Orientação Profissional: a necessária renovação conceitual e reorganização



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Transcrição:

PUBLICADO MACHADO, Lucília. Orientação Profissional: a necessária renovação conceitual e re-organização política. In: BLAS, F. A.; PLANELLS, J. Desafios atuais da educação técnico-profissional. Madri: OEI; Fundação Santillana, 2009, p. 89-100. Orientação Profissional: a necessária renovação conceitual e reorganização política Lucília Machado * Resumo: Este texto aborda, inicialmente, a constituição do campo de atuação da Orientação Profissional, a partir de um breve histórico dos fundamentos teóricos que lhe deram origem. Trata, a seguir, da necessidade de sua renovação teórica, metodológica e organizacional, tomando, como referência, sua ampliação com relação às finalidades e sujeitos de atenção, processo decorrente das transformações contemporâneas do mundo do trabalho. Palavras-chave: Orientação Profissional; Enfoque centrado em sujeitos; Sistemas de Emprego. Introdução: Como possibilidade histórica, a Orientação Profissional tem sua procedência definida pela emergência do sistema capitalista de produção, pois a escolha de uma profissão não é um problema existencial senão do trabalhador livre, livre da condição de proprietário de bens de produção, livre das obrigações feudais, livre para pelejar, competir e conquistar as melhores condições de comercialização da sua própria força de trabalho. A competição interna à classe trabalhadora por oportunidades de trabalho e o interesse econômica das empresas no incremento da produtividade provocaram o surgimento de processos de classificação e seleção de trabalhadores, com base, dentre outros, em critérios relacionados às aptidões individuais. Assim, associada à Psicologia Industrial, a Orientação Profissional, emerge no início do século XX, com o objetivo de identificar trabalhadores * Socióloga, Doutora em Educação e Coordenadora do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, de Belo Horizonte, Brasil. Para contato: LSMACHADO@UAI.COM.BR

2 aptos ao trabalho e fazer a triagem dos inaptos, visando favorecer a elevação da eficiência e produtividade da indústria e a prevenção de acidentes de trabalho. Com Frank Parsons, responsável pela criação do primeiro Centro de Orientação Profissional norte-americano (Boston, 1907/09), facilitar a escolha profissional dos jovens e, assim, contribuir para o ajustamento e a adaptabilidade juvenis à realidade do mercado se tornou a finalidade fundamental da Orientação Profissional. Parsons propôs procedimentos racionais de diagnóstico e estudo das características psicológicas de cada indivíduo e processos de aconselhamento e direcionamento a partir do cotejamento entre estes indícios distintivos e os requerimentos das ocupações existentes. A Orientação Profissional se inicia, assim, sob forte influência positivista, ao apregoar a idéia de que cada profissão requeria, de forma objetiva, aptidões específicas e que o aconselhamento dos jovens deveria ser respaldado racionalmente por fatos e dados precisos, fornecidos por testes e experiência sensível. Conduzindo o processo de tomada de decisões com base nestas pré-determinações, este modelo, também conhecido como Teoria dos Traços e Fatores tinha um viés marcadamente diretivo, ao propor que se fizesse o encaminhamento das pessoas a estudos e escolhas de profissão segundo suas aptidões, personalidade e vocação. Esta proposta se assentava na idéia de que as pessoas possuem uma essência relativamente imóvel. Assentava-se no conceito liberal de que a escolha profissional é eminentemente individual e que cabe ao indivíduo se responsabilizar pela superação dos obstáculos que vier a encontrar. Apresentava, também, um corte economicista, ao enfatizar processos de adequação pautados na busca do homem certo para o lugar certo. O campo da Orientação Profissional se voltou, então, para a Psicologia Diferencial e a Psicometria, e até hoje, parte significativa dos seus esforços se centra no debate sobre concepções e aplicações de testes construídos especialmente para aferir atributos como inteligência, aptidões, habilidades, interesses e personalidade. Na década de 1940, porém, Carl Rogers, com sua Terapia Centrada no Cliente, já havia proposto procedimentos não diretivos, que valorizassem a participação do sujeito no processo de intervenção. Os anos 1950 marcaram a emergência das teorias psicológicas evolutivas e desenvolvimentistas, caracterizadas pela crítica à idéia do processo de escolha profissional enquanto um momento específico e pela proposição de considerar o conceito de desenvolvimento vocacional no seio de um ciclo de vida mais amplo. A Teoria do Desenvolvimento Vocacional propôs, desta forma, antecipar o trabalho da Orientação Profissional contemplando desde os últimos anos da infância. Indicou, também, prolongar a orientação até os primeiros anos da idade adulta dos indivíduos. Donald Super foi mais longe e, no seu esforço de sistematizar uma teoria geral da escolha e do desenvolvimento vocacional, indicou a necessidade de contemplar, como objeto de atenção, todo o período existencial da vida das pessoas, da infância à maturidade. Super, também, chamou a atenção para a necessidade de incorporar, ao modelo vigente sobre escolha profissional, fatores de ordem sócio-econômica e ambiental, dimensões fenomenológicas e abordagens desenvolvimentistas.

3 Outras teorias psicológicas, todas com foco na escolha profissional pelo indivíduo, vieram a seguir: as Teorias Psicodinâmicas baseada na Psicanálise e na Teoria de Satisfação das Necessidades e as Teorias de Tomada de Decisão. Estas últimas ressaltavam a necessidade da análise minuciosa e criteriosa dos elementos que intervém no processo de escolha profissional, tendo em vista identificar possibilidades oferecidas, analisar conseqüências, avaliar e decidir conscientemente. O papel do orientador profissional seria, para esta teoria, o de ajudar a pessoas a analisarem os dados de base para a tomada de decisão, confrontar informações e determinar empiricamente a utilidade de cada decisão. Percebe-se, assim, que a partir dos meados dos anos 1940 surgem tentativas de incorporação de outras referências teóricas. Iniciam-se, também, as discussões sobre o condicionamento dos fatores classe social e condição sócio-cultural nas possibilidades e limites dos processos de escolha profissional. Surgem, então, as Teorias Sociológicas para enfatizar os determinantes estruturais e culturais, tais como classe social, nacionalidade, etnia, família, oportunidades culturais e educacionais etc. As Teorias Econômicas vieram para apontar que o fator crucial da escolha profissional se resume no cálculo das vantagens econômicas oferecidas pelas profissões: melhores salários, relação entre oferta e procura etc. Chegou-se, por fim, às Teorias Gerais, que buscam reunir contribuições de diferentes ciências, por considerar a necessidade de um conjunto de elementos para compreender os processos envolvidos na escolha profissional. O campo da Orientação Profissional face ao atual mundo do trabalho As mudanças contemporâneas no mundo do trabalho têm chamado a atenção para a necessidade de ampliar as finalidades e objetivos da Orientação Profissional, para além do fornecimento de recursos de autoconhecimento e de informações sobre atividades ocupacionais, opções educacionais e formativas visando às escolhas e decisões relacionadas ao futuro profissional. A possibilidade de ter uma vida produtiva e satisfatória ao longo de toda uma existência humana é, hoje, muito mais imponderável. Portanto, mais pessoas e em diferentes circunstâncias necessitam, atualmente, não só saber encontrar as informações de que precisam, mas da capacidade de confrontá-las, discernir sobre relevância e pertinência, avaliar a confiabilidade das mesmas, construir, enfim, conhecimentos, e, sobretudo, com visão e enfoque estratégicos. Os discernimentos que as pessoas precisam fazer, hoje, não cobrem apenas a escolha dentre alternativas de profissionalização, mas também dentre as formas de gerenciar o uso de suas capacidades e saberes (formais e tácitos), dos conhecimentos inscritos nos processos de trabalho das empresas em que trabalham e a que têm acesso. Portanto, elas se vêem, atualmente, em situações muitas vezes densas de contradições e tensões, que envolvem interesses e motivações diversos, os seus e os de outros, como os das empresas, de comunidades e da sociedade. Precisam, portanto, de melhor compreensão sobre o mundo do trabalho e o meio social em que vivem e atuam para que, efetivamente, possam alcançar e saber conservar um trabalho

4 decente, progredir no emprego ou lidar com a situação emergencial de mudanças de vínculo. Há, ainda, o desafio das adaptações à evolução tecnológica e às mudanças nas condições de trabalho, de entender o momento e conseguir operar conversões quando percebem riscos de desemprego. Isso envolve saber re-planejar estrategicamente a própria vida profissional, as formas de melhorar seus salários ou rendas e de aumentar sua capacidade de influência sobre o contexto de trabalho, podendo isso implicar participações em ações coletivas. A Orientação Profissional, atualmente, se depara, assim, com a necessidade urgente de buscar referências fora do seu contexto tradicional de atuação e de si mesma como um campo de linguagem e testes que, muitas vezes, são tomados como universais, para interagir com outros campos, pensar junto e ser referenciada por pactos e alianças. Ela precisa sair de sua própria crise, se expor e saber-se participante de um sistema mais amplo de políticas públicas de emprego, trabalho e geração de renda, de iniciativas da sociedade civil, em que solidariamente se casam ações diferentes, mas com objetivos comuns. O debate atual sobre a Orientação Profissional a coloca diante de novos desafios, pois sob a ótica do direito social, da igualdade de oportunidades e da inclusão social, trata-se de um campo de ação e intervenção das políticas públicas. Neste sentido, a Orientação Profissional precisa fazer convergências não somente com políticas educacionais e de formação profissional, mas também com políticas de proteção social e de criação e fortalecimento de sistemas públicos e integrados de emprego, trabalho e renda, os quais têm, por finalidade intrínseca, a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e o desenvolvimento local sustentável, mediante a elevação do número de inserções no mercado de trabalho, redução do tempo de espera do trabalhador por um posto ou de uma oportunidade de trabalho adequados à sua qualificação e mitigação do custo social do desemprego. A Orientação Profissional tem, portanto, grande importância para a efetividade social dos sistemas de emprego, trabalho e renda, pois mais do que abrir os horizontes com relação a escolhas profissionais, busca esclarecer para o trabalhador as diversas formas de inserção no mercado de trabalho, aumentar sua auto-estima, favorecer sua motivação para realizar programas e cursos de qualificação, ajudá-lo a dar um rumo ao desenvolvimento da sua trajetória formativa e profissional. O campo da Orientação Profissional precisa, portanto, interagir com todas as políticas que integram os sistemas públicos de emprego, trabalho e renda, tais como: as de segurodesemprego, intermediação de força de trabalho, qualificação profissional, certificação profissional, fomento às atividades empreendedoras e com aquelas voltadas às pesquisas e observações sobre as dinâmicas dos mercados de trabalho. Ao ampliar suas finalidades, a Orientação Profissional pode também se dizer auxiliar da melhoria da qualidade dos sistemas educacionais e de formação profissional, à medida que tem, igual e prioritariamente, o objetivo de proporcionar os meios para que as pessoas possam, de forma consciente e crítica, com conhecimento de si, com elementos para avaliar as condições objetivas e subjetivas, fazer a auto-gestão de seus processos educacionais e de desenvolvimento profissional.

5 A Orientação Profissional, ampliada em suas finalidades, é também provedora de consultas e assessoramentos, quando socializa informações sobre oferta e demanda de força de trabalho. Estas compreendem informações de domínio conhecido e as relacionadas ao trabalho de prospecção das necessidades do desenvolvimento sócio-econômico-ambiental e do desenvolvimento científico e tecnológico. Com isso, a Orientação Profissional também pode colaborar na alimentação e sinergia do relacionamento entre empresas, organismos, poder público, indivíduos, famílias e meios de comunicação. Decorrentes das atuais lógicas de diferenciação e de concorrência do capitalismo globalizado, diversas, amplas e profundas mudanças se observam no mundo do trabalho contemporâneo: nos critérios de produtividade e qualidade, na consideração do conhecimento como um valor agregado de produtos e serviços, nas formas de organização e gestão da produção e do trabalho, nos paradigmas das relações profissionais, na configuração das estruturas ocupacionais, nos requerimentos de qualificação e nas regras de avaliações de competências e de desempenho profissional. Estas transformações se associam às oscilações e instabilidades do comportamento da atividade econômica, ora como fatores, ora como desdobramentos, trazendo, também, incertezas e volubilidades para os mercados de trabalho, que passam a ter seu funcionamento alterado. As qualificações dos trabalhadores experimentam ciclos de validade diminuídos forçando-os aos processos contínuos de atualização, validação e certificação de competências, da mesma forma como os produtos, inclusive os tecnológicos, sofrem processos de obsolescência, muitas vezes, forçados. Há o aumento da vulnerabilidade dos vínculos empregatícios, da precariedade dos contratos de trabalho e dos empregos e do desemprego de inserção ocupacional - que atinge especialmente os jovens. Crescem os desempregos de exclusão, que atingem aqueles trabalhadores mais vulneráveis à concorrência no mercado de trabalho em que entram fatores relacionados à idade, escolaridade, qualificação, gênero, etnia, tempo de serviço, participação em sindicatos, situação de migração, deficiências físicas ou outros preconceitos. Intensificam os desalentos das pessoas, que em situação de desemprego recorrente ou prolongado, se mostram pouco predispostas à mobilização subjetiva para a formação inicial ou continuada ou para a procura de empregos ou de alternativas de geração de trabalho e renda. As taxas de crescimento econômico têm se revelam medíocres comparadas às necessidades sociais e às conseqüências geradas pelas crises financeiras cíclicas, pelos fenômenos de recessão, re-estruturações das empresas, rupturas das cadeias produtivas, adoção de modelos de investimento apoiados em capital intensivo, em tecnologias poupadoras de força de trabalho. Torna-se, assim, cada vez mais impraticável tratar, isoladamente, assuntos como escolha e gestão de percursos profissionais, a não ser dentro de um quadro de relações em que, para tais processos, sejam confrontadas informações variadas que envolvem não somente emprego, salário e perspectivas de progressão.

6 É preciso, portanto, operar uma mudança qualitativa no campo da Orientação Profissional, em termos suficientemente amplos e flexíveis para responder à diversidade de situações, que envolvem, de um lado, as ameaças e riscos derivados da perda de competitividade e qualidade das qualificações e, de outro, as oportunidades para uma vida produtiva e gratificante. Em todos os casos, o que se vê é que essa mudança qualitativa significa o reforço do caráter educativo da Orientação Profissional. São novos desafios que vêm fazendo aumentar a importância e re-significando o campo da Orientação Profissional, que passa a ser visto e concebido, estrategicamente, como indissociável das políticas e intervenções educacionais, como ação fundamental chamada a interagir com outras ações e com elas compor os sistemas nacionais de emprego, trabalho e geração de renda. Vê-se, assim, aumentar a responsabilidade do campo da Orientação Profissional no sentido de, junto com os processos educacionais e formativos, estimular nas pessoas atendidas as capacidades de iniciativa, criatividade, empreendimento, relacionamento e cooperação, ao tempo em que o trabalho permanece central como experiência subjetiva, suporte para a sobrevivência das famílias, meio de integração social às comunidades e fator de desenvolvimento social. As recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aos países signatários de suas convenções, de adoção de políticas e programas de Orientação Profissional evidenciam uma evolução nos delineamentos que tratam do tema do desenvolvimento dos recursos humanos, desde o Convênio 142/75, Recomendação 150/75, Recomendação 169/84 até chegar à Recomendação 195/04. Esta última inscreve, de forma incisiva, a Orientação Profissional, no contexto contemporâneo de ênfase da importância da educação, da formação e da aprendizagem permanente. Além da necessidade de oportunidades de trabalho em quantidade suficiente a todos que o procuram, ou seja, com acessibilidade universal, e para uma jornada adequada à reprodução da força de trabalho do trabalhador, o conceito de Trabalho Docente da OIT inclui uma série de requisitos qualitativos, que passam a ser referência também para o campo da Orientação Profissional: ser um trabalho produtivo e seguro, observar os direitos trabalhistas, remunerar adequadamente, garantir proteção social, estar dentro de um quadro de diálogo social, participação, liberdade sindical e negociação coletiva. O público ampliado da Orientação Profissional e o enfoque centrado em sujeitos Como decorrência da ampliação do escopo e finalidades da Orientação Profissional, este campo de atenção deixa de ficar restrito a públicos específicos, circunscrito a jovens ou desempregados, para se abrir, acolher e prestar assistência a todos os indivíduos, grupos e instituições da sociedade, que, em diferentes momentos e por razões diversas, buscam obter e avaliar informações que sirvam para orientar processos de tomada de decisão concernentes a demandas, ofertas e oportunidades educacionais e profissionais.

7 Com isso, o campo da Orientação Profissional se torna mais complexo, já que, de modo eficaz, deve atender uma demanda heterogênea, contemplando diversidades de setores da atividade econômica, padrões tecnológicos e necessidades subjetivas. Passa a lidar com pessoas diferentes do ponto de vista socioeconômico, lugares de proveniência, escolaridade, experiência de trabalho, gênero, entre outros aspectos, alguns destes com capacidade de reforçar regressivamente os fatores de exclusão social. Enfim, todas as pessoas que necessitam se conhecer melhor e fazer a gestão dos seus conhecimentos formais ou tácitos e incrementar seu percurso formativo e profissional com base em informações contextualizadas, confrontadas e confiáveis. Na sua tradição, o campo da Orientação Profissional buscou atender jovens carentes de autoconhecimento e de informações sobre estruturas ocupacionais e oportunidades educacionais e inclinou-se a conceber tais sujeitos como seres passivos e dependentes de apoio e acompanhamento externos. Ao ampliar o leque das pessoas atendidas, naturalmente se impõe a necessidade de consideração das especificidades e necessidades dos distintos grupos sociais e de compreensão de que todos trazem experiências, vivências e histórias pessoais. Fica, também, evidenciado que nem sempre os sujeitos da atenção são passivos, dependentes e desinformados. A Orientação Profissional se vê convidada a desenvolver estratégias de atenção com base no foco em sujeitos concretamente situados, compreendidos nos condicionamentos que sofrem da realidade em que vivem, mas com potencial para poder transformá-la. Esta nova abordagem entende que os sujeitos trazem similitudes importantes, mas que não se podem desconsiderar seus atributos de diferenciação subjetiva e de contexto, suas identidades culturais, de classe social, gênero, etnia, origem rural ou urbana, histórico familiar e comunitário etc. Ao priorizar o foco no sujeito, esta nova abordagem da Orientação Profissional busca, portanto, recuperar e trabalhar a dialética entre similitudes e diferenças; conhecer as trajetórias formativas e profissionais das pessoas; articular suas experiências, capacidades e necessidades; identificar suas dificuldades e potencialidades; fortalecer suas possibilidades de construir caminhos próprios e autônomos. Priorizar a atenção no sujeito, no caso específico das mulheres, por exemplo, significa trabalhar questões de gênero, tais como: diferenciação dos papéis sociais e responsabilidades; condicionamento das opções, comportamentos e escolhas, sobretudo quando há associação com outros fatores do tipo classe social, etnia, religião, faixa etária etc. A Orientação Profissional ao focalizar o sujeito mulher entenderá que há os avanços no seu processo de incorporação ao mercado de trabalho se traduzem por inserções precárias apesar do sensível aumento dos seus níveis de escolarização. Deverá compreender o significado e conseqüências da naturalização da função reprodutiva, da responsabilização feminina pela criação dos filhos e tarefas domésticas, do acesso desigual aos recursos educacionais, do desgaste da auto-estima e da autoconfiança, da vulnerabilidade face à violência familiar, sexual e do meio social, do ônus representado pela dupla jornada e

8 multiplicidade de papéis, dos estereótipos e preconceitos dos quais as mulheres são vítimas, da informalidade e precariedade das alternativas de trabalho que encontram. Deverá considerar as razões do salário inferior, das menores oportunidades de crédito, do menor acesso às informações e às oportunidades empreendedoras, da predominância da presença feminina nos nichos do teletrabalho, do peso do trabalho a domicílio e em tempo parcial, da sub-remuneração e ausência de proteção social. Essa compreensão desta realidade específica habilitará a Orientação Profissional realizar bem suas funções e contribuir com as mulheres no seu processo de elaboração de projetos pessoais de participação, desenvolvimento e mobilidade educacional e profissional. A Orientação Profissional tem nos jovens o seu público de sempre, mas o enfoque no sujeito solicita flexões para considerar as especificidades das necessidades dos vários grupos, que compõem o conceito de juventude, suas enormes variações de características, aspirações e motivações. Para todos os jovens, precisará ter em vista a indispensável educação integral como temática transversal. Contudo, atenção especial se requer quando a Orientação Profissional se volta aos jovens em situação de risco social; com situações familiares e econômicas desfavoráveis; carências educacionais e profissionais; dificuldades de incorporação à vida ativa; histórico de fracasso escolar e percepções negativas de si mesmos, do contexto em que vivem, das instituições educacionais e das possibilidades de futuro profissional e pessoal. O desafio de orientar os jovens para seu ingresso no mundo do trabalho e da cultura, numa sociedade pautada pela lógica contraditória do mercado, é enorme. Mais, ainda, aquele que reclama a construção, com os jovens, de um novo sentido de trabalho como processo de humanização e cidadania. Igualmente a outros grupos, com suas necessidades específicas, que reclamam uma atenção diferenciada por parte da Orientação Profissional, as pessoas da maturidade também merecem um enfoque centrado na globalidade do seu processo de desenvolvimento da personalidade. Elas precisam administrar questões novas e não muito simples, seja do ponto de vista subjetivo quanto objetivo, tais como: a redução das horas de trabalho, os desengajamentos, a aposentadoria, o desenvolvimento de novos papéis ocupacionais ou não ocupacionais, a realização de atividades que foram adiadas, a retomada dos estudos, a continuidade das atividades que sempre foi de interesse etc. Atenção voltada para a busca da autonomia, o desenvolvimento da iniciativa e a orientação participativa A renovação conceitual, que o processo de ampliação da Orientação Profissional tem implicado, coloca em questionamento a compreensão deste campo como restrito a processos de aconselhamento, com vistas a apoiar escolhas profissionais. Busca, assim, outro entendimento conceitual no sentido de priorizar e valorizar os processos que os sujeitos da atenção vivenciam: as descobertas de si mesmos e os confrontos com a realidade objetiva do mundo do trabalho e da produção. Pautada numa pedagogia da autonomia e da iniciativa, a reconstrução da Orientação Profissional entende que os sujeitos da atenção são os construtores do seu próprio caminho

9 e que esta é a única forma de compreendê-los como não subjugados por determinações sócio-econômicas. A constituição de si como sujeito histórico e o enfrentamento do desafio da transformação da realidade pessoal não é, entretanto, tarefa simples. Significa por à prova as próprias possibilidades e limitações, identificar as oportunidades oferecidas pelo contexto, desenvolver aptidões e capacidades, refletir sobre insuficiências e conquistas, explorar formas de usar os recursos disponíveis. Uma outra Orientação Profissional pode ser possível a partir da exploração dos espaços de autonomia relativa individual e coletiva, dos monitoramentos pelas pessoas de suas situações de vida pessoal e profissional, das análises críticas das condições do meio, das replanificações e ajustes das intenções e objetivos, da busca da ampliação dos horizontes pessoais e coletivos. Para além da tarefa tradicional de assessorar escolhas profissionais, a Orientação Profissional está diante de um convite: aprender a se colocar ao lado, conhecer a história das pessoas, dialogar sobre descobertas, reflexões e vivências acerca dos caminhos profissionais possíveis. Tudo isso envolve, certamente, diversos conflitos, inseguranças, angústias, fatores emocionais importantes. Mas, também, aumento da consciência de si mesmo e maior clareza a respeito dos valores, gostos, interesses, competências e dificuldades pessoais. Disto tudo, sem dúvida, resulta fazer escolhas profissionais com um maior significado ou com uma maior coerência diante de si mesmo e frente ao contexto em que se vive. Mas, mais que isto significa viver um processo de emancipação. Uma outra Orientação Profissional pode ser possível a partir da renovação do sentido e significado dos processos interativos. Estes precisam fornecer referências mais amplas sobre a participação das pessoas da construção de seus itinerários formativos e profissionais, de modo a permitir-lhes, com mais clareza e informação relevante, a formulação de seus projetos ocupacionais e seus planos de ação. Uma outra Orientação Profissional participativa pode ser possível a partir do enfrentamento das condições do contexto e da valorização do potencial transformador das pessoas. Atenção voltada para o desenvolvimento local Outro imperativo à renovação conceitual e prática da Orientação Profissional tem a ver com a necessidade de mudança dos referenciais utilizados para compreender os espaços locais. Estes deixam de ser definidos apenas pela sua dimensão física objetivamente existente, para serem compreendidos como construções sociais, conjunto de relações sociais que se originam e se expressam em uma identidade e em um sentimento de pertencimento compartilhado, que podem alimentar e renovar as políticas públicas e privadas, especialmente a que tratam de emprego, trabalho e renda, no seio das quais também se abriga o campo da Orientação Profissional.

10 A noção de território tem se constituído como uma nova e importante unidade de referência para a atuação do Estado, instituições, organizações e regulação das políticas públicas e privadas. Tem trazido implicações para a forma de pensar o processo de desenvolvimento, que passa a se referir a um marco definido do ponto de vista espacial e territorial. Esta noção emerge a partir do contexto de mudanças sócio-espaciais e políticoinstitucionais do capitalismo em sua fase pós-fordista e da globalização, do processo de ampliação da interdependência nas relações sociais e econômicas em escala internacional e da interdependência entre as condições de tempo e espaço no processo global de produção de mercadorias. Ela traz conseqüências para a forma de operar a gestão do Estado, já que os governos locais ganham novas atribuições, há um questionamento crescente a respeito da dinâmica setorial de ramos da atividade econômica e cresce a importância das organizações não governamentais da sociedade civil, com maior valorização da participação da sociedade civil na gestão das ações de governo. Ganham destaque, assim, a descentralização das políticas públicas, a valorização da participação dos atores da sociedade civil e dos próprios beneficiários das políticas públicas. Há um processo de redefinição do papel das instituições, da importância das esferas infranacionais do poder público, notadamente das prefeituras locais. Os territórios são, então, vistos como processo de interação entre o espaço e a ação humana e que se expressa na forma de uso e nas alterações que o agir dos indivíduos produz sobre a base física e natural em que se encontram. Trata-se de uma construção social e não de um mero suporte de recursos físicos para objetos, atividades e processos econômicos. Para o sucesso das políticas públicas e privadas, dentre as quais se inclui o campo da Orientação Profissional, é, portanto, importante valorizar a heterogeneidade dos territórios, assim como sua capacidade endógena de desenvolver capacitações e iniciativas assentadas na sua identidade socialmente legitimada. Isso significa considerar a importância de novas arquiteturas institucionais em que o Estado e a sociedade civil passam a atuar de forma combinada e complementar em múltiplos sentidos. É importante ter o cuidado, porém, de não tomar os territórios como ilhas isoladas, pois eles se situam nos seios dos contextos nacionais e internacional. Há, por isso, conseqüências sistêmicas, que influenciam, pressionam e delimitam os espaços de ação dos agentes. Ou seja, não se pode perder de vista a relação dos territórios com o ambiente externo e as implicações do processo da globalização, que podem, em certos casos, realçar o papel das dinâmicas locais e territoriais. Em síntese, tomar o território como foco pode representar impulso à gestão participativa do desenvolvimento local, integrado e sustentável, pois pressupõe uma visão integradora de espaços, sujeitos sociais e políticas públicas. Possibilita trabalhar a proximidade social e o sentimento de pertencimento cultural, articular as redes de solidariedade e cooperação, envolver a diversidade de sujeitos sociais, fortalecendo instituições e a melhoria dos serviços públicos no sentido de maior inclusão social.

11 A conquista de maior reconhecimento social pressupõe o compromisso do campo da Orientação Profissional com a superação de sua disposição habitual à atuação independente, no sentido de se aproximar, participar e dialogar com as iniciativas locais de desenvolvimento. Esse movimento de abertura ao âmbito local pressupõe a articulação com redes de atores e instituições públicas e privadas, que se ocupam das estratégias de solução de problemas educacionais e de emprego, trabalho e renda. A adoção do foco no desenvolvimento local poderá representar maior eficiência para o campo da Orientação Profissional, pelas oportunidades de mobilização de recursos diversos, decorrentes da maior proximidade com pessoas e organizações locais e da sinergia que estas articulações promovem. Importará, logicamente, em maior eficácia graças ao conhecimento mais profundo da realidade local e das formas de acesso, relacionamento e comunicação utilizadas pelos diversos campos, tais como o da educação e os das atividades econômicas. Atenção voltada para o trabalho interdisciplinar No seu processo de constituição histórica, a Orientação Profissional dialogou, sobretudo, com o campo do conhecimento psicológico e, além disso, a partir de um viés individualizante. Aos poucos e vagarosamente, vem se abrindo ao intercâmbio com outras áreas científicas (Sociologia, Antropologia, Pedagogia, Economia etc) e de intervenção social, tais como a educação, o serviço social, a gestão de pessoas, políticas públicas, desenvolvimento sócio-econômico-ambiental etc. Na atualidade, o campo da Orientação Profissional abriga diferentes abordagens, umas com enfoques estritamente psicológicos e outras que incorporam referenciais econômicos, sociológicos e culturais; umas com maior ênfase no indivíduo e outras com maior focalização nas relações sociais e fenômenos macro-societários. Por outro lado, o campo da Orientação Profissional vem sendo requisitado a participar, com mais freqüência e conseqüências, do intercâmbio e cooperação institucionais. Todos estes processos conduzem à necessidade de reconstrução dos referenciais utilizados e da prática desenvolvida numa perspectiva interdisciplinar, tendo em vista ampliar e aprofundar a compreensão da realidade atual dos mundos do trabalho e da cultura e possibilitar a construção de novos instrumentos e formas de intervenção. Os domínios dos temas envolvidos são muito amplos quando se trata de garantir processos de informação relevantes e confiáveis. Eles abarcam: a) A configuração de setores da economia, ramos de atividade econômica e formas de sua contribuição à expansão do emprego e desenvolvimento local, regional e nacional; b) Mercados de trabalho de ocupações, profissões e famílias afins, considerando situação, condições de trabalho, seguridade, higiene, níveis de responsabilidade, requisitos de formação e qualificação, formas de acesso, características de inserção,

12 trajetórias ocupacionais e profissionais, oportunidades e perspectivas de emprego, promoção e carreira; c) Formas de relação de trabalho, emprego por conta própria, empreendimentos associativos e solidários; d) Aspectos dos perfis de qualificação profissional reconhecidos nos planos internacional, nacional ou setorial; e) Conseqüências das mudanças sociais, técnicas e econômicas conforme atividades de trabalho e tendências em matéria de aplicação contextualizada de conhecimentos, atitudes e habilidades do saber-fazer; f) Situação dos contratos coletivos e dos direitos e obrigações que derivam da legislação trabalhista vigente e de outras formas de regulamentação laboral; g) Requisitos em matéria de ensino e de formação profissional; h) Oportunidades educativas e de formação profissional e suas formas de acesso, correspondentes aos diferentes níveis e malhas curriculares e aos respectivos perfis de saída, contemplando desde a formação inicial até a continuada, tais como cursos e atividades de aperfeiçoamento e para reconversões profissionais; i) Oportunidades e formas de acesso, inclusive a bolsas de trabalho e de estudos úteis à melhoria de desempenhos, de remuneração e de posição na estrutura e hierarquia ocupacionais; j) Eficácia e capacidade de resposta de determinados programas e ofertas de formação face aos requerimentos de qualificação hoje valorizados; k) Serviços e formas de realização da intermediação e de colocação no mercado de trabalho. Por outro lado, o campo da Orientação Profissional ampliou, significativamente, a gama dos tipos de atenção que pode proporcionar: atendimentos individuais, particularmente aos jovens e adultos que necessitam de uma assistência especializada; atendimentos coletivos a grupos de pessoas com problemas profissionais análogos; socialização de informações atualizadas e fidedignas sobre variados temas de interesse direto ou indireto; apoio aos processos formativos e de desenvolvimento profissional; aplicação de provas apropriadas de capacidade e de aptidão. Particularmente com relação a este último tipo de atenção, há muito a ser debatido quando se coloca a necessidade de normalizações, que atendam as especificidades dos grupos de idade, categoria de população, nível cultural e modificações das condições e estilos de vida. Estas provas precisam atender necessidades de cada caso particular, estar em acordo com as características das pessoas atendidas, em combinação com outros métodos de exploração das características pessoais, ser dirigidas por pessoas idôneas do ponto de vista profissional e pessoal, ter a consistência que se espera e garantir respeito ético. Conclusão: Do exposto nos itens acima, chega-se à conclusão sobre a importância das recomendações da Organização Internacional do Trabalho, especialmente da Recomendação 195, de 2004, sobre as necessidades organizativas do campo da Orientação Profissional.

13 Este, composto por instituições de dentro ou de fora dos sistemas de ensino, vinculadas tanto ao sistema educativo como ao mundo do trabalho, precisa contar com o envolvimento dos Ministérios da Educação e do Trabalho e outros Ministérios ou Secretarias públicas afins. Requer a consulta permanente a interlocutores sociais e a colaboração das e com as organizações de empregadores, de trabalhadores e de outros organismos interessados tais como os serviços de busca de emprego e de colocação e os serviços de formação profissional. Conforme definição da OIT é importante que este campo seja organizado em conformidade com as leis e práticas nacionais e com um marco nacional de qualificações. Este balizamento se faz necessário como instrumento de incentivo à aprendizagem permanente e ao longo da vida; para atender as perspectivas de mudanças tecnológicas, as tendências de evolução do mercado de trabalho e as especificidades regionais e locais; colaborar com empresas e agências de colocação no que se refere à harmonização entre necessidades da demanda e condições de oferta de formação profissional e emprestar apoio às ações de reconhecimento, certificação e validação da formação adquirida mediante vivências e sabedorias tácitas. Seguindo as recomendações da OIT, a organização do campo da Orientação Profissional pressupõe a organização sistêmica aberta no sentido de contemplar o atendimento de todas as pessoas (crianças, adolescentes, jovens e adultos), em pé de igualdade e sem discriminação alguma; em todas as fases da vida de uma pessoa; adotando-se medidas positivas para corrigir práticas discriminatórias que eventualmente possam existir e que atinjam minorias lingüísticas, migrantes, pessoas com deficiências e aqueles com algum tipo de invalidez. Uma organização flexível do campo da Orientação Profissional de sorte a contemplar estratégias que permitam corrigir eventuais erros iniciais de orientação, o trânsito de uma formação profissional a outra sem maiores dificuldades e atividades de apoio. E que permita, também, as articulações necessárias com os serviços de emprego, o campo educacional e da formação profissional e com as atividades de investigação. Merecem, assim, especial atenção: as estratégias de expansão, as políticas de alargamento do acesso e da democratização deste atendimento, o foco nas especificidades e necessidades dos sujeitos, a renovação conceitual, a formação e valorização dos profissionais com perfil adequado, a interação com as políticas (educacionais; de emprego, trabalho e renda; de desenvolvimento local, integrado e sustentável; de desenvolvimento científico e tecnológico). Por último, é importante considerar a necessidade de enfrentamento de pontos de estrangulamento importantes, tais como: os custos usualmente elevados da Orientação Profissional, investimentos especiais em infra-estrutura material e em formação de profissionais com perfil adequado; o relacionamento com a sociedade civil, contemplando o mundo do trabalho e o da cidadania; a incorporação das tecnologias da informação e comunicação (orientação profissional a distância); a disponibilidade de sistemas de

14 informação e bancos de dados integrados cobrindo assuntos diversos, especialmente educação, formação profissional, mercado de trabalho, políticas públicas e empresariais; e política de comunicação e marketing. É fundamental que se destaque especialmente o investimento na formação dos profissionais para atuar neste campo de atenção, considerando a necessidade de compreender a orientação como processo educativo e o orientador como um educador; do trabalho interdisciplinar e em equipe, resultados superiores com relação aos compromissos com os direitos educacionais (inclusão, diversidade) e com a qualidade social da Orientação Profissional. Bibliografia BOCK, S. D. Orientação Profissional: Uma Abordagem Sócio-Histórica. São Paulo: Cortez, 2002. BOHOSLAVSKY, Rodolfo. Orientação Vocacional: a estratégia clínica. São Paulo: Martins Fontes, 1977. CRISPUN, Mirian P. S. Zippin (Org.). A Prática dos Orientadores Educacionais. São Paulo: Cortez, 1996. FERRETTI, Celso João. O processo de orientação vocacional dentro do processo de ensino-aprendizagem. Prospectiva: Revista de Orientação Educacional, 1(6), 18-33, 1980.. Uma Nova Proposta de Orientação Profissional. São Paulo: Cortez/ Autores Associados, 1988. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessárias à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. HENDERSON, Humberto. La formación profesional en el sistema de las normas internacionales del trabajo. In: BARBAGELATA, H. H.; BARRETTO GHIONE, H.; HENDERSON, H. El derecho a la formación profesional y las normas internacionales. Montevideo: Cinterfor, 2000. pp. 47-85. LISBOA, M. D. e Soares, D. H. P. Orientação Profissional em Ação: Formação e Prática de Orientadores. São Paulo: Sammus, 2000. LUCCHIARI, D. H. P. S. O que é escolha profissional. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1998.

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