TempoLivre. Percursos. Da Régua ao Tua a todo o vapor. Entrevista Ricardo Ribeiro, fadista. www.inatel.pt. N.º 206 Julho/Agosto 2009 Mensal 2,00



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N.º 206 Julho/Agosto 2009 Mensal 2,00 TempoLivre www.inatel.pt Percursos Da Régua ao Tua a todo o vapor Entrevista Ricardo Ribeiro, fadista

Sumário Na capa Fotografia: Humberto Lopes 18 Da Régua ao Tua a todo o vapor A CP reedita o comboio histórico do Douro, experiência ensaiada pela primeira vez em 1999. Uma velha locomotiva de 1923, arrastando atrás de si cinco carruagens, faz o percurso da Linha do Douro, entre o Pinhão e o Tua. A viagem tem prazo de validade - até Outubro -, e faz parte do programa de viagens da Fundação INATEL para o Verão. 5 EDITORIAL 6 CARTAS E COLUNA DO PROVEDOR 8 CONCURSO DE FOTOGRAFIA 10 NOTÍCIAS 44 MEMÓRIA A chegada de Gabriela há 32 anos 48 OLHO VIVO 50 LUSOFONIAS 52 A CASA NA ÁRVORE 79 CHEFE SUGERE INATEL Porto Santo Bolo de família 81 O TEMPO E AS PALAVRAS Maria Alice Vila Fabião 82 CRÓNICA Alice Vieira 55 BOA VIDA 72 CLUBE TEMPO LIVRE Passatempos, Novos Livros e Cartaz 24 ENTREVISTA Ricardo Ribeiro, fadista Nascido no bairro da Ajuda, há 27 anos, este jovem fadista de voz admirável e vibrantes interpretações, vencedor de duas Grandes Noites do Fado, é praticamente ignorado pela generalidade dos media. Não padeço dos males da ambição, confessa este singular fadista que gosta dos poetas populares, toca guitarra clássica e tem, nos seus rafeiros alentejanos, na sua casa Benavente, os amigos fiéis. 30 VIAGENS Creta, o palácio de Cnossos Mosaicos de culturas acumuladas ao longo de 7000 anos, Creta tem nas recuperadas ruínas do Palácio de Cnossos um forte motivo de atracção para os milhares de turistas que anualmente visitam a ilha. 36 PAIXÕES Luísa Lobão Moniz, Uma força da natureza 40 ARTE E DESIGN Joaquim Braz Gil e a fina porcelana Revista Mensal e-mail: tl@inatel.pt Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Fax: 210027027 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Guiomar Belo Marques, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, Joaquim Durão, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lurdes Féria, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Pedro Soares, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, José Lattas, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, João Aguiar, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant Ana, 180 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Fax: 210027061 Publicidade: Fundação INATEL, Calçada de Sant Ana, 180, 1169-062 LISBOA Telef. 210027000; Fax: 210027027 Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA - Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 136.349 exemplares

Editorial Vítor Ramalho Rigor e transparência AInatel é a mais importante Fundação da economia social. A sua Administração tem uma política de informação coerente. Ao aproximarem-se as férias, há uma muito maior procura dos serviços importando reconhecer o papel dos trabalhadores que asseguram aos beneficiários respostas de qualidade. Muitos deles não gozam as suas próprias férias neste período, aceitando naturalmente, as consequências dessa maior procura. Devemos-lhes uma palavra de apreço, tanto mais que as exigências da transformação da Inatel em Fundação obrigaram a mudanças que se reflectem nas relações de trabalho. Estamos conscientes da necessidade de revisão do estatuto dos trabalhadores, melhorando, nomeadamente, as condições dos que têm rendimentos mais baixos. Deparámo-nos porém, após a posse, com prioridades inadiáveis, respeitantes ao Orçamento e ao Plano de Actividades para 2009, ao Relatório e Contas de 2008 e à extinção do ex- -Instituto. As contas de 2008 evidenciaram um resultado negativo anormal e inesperado, agravado ainda com a insuficiência de provisões do fundo de pensões, estimada em 19 milhões de euros. E agravado porque, em resposta àquelas prioridades, tivemos de programar a adequação dos equipamentos e das actividades à legislação em vigor, afectando recursos, da ordem de muitas centenas de milhares de euros, para a requalificação dos equipamentos mais degradados, há anos carecidos de obras de beneficiação. Não hesitámos em avançar. Hesitar seria comprometer o futuro, enfraquecendo a capacidade concorrencial da fundação e fazendo perigar os postos de trabalho. É útil que todos tenham consciência de que é uma questão de sobrevivência da Fundação. Esta opção foi feita sem por em causa a palavra da anterior direcção para abertura das unidades de Linhares da Beira, Flores e Graciosa, apesar de as respectivas verbas serem muito elevadas e sem retorno a médio prazo. A palavra dada tem de ser respeitada. Sucede, porém, que as receitas originárias de instituições públicas não sofreram qualquer aumento e as receitas próprias foram afectadas pela crise. Daí a solicitação ao governo de um reforço excepcional de verbas para a tesouraria. Confiamos. Uma pretensão inteiramente justa porque estamos a trilhar caminhos que reforçarão a autosustentabilidade da Fundação. A nossa esperança no futuro é consistente e fundamentada. Temos uma estratégia. Sentimos que os trabalhadores e os beneficiários da Fundação a compreendem. Os trabalhadores são, aliás, o seu capital mais precioso. Por isso, não hesitámos em actualizar as remunerações no ano em curso, apesar dos constrangimentos orçamentais. Do mesmo passo, integrámos no quadro 88 trabalhadores que tinham uma situação precária e iremos admitir um conjunto de estagiários, aproveitando a legislação favorável recentemente publicada. Nesta linha, aprovaremos brevemente um regulamento de apoio social aos trabalhadores com situações conjunturais mais complexas. Vamos, agora, iniciar os trabalhos preparatórios para criar o novo modelo de gestão de recursos humanos da Fundação, por forma a que, este novo instrumento, entre em vigor já em 2010. Um modelo que estabelecerá novas condições e permitirá a ponderação de todas as situações que têm sido objecto de reclamações individuais. Não será correcto fazê-lo caso a caso nesta altura. No mais umas boas férias aos que as forem gozar e o desejo que os nossos beneficiários continuem a preferir os serviços da Fundação, prestados por trabalhadores dedicados. JUL/AGO 2009 TempoLivre 5

Cartas A correspondência para estas secções deve ser enviada para a Redacção de Tempo Livre, Calçada de Sant Ana, nº. 180, 1169-062 Lisboa, ou por e-mail: tl@inatel.pt Graça Morais Na revista Tempo Livre, de Março do corrente ano, vinha um artigo na pág.35 sobre o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, onde a determinada altura, se diz: consagrada à obra de Graça Morais, que é natural de Bragança Ora não é verdade que a pintora Graça Morais seja natural de Bragança, uma vez que nasceu numa aldeia do concelho de Vila Flor, chamada Vieiro. Pode-se aduzir que Vila Flor pertence ao distrito de Bragança, mas não é usual considerar-se como naturalidade o distrito. António Cruz, Porto Ambiente familiar Escrevo porque estou um bocadinho indignada tentei reservar um quarto para a minha família (um casal com dois filhos de 2 e 6 anos) e não consegui alojar-me no Inatel Foz do Arelho, não por existir falta de quartos, mas sim porque não existem quartos com a capacidade para alojar-nos todos. É a primeira vez que tal me acontece (desde que tenho dois filhos), já que tive em Albufeira, Vila Nova de Cerveira e Fornos de Algodres e nunca houve problema apesar de ficarmos um pouco apertados, mas nunca nos negaram alojamento. O que me espanta mais é que remodelaram ou até construíram novas suites na Foz do Arelho e não tiveram em atenção que normalmente os casais portugueses têm em média 2 filhos. As instalações do Inatel foram para mim sempre sinónimo de proporcionar um ambiente familiar para famílias trabalhadoras e entristeceme ver este conceito em decadência. Espero que esta carta seja publicada na Revista Tempo Livre e que realmente no futuro, o conceito/ideia central do Inatel seja novamente a Família. Maria José Abreu, S. Tirso 50 anos na INATEL Completaram, este mês, 50 anos de ligação à Fundação Inatel os membros associados: Jaime Alves Leitão, José Faria Santos, Leonel Duarte Silva, Lisboa; Artur José Santos, Costa de Caparica; Carlos Álvaro Soares, São Domingos de Rana; Hugo Santos Pronto, Setúbal. Coluna do Provedor Kalidás Barreto provedor@inatel.pt DIZIA-ME, HÁ DIAS, um beneficiário que a arte de criticar deve acompanhar a de saber ouvir. Ouço muitas vezes dizer que necessitamos, nas nossas terras, de massa crítica. Isto quer dizer que se torna necessário que as pessoas saibam encontrar formas de crítica racional, logo consciente, isto é, com critério. Dizem os dicionários que crítica é a arte de apreciar as obras, sejam literárias, científicas, artísticas, também as obras, as sociais e as políticas. Crítica porém também pode ser censura ou maledicência e aqui é que a porca torce o rabo, porque é neste campo que surgem os sabedores de aldeia que de tudo dão opinião sem saberem à vezes de que falam! É vê-los pelos cantos a cochichar sem bem saberem o que dizem; apenas pelo exercício de dizer mal, por inveja ou ódio pessoal. Não sei se aldeia tem um âmbito restrito ou abrange situações análogas, seja onde for e que possam ser comparadas a outro tipo da aldeia; é que a língua portuguesa é muito traiçoeira! 6 TempoLivre JUL/AGO 2009

Fotografia XIII Concurso Tempo Livre Fotos premiadas [ 1 ] [ 2 ] [ 3 ] 8 TempoLivre JUL/AGO 2009

Regulamento [ 1 ] José de Sousa, Odivelas Sócio n.º 450643 [ 2 ] Rui Alves, Lisboa Sócio n.º 455721 [ 3 ] Paula Vilela, Torres Vedras Sócio n.º 209184 1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os membros associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e os elementos da redacção e colaboradores da revista Tempo Livre. 2. Enviar as fotos para: Revista Tempo Livre - Concurso de Fotografia, Calçada de Sant Ana, 180-1169-062 Lisboa. 3. A data limite para a recepção dos trabalhos é o dia 10 de cada mês. 4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco, sem qualquer suporte. 5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas. 6. O concurso é limitado aos membros associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assinaladas no verso com o nome do autor, direcção, telefone e número de associado da Inatel. 7. A Tempo Livre publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premiadas e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto. 8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano 9. Prémios: cada uma das três fotos seleccionadas terá como prémio duas noites ou um fim de semana para duas pessoas num dos Centros de Férias do Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O premiado(a) deve contactar a redacção da «TL». 10. Grande Prémio Anual: uma viagem a escolher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, a publicar na revista Tempo Livre de Setembro de 2009, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso. 11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio. Menções honrosas [ a ] Gracinda Belo, Buarcos Sócio n.º 201358 [ b ] Orlando Viegas, Amadora Sócio n.º 134874 [ c ] António da Cruz, Malveira Sócio n.º 80418 [ a ] [ b ] [ c ] JUL/AGO 2009 TempoLivre 9

Notícias 74º aniversário da FNAT/INATEL Cerca de duas centenas de trabalhadores da Fundação Inatel assinalaram, num almoço-convívio, em 14 de Junho último, na Costa da Caparica, o 74º aniversário da FNAT/INATEL. Vítor Ramalho, presidente da Fundação, lembrou, na sua intervenção, a importância e o prestígio da instituição na vida nacional, designadamente nas vertentes da cultura popular, desporto amador e turismo social, sublinhando o esforço de sucessivas gerações de trabalhadores no desenvolvimento e consolidação da marca Inatel. A crise que atravessa o país e os seus inevitáveis reflexos na vida da fundação foram tema ainda daquele responsável que, ciente das dificuldades sentidas pelos trabalhadores, anunciou medidas a implementar em breve, através de regulamento interno de apoio social aos trabalhadores com situações conjunturais mais complexas. O Presidente da Inatel adiantou, por outro lado, estar em preparação um novo modelo de gestão de recursos humanos adaptado às exigências estatutárias do modelo fundacional da instituição. Vítor Ramalho deu conta ainda do vasto conjunto de obras de recuperação do património Inatel em curso, visando satisfazer as expectativas dos utilizadores e beneficiário da fundação e anunciou a abertura durante a época estival da nova unidade de férias em Linhares da Beira e o arranque do programa de Turismo Júnior para jovens de todo o país entre os oito e os 17 anos. A tradicional homenagem aos trabalhadores mais antigos acontecerá num convívio a realizar em 11 de Setembro na Foz do Arelho, indicou Vítor Ramalho, que, para tal, endereçou já uma carta pessoal a todos eles. Novo Código do Trabalho Mendes Martins, especialista em Direito do Trabalho e responsável pelo Gabinete de Serviços Jurídicos da Fundação INATEL, orientou, em Oeiras, o seminário O Novo Código do Trabalho para trabalhadores e colaboradores da instituição. 10 TempoLivre JUL/AGO 2009

A Arte Mestra da Vida Foi recentemente editado sob a chancela da Quimera Editores o livro A Arte Mestra da Vida de Maria do Carmo Vieira. Uma obra que resulta do intenso desejo de partilhar as preocupações e reflexões sobre a Escola e a sua função milenar de preparar para a vida. A autora, professora do ensino secundário e mestre em Literatura de Viagens, entre muitas das suas acções destacou-se na defesa do património cultural, tendo fundado o movimento de defesa e preservação do Café Martinho da Arcada, da qual resultou a sua classificação como de interesse público, e impedido a destruição do prédio da Rua Coelho da Rocha, última morada e actual casa Fernando Pessoa. Errata do catálogo Destinos 2009 Na página 31, Especial Benidorm - do catálogo Destinos 2009 da Inatel - os quadros de preços informados são meramente indicativos, pelo que onde se lê Preço por pessoa em quarto duplo. Preços válidos para reservas efectuadas antes de 15.06.09 e após 15.06.09, deverá ler-se PREÇOS REFERENCIAIS POR PESSOA EM QUARTO DUPLO. Pelo facto apresentamos as nossas desculpas. Turismo Júnior Centenas de jovens em mega acampamento na Caparica Cerca de sete centenas de jovens de todo o País, com idades entre os 8 e os 17 anos, vão participar num mega acampamento, que terá lugar na Costa de Caparica entre os dias 24 e 30 de Agosto próximos. Aventura e diversão serão a tónica destas férias de Turismo Júnior, uma iniciativa da Fundação Inatel que, há semelhança dos programas seniores, terá custos de inscrição diferenciados, consoante os rendimentos do agregado familiar de cada jovem participante. Assim, e a partir de 195 euros, os jovens portugueses vão poder desfrutar de uma semana de férias com um vasto programa de animação que inclui múltiplas actividades adequadas às suas idades, sob orientação de animadores e monitores especializados. Ateliers de língua inglesa e expressão cultural, sessões de prevenção à toxicodependência, construção de blogs, visitas a monumentos da capital, ao jardim zoológico, ao parque kidzania e aos estádios de Alvalade e Luz, convívios em discoteca e jogos e passatempos com prémios de acesso a férias gratuitas noutros campos de férias da Inatel, integram o extenso e diversificado programa do Turismo Junior. A iniciativa prevê, ainda, a participação na construção de um guião e na rodagem de um filme com a presença de Pedro Rodil e Laura Galvão, da série Morangos com Açúcar, um mega party na piscina, jogos olímpicos, construção de jangadas e prática de canoagem, surf, arborismo, tiro com arco, slide, orientação, BTT, râguebi, futebol, andebol, basquetebol, natação, ténis e atletismo. Em suma, uma semana de boas vibrações e saudável diversão de centenas de jovens, sob uma ética de solidariedade e amizade. Inscrições a partir do dia 6 de Julho. Para mais informações, contactar as agências da Fundação Inatel nas capitais de distrito. JUL/AGO 2009 TempoLivre 11

Notícias Conferências Inatel Maior protagonismo do Estado e Sociedade Civil defende Vasco Vieira de Almeida A fase de total incerteza e de transição em que mergulhou o nosso país, determinada, no essencial, pelo fracasso das concepções e políticas neoliberais, deverá evoluir para uma maior intervenção reguladora do Estado e uma nova dimensão do papel da sociedade civil considerou Vasco Vieira da Almeida na conferência Novas Respostas do Estado, proferida, em Julho passado, no Salão Nobre do Teatro da Trindade. Para o prestigiado economista e advogado, que falava no âmbito das conferências Novas Respostas a Novos Desafios uma iniciativa das Fundações Inatel e Mário Soares o falhanço do projecto político de hegemonia ocidental, desenvolvido a partir de meados dos anos 80 do século passado, aliado ao efeito das economias emergentes (Brasil, Índia, China e Rússia), à incapacidade da ONU de se adequar à nova relação de forças, a degradação do FMI e do Banco Mundial e aos riscos de desagregação de uma União Europeia, carecida de unidade e coerência nos planos cultural, económico, social e internacional, obrigarão a novas políticas e novos modelos de desenvolvimento pautados pela democratização dos aparelhos de Estado e por maior justiça social. Não estamos perante o crescimento do mercado global, mas sim perante um forte crescimento de economias nacionais, frisou Vieira de Almeida, alertando para a duplicação da população mundial nas últimas décadas e para os recursos limitados a distribuir por muito mais gente. Como exemplo da dimensão da actual crise, o orador acompanhado na mesa por Mário Soares e Vítor Ramalho - lembrou os 14 mil biliões de dólares aplicados em 10 meses pela administração norte-americana em contraste com os 152 biliões gastos na reconstrução da Europa depois da 2ª guerra mundial, ou seja, 2,6% apenas do montante assinado por Obama. Questionado, no período de debate, sobre a eventual contradição entre o desastre das políticas neoliberais e os recentes êxitos eleitorais da direita no Parlamento Europeu, Vieira de Almeida considerou normal que as pessoas, face à crise actual e às políticas desenvolvidas, tenham perdido a confiança nas forças de esquerda. Mal por mal ironizou - preferem o original. 12 TempoLivre JUL/AGO 2009

Loureiro dos Santos critica ausência de Gabinete de Segurança Na conferência Novas Estratégias de Segurança, realizada também em Julho no mesmo espaço do Trindade, o general Loureiro dos Santos criticou a ausência de coordenação/integração entre os sectores militar (Forças Armadas) e não militar (Ministério de Administração Interna). O antigo chefe do Estado-Maior do Exército admitiu haver, agora, no contexto da nova lei de Defesa Nacional, mais coordenação entre os três ramos militares, mas lamentou o facto de o Primeiro-Ministro não ter concretizado, uma efectiva integração das forças militares e não militares através de um Gabinete para a Segurança sob a sua dependência. De acordo com a nova lei de Defesa Nacional referiu Loureiro dos Santos a delegação, pelo chefe do Governo, da coordenação entre os diversos serviços de informação e a Protecção Civil no ministro da Defesa, abre caminho a essa integração, mas persiste a dúvida se tal possibilidade vai ou não materializar-se. Presente na assistência, Mário Soares considerou que Portugal deveria avançar com propostas no sentido de uma política externa e de defesa comuns na UE. O general Garcia Leandro lamentou, por sua vez, o não aproveitamento do Instituto de Defesa Nacional, salientando o facto de o Chefe de Estado já não comparecer à cerimónia de abertura daquele órgão. Cálice de Neblinas e Silêncios Do antigo Leitor de Português em Pequim e profundo conhecedor da cultura e civilização chinesas, António Graça de Abreu, foi editado recentemente a o livro de poemas Cálice de Neblinas e Silêncios. Trata-se do quarto livro de poemas do autor de China de Jade e China de Lótus e tradutor dos grandes poetas chineses Li Bai, Bai Juyi e Wang Wei. Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa, Graça de Abreu, publicou ainda vários trabalhos de investigação histórica relacionados com a presença portuguesa na China. Mário Soares, Vítor Ramalho e Loureiro dos Dantos JUL/AGO 2009 TempoLivre 13

Notícias Futebol Inatel Tigres do Cartaxo campeões nacionais O CCD Tigres F. C, do Cartaxo, foi o grande vencedor do campeonato nacional de futebol da Inatel, batendo na final, no dia 14 de Junho, no Parque de Jogos 1º de Maio, a equipa do CCD Pigeirense, de Santa Maria da Feira. No final dos 90 minutos, e após Nacional de Tiro José Pimenta (CCD S.Vicente e Ventosa, de Portalegre) e João Francisco (CCD Bordinheira, de Lisboa) foram os vencedores na 1ª e 2ª categorias, respectivamente, do campeonato nacional de Tiro que teve lugar, em Junho, nos pavilhões do NERPOR (Núcleo Empresarial da Região de Portalegre), com a participação de três centenas de atiradores de vários distritos do país. prolongamento, manteve-se o empate sem golos, pelo que se recorreu às grandes penalidades, vencendo a equipa ribatejana. O terceiro e o quarto lugar foram disputados pelos CCD CP, de Câmara de Lobos (Madeira) e o CCD Salão, dos Açores, tendo a equipa madeirense conquistado o último lugar do pódio, igualmente no desempate por grandes penalidades, após o 1-1 no período regulamentar. Moreira Marques, administrador da Fundação Inatel, entrega a taça aos vencedores Na modalidade de Armas de Precisão venceu Sofia Santos (CCD Bordinheira) e em Pistola a vitória coube José Robalo (CCD Arneiro, Lisboa). Destaque, ainda, para as vitórias por equipas dos CCD s de Bordinheira e de Arneiro. O torneio teve o apoio da autarquia portalegrense, da Associação dos Municípios do Norte Alentejano e dos Bombeiros Voluntários locais. Água e Biodiversidade Água e Biodiversidade é o tema central do concurso de fotografia que a EDIA acaba de lançar e que assinalará as comemorações do Dia Mundial da Monitorização da Água, a celebrar no próximo dia 18 de Outubro, e os 10 anos dos Trabalhos de Biologia realizados pela EDIA antes da construção da barragem de Alqueva e que permitiram conhecer, de forma detalhada, a biodiversidade de diferentes grupos biológicos na área que envolve a actual albufeira do Alqueva. O tema principal deste concurso divide-se em dois sub-temas, os quais pretendem, de forma abrangente, retratar a realidade e preocupações associadas à água e à biodiversidade: O regulamento deste concurso está disponível em www.edia.pt, na área Ambiente no sub-tema Concurso de fotografia Água e Biodiversidade. 14 TempoLivre JUL/AGO 2009

Dança de Almada na Polónia No próximo mês de Agosto a Companhia de Dança de Almada realiza uma pequena digressão por terras do norte da Polónia. A estadia inicia-se em Poznan dias 18 e 19 de Agosto, onde fará duas apresentações do espectáculo Entre a necessidade e o medo na VI edição do International Dance Theatre Festival, partindo depois para Pila (dia 22), Grudziadz (dia 23) e Universidade Lusíada vai receber espólio literário de Joaquim Paço d Arcos O espólio literário de Joaquim Paço d Arcos (1908-1979) está a ser alvo, por ocasião do 30º aniversário da sua morte, de um vasto processo de organização, classificação e digitalização das obras que o compõem, a cargo da Biblioteca da Universidade Lusíada de Lisboa. Traduzida e editada em numerosos países, a obra está a ser parcialmente reeditada em Portugal por iniciativa da editora Guimarães, designadamente os romances da Crónica da Vida Lisboeta, cuja importância literária e social foi destacada, em finais dos anos 50, pelo crítico literário Óscar Lopes. A D. Quixote, registe-se, editou em 2008, Joaquim Paço d Arcos, finalmente Gdansk, onde, além do espectáculo a Companhia leccionará um workshop de dança contemporânea no Festival local, dias 25 e 26 de Agosto. Entre a necessidade e o medo é um trabalho coreográfico criado a convite do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, no âmbito da temática Diálogo Intercultural, objecto do Ano Europeu celebrado em 2008. Integrada no projecto desenvolvido pela Companhia de apoio a novos talentos, esta criação resultou de um trabalho de pesquisa sobre os fluxos de migração nas grandes cidades, abordando as dificuldades de adaptação sentidas sobretudo pela diferenças culturais. Paço d Arcos e Óscar Lopes Correspondência e Textos Dispersos 1942-1979, quarto volume das suas memórias que revela a vasta correspondência trocada com familiares, amigos, escritores (Agustina, Jorge Amado, Jorge de Sena, entre outros) e figuras políticas como Salazar e Marcello Caetano. Do Kunene a Cabinda, História e estórias de Angola, relato colectivo, coordenado por Miguel Anacoreta Correia, do IV Raid TT do Kwanza- Sul, realizado de 16 a 25 de Maio no norte angolano, num total de 3 700 km, teve lançamento público, em Junho passado, em Lisboa, com a presença do presidente da Fundação Inatel, Vítor Ramalho, que assinalou a importância quer do Raid quer da publicação do livro no reforço das relações entre portugueses e angolanos e num melhor conhecimento da realidade actual daquele país irmão de África. Miguel Anacoreta Correia, coordenador da obra (ed. Pangeia Editora, em Portugal, e Edições Chá de Caxinde, em Angola) recordou os seus 15 mil Kms TT nos últimos três anos em Angola, feitos sublinhou em paz e segurança, acrescentando ser este livro um precioso meio para se compreender melhor esta Angola do século XXI. JUL/AGO 2009 TempoLivre 15

Comboio hist Da Régua ao Tu Percursos A CP reedita o comboio histórico do Douro, experiência ensaiada pela primeira vez em 1999. Uma velha locomotiva de 1923, arrastando atrás de si cinco carruagens, faz o percurso da Linha do Douro, entre o Pinhão e o Tua. A viagem tem prazo de validade - até Outubro -, e faz parte do programa de viagens da Fundação INATEL para o Verão. 18 TempoLivre JUL/AGO 2009

órico do Douro a a todo o vapor JUL/AGO 2009 TempoLivre 19

Percursos A ÚLTIMA COISA que se pode dizer sobre o vale do Douro é que é natureza em estado puro. A frase é vistosa, do género que faz o estilo e a graça das revistas de viagens. O Douro escreve-se com mais do que cinco letras e tem mais páginas do que a história oficial. Antes de se embarcar num desses comboios que partem da Régua para o Pinhão, ou para o Pocinho, e seguem fielmente a margem direita do rio, porque não buscar decifração do que se oculta por detrás das aparências bucólicas? O caso é que o Douro há muito deixou de ser o curso de água voluptuoso que espumava de pressa nos torvelinhos do Cachão da Valeira. As barragens amansaram-no; o Douro original foi, como escreveu Jorge de Sena, domesticado pelos muros dos empreendimentos hidroeléctricos. E pouquíssimas, ou nenhumas, são as encostas que se mantêm selvagens, mais ou menos como vieram ao mundo, ou próximo disso. A paisagem à vista, bela como as mais belas que enchem os postais, única no género em terra portuguesa, é obra humana, puramente obra humana. Não é criação divina nem fruto do génio da mãe natureza. Os terraços de xisto, os vinhedos, os caminhos foram rasgados, cultivados e arrancados ao bruto declive duriense à força de braços e regados pelo suor de muita gente anónima, nem sempre oficialmente celebrada. A obra de arte que a UNESCO classificou como Património Mundial tem, enfim, assinatura colectiva e, bem se pode dizer, de quase anónimos autores. Talvez mais ninguém tenha escrito sobre o Douro, e sobre essa saga nunca suficientemente lembrada, com a intensidade de Miguel Torga: No Portugal telúrico e fluvial não conheço outro drama assim, feito de carne e de sangue... As coisas grandes têm uma arquitectura grande e uma significação maior ainda. Assim acontece com esta moralidade grega, onde os Sísifos e os tonéis das Danaides são ao natural, que, mercê da sua configuração íntima e fisionómica, de simples acidente orográfico ascende à transcendência dum purgatório, com almas condenadas às galés dos barcos rabelos e às penas dos saibramentos. Tire as lembranças do baú e volte atrás no tempo A proposta de viagem que traz o vale do Douro a estas linhas começa por ser singular, portanto, à conta dessas panorâmicas expectativas. Dificilmente haverá outra linha ferroviária em Portugal tão pródiga nos cenários, e pródigos eles nos seus significados, e como se não bastasse o caminho audaz, encurralado entre o curso do rio e as colinas socalcadas, a jornada em perspectiva não é para ser feita a bordo de um comboio vulgar. É certo que os que cumprem os horários quotidianos entre a Régua e o Pinhão (e as estações do Tua e do Pocinho) percorrem o mesmo trecho de linha e fazem vibrar as mesmas travessas - e oferecem, também, através das janelas, as mesmíssimas paisagens. Fazem-no, todavia, um tanto afoitos, deixando aos viajantes menos tempo para apreciar o cenário que desfila do outro lado da janela. A CP chamou-lhe «Comboio histórico» e este é o segundo ano consecutivo em que a experiência é posta em prática. O convite à viagem é aliciante e ao contrário do que se poderá inferir, não se destina apenas a septuagenários, octogenários, nonagenários e por aí adiante. Tire as lembranças do baú e volte atrás no tempo. Ou seja, vai à janela muita malta nova, com curiosidade repartida pela nave de antanho em que viaja e pelos montes pintados que inspiraram a pena de João de Araújo Correia. Voltemos à tecnologia. A maquinaria é vetusta e histórica - não tarda muito perfaz um século. A locomotiva alimenta-se de carvão, move-se a vapor. É da marca Henschel, modelo 0186, como se lê na placa vermelha, oval, cravada sobre a tinta negra da geringonça. A conservação é irre- 20 TempoLivre JUL/AGO 2009