Nº 21.594/CS HABEAS CORPUS Nº 121.945 RIO GRANDE DO SUL PACTE.(S): LUIZ GLÊNIO TEIXEIRA FIM IMPTE.(S): DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PROC.(A/S)(ES): DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL IMPDO.(S): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA RELATOR: MINISTRO LUIZ FUX HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299, CP). INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. CONDENAÇÃO EM SEDE ORDINÁRIA. MANUTENÇÃO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. WRIT PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO DO PACIENTE. CRIME IMPOSSÍVEL (ART. 17, CP). NÃO CARACTERIZAÇÃO. DELITO FORMAL. PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de Luiz Glênio Teixeira Fim contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao AgR no REsp nº 1.304.177/RS, mantendo a condenação do paciente imposta em sede ordinária. 2. O paciente foi condenado pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal 1, sendo a apelação da Defesa provida parcialmente pelo 1. Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, se o documento é particular. Parágrafo único. Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assenhoramento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.
MPF/PGR Nº 21.594/CS 2 TRF/4ª Região para reduzir a pena aplicada em primeiro grau; sobreveio recurso especial, ao qual foi negado seguimento por decisão monocrática do Relator, tendo a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça desprovido o agravo regimental subsequente, em acórdão assim ementado: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM DECLARAÇÃO DE RENDA. 1. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. 2. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ILÍCITO QUE SÓ FOI DESCOBERTO POR CONTA DE AFIRMAÇÃO DA CONTRIBUINTE A FUNCIONÁRIO DA RECEITA FEDERAL. 3. FALSIDADE IDEOLÓGICA. CRIME FORMAL. 4. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental. 2. Para a caracterização do crime impossível, é necessário que o meio seja absolutamente ineficaz para produzir o resultado pretendido pelo agente, o que, no caso, não ocorreu, pois a posterior análise da declaração do imposto de renda pela Receita Federal não impede de maneira absoluta a consumação do delito. Os autos revelam que o ente público desconhecia a prática do crime, mesmo havendo a corré apresentado previamente à Receita Federal uma declaração de isento. O ilícito somente veio a ser revelado porque, ao receber cobrança de multa por atraso na entrega da falsa declaração, a contribuinte afirmou na Delegacia da Receita Federal de Santa Maria/RS que o documento havia sido apresentado por terceiro em seu nome, de forma fraudulenta. 3. A falsidade ideológica consiste em crime formal, que se consuma com a mera inserção de dados falsos na declaração do imposto de renda. 4. Agravo regimental a que se nega provimento." 3. Contra esta decisão volta-se o presente mandamus pretendendo a absolvição do paciente com base no reconhecimento do crime impossível (art. 17 do Código Penal). 4. De início registre-se o desvirtuamento na utilização do mandamus no caso em análise, dado que em momento buscou-se garantir a liberdade de locomoção do paciente, mas reverter condenação soberanamente assentada em sede ordinária, finalidade estranha à natureza intrínseca do habeas corpus, nos termos do art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal.
MPF/PGR Nº 21.594/CS 3 5. Ademais, a questão proposta reconhecimento do crime impossível não comporta análise da via sumária do habeas corpus, por exigir o exame e a valoração de fatos e provas. De fato, o eventual reconhecimento do crime impossível, como quer a eminente defesa, impõe a essa Suprema Corte a análise das condições em que consumada a inserção dos dados falsos na declaração de terceiro para avaliar se o meio empregado foi absolutamente ineficaz para a consumação do delito, análise essa que indiscutivelmente exige a análise do contexto fático-probatório da causa. 6. No mérito, as arguições são improcedentes e não merecem prosperar. 7. O paciente foi condenado pela prática do crime previsto no art. 299 do Código Penal, pois inseriu dados falsos (relativos aos rendimentos auferidos) na declaração de imposto de renda de Agicela Cezar Pereira. 8. Segundo os autos, Agicela "já havia apresentado declaração de isento naquele ano. Posteriormente, entregou ao acusado Paulo Cezar Pereira Cardoso cópia de seus documentos (carteira de identidade e cadastro de pessoas físicas), com a finalidade de que fosse efetuada uma declaração de renda em seu nome. O resultado pretendido era a obtenção de financiamento para a compra de uma motocicleta, tendo em vista que Paulo Cezar não conseguiria o referido financiamento, por estar inscrito no SPC. Desta feita, Paulo Cezar procurou o técnico em contabilidade Luiz Glênio Teixeira Fim - aqui recorrente-, que o orientou e o ajudou a confeccionar, via internet, a declaração do imposto de renda de pessoa física em nome de Agicela, com dados falsos." (grifou-se) 9. O crime de falsidade ideológica tem natureza formal, ou seja "é aquele em que o legislador antecipa a consumação ao momento da prática
MPF/PGR Nº 21.594/CS 4 da conduta prevista no núcleo do tipo, não se exigindo a produção naturalística do resultado" 2. 10. Na hipótese dos autos, a simples inserção, pelo paciente, de dados falsos na declaração de imposto de renda de terceiro, foi suficiente para a (perfeita) adequação da conduta típica prevista no art. 299 do Código Penal, sendo totalmente improcedente a arguição relativa à "ausência de dolo e mínima (ausência) lesividade da conduta" (sic), passíveis de justificar a aplicação do art. 17 do Código Penal (crime impossível). 11. Com efeito, para o reconhecimento do crime impossível é necessário que após a prática do fato delituoso se constate que o ilícito jamais poderia ser consumado, tendo em vista a "absoluta impropriedade do meio empregado para a prática delitiva ou do objeto material do delito, sendo necessário que o bem jurídico protegido pela norma não sofra qualquer risco, em razão da total inidoneidade do meio ou do próprio objeto" (HC nº 116.090/MG Relª. Min. Cármen Lúcia, DJe de 1º/4/2014). 12. Sobre o tema, Rogério Greco ensina: "(...) Ineficácia absoluta do meio Diz respeito ao fato de que, por mais que o agente quisesse, o resultado jamais se consumaria levando-se em consideração o meio por ele utilizado, a exemplo daquele que dispara em alguém com uma arma sem munição. Absoluta impropriedade do objeto Significa que a coisa ou pessoa sobre a qual recai a conduta é imprópria para efeitos de reconhecimento da figura típica, como no caso do agente que atira em um cadáver acreditando que estivesse atirando em um ser humano vivo." (in Código Penal Comentado, 7ª edição, RJ: Impetus, 2013, notas ao art. 17) 13. No caso, afigura-se totalmente descabida a alegação de que o meio 2. ob. cit., pág. 38.
MPF/PGR Nº 21.594/CS 5 empregado pelo paciente era inábil para a consumação do crime de falsidade ideológica, em face da constatação na declaração de imposto de renda pela Receita Federal, até porque tal averiguação embora muitas vezes dificulte a prática delitiva, efetivamente não tem o condão de inibi-la, ao ponto de tornar impossível a sua consumação. A este respeito, bem pontuou o acórdão a quo, verbis: "(...) Para a caracterização do crime impossível, é necessário que o meio seja absolutamente ineficaz para produzir o resultado pretendido pelo agente, o que, no caso, não ocorreu, pois a posterior análise da declaração do imposto de renda pela Receita Federal não impede de maneira absoluta a consumação do crime. Aliás, os autos revelam que o ente público desconhecia a prática do crime, mesmo havendo a corré apresentado previamente, à Receita Federal, uma declaração de isento. O ilícito somente foi revelado porque, ao receber cobrança de multa por atraso na entrega da falsa declaração, ela declarou na Delegacia da Receita Federal de Santa Maria/RS, que o documento havia sido apresentado por terceiro em seu nome, de forma fraudulenta." 14. Não há, portanto, se "falar em crime impossível quando o agente utiliza meio eficaz à consumação do delito." (HC nº 114.745/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 26/3/2013). 15. Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pela denegação da ordem. Brasília, 12 de maio de 2014 CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES Subprocuradora-Geral da República