluralidade de formas. Então, diante da existência dos diferentes tipos de família, o uso do termo família pode confundir. Vários estudiosos, por exemplo, para evitar essa controvérsia conceitual, têm adotado uma abordagem mais pragmática e preferem falar de famílias (Clarke, 2001), de vida familiar (Donati & Di Nicola) ou, ainda, de formas empíricas de família (Vaitsman, 1999). A mudança dos modelos familiares, um dado inegável, é objeto de análise e debate nos principais fóruns internacionais. Realmente, a redução do número de filhos, o retardo do matrimônio, o atraso da maternidade, o aumento da porcentagem de divórcios e o incremento das uniões de fato representam alguns dos indicadores familiares que caracterizam os países industrializados, como também muitos países em desenvolvimento. Esses fenômenos têm tido um impacto relevante na estrutura dos núcleos familiares, produzindo significativas mudanças e novas formas de organização familiar (De Ussel, 1996). Junto com o padrão de família nuclear que ainda representa o arranjo residencial predominante, observa-se o surgimento das seguintes tendências de organização da família: 1) pluralização das

formas familiares; 2) aumento das famílias monoparentais; 3) aumento das famílias com um único elemento; 4) surgimento das famílias reconstituídas. 1 Essa pluralização das formas familiares nos leva a absorver como família todos os grupos que se entendem como tal. Assim, para facilitar o entendimento a respeito de qual família vamos falar, gostaria de enumerar alguns tipos de entidade familiar: 1. casal casado com filhos; 2. casal casado sem filhos; 3. casal casado com filhos adotivos; 4. casal não casado com filhos (união estável); 5. casal não casado sem filhos; 6. casal não casado com filhos adotivos; 7. família monoparental, formada por um dos genitores com filhos; 8. família monoparental, com filhos adotivos; 9. uma pessoa com seu filho de criação ; 10. irmãos que vivem juntos; 11. por exemplo, duas amigas idosas que moram juntas, para auxílio e proteção mútua; 12. o single, que é a pessoa que vive só, constituindo uma família de uma pessoa, mas gozando de benefícios próprios da família como, por exemplo, do direito ao bem de família. Esses são alguns tipos de entidade familiar às quais vamos chamar de família durante esta palestra, para melhor compreensão da exposição. Vou incluir também no conceito de entidade familiar as parcerias homoafetivas, principalmente as que cuidam de filhos adotados por um dos parceiros, porque essa inclusão é igualmente importante para o desenvolvimento do tema. 1 Serapioni, Mauro. O papel da família e das redes primárias na reestruturação das políticas sociais. Ciência & Saúde coletiva, vol. 10, supl., Rio de Janeiro, set/dez 2005.

Portanto, a família à qual vamos nos referir são aqueles grupos que, de modo geral, residem sob o mesmo teto, formados por pessoas que se unem pelo afeto, pelo cuidado mútuo e pelos interesses comuns, defendendo valores nos quais acreditam e mantendo hábitos e tradições aprendidos desde a infância e que serão transmitidos para a descendência, se houver. O MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. Essas famílias, portanto, são as que vivem em nosso mundo em transformação. E quando falamos em mundo em transformação estamos nos referindo à maior mudança global na esfera socioeconômica e política enfrentada nas últimas décadas: a globalização. O termo globalização refere-se à reorganização das estruturas produtivas e ao aumento dos fluxos comerciais e financeiros, configurando uma situação de crescente interdependência mundial, no presente contexto de aceleração do desenvolvimento tecnológico. 2 Em outras palavras, a globalização é um processo de integração mundial, com diminuição crescente das barreiras tarifárias entre os Estados, agilização do comércio internacional e fluxo de informações entre os mais diversos e remotos pontos do planeta. Ao lado do fenômeno da globalização, paralelamente a ele, estão ocorrendo outros processos, em setores nos quais aparentemente a globalização não interferiria mas que, direta ou indiretamente, são conseqüências dele. Alguns desses processos são claramente benignos por exemplo, a expansão do universo geográfico da democracia representativa, resultante do colapso de regimes autoritários, mas também do advento de instituições democráticas em países que só agora começam a experimentá-las. Outros são claramente malignos: a expansão exponencial do crime organizado e do tráfico de drogas; a proliferação de 2 Lamounier, Bolivar. Crise ou Mudança: o futuro da política na era da globalização. In Leite, Celso Barroso, Antologia Informal da Globalização.

armas nucleares e não-nucleares; agressões graves ao meio-ambiente e consumo acelerado de recursos não renováveis. E outros (processos) há de difícil avaliação no longo prazo, mas que são sumamente problemáticos no curto prazo: a intensificação de alguns fluxos migratórios internacionais; a reafirmação de identidades nacionais, étnicas ou religiosas, com a conseqüente emergência de irredentismos e a fragmentação latente ou já evidente em várias partes do mundo, inclusive em regiões críticas, no que diz respeito à manutenção da paz mundial (...). Todos esses processos, ligados em maior ou menor grau ou pelo menos concomitantes à globalização suscitam uma questão angustiante: estaremos assistindo à iminente implosão ou, pelo menos, a uma situação de significativo debilitamento dos Estados nacionais, unidades e pilares políticos da ordem mundial como a conhecemos ao longo dos últimos três séculos? 3 Porque um dos aspectos mais preocupantes da globalização diz respeito à desnacionalização que, no que nos interessa para esta exposição, seria a perda das características culturais das nações globalizadas. Já existem estudos a respeito do que poderá vir a ser a descaracterização dos idiomas, por exemplo, com a adoção de palavras e expressões alienígenas a tal ponto que acaba se perdendo a noção sobre se determinada palavra faz parte da língua ou se foi adotada. O passo seguinte seria a miscigenação do idioma nacional com a língua dominante e, finalmente, a substituição da língua nacional pela língua dominante. Existem até os mais pessimistas, que prevêm o desaparecimento de um grande número de idiomas regionais, que serão engolidos pelas línguas mais faladas, como o inglês, o espanhol, o híndi e o mandarim. Um estudo a esse respeito dá conta de que existem no mundo cerca de 6.500 idiomas, dos quais mais de 3.500 estarão extintos até 2100. Línguas faladas localmente, como o occitano, o romance, o aragonês, o galego, o ladino, o mirandês, tendem a desaparecer, e com elas um acervo cultural irrecuperável. 3 Lamounier, Boliver. Op. Cit.

A preocupação com a extinção de idiomas é tão grande que a UNESCO decretou o ano passado, 2008, como o ano internacional das línguas. O objetivo é chamar a atenção para o fato de que muitas línguas estão morrendo, levando com elas lendas e tradições milenares. 4 O que ocorre é que para que uma língua seja transmitida para a geração seguinte, ela tem que ser falada por pelo menos 100.000 nativos. No entanto, hoje em dia, enquanto que os mais velhos falam a língua local ou regional, os jovens têm que aprender inglês, espanhol e às vezes até uma terceira língua na escola. Acabam por ir deixando de falar a língua nativa e passando a se comunicar em outra. Chega um momento em que não há mais 100.000 falantes que possam transmitir o idioma para a geração seguinte, e a língua é extinta. O fenômeno da extinção de idiomas sempre ocorreu, mas o preocupante é que, com a globalização, isso vem ocorrendo de maneira muito mais rápida. Naturalmente, não se está querendo dizer que palavras novas não devam ser incorporadas ao nosso idioma, pois elas são fonte de enriquecimento para a língua. No entanto, adotar palavras estrangeiras que já possuam similar nacional faz com os modismos absorvam essas novas palavras, enquanto que as similares nacionais passam ao ostracismo, e acabam por ser apenas verbete de dicionário. Quando Fernando Pessoa afirmou que minha pátria é minha língua ele estava querendo se referir àquilo que um povo tem de mais nacional e de mais autêntico, que é o seu próprio idioma. Ao lado do idioma, os povos possuem suas tradições, costumes, hábitos, mitologia, superstições, músicas, folclore, que precisam ser preservados. A perda do idioma representa a perda de todo esse acervo, pois não se pode imaginar, por exemplo, uma canção folclórica que não seja cantada em seu idioma de origem. 4 Internet Idiomas do Mundo.

É preciso que se faça todo o esforço possível na preservação dos idiomas e dos acervos culturais dos povos, sob pena de perda da identidade cultural desses povos. A FAMÍLIA COMO ELEMENTO-CHAVE DE UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO. E pode-se dizer que a preservação da identidade cultural do povo encontra-se, em grande parte, nas mãos da família. Ela é o elemento-chave na preservação dos valores culturais no mundo globalizado, valores esses tão ameaçados pela desnacionalização dos Estados. Sob todos os aspectos que se analise, vemos a família como uma espécie de guardiã desses valores, não apenas os culturais mas também os valores morais e éticos, protegendo-os, transmitindo-os às gerações seguintes, principalmente pela transmissão oral, enfim cuidando para que os costumes, tradições e língua permaneçam vivos. Em determinada época, a França tentou erradicar as línguas provençais, o languedoc que ainda é falado na parte mais ao sul do país determinando que nas escolas e em eventos públicos só se falasse o idioma francês. Ocorre que as famílias que, por tradição, utilizavam o languedoc em casa continuaram a manter esse hábito, inclusive de maneira mais consciente e de forma recrusdecida, de sorte que a proibição não vingou. Hoje em dia não existe mais a proibição e o uso dessa língua local tem sido até estimulado. Esse é um pequeno exemplo, localizado em um país altamente civilizado, de que a família é o elemento-chave na preservação dos valores culturais do povo. Sob outro aspecto, no campo da saúde, a família desempenha um papel importante na provisão de cuidado informal para seus membros. Há um geral reconhecimento, hoje em dia, de que ela está no centro das funções de cuidado. Uma grande parte do cuidado acontece no lar. A vida cotidiana doméstica é caracterizada pelo atendimento às necessidades físicas e psicológicas dos diferentes membros da

família. É no seu contexto social que se salvaguarda a saúde e se lida com as doenças. A família representa, na verdade, a unidade básica de atenção à saúde; é o primeiro nível de atenção à saúde. Uma pesquisa realizada em 1996 pela British Medical Association evidenciou que 80% das doenças menores são diagnosticadas e tratadas em casa, sem a intervenção dos profissionais de saúde. (Muitos desses tratamentos caseiros consistem em xaropes, chás e emplastros feitos em casa, com receitas de família que já vêm de gerações passadas). As pesquisas epidemiológicas e psicossociais têm demonstrado os efeitos positivos das relações sociais na evolução de inúmeras patologias. Coesão e solidez dos laços familiares podem reduzir a percepção da gravidade dos eventos mórbidos. Segundo vários autores, a mortalidade e a morbidade são significativamente mais elevadas entre as pessoas com escassas relações sociais (e familiares). Portanto, hoje em dia, todos reconhecem que a família contribui, de maneira fundamental, para o bem-estar da população e recomendam que as políticas sociais, os governos e as organizações não-governamentais apóiem as famílias no desenvolvimento dessa importante tarefa. 5 Em outra vertente, a Doutrina Social da Igreja reafirma a prioridade da família em relação à sociedade e ao Estado (...) A família não é, portanto, para a sociedade e para o Estado; antes a sociedade e o Estado são para a família. Qualquer modelo social que se pretenda servir ao bem do homem não pode prescindir da centralidade e da responsabilidade social da família. A sociedade e o Estado, nas suas relações com a família, têm o dever de se ater ao princípio da subsidiariedade. Por força de tal princípio, as autoridades públicas não devem subtrair à família aquelas tarefas que ela pode bem perfazer sozinha ou livremente associada a outras famílias; por outro lado, as autoridades têm o dever de apoiar a família, 5 Serapioni, Mauro. Op. Cit.

assegurando-lhe todos os auxílios de que ela necessita para desempenhar de modo adequado todas as suas responsabilidades. 6 Pelo que vimos, em qualquer campo de atividade, o papel da família é relevantíssimo, mormente face a globalização, que representa a grande transformação que está se operando no mundo. Seja na preservação dos valores culturais, morais e éticos, seja no campo social, da educação ou da saúde, é inarredável a responsabilidade da família na manutenção e preservação desse contexto no que ele tem de melhor e de mais típico. Podemos concluir afirmando que, a despeito de o fenômeno da globalização acarretar, como conseqüência de si mesmo, a perda das mais profundas raízes das culturas nacionais, a família permanecerá como instituição guardiã dessas culturas, preservando os valores que ela mesma recebeu de seus antecedentes e que tem o dever de transmitir às gerações futuras. * * * * * * * O texto publicado não reflete necessariamente o posicionamento do IAB 6 João Paulo II, exort.apost. Familiaris Consortio, no. 45, AAS 74, 1982, p. 136/137.