Ana Luiza de Araújo e Silva ¹ Curso de Geografia- Ufpa

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Transcrição:

Ana Luiza de Araújo e Silva ¹ ana_luiza_16@hotmail.com Curso de Geografia- Ufpa Interfaces da cidade com o rio no Oeste Paraense: estudo sobre a orla fluvial de Santarém ² INTRODUÇÃO Compreender as transformações (mudanças e permanências) das práticas e dinâmicas das cidades ribeirinhas na Amazônia, especificamente em Santarém inclui perceber e analisar a realidade espacial da cidade e do rio que pode ser percebido entre muitas outras condições como facilitador da circulação de pessoas, experiências e mercadorias. Através da percepção voltada para essas cidades é possível apreender que costumes tradicionais persistem assim como a relação que as pessoas estabelecem com as amenidades físicas encontradas à paisagem beira-rio. A pesquisa enfatiza as particularidades sub-regionais que diferenciam essa cidade das demais, e como as políticas de ordenamento territorial se consolidam nas últimas décadas na cidade considerada para estudo. Dessa forma buscou-se analisar alterações na orla da cidade de Santarém, tendo em vista processos relacionadas à dinâmica regional recente de ocupação nesta fração do espaço. Esse artigo está dividido em três etapas, a primeira faz uma caracterização da cidade de Santarém enfatizando a sua formação histórico-geográfica; a segunda busca analisar a produção do espaço urbano na orla fluvial e a terceira e última enfatiza os usos na orla fluvial desta cidade. Por ser um trabalho que ainda se encontra em andamento, foi sistematizado apenas os resultados parciais da pesquisa. Graduanda do curso de Geografia da Universidade Federal do Pará e Bolsista Atividade Acadêmica/ Proex vincula ao projeto de pesquisa intitulado A cidade e o rio na Amazônia: mudanças e permanências face às transformações sub-regionais 2 Este trabalho é parte integrante do projeto de pesquisa intitulado A cidade e o rio na Amazônia: mudanças e permanências face às transformações sub-regionais coordenado pelo Prof. Dr. Saint-Clair Cordeiro da Trindade Júnior e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma agência do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) destinada ao fomento da pesquisa científica e tecnológica e à formação de recursos humanos para a pesquisa no país e pela 1 1

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (FAPESPA), uma entidade do governo do estado do Pará voltada ao desenvolvimento, à ciência e à tecnologia. OBJETIVOS O objetivo geral deste artigo é analisar a dimensão ribeirinha de uma cidade de nível intermediário na rede urbana amazônica, procurando identificar os usos presentes especificamente na orla fluvial de Santarém, para tentar identificar o papel que as cidades situadas à beira-rio exercem na realidade. METODOLOGIA Durante o período da realização da pesquisa foi possível fazer o levantamento teórico-conceitual sobre a cidade e o urbano, revisão bibliográfica histórico-geográfica sobre a cidade de Santarém e do Oeste Paraense. Foram analisados materiais bibliográficos sobre a construção histórica da cidade de Santarém e suas características particulares, além de leituras que envolvem os agentes produtores do espaço articulados com a interação da cidade com o rio. CARACTERIZAÇÃO DA CIDADE DE SANTARÉM A cidade de Santarém, que surge, ainda no período colonial com a formação de aldeamentos missionários, como o nome de Aldeia do Tapajós, é rebatizada com a denominação de Santarém no século XVII. A partir desse período ocorre a elevação de aldeia para a categoria de vila, como uma estratégia de uma política pombalina de ocupação e defesa do território amazônico (REIS, 1979). Essa cidade tem uma dinâmica que se desenvolve historicamente a partir de atividades ligadas ao rio, sendo este estruturador da vida econômica, política e social das pessoas que ali transitam. No entanto, a partir da década de 1960 quando são pensadas políticas de integração, ocupação e desenvolvimento para a Amazônia, o padrão de organização espacial da região foi profundamente alterado, principalmente a partir da abertura de rodovias (BECKER, 1990, 2006). Com efeito, a cidade de Santarém passa a polarizar o conjunto de 2 2

dezesseis municípios tanto do Estado do Pará como do Amazonas, uma vez que muito dos fluxos passaram a convergir para essa aglomeração urbana. Esses fluxos acabam configurando-a como uma cidade média, na qual o ritmo de crescimento urbano é bem maior que a expansão de serviços básicos (PEREIRA, 2006). È importante destacar que: (...) As cidades intermediárias são aquelas que se colocam num intervalo da hierarquia urbana entre as principais cidades regionais e as cidades locais, podendo ou não assumir importância regional. Assim considerando, toda cidade média é uma cidade intermediária, mas nem toda cidade intermediária pode ser considerada cidade média. Ademais, existem centros urbanos de porte médio que não são necessariamente cidades médias, a exemplo do que acontece com cidades de mais de 100.000 habitantes que compõem regiões metropolitanas. Há, ainda, cidades que, mesmo não atingindo o porte médio, assumem o papel de centros urbanos sub-regionais, alçando-se, portanto, à condição de cidade média (TRINDADE JR; PEREIRA, 2007, p.314). A cidade de Santarém é classificada, como intermediária, média e cidade de porte médio, caracterizando-se como centro urbano de mediação entre as pequenas cidades e as metrópoles regionais, tornando-se, por esse motivo, relevante para a compreensão do papel que desempenha em nível sub-regional. Em Santarém, os fluxos de mercadoria e pessoas das capitais estaduais, notadamente Belém e Manaus, assim como também de outros centros urbanos da região, têm uma referência nodal, seja do ponto de vista da circulação aérea - o aeroporto de Santarém é o segundo maior em movimento de passageiros do Estado do Pará -, seja do ponto de vista da circulação rodoviária (rodovia Cuiabá-Santarém articulada à Transamazônica) e fluvial (rio Amazonas e Tapajós). Neste caso, circulações rodoviárias, aeroviárias e hidroviárias parecem se complementar, numa forma de organização do espaço um pouco diferenciada de outras sub-regiões paraenses (PEREIRA, 2006). Para entender a formação histórico-geográfica de Santarém podemos considerar a proposta de Corrêa (1987), que faz uma periodização da rede urbana na Amazônia dividida em seis períodos. O primeiro momento, caracterizado por Corrêa (1987) de 1616 a 1655 sendo um período inicial da conquista de território e consolidação da cidade. Como elemento da formação sócio-espacial do baixo Amazonas aponta-se a chegada das tropas de resgate de Pedro Teixeira a região (REIS, 1979). O segundo momento caracteriza a expansão dos fortes e a criação de aldeias missionárias, que simbolizou o embrião de futuras cidades 3 3

(CORRÊA, 1987) pela metade do séc. XVII à metade do sec. XVIII. Fortins, aldeias missionárias e as drogas do sertão marcaram esse momento histórico que culminou com o controle sobre os indígenas. Esse momento é marcado pela fundação do aldeamento missionário onde hoje se localiza a cidade de Santarém. Em 1665 a aldeia do Tapajós ganhou importância e foi transformada em sede de missão católica, dada a importância que a região possuía como capital de todo o distrito missionário (REIS, 1979). Em 1693 ocorre a construção da Fortaleza do Tapajós. É nesse mesmo momento histórico que se consolida a construção da primeira igreja que foi dedicada a N. Srª da Conceição onde se localiza a praça Dr. Rodrigues dos Santos (REIS, 1979), na orla da cidade. Em outro momento de exploração do espaço amazônico, a partir de 1750, entrou em ação a política pombalina, que criou a Companhia Mercantil do Grão-Pará e Maranhão, assumindo a colonização dessa região (CORRÊA, 1987). A partir de 1772, Belém torna-se a capital político-administrativa de toda a Amazônia e em 1758 a Aldeia do Tapajós foi graduada à condição de Vila e recebeu o nome de Santarém (REIS, 1979). O quarto período mencionado por Corrêa (1987) ocorre do final do sec.xvii à metade do sec.xix. É caracterizado por uma estagnação econômica e urbana. O período do boom econômico da borracha é o quinto momento da periodização e marca a expansão da riqueza urbana, que se estende da metade do sec. XIX ao final da primeira guerra mundial. É possível observar que nesse período ocorre a expansão do extrativismo da borracha e da rede urbana. A partir do final do sec. XIX Santarém transforma-se na segunda cidade do Pará, ultrapassando também a cidade de Cametá, pouco valorizada pela produção da borracha e desvalorizada pela perda de importância da cultura do cacau. Um sexto período foi o de estagnação após a crise da borracha, que se estende de 1920 a 1960. Sementes da seringueira foram transferidas para Ásia em décadas anteriores, que através de suas plantations produziram muito mais que o Brasil. A decadência da extração da borracha, o refluxo populacional e a relativa autarcização dos seringais, afetaram a rede urbana (CORRÊA, 1987). 4 4

Em 1940, Santarém possuía uma população de 7.527 habitantes e em 1950, 14.061 garantindo-lhe o terceiro lugar na rede urbana regional. Nesse mesmo período, na cidade de Santarém é construída a Av. Tapajós, que surgiu através de aterros no rio. Antes disso os quintais das casas terminavam na praia. Neste perímetro a cidade estava praticamente de costas para o rio. Um período mais recente, iniciado em 1960 e que ainda perdura, caracteriza-se por um intenso processo de mudança econômica e urbana. A expansão capitalista traz consigo forte industrialização realizada pelo e para o capital. Processos que garantam a acumulação do capital se intensificam e a Amazônia cada vez mais de incorpora no mercado de consumo de produtos industrializados e de matérias primas (CORRÊA, 1987). No período de 1960-1980, Santarém, tradicional capital regional no médio vale amazônico, na confluência do Tapajós com o Amazonas, cresceu e se beneficiou muito com a cultura da juta e da valorização da pecuária em sua região de influencia, não conhecendo a estagnação que passaram as cidades, que dependiam exclusivamente da borracha. Em 1974 ocorre a inauguração do Cais do Porto de Santarém. Anteriormente a operação portuária era feita em condições precárias no antigo Trapiche Municipal. Em uma dinâmica mais recente é possível identificar, em 2001, a inauguração da nova orla de Santarém (PMS, 2009) com posterior consolidação do porto graneleiro da empresa multinacional Cargil Agrícola S.A. (PMS, 2009). A importância econômica de Santarém está associada ao seu papel político no contexto regional, inclusive com perspectivas de se tornar a capital do possível Estado do Tapajós, conforme se percebe nas tentativas de emancipação dessa sub-região e de formação de um novo Estado desmembrado do Pará. Recentemente, essa proposta de criação de um novo estado, com sede administrativa em Santarém, e incluindo municípios do Baixo Amazonas e do Sudoeste Paraense, é retomada. Nesse sentido é perceptível a força política da elite local e a necessidade de garantir uma dada territorialidade, tendo em vista a constituição de uma nova unidade federativa, por um poder econômico e político aí constituído (TRINDADE JR, 2008). PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO DA ORLA FLUVIAL DE SANTARÉM. 5 5

A respeito das cidades ribeirinhas amazônicas e especificamente Santarém, estas apresentam intensa relação com o rio, não apenas pela sua localização absoluta, mas principalmente pelas relações socioculturais, simbólicas e econômicas que se apresentam através deste. Com base em Malheiro e Silva (2005), a compreensão de orla se dá enquanto fração do espaço urbano de maior contato com as vias fluviais, expressando a interação que a cidade mantém com o rio, seja esta em maior ou em menor grau. São estes espaços que revelam as mudanças relativas à dimensão ribeirinha da cidade, e onde junto com estas mudanças coexistem as permanências, ou ainda o que resiste a essas mudanças, entendido enquanto resíduos do urbano a partir da leitura de Lefebvre (2001). Em Santarém, a história de índios, religiosos, colonizadores europeus permanece viva na culinária, nos costumes, nas praças e na arquitetura do centro da cidade. É um lugar onde a natureza, imensamente generosa, permite o espetáculo de dois grandes rios que se encontram e que nunca se misturam (PMS, 2009). As águas límpidas do Tapajós destacam as embarcações que lentamente deslizam sobre elas, porém os iates e lanchas demarcam a modernidade que chega às mesmas águas da cidade As alterações que ocorrem na dinâmica de estruturação da cidade provocam mudanças espaciais nas relações tradicionalmente desenvolvidas, que a cidade de Santarém apresenta com o rio. Ao longo de quase todo seu processo histórico, Santarém apresentou atividades que estruturaram a dinâmica econômica da cidade, e que tinham nos cursos fluviais o principal meio para escoamento da produção e abastecimento da cidade. Muitas atividades na cidade estão atreladas ao rio e ao que denominamos de orla. Para uma boa definição do que estamos percebendo como orla nos apoiamos na leitura de Trindade Jr (2002), que possui o seguinte entendimento: Na verdade, o que se tem convencionado chamar de orla, diz respeito basicamente às faixas de contato imediato da cidade com os cursos fluviais principais que banham as cidades, provavelmente devido à maior importância que esses cursos possuem para a cidade, do ponto de vista da circulação (...) (TRINDADE JR, 2002, p.139). Trindade Jr (2002) avalia que podemos considerar como orla também outras beiras de corpos hídricos menores que cortam as cidades, mas que as orlas de cursos fluviais tidos 6 6

como de maior importância guardam peculiaridades, como outra configuração da paisagem e um maior fluxo de mercadoria e pessoas. As mudanças recentes que ocorrem nas orlas fluviais amazônicas encontram certas resistências nesses espaços, devido a usos que se configuram e demarcam vivências pré-existentes. Porém as políticas atuais e projetos que são pensados para a orla, seguem uma tendência que valoriza o rio para o turismo, contemplação e lazer. Atualmente ocorre um processo de padronização das frentes das cidades, as chamadas orlas fluviais, que até pouco tempo eram também denominadas de beira-rio e a frente. É possível perceber que a interação com o rio nas últimas décadas se volta para fins econômicos, com forte apelo turístico, configurando uma perda de atributos como as atividades lúdicas, de circulação e a dimensão simbólico-cultural. OS USOS NA ORLA FLUVIAL DE SANTARÉM. Os usos identificados na orla de Santarém confere a seguinte diferenciação: o uso residencial, que pode ser visto ao longo da orla tanto em residências de alto padrão, como em residências de médio e baixo padrão; industrial, que se mostra em estaleiros; comercial, que pode ser visualizado tanto em comércios do circuito superior da economia (supermercados e grandes lojas), como em comércios do circuito inferior (pequenas mercearias e lanchonetes); de serviços, observado em empresas de prestação de serviços, como companhias de turismo, agências bancárias, entre outros; de uso institucional, observado em vários prédios públicos, como o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a Receita Federal, dentre outros; de feiras e mercados, que fica evidente nas proximidades do cais de arrimo e nos mercados ao longo da orla, como o mercado modelo e o mercadão 2000; além do uso misto, visto em aglomerações multifuncionais, que são ao mesmo tempo residências, bares, restaurantes, lanchonetes, dentre outros usos que se misturam, esses estão contidos dentro do item comércio que aparece com distanciamento significativo em relação aos demais usos, como se pode perceber na tabela abaixo: Tabela 01 Usos dos imóveis localizados na orla Orla da cidade de Santarém Uso do imóvel na orla Abs. % 7 7

Residencial 14 14 Comercial 71 71 Serviços 5 5 Industrial 0 0 Residencial/Comercial 8 8 Institucional 2 2 Total 100 100 Fonte: Trabalho de campo realizado por Tatiane Costa, agosto de 2009. Considerando os dados obtidos com a aplicação de formulários pela equipe de pesquisa, podemos fazer uma análise sobre os principais usos da orla pela população local de Santarém. O uso de lazer (41%), notado na tabela 02, pode ser observado ao longo da maior parte da orla. Isso se deve a vários equipamentos de recreação construídos neste lugar e o amplo calçadão que as pessoas usam para caminhar e fazer exercícios. Ainda observando a tabela 02, vemos a questão do transporte (31%), que também é bastante significativa. Isso ocorre devido à presença de pequenas e grandes embarcações, barcos e rabetas que levam e trazem pessoas cotidianamente a Santarém, e demarcam o forte atrelamento do homem ao rio e seus recursos. Tabela 02 Principais usos da orla Orla da cidade de Santarém Uso dos rios Abs. % Recursos 4 4 Lazer 41 41 Contemplação da paisagem 9 9 Transporte 31 31 8 8

Turismo 3 3 Outro 4 4 Uso Misto 6 6 Total 100 100 Fonte: Trabalho de campo realizado por Tatiane Costa, agosto de 2009. A orla de Santarém é um espaço agradável para passeio, apreciação do Rio Tapajós e é através dela que chegam centenas de embarcações da região, trazendo peixe fresco e salgado, farinhas, frutas, grãos, legumes e plantas medicinais, camarão regional etc. (PMS, 2009). Quando se pergunta aos moradores e/ou pessoas que trabalham à beira rio qual a importância da orla, 83% afirmam que a importância da orla é grande. Tabela 03 Importância da orla para os informantes Orla da cidade de Santarém Importância da orla Abs. % Grande 85 85 Média 10 10 Pequena 5 5 Não tem importância 0 0 Total 100 100 9 9

Fonte: Trabalho de campo realizado por Tatiane Costa, agosto de 2009. A maior parte da população entende que a importância da orla é significativa, isso enfatiza que essas pessoas são freqüentadores deste local rotineiramente e usufruem das vantagens de amenidades físicas e recursos que ela apresenta. Na cidade considerada, mesmo que se faça presente o domínio de uma psicosfera urbana esfera dos valores, dos comportamentos, que assume uma dimensão essencialmente urbana (SANTOS, 1994) -, não há como desconsiderar as fortes ligações com a vida ribeirinha tradicional. Considerar o papel dessa cidade na nova dinâmica regional pressupõe levar em conta o processo de urbanização, que caracteriza o espaço amazônico, em um ritmo de crescimento econômico intenso e marcado por processos de exclusão e de segregação. Esses processos estão associados à expansão da fronteira urbana, que não se resume, conforme demonstra Becker (1990), à simples proliferação e crescimento das cidades, mas que difunde um novo modo de vida e uma nova lógica de ordenamento espacial. Dessa forma, a cidade de Santarém assume papel importante, como cidade ribeirinha amazônica em uma realidade que se inseriu de maneira diferenciada nas políticas de ordenamento territorial nas últimas décadas. Ao mesmo tempo, chama atenção para as particularidades sub-regionais existentes que demarcam diferentes espacialidades e territorialidades, sugerindo, em conseqüência, políticas públicas também diferenciadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS. A grande complexidade das transformações na produção do espaço urbano promove gradualmente a necessidade de um conhecimento mais detalhado e aprofundado do que se estuda. Talvez seja esse um dos motivos porque os geógrafos têm se interessado cada vez mais pela temática urbana. Entender as mudanças e permanências em cidades ribeirinhas é perceber as ações que manipulam ou destroem as raízes ribeirinhas ainda guardadas pela cidade. E ao mesmo tempo identificar as tradições que se conservam nesses centros urbanos. 10 10

Os portos, feiras e trapiches na orla, exercem cada vez menos as funções do passado, que era a pesca tradicional, o banho ao final da tarde etc. Algumas vezes esses lugares servem apenas como ponto de encontro para recordar atividades que um dia aconteceram ali. Dessa forma, quando estudamos as cidades ribeirinhas, vemos que costumes tradicionais ainda persistem nessas localidades, mas atualmente a relação com as amenidades físicas encontradas à paisagem beira-rio volta-se para uma lógica do capital, que faz desses espaços lugares de compra e venda de produtos e vivências; que faz com que, de certa forma, experiências e costumes ribeirinhos espontâneos sejam perdidos. REFERÊNCIAS. BECKER, B. K. Amazônia. São Paulo: Editora Ática, 1990. (Série Princípios). CORRÊA, R. L. A periodização da rede urbana amazônica. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, 1987.. O espaço urbano. 3 ed. São Paulo: Ática, 1997. (Série Princípios). GUILHON. N. Confederados em Santarém. Coleção História do Pará. Série Arthur Vianna, Belém, Pará. Conselho Estadual de Cultura. 1979. MALHEIRO, B. C. P; SILVA, M. A. P. Faces ribeirinhas da orla fluvial de Belém: espaços de (sobre) vivência na diferença. In: TRINDADE JR, S. C.; SILVA, M. A. P. Belém: a cidade e o rio na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2005. PEREIRA, J C. M. Importância e significado das cidades médias na Amazônia: uma abordagem a partir de Santarém (PA). (Dissertação de Mestrado). NAEA, 2006. PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTARÉM, Disponível em: http://www.santarem.pa.gov.br. Acesso em: 08/10/2009. REIS, A. C. F. Santarém: seu desenvolvimento histórico. 2. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 1994. SANTOS, P. R. dos. Tupaiulândia. Belém: Imprensa Oficial do Estado do Pará, 1974. TRINDADE JR., S-C. A cidade e o rio na Amazônia: mudanças e permanências face às transformações sub-regionais (Projeto de Pesquisa). Belém-Pará 2008. 11 11

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