O POLÍTICO COM VIRTÙ DE MAQUIAVEL Lucas Nascimento Rocha * Resumo: A corrupção é um fato recorrente na política brasileira, o presente trabalho tem como finalidade expor o conceito de Virtù a partir da obra O Príncipe de Nicolau Maquiavel, fazendo uma atualização da filosofia de Maquiavel nos dias de hoje. A Virtù é necessária para que o político obtenha sucesso na manutenção ou conquista do poder para Maquiavel. Será apresentada como exemplo de político que utiliza a Virtù a figura de José Dirceu, ex-ministro da casa civil. Palavras-chave: Política. Virtù. Corrupção. Introdução Pensar corrupção leva-nos a pensar em roubo, mentira e inevitavelmente em generalizar a política brasileira. O presente trabalho busca analisar o conceito de Virtù na obra O Príncipe de Nicolau Maquiavel, obra fundamental para a compreensão do pensamento político ocidental. Ao relacionar o conceito de Virtù com o ex-ministro da casa civil José Dirceu, buscamos trazer a atualidade do pensamento de Maquiavel. Primeiramente buscamos descrever a Virtù do político maquiavélico, e depois como este conceito permanece atual exemplificando com a figura política de José Dirceu. 1 O Conceito de Virtù no Político de Maquiavel Pensar política inevitavelmente nos remete a lembrar de Nicolau Maquiavel (1469-1527), leitor dos clássicos e considerado o fundador da Teoria do Estado Moderno. 1 Seus escritos sobre política tiveram grande influência e, em especial, seu livro mais famoso O Príncipe, no qual aconselha e dá sugestões políticas de como se manter no poder. * Estudante do Curso de Bacharelado em Filosofia, da Faculdade Católica de Fortaleza 1 Simultaneamente, contudo, a obra de Maquiavel é notável por operar uma crucial ruptura com esses mesmos clássicos não é à toa que o autor é considerado o primeiro teórico político eminentemente moderno. Se contrastarmos seu pensamento com a produção intelectual do medievo, a diferença torna-se flagrante. Martin ADAMEC; Paulo NASCIMENTO. Maquiavel na soleira da modernidade. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 45, n. 2, jul/dez, 2014, p. 84.
Maquiavel apresenta em seu livro O Príncipe o conceito de Virtù, conceito humanista criado na renascença. A Virtù apresentada por Maquiavel não tem relação com a virtude cristã, 2 mas sim [...] o leva às extremas consequências, entendendo a virtude como força, vontade, habilidade, astúcia, capacidade de dominar a situação. 3 A política maquiavélica não é pautada em como deve ser, mas sim como é. A manutenção do poder é um dos temas centrais em O Príncipe. Para se manter no poder deve-se fazer todo o possível, mesmo que para isso se tenha que tomar medidas extremas. Segundo Maquiavel: Não deve, portanto, importar ao príncipe a qualificação de cruel para manter os seus súditos unidos e com fé, porque, com raras exceções, é ele mais piedoso do que aqueles que por muita clemência deixam acontecer desordens, das quais podem nascer assassínios ou rapinagem. É que estas consequências prejudicam todo um povo, e as execuções que provêm do príncipe ofendem apenas um indivíduo. 4 Ora, o príncipe ou político com Virtù, segundo Maquiavel, não deve ser apenas mau ou bom, mas sim ser ambos, pois [...] mas como é difícil reunir ao mesmo tempo as qualidades que são aqueles resultados [bondade e crueldade], é muito mais seguro ser temido do que amado, quando se tenha que falhar numa das duas. 5 Para Maquiavel a manutenção do poder é superior ao bem social, pois o príncipe tem a preferência, o resto da sociedade deve ser controlado para que não se perca o controle do poder. A Virtù de Maquiavel no político é uma força motriz, que o impulsiona a lutar para conquistar o poder, sem procurar recompensas divinas no processo. Podemos notar que Maquiavel não estava interessado com a política cristã, nos moldes de Santo Agostinho ou nos moldes clássicos como em Aristóteles. O mundo para Maquiavel não é governado simplesmente por leis divinas que ditam como deve ser a política, mas sim é feito pela história: [...]os homens prudentes costumam dizer, não por acaso nem indevidamente, que quem quiser saber o que haverá de acontecer deverá considerar o que já aconteceu; porque todas as coisas no mundo, em todos os tempos, encontram correspondência nos tempos antigos. Isso ocorre porque, tendo sido feitas pelos homens, que têm e sempre tiveram as mesmas paixões, tais coisas só 2 No cenário construído por Maquiavel, o agir humano tem capacidade de conter ou de amortecer a força do destino. A maior ou menor capacidade dependerá do que caracteriza como virtù. A virtù não é a virtude cristã, voltada para recompensas extraterrestres, mas qualidades mundanas guiadas por objetivos políticos: o poder, a honra e a glória. Maria Tereza SADEK. Maquiavel: os segredos do mundo da política. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 45, n. 2, jul/dez. 2014. p. 36. 3 Gionanni REALE; Dario ANTISERI. História da Filosofia: Do Romantismo ao Empiriocriticismo. Volume 5. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2007. p. 94 4 Nicolau MAQUIAVEL. O Príncipe. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2013. (Os Pensadores), p. 69 5 Ibidem, p. 70
poderão, necessariamente, produzir os mesmos efeitos. É verdade que as obras deles são mais virtuosas nesta província do que naquela, ora mais naquela do que nesta, segundo a forma de educação em que tais povos aprenderam a viver. O que também facilita conhecer as coisas futuras pelas passadas é ver que uma nação mantém os mesmos costumes por muito tempo, quer sendo continuamente avara, quer continuamente fraudulenta, quer tanto qualquer outro vício ou Virtù semelhante. 6 Maquiavel passa a separar da atividade política tanto a intervenção divina como a moral religiosa. 7 A partir de Maquiavel a moral e a ética se separam da política, pois o político ou príncipe com Virtù pode ser ético ao ter como valor não o bem comum, como na política cristã, mas sim tendo como valor a própria manutenção do poder, e com ela, estabilizar a sua província para seu melhor proveito. Percebemos que em Maquiavel o príncipe com Virtù se preocupa com o povo apenas no que toca seu próprio proveito. A vida da população governada tem menor valor do que permanecer no poder. A partir dessa premissa podemos perceber um distanciamento enorme da ética cristã, pois apesar de aparente semelhança o político maquiavélico tem como motivação apenas seu próprio poder. Uma política com ética cristã deveria ter como fim a vida e sua dignidade à luz do evangelho. Na época de Maquiavel o cristianismo detinha ainda grande poder de influência tanto moralmente, como politicamente. Apesar disso a política nunca foi santa, pois apesar de muitos cristãos serem políticos, nem todos seguiram a ética cristã, como exemplo o próprio Lourenço de Médici do qual Maquiavel dedicou seu livro O Príncipe. A política atual passou por inúmeras modificações ao longo da história. Não é mais comum que ao clarear do dia tenha assassinatos políticos como no tempo da renascença italiana. Mas apesar disso encontramos outras dificuldades na política atual. A influência de Maquiavel na política atual pode não ser direta, porém podemos facilmente perceber que a Virtù maquiavélica ainda permanece no cenário político. 2 A Virtù de Maquiavel no Político O Brasil passa nos dias de hoje uma crise política de grande magnitude. O sistema político brasileiro está totalmente corroído de corrupção, basta analisar a ficha de cada político, 6 Idem. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 43 7 O poder político tem, pois, para Maquiavel, uma origem mundana; nasce das próprias características da natureza humana. Em sua concepção, a atividade política se reveste de uma qualidade de primeira grandeza: trata-se da possibilidade de enfrentar o conflito, de estabelecer a ordem, de garantir estabilidade. Maria Tereza SADEK. Maquiavel: os segredos do mundo da política. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 45, n. 2, jul/dez. 2014. P. 36
do menor cargo ao mais alto, que encontraremos muitos com ficha suja. Ao analisar a Virtú maquiavélica percebemos que ela se faz presente na mentalidade política brasileira, não por que existe um estudo de Maquiavel pelo lado dos políticos, mas sim porque a análise maquiavélica da política ser ainda hoje atualizada. Como exemplo, neste presente trabalho, trago a figura de José Dirceu, ex-ministro da casa civil no governo petista. José Dirceu atualmente está preso, condenado por organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Figura notável no escândalo do mensalão e do petrolão do qual obteve ganho de recursos ilícitos por meio de propinas pagas por empresas beneficiadas. Podemos comparar o político maquiavélico movido pela Virtú com o político José Dirceu. Ao garantir benefícios para seu próprio partido utilizando propinas oriundas de recursos públicos, fica claro que seu objetivo, assim como no príncipe maquiavélico, é de se manter no poder e obter riquezas. Podemos perceber isso devido a Um dos delatores afirma que repassou mais de R$ 13 milhões para o PT por meio do tesoureiro João Vaccari Neto e por meio de empresas que nunca prestaram serviços. 8 Utilizando propinas para ganho pessoal, José Dirceu deixa claro que o que ele pretendia era apenas ter poder, pois diferentemente do gesto que fez ao ser preso [...] no mensalão, Dirceu deixou-se fotografar erguendo o punho cerrado no gesto que os Panteras Negras, militantes do movimento negro nos anos 1960, tornaram célebre. 9 O que ficou evidente posteriormente com sua condenação, era que ele utilizou propina apenas para seu bem privado, e não por nenhuma causa social ou política. Fica evidente que boa parte dos recursos recebidos como propina por José Dirceu eram para benefícios próprios, a maior parte foi destinada para obter propriedades luxuosas, e para beneficiar seu partido. A corrupção está presente em todas as sociedades, desde o âmbito mais privado, como no político. O problema da corrupção é que ela desgasta e envenena as vítimas, enquanto que os corruptos se beneficiam. Considerações Finais A política no Brasil sempre foi marcada por corrupção. O problema dos dias atuais é que apesar de terem se passado décadas desde que a democracia se instaurou no Brasil, ainda 8 Felipe COUTINHO. Três Vícios de Origem. Época, São Paulo, n. 896, fev. 2016. p. 35 9 Ibidem, p. 29
não tivemos uma época em que não houveram casos de corrupção. A corrupção está enraizada no sistema político brasileiro. O político maquiavélico tem como prioridade se sustentar no poder, e mesmo depois quinhentos anos de escrito O Príncipe continua atual em plena política brasileira. Não adianta apenas reclamar da situação política atual, como no caso de José Dirceu, é preciso mudar o sistema político pois somente assim será possível uma política sem corrupção e que se sustente. Termino este presente trabalho parafraseando Maquiavel: os ministros serão bons ou maus, de acordo com a prudência que o príncipe demonstrar. A primeira impressão que se tem de um governante e da sua inteligência, é dada pelos homens que o cercam. Não podemos generalizar o sistema político brasileiro, mas devemos criticá-lo para sabermos no que necessitamos melhorá-lo. Referências Bibliográficas ADAMEC, Martin. NASCIMENTO, Paulo. Maquiavel na soleira da modernidade. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 45, n. 2, p. 83-101, jul/dez. 2014. COUTINHO, Felipe. Três Vícios de Origem. Época, São Paulo, n. 896, p. 28-36. fev. 2016. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2013.. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. São Paulo: Martins Fontes, 2007. REALE, Gionanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Do Romantismo ao Empiriocriticismo. Volume 5. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2007. SADEK; Maria Tereza. Maquiavel: Os segredos do mundo da política. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 45, n. 2, p. 31-45, jul/dez. 2014.