PAINEL O QUE VENDE A INDÚSTRIA DA CULTURA? ALBERTO SCHPREJER ( Escritor e Editor) 6 DE MAIO DE 2009



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Transcrição:

PAINEL O QUE VENDE A INDÚSTRIA DA CULTURA? ALBERTO SCHPREJER ( Escritor e Editor) 6 DE MAIO DE 2009 Transcrição da palestra ocorrida no III Encontro ESPM de Comunicação e Marketing Para além do produto: comunicação e consumo na sociedade do acesso em 6 de maio de 2009 1. Em primeiro lugar, eu queria agradecer à ESPM o convite para estar aqui; é um prazer. Prazer maior ainda por estar nessa mesa cheia de jovens, ou melhor, pessoas que já tem uma certa idade, mas que transparecem uma progressiva juventude, o que deve ser o agradável custo da experiência. Eu também parti da pergunta que estava sendo proposta para este painel: O que vende a indústria da cultura? No campo editorial, penso que continuamos a vender conteúdo, considerando que conteúdo é a palavra escrita, o texto ou a narrativa. Ainda dentro da proposta deste painel, preocupei-me em perceber o que está se modificando naquilo que se vende e no produto. Estamos falando do livro e eu gostaria de que aqui ele fosse entendido apenas como uma mídia, um suporte. A palavra escrita, o texto ou a narrativa, cujo suporte conhecido é o livro, que é feito a partir de uma impressão mecânica, tem até o presente uma mesma história, há mais de 500 anos. Estamos pensando em Gutemberg, e na possibilidade de fazer a impressão em série, de fazer cópias, a partir de uma matriz. Naquele momento em que se pôde, mecanicamente, reproduzir uma matriz, com a imprensa, pôde-se, então, reproduzir o texto ad infinitum. No caso do livro, estamos falando, talvez, do único de poucos produtos que mantiveram sua forma, sua estrutura básica e seu modo de produção durante toda a sua existência. Podemos pensar em modificações que ocorreram na forma de produzir, mas que não separaram o conteúdo do seu suporte primeiro. Se pensarmos o livro como uma mídia ou como meio e que é suporte para a palavra escrita, para o texto, para a narrativa, temos, durante esse tempo todo, esse casamento do texto com o seu papel e com seu invólucro, sua capa, ou seja, a história do livro vem sendo, nesse tempo todo, baseada na folha de papel impressa, 1 Os textos disponibilizados nestes Anais não são transcrições ipsis verbis, mas registros elaborados a partir das transcrições do áudio captado durante o evento. Buscou-se, contudo, manter a maior fidelidade possível às falas, assim como preservar suas características de linguagem oral. Além disso, todos os textos foram revisados pelos respectivos palestrantes. 1

dobrada e costurada, e envolucrada com uma cartolina ou um cartão, que chamamos de capa. Essa é a história básica do livro. O que mudou ao longo desse tempo todo foram passagens da produção, basicamente a mudança das matrizes, a maneira como se criavam as matrizes que feriam o papel, imprimiam, colocavam a tinta no papel. Nesse sentido, podemos registrar mudanças importantes e que começaram nos últimos 10, 12 anos, talvez, não sei exatamente, mas começam a vir na velocidade das possibilidades e dos acessos digitais. Aí sim começa uma mudança importante no modo de fazer e que passa a ter uma dependência de rede. Se formos pensar o último momento tradicional do modo de produção do livro, ele é a chapa do offset. Hoje, da criação do autor, sentado no seu computador, teclando o seu word, até a transferência pela internet desse original para um profissional que cuidará da preparação do texto, vindo depois a passagem para um diagramador que fará a arte final em programas específicos e a fechará em um arquivo PDF, até a transmissão para um FTP, que é um servidor grande que está nas editoras ou nas gráficas, e até colocar isso para uma leitura da própria máquina, que vai imprimir, estamos absolutamente digitalizados e em rede. Essa modificação, então, é a última na pré-impressão, mas continuou sendo um meio para que ainda tivéssemos, no final, o texto associado ao papel e envolucrado por uma capa. O texto não se separa daquele objeto no qual circulou durante esses 500 anos. Não acredito que tenha uma história de design tão fantástica e tão importante quanto a do livro, não conheço nenhum produto que tenha dado tão certo e por tanto tempo como o livro. Lamento dizer, mas está acabando. Ainda não é e nem será, por muito tempo, um final definitivo, mas provavelmente em muito pouco tempo já não será mais a mídia hegemônica que sempre foi. Não precisamos, no entanto, a perspectiva ingênua de conflito entre mídias, porque as revoluções tecnológicas das últimas décadas demonstram que novas e velhas mídias se complementam, na maioria das vezes. Aquilo que durante algum tempo se especulou, que era o livro eletrônico, agora, chegou. O Kindle, lançado pela Amazon, já começa a ter repercussões o que demonstra que esse vai ser um caminho sem retorno, não tem volta. Isso não quer dizer que vai acabar o livro tradicional, e não vai acabar em tão pouco tempo assim, mas não tenho a menor dúvida de que a oferta do livro eletrônico vai se tornar cada vez maior, e ele será mais barato, menos poluente, preservará o meio ambiente, revolucionará a portabilidade, enfim, não é ruim. É um passo e vamos adiante. A questão colocada, quando estamos falando do livro eletrônico, é bacana, mas, para efeito da discussão que se desenvolve aqui, eu entendo que o livro eletrônico é só um 2

capítulo, uma passagem, uma parte. Realmente ele desfaz todo o mito do livro impresso, aquele objeto para o qual teremos opção. É só imaginarmos hoje o Kindle 2 : ele pesa 280 gramas, tem menos de 1 centímetro de espessura, carrega 1.500 livros de 150 a 200 páginas. Podemos baixar, ter assinatura de jornal, receber todo o dia. Vamos perder alguns prazeres da vida, que é, por exemplo, abrir a porta e pegar o jornal ali em cima do tapete, mas ele nos permite levar e ler o jornal quando e na hora que der. O Kindle custa 360 dólares, mas, se pensarmos, hoje baixamos a maior parte dos 250 mil títulos que estão ofertados na internet, no Amazon, do Kindle, e seu preço sai por menos do que 10 dólares; são livros pelos quais estaríamos pagando 25 dólares. Se pensarmos que isso significa uma economia de 15 dólares, precisamos de 20 livros para pagarmos nosso Kindle. Não tem jeito, e é bom. Quando falo que isso é uma parte, a questão que queria colocar é a da possibilidade tecnológica, possibilidade de um processo de desenvolvimento tecnológico da matriz digital e das formas dela ser distribuída e socializada. Ela dá muito mais possibilidades do que um leitor eletrônico. Estão acontecendo muitas outras coisas que talvez sejam muito mais interessantes do que o Kindle ou o livro eletrônico, ou aquele objeto que substitui o livro tradicional, seja ele qual for. Por exemplo, toda a produção de textos em blogs são matrizes digitais que, a qualquer momento, também podem se tornar livros. Outra revolução que já amadureceu no exterior e que está para desembarcar entre nós são as plataformas de self publish. Isso quer dizer que existe, hoje, a possibilidade de que cada um seja protagonista da sua cena literária, seu texto literário, sua produção, e fazê-la circular na quantidade de 5, 10, 20, 30, 40, 50, dependendo de sua rede de relacionamento. Existe a possibilidade de termos uma forma de circulação de textos consagrados, domínio público ou licenciados; sejam eles quais forem, estarão em plataformas digitais, de maneira que cada um possa customizar o seu livro, escolher que livro quer fazer e de cada vez, para si, para dar de presente. Imaginemos um jovem enamorado que vai a uma página onde encontra um conjunto de poemas do século XXI, XX, XIX, dos quais pode escolher aquilo que lhe parece mais interessante para mandar para seu companheiro ou companheira. Um professor pode customizar um livro de textos que vai usar no semestre, dizer onde esses textos estão, sendo que estes podem, então, ser transformados em livro, imediatamente. Não se trata de algo que vai ser baixado, dado o download e ser colocado em papel por uma impressora. Vai ser possível a qualquer pessoa encomendar e receber em sua casa um livro, do qual escolherá a capa, em uma seleção de imagens que lhe é oferecida. É fantástico, pois, poderemos pegar nosso texto, seguindo um tutorial de regras que são bem simples e bem objetivas, e desde que nos responsabilizemos 3

pela revisão, pela preparação do original, se não quisermos pagar isso ao dono da plataforma, poderemos fazer o upload de nosso texto e, minutos depois, teremos nosso livro na tela, pronto, e diremos quantos exemplares iremos querer, 1, 2, 5, 10, 20, pagando os mesmos a um preço baixíssimo. Outra possibilidade seria a de passar para nossa rede de amigos, parentes, parceiros de trabalho que a nossa produção está no link tal e a pessoa vai a ele, pede e compra. Não disponho de uma linguagem muito técnica na questão que está sendo proposta, mas estamos discutindo sim, dessa forma, acesso. Talvez tenha uma inversão interessante de acesso que é o acesso ao protagonismo; é isso que eu imagino. É curioso, porque o produto final pode ser um livro naquele esquema bem tradicional: papel impresso, dobradinho, a capa... Enfim, esses são os passos mais interessantes, mais atualizados que vêm da indústria, do mercado editorial. Talvez haja algumas coisas que ainda são passos a serem dados e que são grandes questões. É o que se coloca, por exemplo, para editoras que tenham o porte mais avançado, uma história longa e catálogos que hoje somam 2 mil, 3 mil títulos publicados, a maioria deles com contratos vencidos. Elas se veem diante da necessidade, em primeiro lugar, de escolher talvez alguns desses títulos, ou boa parte deles, para atualizar vínculos contratuais; E digitalizar tudo, transformar tudo em material digital, porque aquilo que fazíamos há 10, 15 anos atrás não serve para mais nada. Tem uma grande novidade que o mercado editorial começa a aprender a trabalhar, que é conseguir fazer com que as suas ações de marketing sejam contemporâneas de todas as possibilidades que a rede oferece, principalmente marketing viral. É isso que se está aprendendo a trabalhar hoje no mercado editorial; o planejamento de produtos, pensando que o canal preferencial do produto do texto narrado, em forma de narrativa, é o digital; esse canal vai percorrer as redes e não tem como sair delas. Fazer um livro hoje já é um planejar esse caminho, esse destino. Embora ele vá ter sua 1ª edição na livraria, o que está se construindo para o futuro é aquilo que os arqueólogos vão encontrar daqui a 2 mil anos, e quando nós vamos continuar ainda sendo jovens. Obrigado. QUESTÕES TAÍS - Não sei se é só impressão, mas me parece que na literatura, nos livros para crianças, existe cada vez mais um apelo à experiência sensorial, tátil. Você falou que o produto mais bem sucedido em design é o livro da maneira como nós, até hoje, o folheamos. Nos livros que 4

não são para criança, você acha que essa experiência tátil, sensorial, também é uma tendência que seja aproveitada em livros para outras faixas etárias? Isso precisa de uma interatividade com a internet? ALBERTO - O livro já tem parte sonora, tem uma banda sonora. Está sendo questionado pelos agentes autorais, porque dizem que não tem licenciamento para isso. Existem outras formas de veiculação do texto, não sei se responde exatamente à sua pergunta, mas o audiobook também entrou, está aqui, chegou. Já era uma coisa popular nos Estados Unidos e está se tornando popular aqui. É uma resposta. Encontramos boa literatura, com bons leitores. É audiobook; não é uma dramatização, mas uma pessoa só lendo. Para criança é bom, porque na internet o que tem aparecido é principalmente laptop para crianças, que são pequenininhos. Colocamos lá um programa infernal, vai uma historinha com música, para crianças de dois anos; fica lendo, escutando, aproveitando. Mas não é nada daquilo que estávamos falando. É outra coisa. É uma super babá eletrônica. Só tem um controle de qualidade, entendeu? TAÍS - Sobre o livro de papel ALBERTO - O livro de papel para crianças tem "n" experiências. Apresenta diferentes texturas, o que possibilita uma percepção do tato. Às vezes tem a ver com a história, às vezes, não. Há livros, como os que eu lia para meus filhos, em que se acionava um dispositivo e, quando abria a página, saía uma musiquinha, tocava música, complementava. Mas vamos dizer que isso é do tempo da onça. Hoje não é preciso nada disso. Que vai continuar existindo sempre um livro bem feito, em papel, com uma boa carpintaria, um bom artesanato, com certeza. Vai ser um nicho, mas pode ser que se inverta. Porém vai ter um valor muito considerável. JOÃO - Eu concluí uma pequena pesquisa no começo da Trama, em um instituto chamado Forrester Research. Na época eu conhecia como um instituto de pesquisa que trabalhava para o MIT e para a Mackenzie, que é uma consultoria. Havia uma pesquisa que falava sobre o que aconteceria com o futuro da música e achei interessante. Nela aparecia uma frase muito elementar: Seres humanos gostam de ter coisas. Em letras bem grandes. Aparece a foto do pesquisador, a porcentagem de acerto, e o caro assina aquela pesquisa. Achei interessante, porque falamos muito da evolução digital, mas, no ano passado, o consumo de vinil cresceu 19% nos Estados Unidos. É uma coisa sensorial, é gostoso, um bolachão. Essa visão da troca de mídia é uma visão de negócio. Eu, por exemplo, gosto de sentar na minha salinha de som, 5

como estava no meu berço, quando era pequeno: com uma porção de brinquedos e escolhendo o que queria naquele momento. Eu não vejo essa substituição. Li também um artigo falando sobre o audio-livro que, para mim, João, pessoalmente como público, não é um livro, é outra coisa. É ir ao teatro. No áudio-livro entra uma voz, e estavam discutindo, porque queriam colocar o elenco. Passa a ser uma rádio-novela. São experiências que vão se repetindo, como a de se ler um livro no rádio; o Orson Welles fez todos saírem correndo, nos Estados Unidos, lendo um livro. As pessoas gostam de ter coisas. O Kindle, que eu tenho muita vontade de ter, não vai substituir o livro. Temos um que queremos ter, aquele livrinho daquele Guimarães Rosa, de que não abrimos mão. Às vezes é a relação que vejo de algumas pessoas com o CD. Só compramos um CD, um vinil ou uma mídia, ou algo de alguém de quem gostamos mais.compramos um rádio: "Ouvi a música de uma porção de gente no rádio e não comprava." Queremos ter o objeto, quando desenvolvemos (com ele) uma relação mais profunda. Sempre vou ter o livro, só que vai custar caro para caramba. Vai ser algo refinado. GISELA - Recentemente tivemos, aqui na Escola, o lançamento de um livro que vinha em formato impresso e, simultaneamente, estava disponível para download gratuito, na internet. Uma das perguntas encaminhadas ao autor que estava aqui, lançando o livro e fazendo uma palestra, foi exatamente: "Como você faz? Por que você lança seu livro impresso, qual o sentido disso, se está disponibilizando em PDF, para qualquer um baixar de casa pela internet?" " Pois é, sempre vai ter gente que vai gostar de ter o livro. Acredito nisso e acho importante que não percamos de vista essa opção." ALBERTO - Tem um dado importantíssimo. É bastante próximo. 50% dos títulos que são vendidos na Amazon, esses livros não existem. JOÃO - É a história do catálogo. Temos dois mil títulos em uma editora ou em um selo de música que é preciso manter em catálogo, só que, na verdade, vende-se cerca de um por mês. No caso, facilitou para nós, porque deixamos tudo sempre em catálogo e fabricamos uma quantidade mínima. Antes, tínhamos que fabricar muito mais, distribuir; quando não vendiam, devolviam. O digital facilitou isso. 6

ALBERTO - É exatamente isso, ou seja, 50% do que é vendido na Amazon podem ser vendidos, porque existe um armazém digital de originais de arquivos que são impressos a cada pedido; impressão sob demanda. É a mesma coisa. JOÃO - Isso também não é novo. Em 1993, eu poderia chegar no Japão em uma loja da Panasonic, para comprar uma bicicleta e, por análise combinatória, teria cor, tamanho da roda, tipo de banco, ou seja, 12 milhões de modelos diferentes. Poderia comprar ali, eles montavam e se recebia 3 dias depois. A matéria, na época, dizia: Não é possível que não tenha, em 12 milhões de bicicletas, uma feita para você. Também é um conceito que já conseguiram fazer no Japão, com bicicletas. Com livro e CD é bem mais fácil; ou com vinil. GISELA - Lá no Rio, há um tempo atrás, houve uma experiência comercial de uma loja que se chamava Armazém Digital. Ela se propunha justamente a fazer isso: pequenas tiragens. ALBERTO - Foi isso que aconteceu. Só que essa experiência vai inevitavelmente ser reproduzida em uma escala empresarial muito mais importante, mais significativa. Na realidade, a projeção é que tenhamos possibilidade de revitalização dos catálogos do conjunto do mercado editorial. Desde que esses arquivos estejam digitalizados, podemos ter o livro. O livro físico, papel, vai demorar a ser uma coisa obsoleta. Não é algo para agora; ainda é muito forte, muito grande. A facilidade que temos, hoje, de ter um livro em que você imprima um, porque tem 1 cliente, 10, porque tem 10 clientes. Não temos que imprimir mais mil, porque era o mínimo que podíamos imprimir, para ter uma relação de custo/benefício. Tornou-se algo que prolonga o próprio livro, mas com outra característica. JOÃO - Nas trocas de mídia, antigamente, colocavam primeiro os títulos antigos. Quando veio o CD, claro que havia os grandes lançamentos, mas colocavam o catálogo de jazz, de erudito, porque, como é uma mídia nova, parece que escutamos a música de um jeito diferente. De alguma forma renova, e isso era medido, na época, em pesquisa feita pela indústria. Assim, mudou a mídia, pegam o catálogo. É algo mais que desmente a noção de que baixar música atrapalha. O catálogo das gravadoras voltou a aumentar, porque elas passaram a monitorar o gosto das pessoas e a busca, pela internet. " Está todo mundo atrás desse disco do Raul Seixas!" "Então, vamos fazer." Fazem e vende. É positivo. 7

LAURA - Em relação ao mercado editorial, é sobre a questão do nicho, que já faz tempo que existe, de livros publicados por leis de incentivo. Nós temos duas categorias. Esses são normalmente livros de arte, categoria essa que me parece não é substituída hoje, ao menos pelo que vejo. Isso é importante, de fato, ou qualquer mudança de lei pode afetar, também, o mercado editorial? ALBERTO - Os livros incentivados por leis como a Rouanet são coisas laterais, não têm um peso dentro da produção editorial. Vamos dizer que se deveria entender serem livros que estão sendo patrocinados através da renúncia fiscal, porque eles têm um grande valor cultural e pouca possibilidade de receita. Então uma empresa é convidada a ser a sua patrocinadora, enquanto o governo está abrindo mão de coletar o imposto dessa empresa, por um projeto de renúncia fiscal. Basicamente é isso, o que deve ser pequeno e lateral mesmo. Não deve mover o mercado editorial. Não sei se respondi à sua pergunta. 8