Considerações Históricas sobre a Cardiologia no Estado do Rio de Janeiro Historical Considerations on Cardiology in Rio de Janeiro State



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Transcrição:

278 Vol 18 N o 4 Editorial Considerações Históricas sobre a Cardiologia no Estado do Rio de Janeiro Historical Considerations on Cardiology in Rio de Janeiro State Leslie Aloan Hospital dos Servidores do Estado (...) O Ser humano é um enovelado de tubos, chamado epitélio, que está à espera, para receber um stent... (citação no Congresso de Cardiologia Intervencionista, 2005) Nas comemorações do cinqüentenário da Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro, este Editorial se propõe apenas a delinear, de forma sumária, a evolução da Hemodinâmica e mais tarde da Cardiologia Intervencionista em nosso meio. Agradecemos o honroso convite e devido ao grande número de hemodinamicistas que contribuíram para a grandiosidade de nossa especialidade, desculpamo-nos pela omissão que, com certeza, incidiremos. Serviu-nos como fontes, além da escassa bibliografia, comunicações testemunhais, participações pessoais eventuais e lembranças da trajetória do tema. Primórdios na Literatura Mundial Cateterismo cardíaco: Não poderíamos iniciar este Editorial sem citar os momentos históricos e quase heróicos em que a Hemodinâmica teve início. Em 1905, Fritz Bleichroeder disseca as suas próprias veias e introduz cateteres até perto do coração, sem intercorrências. Um quarto de século mais tarde, Frossman, em 1929, reproduz esse feito e atinge a sua aurícula direita, tendo por isso o crédito do primeiro cateterismo cardíaco. Na década de 40, Cournand desenvolve o método do cateterismo direito, aplicando-o rotineiramente. Duas décadas depois, Chaves descreve a primeira angiocardiografia seletiva a ventriculografia direita. O cateterismo esquerdo tem início na década de 50, com vários métodos de acesso, entre eles a punção direta do VE e a punção transbrônquica da aurícula esquerda. O desenvolvimento do acesso arterial retrógrado, logo em seguida, consolida o método na prática clínica. Coronariografia: Desde 1945 foram realizadas diversas tentativas de visualização das artérias coronárias no Homem. Todas consistiam na injeção de contraste na raiz da aorta ascendente, no entanto, com definição insatisfatória do objetivo. Foi em 1959 que Mason Sones, na Cleveland Clinic, realiza a primeira coronariografia seletiva por via braquial retrógrada, seguido por Rickets e Abrams, Wilson e Amplatz e Judkins, que empregam a punção femoral para o método. Com o início da cirurgia de revascularização miocárdica, este procedimento de caráter puramente diagnóstico e contemplativo, assume um papel de grande relevância terapêutica. Cardiologia Intervencionista: A Hemodinâmica e a Angiocardiografia ultrapassam os limites diagnósticos e iniciam uma nova fase terapêutica em 16 de setembro de 1977, com Andreas Gruntzig realizando a primeira angioplastia coronariana no Ser humano e, assim, inaugurando a Cardiologia Intervencionista. 1. A Especialidade no Brasil Publicações: Apenas no início dos anos 30 a Cardiologia começa a surgir como área de interesse em nosso país. Publicações eventuais e tentativas de criação de Sociedades locais não frutificaram até a criação da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), em 1943, em São Paulo. Inicia-se então a Cardiologia como especialidade no Brasil, com médicos fundadores ilustres como Edgard Magalhães Gomes, Alcir de Belo Campos, Pimenta Bueno, Waldemar Deccache, Luiz Feijó, Emiliano Gomes, Genival Londres, Vieira Romero e Dante Pazzanese. As publicações regulares somente ocorrem a partir de criação dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, em 1948. A Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro é fundada em 1955. Em 1945, Horácio K. Melo publica na Revista Médica Paulista um artigo intitulado Angiocardiografia que, de forma mais abrangente, é publicado nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia quatro anos mais tarde. Computase a ele o primeiro artigo da especialidade no país. Endereço para correspondência: leslie aloan@uol.com.br

Revista da SOCERJ - Jul/Ago 2005 As publicações eventuais que se seguem nessa época são frutos dos trabalhos de Jarussi et al., Marcondes et al., Melo et al., Levoci, Barbato et al., Borges et al., Rigato et al., Ayres da Fonseca et al., Nelson Botelho Reis et al., entre outros (apud Botelho Reis). Com a migração da literatura médica da língua francesa para a inglesa nos anos 50, os raros livros de texto em Hemodinâmica eram importados e em inglês. Em 1980, Leslie Aloan et al. publicam o primeiro livro na especialidade em português - Hemodinâmica e Angiocardiografia: Obtenção de Dados, Interpretações e Aplicações Clínicas -, visto a necessidade, na época, de informações sobre a técnica entre nossos hemodinamicistas em formação, em um compêndio nacional e de fácil acesso. Procedimentos pioneiros: Em fins de 1949, Arthur de Carvalho Azevedo retorna na época ao Brasil após especialização com R F Ziegler, em Detroit, e realiza o primeiro cateterismo cardíaco no Rio de Janeiro, no Hospital Nossa Senhora das Vitórias, pertencente ao Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC). Alguns meses depois, Nelson Botelho Reis repete o feito na 5ª Cadeira de Clínica Médica da Universidade do Brasil (hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro), no Hospital Moncorvo Filho. As dificuldades técnicas do procedimento, o fato de ser invasivo, a precariedade e definição das aparelhagens radiológicas, além da pouca aplicabilidade do método, retardam o crescimento da especialidade, na época. No entanto, grandes avanços surgem na década de 70, impulsionados pela cirurgia cardíaca que avança. Eduardo de Souza realiza a primeira coronariografia no país em 1966, no Instituto Dante Pazzanese. Arthur de Carvalho Azevedo, em 1967, realiza a primeira coronariografia no Rio de Janeiro, no Hospital Nossa Senhora das Vitórias, durante a visita de Mason Sones àquela Instituição, a seu convite. Este marco no Estado é seguido por Nelson Botelho Reis e Stans Murad- Netto. Trabalhos de relevância são publicados pelos autores citados e outros. Em 1979, é realizada a primeira angioplastia coronariana no Brasil, por Costantino Costantini, em Curitiba. Eduardo de Souza e Siguemituso Ariê passam a executar esse procedimento revolucionário, logo em seguida, no Estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, coube a Pierre Labrunie com Ronaldo Vilela e Mario Salles Neto, no Hospital da Lagoa, o início dessa nova prática. Novo salto de qualidade se dá com Eduardo de Souza, que realizou o implante do primeiro stent 279 coronariano no Brasil em 1986 e, em 2001, este mesmo pesquisador publica o primeiro trabalho em nível mundial com os stents recobertos com drogas (First In Men) que praticamente elimina a reestenose coronariana e motiva os grandes estudos cooperativos internacionais, sendo o grande foco atual na especialidade. No Rio de Janeiro, os stents coronarianos começam a ser implantados logo no final dos anos 80 e início dos anos 90, por vários grupos simultaneamente. Leslie Aloan e Wilson Manso, em 1993, implantam o primeiro stent em ponte de safena (ostial aórtica) em uma paciente com ST supra, que permanece assintomática até a presente data e com reestudo recente, mantendo resultado satisfatório. A Criação da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista Durante o XXXI Congresso da SBC, em 1975, surge a intenção da criação do Departamento de Hemodinâmica desta Sociedade (DHA SBC). São indicados os hemodinamicistas Pierre Labrunie, do Rio de Janeiro e Eduardo de Souza e Siguemituso Ariê, de São Paulo para elaborarem o projeto do futuro Departamento, que se concretiza em 2 de dezembro de 1976, em Guarujá (SP). Em 1991, durante a realização do XIII Congresso deste Departamento, no Rio de Janeiro, é criado o CENIC, sob a direção de Amanda G Souza, órgão este que passa a cadastrar todos os procedimentos intervencionistas nacionais. Em 2003, cadastrou mais de 24000 procedimentos. Em 1993, em Belo Horizonte, por ocasião do XLIX Congresso da SBC, este Departamento transformase na Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (SBHCI), contando atualmente com 738 sócios, sendo 134 do Rio de Janeiro e 223 de São Paulo, que representam os estados com o maior número de associados. Com 29 anos de existência e produção contínua, neste mês de junho, celebra o seu XXVII Congresso Nacional, em Goiânia (GO). 1. A Especialidade no Estado do Rio de Janeiro Para um melhor entendimento do desenvolvimento da especialidade em nosso Estado, torna-se necessário um breve histórico das instituições da época, com base no relato minucioso de Igor Borges Abrantes em seu Editorial 1 e das poucas memórias escritas disponíveis. Eram obviamente poucas essas Instituições, já que a especialidade apenas começa a

280 Vol 18 N o 4 ser delineada nos finais da década de 40 e, apesar de fornecer grandes conhecimentos da fisiologia cardiovascular no Ser humano, a sua aplicabilidade era restrita. Vamos nos ater apenas aos fatos relacionados à especialidade no Estado do Rio de Janeiro. Ênfase nos primeiros 30 anos O Hospital Nossa Senhora das Vitórias, localizado na época na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, pertencia ao IAPC, e foi lá que Arthur de Carvalho Azevedo realiza, em finais de 1949, o primeiro cateterismo cardíaco do Estado. Em 1973, essa Instituição se muda para a Rua das Laranjeiras com a denominação de Hospital de Clínicas de Laranjeiras, assumindo em 2000 a posição de Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras. Nessa caminhada de mais de meio século, passaram por lá nomes como Hans Dohmann, Edson Sandoval Peixoto, Celso Abrão, Norival Romão, entre outros e, atualmente, o Setor de Cardiologia Intervencionista é dirigido por Paulo Sérgio de Oliveira, com excelente produção científica e assistencial. A 5ª Cadeira de Clínica Médica da Universidade do Brasil funcionava no Hospital Moncorvo Filho, sob a cátedra de Luiz Capriglione. Em 1950, Nelson Botelho Reis torna-se o segundo nome a realizar um cateterismo cardíaco no Estado, naquele hospital, após estágio com vários expoentes da hemodinâmica americana. Em 1953, a Cátedra vai para a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, sob o comando de Edgard Magalhães Gomes que cria um Serviço de Cardiologia padrão, na 22ª Enfermaria. A 5ª Cadeira, no Moncorvo Filho, é assumida pelo iminente Prof. Luiz Feijó. Migram para a Santa Casa o próprio Nelson Botelho Reis e Jacques Bulcão. Posteriormente, Stans Murad-Netto, José Barbosa Filho, Cantídio Drumond Neto, Pierre Labrunie e outros enriquecem o Serviço. Em 1959, Nelson Botelho Reis cria o Centro de Investigações Cardiológicas na 6ª Enfermaria, onde atuaram ativamente além de Cantídio Drumond Neto, Norival Romão, Marco Aurélio Santos, Klerman Wanderley Lopes, Jorge Moll e Mario Olavo Verani. Este último, em finais de 1976, emigrou para Houston, Texas, onde produziu trabalhos de relevância mundial, interrompidos apenas pelo seu falecimento precoce a ele, as nossas homenagens. As Cátedras, no início dos anos 70, foram unificadas e transferidas para o recém-inaugurado Hospital Universitário, na Ilha do Fundão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A Hemodinâmica fica sob a responsabilidade de Mario Salles Neto. Rafael Przytyk, Luiz Antonio Carvalho e Claudio Benchimol contribuem sobremodo para o desenvolvimento desse Serviço. O Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC), criado em 1941, passa a essa denominação em 1965, por decreto estadual. Chefia, então, a Hemodinâmica, Stans Murad-Netto que, após passagem pelo IAPC com Luiz Feijó, estagia no México e nos Estados Unidos e, em 1962, documenta o primeiro espasmo coronariano em Ser humano, durante estágio com Gofredo Gensini. Em 1963, realiza a primeira coronariografia não seletiva no país, utilizando o método de oclusão das cavas, no IECAC. Murad-Netto, ao lado de Salvador Borges Filho e Paulo Sergio de Oliveira produzem intensa atividade científica. Participamos como estagiário desse Serviço, em 1967 e em 1969. O Hospital dos Servidores do Estado (antigo IPASE), fundado em 1947, é aparelhado desde cedo com facilidades de hemodinâmica, onde Mario Anache desenvolve grande atividade científica, especialmente com curvas de diluição de corantes, método de grande aplicação prática na época. Com o início da coronariografia nessa Instituição, em 1970, Pierre Labrunie contribui por um curto período de tempo. Em 1975, Leslie Aloan, recémchegado de sua Residência e Fellowship em Chicago, integra a equipe. Atualmente responde pela Chefia do Serviço de Cardiologia. O Hospital Geral de Bonsucesso também participa da produção do Estado. Atualmente, Paulo Cesar Monteiro Carvalho imprime grande atividade ao Serviço com Wilson Manso, e outros. No Hospital Pedro Ernesto, hoje integrando a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, passaram nomes como José Barbosa Filho e Edson Saad com contribuições altamente relevantes para a especialidade. Somam-se a eles, Jocelino Peregrino Soares, Maria de Lourdes Montedonio, Alberto Siqueira, e outros. Nos Hospitais Federais Militares passam nomes como Francisco Cardoso, Abdon Katter Filho, José Carlos Monteiro Mello, Maria Cristina Ferreira, além de outros especialistas de renome. Portanto, neste breve relato, observa-se uma grande migração dos hemodinamicistas entre os Serviços, por vezes sucessiva, por outras, simultânea. Observa-se também que, aos Serviços públicos são creditados os grandes destaques na produção científica nestes primeiros 30 anos aqui enfatizados. Provavelmente, o primeiro Serviço de Hemodinâmica privado foi o da Policlínica Geral do Rio de Janeiro,

Revista da SOCERJ - Jul/Ago 2005 ainda nos anos 50, com Ronaldo Villela, Thomas Carneiro Leão e Luiz Abtibol. Ênfase nos últimos 30 anos Durante a organização do XIII Congresso da SBHCI, no Rio de Janeiro, em 1991, convidamos para compor a Comissão Científica todos os Serviços em atividade no Estado do Rio de Janeiro. Totalizavam vinte e dois Serviços, sendo doze públicos ou militares, e dez privados. Dos doze hospitais públicos e militares, estão desativados os Serviços da Polícia Militar e do Hospital da Lagoa. Este último, apesar de já parcialmente reequipado ainda se encontra inoperante. O mau planejamento e a indefinição das políticas de Saúde dos Órgãos Públicos refletem este recuo da liderança nos hospitais da rede pública. Apenas o Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras se sobressai entre eles. Em contrapartida, os dez Serviços privados na época, transformam-se em quase 40, atualmente. Percebendo as necessidades, a aceitação e a demanda reprimida dos métodos invasivos, o setor privado se organiza e avança. Nas cidades do Rio de Janeiro e de Niterói, florescem novos Serviços privados, inicialmente com o corpo clínico fechado que, no início dos anos 90, abrem suas portas a outros grupos atuantes nestas cidades, com repasses de honorários médicos, passando a existir uma benéfica reciprocidade entre os grupos. Este fato é fruto empresarial da necessidade de manter os aparelhos de alto custo, funcionantes o maior tempo possível e de dar condições aos grupos de atender as suas referências quaisquer que sejam os planos de saúde do paciente. Surgem aproximadamente vinte novos Serviços nestas duas cidades nos últimos 15 anos. O Hospital Adventista Silvestre inaugura, em 18 de dezembro de 1973, a era da cinecoronariografia, tendo Anahaliel Rodrigues, após estágio com Judkins, realizado a primeira cinecoronariografia seletiva via femoral no país. Trabalham com ele nessa época, Gilvan Dourado (hoje em Maceió) e Renato Vilela - renomados hemodinamicistas. A Beneficência Portuguesa, no início dos anos 70, realiza cinecoronariografia de forma rotineira, com Stans Murad-Netto e Paulo Cesar Monteiro Carvalho. Esse Serviço pioneiro, no início dos anos 2000, é transferido para o Hospital Balbino, sob a orientação de Murad-Netto, contando com a colaboração de Rogério Moura e Fernando Barreto, nomes hoje envolvidos não só em assistência como em pesquisas de ponta. As Pioneiras Sociais, com Ronaldo Villela, Mario Salles Neto e Haroldo Glavan, funcionam plenamente em uma casa em Laranjeiras. 281 O Hospital São Vicente de Paulo inaugura sua Hemodinâmica em início de 1987, sendo o primeiro Serviço privado no Rio de Janeiro, com imagem digitalizada (o primeiro foi o Hospital dos Servidores do Estado com um Digitron, da Siemens). Cyro Vargues Rodrigues e Leslie Aloan atuam nesse Serviço desde a sua inauguração. Este último, em 1993, inicia a parceria com Wilsom Manso nessa Instituição. O primeiro, atualmente, é responsável pelo Serviço. O Hospital Pró-Cardíaco, simultaneamente, inaugura a sua aparelhagem, com nomes como Pierre Labrunie, Ronaldo Villela, Edison Sandoval Peixoto, Mario Salles Neto e Paulo Sergio de Oliveira (Cinecor), impulsionando a especialidade no Estado. Posteriormente, soma-se a equipe, Marta Labrunie. Em finais dos anos 90, transferem suas atividades para o Hospital IV Centenário, onde já atuavam com a mesma dedicação e resultados. O Hospital Pró-Cardíaco reestrutura o Laboratório de Hemodinâmica e representa hoje a Cardiologia Intervencionista de urgência no Estado, com Luiz Antônio Carvalho, Nelson Mattos, Carlos Henrique Falcão, entre outros. Na cidade do Rio de Janeiro, surgem Serviços de excelência na década de 90. O Prontocine, localizado no Prontocor da Tijuca, inaugura sua aparelhagem com Norival Romão, Claudio Feldman, Esmeralci Ferreira, André Pessanha e Renato Villela. O Hospital de Clínicas de Jacarepaguá (Hemocor) responde pela maior produção na época, inclusive com atendimento ao SUS, com Francisco Cardoso, Cícero Munhoz Filho, Julio Campos, Fernando Vivas Barreto que se expande depois para o Hemocor Sul, em Botafogo. Na Zona Sul, pontuam essa excelência, o Hospital Samaritano e a Casa de Saúde São José, sob a orientação de Renato Villela. O Hospital São Lucas, sempre referência na área, conta com nomes como Renato Villela, Marcos Batista e Noé Alves da Costa. Em Ipanema, instala-se o Hospital CardioTrauma, da AMIL. Os nomes atuantes no Hospital de Clínicas de Niterói se revezam lá, além de Haroldo Glavan e Roberto Reis Vieira. Na Clínica São Vicente da Gávea, esta mesma equipe promove não só assistência, mas extensa atividade científica e educação médica continuada. Na zona Oeste, o Hospital Barra D Or com a equipe de Miguel Rati, o Hospital CardioBarra com Esmeralci Ferreira e Cyro V Rodrigues, e o Hospital

282 Vol 18 N o 4 Rio-Mar representam a especialidade naquela área. Em Campo Grande, Francisco Cardoso com o SOS Coração. Em Bangu, Rafael Przytyk, Luiz Antonio Carvalho e outros, continuam esta escalada do método. A Rede D Or, com Miguel Rati, se expande com o Hospital Copa D Or e o Hospital Quinta D Or, em Copacabana e Benfica, respectivamente. Na zona da Leopoldina, representa a especialidade o Hospital Balbino (Stans Murad-Netto, Fernando V Barreto e Rogério Moura) e o Serviço Status Cor (Esmeralci Ferreira e Cyro Rodrigues). Em Niterói, o Hospital Procordis, que teve início com Salvador Borges Filho e Heraldo Victer, tornase a maior experiência em infarto agudo do miocárdio na área. Atualmente, Angelo Tedeschi e Marcelo Senna continuam esse expressivo trabalho. O Hospital de Clínicas de Niterói, pertencente à AMIL, participa com grande eficiência na assistência de ponta da região, onde atuam Helio Roque Figueira (ex-presidente da SOHCIERJ), Julio Andréa (atual presidente da SOHCIERJ), Ary Boechat e Carlos Henrique Falcão, nomes nacionalmente reconhecidos. No interior do Estado, a cidade de Campos triplica em 10 anos os seus Serviços, contando hoje com a Santa Casa da Misericórdia de Campos, o Hospital Escola Alvin e o Hospital Dr. Lourival Beda, sob a liderança de Jamil dos Santos Soares, Abdu Neme, Jorge Makhluf Neto e Celmo Ferreira de Souza Junior. Em Itaperuna, o Hospital São José do Avaí emprega técnicas das mais sofisticadas que se iniciavam na época como aterectomia direcionada, valvoplastia mitral, etc. com o pioneirismo de João Otávio Q Araujo que, em 1996, migra para o Rio de Janeiro e, após breve passagem pela Hemodinâmica do Hospital dos Servidores do Estado, hoje dirige o VOTCOR, instalado na Ordem Terceira da Penitência, com a qualidade que lhe é peculiar. A sua substituição em Itaperuna se dá com Antonio Carlos Botelho da Silva e João Eduardo de Paula. Em Nova Friburgo, o Hospital São Lucas inicia essa especialidade em torno de 1995 e após a passagem de vários especialistas por lá, atualmente o responsável é Waldir Malheiros. Em Cabo Frio, o Hospital Santa Helena, com Fernando Mendes Sant Anna apresenta excelentes contribuições assistenciais e científicas nesta última década. Macaé (Hospital São João Batista) e Petrópolis (Hospital Santa Teresa) com André Pessanha e Valério Fucks, respectivamente, são outros exemplos da expansão dos Serviços no interior do Estado, sendo que Fucks ainda compõe e colabora com sua experiência no quadro do Hospital dos Servidores do Estado. O Hospital Samcordis, em São Gonçalo, sob a direção de Antonio Manoel de Oliveira Neto, corrobora esta expansão bem sucedida não só empresarial, como assistencial e científica. Duque de Caxias contribui com esta expansão com o Hospital Mario Leoni, da AMIL, com Esmeralci Ferreira e Cyro Rodrigues à frente dessa conquista. Em Nova Iguaçu, Abdon Katter Filho e Sergio Martins Leandro respondem por excelente Serviço da especialidade. Perspectivas no Estado As pesquisas com células-tronco, em nível mundial, encontram-se em estágio inicial, mas em grande desenvolvimento e em breve estarão incorporadas na prática clínica, tendo o nosso Estado como grande participante. Hans Fernando Dohmann desenvolve pesquisa aplicada nessa área, em cooperação com Organismos Internacionais. Rogério Moura, Fernando Barreto e Stans Murad-Netto trabalham nesse tema com injeção retrógrada, via seio coronariano, destas células. O tratamento percutâneo da doença valvar aórtica, com o implante percutâneo na insuficiência aórtica por Alain Crebier, ainda experimental, teve em Norival Romão o primeiro no Brasil a dilatar uma valva aórtica estenosada. Esperamos que ao sermos referidos em poucos anos, estes relatos das perspectivas futuras sejam puramente históricas. Isto é sinal de que progredimos rápido. Esperando ter contribuído para os arquivos da nossa especialidade, sendo que nos últimos 35 anos fomos testemunhas desta história e, como tal, a memória é a nossa única referência e sujeita a falhas, já que não temos referências bibliográficas para consulta. que os que não foram citados, nos desculpem, e que a História nos perdoe... Referências bibliográficas 1. Abrantes IB. Considerações Históricas sobre a Cardiologia no Estado do Rio de Janeiro. Rev SOCERJ. 2005;(18):96-100.