EVOLUÇÃO DAS TIPOLOGIAS CONSTRUTIVAS EM PORTUGAL

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Transcrição:

EVOLUÇÃO DAS TIPOLOGIAS CONSTRUTIVAS EM PORTUGAL http://www-ext.lnec.pt/lnec/de/nesde/divulgacao/evol_tipol.html SISTEMAS CONSTRUTIVOS 1. Edifícios com estrutura de alvenaria (< 1755) Consideram-se como parte integrante desta categoria os edifícios que resistiram total ou parcialmente ao grande terramoto de 1755, e que se conservaram ao longo do tempo até à actualidade. Incluem-se nesta categoria os edifícios de interesse histórico, apesar de muitos se encontrarem em péssimas condições de conservação. Concentram-se preferencialmente nos bairros históricos (Alfama, Castelo, Mouraria, Bairro Alto), correspondendo a edifícios notáveis individualizados. Atendendo ao seu aspecto identificaram-se (i) edifícios de qualidade elevada, (ii) de qualidade inferior e (iii) edifícios com andar de ressalto. Os primeiros (i) apresentam paredes de alvenaria bem cuidada, pedra aparelhada 1 pelo menos nos cunhais, com elementos de travamento. Relativamente aos segundos (ii) pode-se dizer que as paredes de alvenaria são pobres, quando a alvenaria é de taipa encontra-se mal conservada, apresentam ainda grande deformação permanente e, em muitos casos, ausência de elementos de travamento. Na maioria dos casos as paredes apresentam espessura, considerável observando-se em certos casos amaciamento ou gigantes. Os pavimentos vencem, raras excepções, vãos pequenos e são geralmente sobrados de madeira. Finalmente os edifícios com andar de ressalto (iii) são constituídos por um rés-do-chão em alvenaria de pedra, e pavimento em arco que serve de suporte a um ou dois pisos com estrutura reticulada de madeira, salientes em relação ao rés-do-chão. O revestimento exterior das paredes era efectuado por uma alvenaria mista em enxadrezado, na qual se nota já a preocupação de gaiola pombalina, que será generalizada na época subsequente. Os edifícios costumavam ter dois, três ou no máximo quatro andares geralmente com pé-direito muito reduzido, grande densidade de paredes e poucas aberturas para o exterior. Os pavimentos térreos eram regra geral constituídos por lajes de pedra, dependente da zona do país em que se encontrava o edifício implantado. Por exemplo para a zona de Lisboa em que abunda pedra calcária, era frequente encontrarem-se lajes de grandes dimensões em calcário, sobretudo em edifícios de maior qualidade ou em espaços sujeitos a grande desgaste, como armazéns ou lojas. Além deste tipo de revestimentos eram também usuais em entradas e pátios a calçada e em compartimentos de habitação correntes o soalho de madeira assente sobre um sistema de vigas rudimentares. Relativamente aos pavimentos dos pisos elevados era mais vulgar tanto na quase totalidade dos edifícios correntes como em palácios a utilização de pavimentos de madeira - os referidos sobrados. O pavimento consistia para além da madeira num conjunto de vigas encastradas nas paredes de alvenaria, usualmente nas de fachada, apoiadas no tabique resistente paralelo às fachadas, sensivelmente a meio do vão. No caso das casas de fachada em tabique, o pavimento formava um conjunto homogéneo com estas. Os sobrados eram revestidos na face superior pelo soalho e na inferior por um "forro dito de saia e camisa" constituído por pranchas de madeira. Era ainda corrente existirem arcos ou abóbadas de tijolo a suportar o sobrado. As abóbadas de tijolo eram utilizadas não apenas nos primeiros pavimentos dos palácios mas também nos restantes pisos, enquanto que em edifícios correntes a sua utilização era rara. Relativamente às paredes podem-se identificar como sendo de cantaria, de alvenaria ou tabiques. A diferenciação estabelecida baseia-se no tipo de material utilizado na sua construção e processo construtivo correspondente. A cantaria é sem dúvida considerada a solução mais nobre, visto que de uma forma geral os edifícios com paredes de cantaria apresentavam custos acima dos restantes, para um mesmo volume de construção, resultantes não só do material aplicado (a pedra devidamente aparelhada) mas também do recurso a mão-de-obra especializada. Nesse sentido as soluções construtivas com paredes de cantaria era bastante mais comuns nos edifícios classificados, como 1 O aparelhamento de uma pedra é um processo de desbaste para que o seu acabamento final seja o mais adequado, em termos angulares, de irregularidades em forma e dimensão, para o tipo de aplicação pretendida, tornando a pedra menos tosca. O aparelhamento das pedras pode ser dos seguintes tipos.

palácios, monumentos e igrejas, do que nos edifícios tradicionais de habitação. As alvenarias ordinárias eram geralmente bastante pobres, constituídas por blocos irregulares de pedra (dependente da zona do país em que se encontrava a construção) de dimensões médias e por tijolos ou pedaços de tijolos ligados entre si por uma argamassa de cal e areia, dada a abundância relativa destes materiais em quase todo o território português, rebocadas e pintadas com cal e pigmentos naturais. Identificaram-se também como alvenarias de parede utilizadas nas construções pré-pombalinas a taipa e o adobe, que corresponde a sistemas de construção milenares que perduraram até aos dias de hoje principalmente na construção de edifícios rurais. "A taipa é constituída por terra húmida, com características argilosas, comprimida entre taipais (amovíveis) de madeira, retirados depois de se completar a secagem, originando paredes ou muros homogéneos e monolíticos". A falta de capacidade de coesão deste material perante a acção da água terá sido uma das principais causas para que poucas sejam as construções pré-pombalinas edificadas com este material que ainda se mantenham erigidas. Em Portugal as primeiras casas de taipa terão surgido há cerca de 2500 anos. As que ainda persistem possuem na sua esmagadora maioria apenas um piso, embora se possam encontrar exemplares com dois pisos. Quando a argila utilizada na taipa era muito retráctil, juntava-se por vezes palha, que funcionava como um elemento aglutinador, diminuindo o efeito da retracção do material e melhorando o comportamento higrotérmico da parede. A palha era ainda usada noutras situações, como em paredes de pedra seca (Norte do País) onde era utilizada a seco para vedar juntas, por forma a impedir a passagem do frio. Tal como no caso das paredes de taipa, também as paredes de adobe remontam aos primórdios das civilizações primitivas. "Estas paredes, que correspondem a uma situação ainda relativamente pouco conhecida, são constituídas por tijolos de barro amassado com água e cozidos ao sol, ou em fornos a temperaturas variáveis. As matérias-primas são muito diversas, mas a base, a argila, é composta por misturas arenosas ou calcárias, que conferem ao barro características próprias". Esta solução apresentava uma resistência deficiente face aos agentes atmosféricos, em virtude de se desagregar facilmente em presença da chuva ou da humidade ascendente, pelo que os tijolos não podiam assentar directamente no solo, para além de que as habitações se tornavam na maioria dos casos insalubres. A principal consequência deste comportamento era que as suas faces superiores dos alicerces das paredes de adobe tivessem que estar ligeiramente acima do terreno, e fossem constituídas por alvenaria corrente, analogamente ao observado para as paredes de taipa. Inicialmente empregava-se argila amassada com água como material de ligação entre os blocos, que com o passar do tempo foi sendo substituída pela argamassa ordinária. Em certas zonas do país, atendendo à predominância de xisto na natureza, regista-se a existência de paredes mistas de adobe e xisto. Nas construções pré-pombalinas os tabiques podem ser exteriores e interiores. No caso dos tabiques exteriores as paredes eram constituídas por um conjunto de vigas, prumos e diagonais de travamento em madeira, apoiando-se nas paredes de alvenaria do piso ou pisos inferiores, que no caso das casas ressalto avançavam sobre a rua. Os vazios destas estruturas eram preenchidos com pedaços de tijolo ou tijolo e pedra ligados e rebocados com a mesma argamassa de cal e areia. Estas estruturas apresentavam grande elasticidade dadas as punções portantes e de travamento exercidas pelas paredes interiores e exteriores. Eram no entanto altamente vulneráveis à penetração de humidade e aos incêndios. Os tabiques interiores portantes, paralelos às fachadas, onde se apoiavam as vigas de pavimento eram iguais aos exteriores, com 0.20m de espessura total, os restantes considerados como semi-portantes eram construídos segundo o mesmo sistema mas apresentavam espessura inferior (0.15m). Finalmente existiam os tabiques de separação com 0.10m de espessura constituídos por tábuas costaneiras cobertas com fasquiado de madeira que permitia segurar o reboco. "O espaço interior derivado das dimensões dos lotes é quase sempre exíguo, o que obriga à inexistência de corredores e à passagem directa de uns compartimentos para os outros. Atendendo á forma e agrupamento dos lotes, muitos compartimentos não têm janelas. Quando existem as janelas são de pequenas dimensões, mais frequentemente de peito e quando de sacada esta corresponde sempre ao vão da sala, compartimento que se relaciona com a rua principal". As janelas de sacada são mais frequente nos edifícios com fachada em alvenaria e quando aparecem em fachadas de tabique a consola da varanda de pequenas dimensões resulta também do prolongamento das vigas de pavimento. As janelas de peito, quase quadradas, são em todo o caso um pouco mais altas que largas. A totalidade dos vãos apresenta guarnição de madeira em fachadas de tabique ou de pedra em fachadas de alvenaria. São as guarnições de pedra que em portas ou janelas mais imponentes, ostentam por vezes decoração que permite identificar a sua época de construção. Os andares deste tipo de construção tem pé direito muito pequeno, grande densidade de paredes e, como já foi referido, poucas aberturas para o exterior. Apenas nos edifícios com andar de ressalto, numa antevisão da tecnologia Pombalina, a construção torna-se mais aligeirada.

Em habitações correntes o acesso aos pisos é feito por escadas que vencem um só piso num lanço apenas. Os lanços das escadas eram alinhados no comprimento do edifício, quando a profundidade do lote o permitia, tomando assim o nome de "escada de tiro". O afastamento da escada, suportada por duas vigas oblíquas que se apoiavam nas vigas dos pavimentos, era mantido por uma série de pequenas traves que ajudavam a suportar os degraus. Geralmente a escada encostava-se às paredes meeiras ou meãs (de alvenaria) que dividiam os lotes. Em lotes de fachada mais larga a escada podia implantar-se a meio. Não é raro no entanto que, aproveitando os declives tão frequentes em Lisboa, o acesso aos diferentes andares ou fogos fosse individualizado. Relativamente às coberturas pode-se dizer que eram constituídas "por uma estrutura de madeira de suporte, de aparência periclitante", revestida na sua parte superior por um tabuado onde assentava o telhado. Geralmente o telhado era em telhas de canudo que podiam ser argamassadas ou aramadas. As coberturas podiam ser de quatro águas, o caso mais comum, de três quando o edifício se encostava a uma parede mais alta no tardoz, ou de duas paralelas ou perpendiculares á fachada. "Este último caso dá origem às fachadas de bico, muito frequentes na Lisboa pré-pombalina. Estas casas ainda se encontram hoje em grande número em Lisboa, Setúbal e numa área que se estende de Cascais a Sesimbra ou ao Montijo, e parece revelar uma possível influência flamenga ou germânica, culturas com que Portugal manteve relações estreitas". Os edifícios desta época não possuíam instalações sanitárias, sendo o acesso à via pública efectuado da forma mais directa possível, e sem vestíbulo na entrada. Geralmente as escadas ocupavam uma área reduzida, localizando-se junto á fachada principal. Sempre que possível tirava-se partido da inclinação do terreno na perpendicular à rua para o acesso aos andares superiores, situação facilmente identificada em edifícios que possuam duas entradas (desniveladas): uma pela rua da frente e outra pela rua de trás. "Os edifícios anteriores a 1755 ocupam hoje em dia parte importante das áreas mais antigas de Lisboa, na sua expressão essencialmente urbana (2 a 3 pisos) e estão disseminados na sua forma rural (casa de rés-do-chão), formando manchas mais pequenas, por alguns locais de Lisboa onde à data funcionavam as casas de campo e quintas". Os edifícios pertencentes a fase final deste período que não foram destruídos ou gravemente danificados pelo sismo de 1755 apresentam já regras de composição que se tornarão mais evidentes ao nível dos edifícios pertencentes à fase seguinte (Edifícios com estrutura de alvenaria da época pombalina e similares - 1755 a 1870). "A influência italiana, cada vez mais importante a partir do início do século XVI é visível primeiro através da proliferação de pormenores clássicos e depois no progressivo reconhecimento das regras de composição clássica - simetria, regularidade, sistemas de proporção e equilíbrio sobretudo nas fachadas e a tendência para a composição horizontal dos alçados irá ter uma influência determinante na forma dos edifícios e loteamento". 2. Edifícios com estrutura de alvenaria da época pombalina e similares (1755 a 1880) A época Pombalina surge com o processo de reconstrução da cidade de Lisboa muito danificada pelo sismo de 1755. Aliada à expansão necessária para suprir a falta de habitação criada pelo terramoto e à necessidade de reconversão de dados sectores da cidade em estado urbano caótico, junta-se a necessidade premente de construir de forma mais segura para evitar desastres futuros. Consideram-se edifícios com estrutura de alvenaria da época pombalina aqueles cuja construção teve lugar na sequência do sismo de 1 de Novembro de 1755. Foram construídos predominantemente na Baixa de Lisboa estendendo-se também a novas áreas urbanas situadas a noroeste da cidade. Em zonas consideravelmente afastadas do então centro da cidade começam a surgir chalés de madeira de 2 pisos assentes num andar térreo em pilar ou arco de pedra. O plano pombalino é caracterizado por coerência, homogeneidade e equilíbrio assentes numa "estrutura reticulada e regular do traçado dos eixos viários, na proporção e no posicionamento relativo dos quarteirões, e na uniformidade dos edifícios projectados quer em termos de alçados quer em termos de compartimentação interior". "Os elementos de projecto que serviram de base à reconstrução pombalina elaborados principalmente pelos arquitectos Eugénio dos Santos, Carlos Mardel e Reinaldo Manuel, definiram a geometria das fachadas dos quarteirões ao longo das ruas e praças (a reconstruir), as cotas das soleiras dos edifícios, a disposição típica em corte e pormenortipo para as coberturas, as paredes corta-fogo e os esgotos" (Identificação de um edifício Pombalino). "A autoria da gaiola é atribuída, segundo a tradição oral, ao Arq. Carlos Mardel, que terá realizado no Terreiro do Paço um ensaio sísmico da estrutura, colocando um modelo sobre um estrado, sujeito á marcha descompassada de

um destacamento militar, de modo a reproduzir os efeitos de um sismo. A maioria dos detalhes construtivos associados às gaiolas eram produzidos pelos mestres da Casa do Risco das reais Obras Públicas e transmitidas oralmente aos construtores ou através de esboços que se perderam nas obras e no tempo, mas que entretanto deram origem a um "know-how" que perdurou até cerca de 1880, sofrendo a partir daí acentuada degradação até aos anos trinta do século XX, altura em que com a vulgarização dos chamados edifícios de placa e do betão desapareceram os últimos gaioleiros". O período de construção Pombalina prolonga-se, como já foi indicado, até meados do século XIX entrando então numa época de transição que a partir de 1880 se individualiza como época própria (Edifícios com estrutura de alvenaria tipo gaioleiro -1880 a 1930). 2.1 Identificação de um edifício Pombalino A identificação de um edifício Pombalino é feita essencialmente pela existência da estrutura gaiola, que consiste num sistema de pórticos tridimensionais contraventados de madeira, perpendiculares entre si. "São geralmente constituídos por cinco pisos, com rés do chão de comércio e restantes andares de habitação, apresentavam apenas variações de pormenor: no 1º piso tinham janelas de sacada, 2º e 3º pisos janelas de peitoril e no 4º piso águas furtadas. A altura das fachadas seria aproximadamente igual à largura das ruas principais e sempre a mesma dentro de cada quarteirão". 1. rés-do-chão amplo e rasgado para permitir a instalação das lojas ou armazéns; 2. escadas e acessos aos andares passam ocupar um espaço muito mais importante; 3. aumento do pé-direito fixado em 16 palmos, cerca de 3,70m, para o rés-do-chão e primeiro andar, sendo o dos restantes pisos o que coubesse na altura disponível prevista para o quarteirão; 4. paredes de fachada principal rasgadas por várias e grandes janelas; 5. aproveitamento das águas-furtadas e mansardas; 6. existência de paredes divisórias de tabique esbeltas, com acabamento por fasquiado e uma espessura total entre 0,10 e 0,12m que apresentavam uma notável elasticidade e uma boa resistência às acções verticais, permitindo até o aumento dos vãos; quando colocadas ortogonalmente, de forma a cruzarem-se entre si. Estas paredes melhoravam significativamente o comportamento estrutural do edifício; 7. todas as paredes exteriores dos edifícios que formavam os vários quarteirões foram envolvidas pela gaiola tridimensional de madeira. Acima do rés-do-chão existe um sistema de travamento tridimensional que confere ao conjunto uma boa ductilidade - gaiola. Os elementos horizontais e verticais da gaiola são denominados respectivamente por travessas e prumos, e os elementos de contraventamento são as chamadas diagonais. Uma parede constituída por estes elementos de madeira denomina-se frontal, sendo as cruzes formadas pelos elementos diagonais denominadas Cruzes de Sto André. "Aparentemente não há distinção sobre as várias geometrias para a disposição dos elementos diagonais, pensando-se que esta depende da formação técnica do artista que executou, para além de serem observadas várias geometrias num mesmo edifício. As paredes de frontal inserem-se na estrutura tridimensional de madeira, sendo por isso paredes resistentes. Nem todas as paredes interiores são de frontal apesar de todas elas serem de madeira, já que este é um material leve e as ligações aos pavimentos são facilitadas pois estes também são de madeira. As paredes interiores que não são frontais só tem função divisória, sendo denominadas paredes costaneiras ou tabiques". As paredes costaneiras ou tabiques são executadas com ripas de madeira pregadas a barrotes verticais. Como tanto as paredes de frontal como os tabiques são rebocados só se distinguem exteriormente através da sua espessura, sendo os frontais mais espessos (entre 15 e 20cm) do que os tabiques (10 e 15cm) por conterem elementos de madeira com dimensões consideráveis no seu interior. "A gaiola é assim formada por vários elementos que interligam paredes interiores, exteriores, vigamentos de pavimentos e asnas de cobertura formando um sistema quase perfeito de solidarização dos diferentes elementos estruturais, idêntico às melhores soluções actuais obtidas com betão armado". "A gaiola foi concebida de modo a que, durante a ocorrência de um sismo, pudesse permanecer íntegra, mesmo que a alvenaria se desmoronasse, constituindo assim um elemento estrutural de grande robustez, com boa capacidade para suportar cargas verticais e um excelente desempenho face às acções horizontais (sismos). Esta capacidade resistente à acção dos sismos resulta da forma como foi organizado o sistema de ligações entre os diferentes elementos, ou seja, do rigor e do detalhe construtivo na ligação da gaiola ao rés-do-chão, principalmente por meio de pernos (gatos) metálicos chumbados nas paredes.

Em todo o sistema a caixa de escada tem também uma contribuição muito importante para a resistência face à acção sísmica, sendo a sua concepção bastante compacta, com três paredes paralelas em gaiola, solidamente travadas pelos degraus. O desenvolvimento técnico atingido, imposto pela necessidade urgente de reconstrução, quer em quantidade quer em qualidade, levou à criação de elementos construtivos produzidos em série, através da implementação de sistemas de pré-fabricação dos elementos de madeira, das cantarias e dos azulejos. A esta uniformização de soluções não terá sido alheia a condição de militares dos responsáveis pelo plano de reconstrução". 2.2 A gaiola como génese da construção anti-sísmica "A ideia da construção anti-sísmica baseada numa estrutura de madeira revestida exteriormente por alvenaria de pedra está intimamente relacionada com a experiência existente na construção naval, na época exclusivamente de madeira. Com efeito e tendo por base o excelente desempenho dos navios face Às acções dinâmicas transmitidas pelo mar, os engenheiros militares intervenientes no processo de reconstrução da baixa estabeleceram uma analogia entre o comportamento das embarcações e o comportamento de um edifícios durante a ocorrência de um sismo. Esta analogia traduzia-se no facto de ambas as estruturas estarem sujeitas a acções actuantes em meios agitados, absorvendo parte das acções e dos deslocamentos a que estão sujeitas. Em relação ao excelente comportamento dos barcos, não havia dúvida que tal resultava da existência de uma estrutura tridimensional de madeira formada por peças deformáveis e resistentes à tracção e à compressão, e à forma como eram executadas as ligações entre os vários elementos, permitindo que funcionassem como um todo articulado entre si. Por outro lado e devido à sua fragilidade, as alvenarias simples tinham apresentado grande dificuldade em dissipar a energia transmitida pelo terramoto de 1755, apresentando em simultâneo reduzidas capacidades de resistência à tracção e á compressão, para além do facto de as ligações entre as várias paredes interiores e exteriores ser deficiente e prejudicada pelas diferentes espessuras envolvidas. No entanto as alvenarias simples tinham tido um bom desempenho face à acção do fogo. Assim, e sendo estes dois materiais de construção, a madeira e a pedra, os mais representativos da época e de certa forma complementares, a sua associação foi inevitável concebendo-se então paredes resistentes mistas, formadas por alvenaria armada com bielas de madeira, retirando-se do efeito conjunto os proveitos que os materiais individualmente não tinham conseguido apresentar (boa capacidade de resistência a esforços de tracção e flexão auxiliada por adequadas ligações entre peças de madeira, boa capacidade de resistência á compressão e boa capacidade de resistência ao fogo). A gaiola é assim considerada uma invenção do urbanismo pombalino, embora não se conheça nenhum documento da época que especifique a sua constituição ou estabeleça a sua obrigatoriedade". Os edifícios Pombalinos representam um marco importante na engenharia sísmica porque apesar de aparentarem ser de alvenaria, são constituídos por uma estrutura tridimensional de madeira no seu interior (Gaiola Pombalina), que não é visível por se encontrar embebida nas paredes de alvenaria, mas que permite a absorção de parte das acções e deslocamentos quando da ocorrência de um sismo A concepção original da estrutura da gaiola é salvaguardar pessoas e bens no interior do edifício, sendo suposta a manutenção dos seu equilíbrio, mesmo na eventualidade de ocorrência de destacamento e queda da alvenaria das fachadas. Construção da gaiola Pombalina "A armação de madeira utilizada nas paredes mistas dos edifícios da Baixa pombalina, a gaiola ou esqueleto, é constituída por um elevado número de peças verticais, horizontais e inclinadas, devidamente ligadas entre si, formando as cruzes de Santo André que constituem um sistema sólido e com grande estabilidade. Nas paredes interiores que fazem as grandes divisões dos edifícios, aquela amarração designa-se por frontal, termo que pode também ser aplicado à própria parede. Seguidamente apresenta-se a disposição mais comum dos elementos constituintes de uma gaiola, cuja construção se iniciava a partir do momento que os alicerces das paredes atingiam o nível do terreno exterior ou, na maioria dos casos, a partir da estrutura de cantaria do rés-do-chão..

Ao longo das paredes perpendiculares aos vigamentos dos sobrados assentavam-se as vigas A, denominadas frechais, com secção aproximada de 0,10 x 0,14 m, ficando recolhidas cerca de 0,05 m em relação ao paramento interior da parede de alvenaria a construir. Esta dimensão correspondia à espessura dos prumos B, que eram pregados na face externa dos frechais, como se mostra em A'. Estes prumos definiam os vãos das paredes e, quando a distância entre eles era superior a 0,90 m, colocavam-se outros prumos intermédios, ligados como os anteriores aos frechais de dois andares consecutivos. A altura dos prumos atingia por vezes o pé-direito de mais de um piso do edifício. Os prumos eram contraventados por trevassanhos, C, na parte de armação correspondente aos nembos. Por sua vez os trevassanhos fixavam-se nos cantos, ou faces mais estreitas, dos prumos virados para o exterior, através de um entalhe a meia madeira e pregos-de-telhado pregos quadrados com 4,5mm de lado e comprimento de 4'' (1''=2,54cm). As vergas, D, e os peitoris formavam o contraventamento horizontal na parte referente aos vãos. Contudo, os peitoris apenas eram empregues nas paredes de tardoz e nas empenas, quando feitas em forma de frontal. Os pendurais, p, ligavam as vergas ao frechal imediatamente superior, conforme se representa nos pormenores B' e C'. As vergas, v, representadas no pormenor B', fixavam-se aos prumos por meio de orelhas derrabadas com malhete, virados para o interior do edifício, nos cantos dos prumos, cuja oscilação era impedida por travadouras, t, feitas de costaneiras ordinárias pregadas ao lado de dentro da gaiola, e t', fixas ao vigamento do sobrado. Estes elementos eram construídos em conjunto com a parede. Previamente à sua colocação, faziam-se nos prumos os necessários entalhes para a ligação dos frechais e consolidação das ligações de todos os elementos referidos. Quando ocorria a diminuição de espessura das paredes de uns andares para outros, por meio de ressaltos, encastravam-se entre duas vigas, v, os troços de vigas, C, designadas por chincharéis, sobre as quais assentavam os prumos do novo pavimento que, na parte superior, se ligavam ao frechal, r, do pavimento imediato. Sobre o vigamento do sobrado do último pavimento assentava-se o contrafrechal, EE, no qual apoiavam as varas da etsrutura (madeiramento) do telhado. Para dar solidez adequada à gaiola empregavam-se habitualmente prumos com secções de 0,14 ou 0,15 m por 0,08 a 0,10 m. No caso de serem feitas com tábuas de casquinha, de um fio ao baixo, os prumos tinham secção de 0,11 x 0,075 m2. Estas meias tábuas também se utilizavam como travadouras, embora se recorresse com maior frequência a barrotes com 0,14 x 0,08m2, ou tábuas de pinho da terra, para esse efeito. Os trevassanhos e as vergas tinham em geral uma secção de 0,14 x 0,08m2 e os pendurais de 0,10 x 0,07m2. Nos pontos de maior concentração de esforços era habitual reforçarem-se as ligações entre as peças de madeira com cintas de ferro. A ligação entre a gaiola e a alvenaria era conseguida por meio de peças de madeira, m, designadas por mãos, solidamente emalhetadas em diferentes alturas dos prumos e nos travessanhos.

Quando o frechal atravessava um vão muito grande, recorria-se a um sistema de degradação de cargas. Com efeito para evitar a deformação por flexão do frechal devido à carga sobre ele aplicada, esta era degradada através de um sistema constituído por um reforço designado por boneca, e por escoras transmitindo assim os esforços para os respectivos prumos. Nos casos raros em que não se utilizava a gaiola na construção das paredes, eram introduzidos na alvenaria elementos de madeira, designados por tacos, que ficavam à face do paramento interior sobre os quais se pregavam diversos elementos, como os alizares, rodapés, etc., que deviam estar fixos às paredes". 3. Edifícios com estrutura de alvenaria tipo gaioleiro (1880 a 1930) O tempo passado sobre a data de ocorrência do terramoto fez esquecer as suas terríveis consequências, abrindo-se assim caminho a um novo tipo de construção que alastrou por Lisboa entre meados do século XIX e o princípio do segundo quartel do século XX. Esta nova solução perdeu por completo o antigo rigor construtivo, ao passar da gaiola para o gaioleiro". A grande concentração destes edifícios surge nas áreas de expansão urbana ocorrida neste período a Norte e Poente, com particular destaque para os eixos das "Avenidas de Ressano Garcia", Almirante Reis, Avenida da Liberdade, Avenida da República e Alameda. A denominação de gaioleiro pretende traduzir a simplificação e as enormes alterações ao nível dos sistemas estruturais e construtivos, ocorridas após o sismo de 1755, em que se incluem o aumento da altura dos edifícios que rapidamente atingiram os 5 ou 6 pisos, acompanhado da deturpação da gaiola original, "em que alguns elementos de solidarização horizontal das paredes mestras, pura e simplesmente desapareceram". Para além disso é de referir ainda a circunstância de a mão-de-obra e os materiais empregues serem, na maioria dos casos, de qualidade inferior aos usados nos edifícios característicos do período anterior. As alterações observadas deram origem a um outro tipo de edifícios, totalmente diferentes dos do período Pombalino, "caracterizados pela ausência da continuidade estrutural e tridimensional, onde raramente se encontram soluções adequadas para a ligação entre as estruturas das paredes de fachada, das paredes ortogonais e dos pavimentos". A época entre 1880 e 1930 caracterizou-se fundamentalmente por uma grande expansão da cidade, quer pela criação de áreas urbanísticas de grande dimensão, em que se inclui por exemplo a Av. da Liberdade, quer pelo aumento da altura das construções, "como é o caso dos localizados na Baixa, que passaram a ter mais um ou dois andares, bem nítidos pela existência de diferentes beirais em vários edifícios". A agravar este aumento de porte dos edifícios contabilizou-se ainda a deterioração dos processos construtivos em prática no fabrico das paredes de alvenaria, acompanhada da sistemática redução da espessura das alvenarias ao longo da altura do edifício. "Sintetizando, os edifícios com estrutura de alvenaria do tipo gaioleiro caracterizam-se pela existência de: 1. Paredes de alvenaria classificadas em três categorias: paredes mestras, paredes resistente de tijolo maciço e paredes interiores de tabique. As primeiras são geralmente em alvenaria de pedra irregular, variando desde a

pedra rija até aos calcários relativamente brandos muito usados no sul do País, argamassada com argila apresentando espessuras variáveis entre 0,90m ao nível do rés-do-chão e 0,50m no último piso e encontrando-se nas fachadas principal e posterior dos edifícios. As paredes resistentes de tijolo maciço apresentam espessuras compreendidas entre 0,15 a 0,30m dispostas a meia ou uma vez nas empenas e num ou outro local no interior do edifício. Finalmente as paredes interiores de tabique apresentam fraca resistência e uma espessura média de 0,15m, embora ao nível do rés-do-chão as paredes divisórias sejam resistentes. A solidarização das paredes interiores era conseguida sempre que uma prancha da periferia do pavimento embebia na parede de alvenaria; 2. Caboucos cheios com alvenaria de pedra rija, com uma largura praticamente dupla das paredes que suportam e a altura necessária para encontrar terreno firma; 3. Pavimentos de madeira, com estrutura constituída por barrotes assentes directamente sobre as paredes, com alguns centímetros de entrega, e dispostos na direcção de menor vão; 4. Sistemas de travamento lateral das paredes, algumas vezes por intermédio de ferrolhos metálicos" Desde meados do século XIX começaram a surgir na parte posterior destes edifícios as marquises, onde se instalavam uns compartimentos de dimensões reduzidas para a colocação de uma sanita. "A construção destas marquises era feita segundo tecnologias variadas mas, em geral, correspondiam ao prolongamento da estrutura das cozinhas, através da utilização de elementos metálicos em vigas e pilares". "Das tecnologias utilizadas salientam-se as mais comuns: 1. as paredes de empena prolongam-se para além da parede da fachada posterior e o vão deixado entre as empenas é vencido com uma viga metálica com suporte a meio vão dado por um pilar metálico; 2. a marquise é totalmente saliente do edifício e conseguida através de um sistema de pilares e vigas metálicas de bordadura. O pavimento da zona da marquise começou por ser em madeira, mas devido á rápida deterioração deste material causada pela instalação dos sanitários, passou a ser abobadilha. A referida abobadilha pode vencer vãos entre 3 a 5m e era constituída por vigas I de 20cm de altura e enchimento de tijolo em dupla camada colocadas a uma e meia vez". Com o passar dos anos assistiu-se a uma intensa degradação das marquises, quer devido à circulação das águas, quer devido ao facto de suportarem cargas muito superiores às inicialmente previstas, ao serem utilizadas como arrecadações. "A falta de protecção eficaz dos elementos metálicos contra a corrosão agravou, de um modo geral, o estado de conservação da zona posterior destes edifícios".. Numa fase mais tardia da utilização das marquises, surgem as escadas exteriores totalmente em estrutura metálica agarradas à estrutura da marquise. A estrutura da escada era constituída por 4 prumos de ferro onde descarregavam os lanços da escada ligados alternadamente por um patamar e ao pavimento da marquise. Estas estruturas apresentavam grande vulnerabilidade à corrosão, deteriorando-se facilmente com o passar do tempo. A par das marquises, surgiu ainda a implantação das primeiras pias de despejo nas cozinhas que, em conjunto com as sanitas provocaram, em alguns casos e passados todos estes anos, um estado apodrecimento e degradação adiantados na estrutura de madeira dos pavimentos, devido a roturas ou outras anomalias nas tubagens de chumbo utilizadas então. Um grande número de construções do tipo gaioleiro colapsou durante a fase construtiva ou, pior ainda, após estarem ocupados. A época marcada por este tipo de construções teve o seu declínio com o advento de um novo material: o betão armado (A emergência do betão armado e o declínio das alvenarias). Os edifícios tipo gaioleiro foram construídos até ao primeiro quartel do século XX, altura em que foi introduzido definitivamente o betão armado na construção, sendo o período de transição caracterizado pelas estruturas mistas de alvenaria e betão ou metálicas. O ferro aparece nos finais do século XIX como material utilizado em vigas que permitia vencer vãos maiores e como elementos verticais de suporte. Era usado como viga no rés-do-chão, na ampliação do espaço útil da habitação à custa de marquises e como suporte da casa das máquinas dos elevadores. As escadas, com 4 lanços, deixavam espaço vertical para a passagem de elevadores em edifícios com mais de 4 pisos ou para iluminação natural em edifícios de menor envergadura. A estrutura dos elevadores obrigava a utilização de diversos elementos metálicos tanto ao nível dos próprios pisos como na casa das máquinas. Os elementos metálicos irão persistir por um longo período até serem totalmente substituídos por elementos de betão armado. "Na fase final do período gaioleiro os edifícios apresentavam grande áreas de implantação, possuindo grandes profundidades.

Face à necessidade de iluminação e arejamento nas zonas interiores, surgiram os saguões na zona central ou uma reentrância na zona da empena". Interessa ainda referir outro tipo de habitação que surge neste período a par do desenvolvimento industrial do último quartel do século XIX, e que constitui em bairros ou vilas operárias. Estes encontravam-se localizados preferencialmente em zonas bem limitadas da cidade, como seja Alcântara, Xabregas, Graça, Campo de Ourique etc., em que predominava a habitação em banda com edifícios corridos. Os acessos por escada metálica para os dois pisos que em geral existiam eram únicos para o conjunto de edifícios, sendo a entrada feita pelas traseiras. "Os gaioleiros sofrem actualmente de profundos desajustes face às exigências da função habitar, encontrando-se muitos em estado de acentuada degradação. Neste sentido, os que restam continuam nos dias de hoje a apresentar grandes problemas de segurança para os seus utilizadores" (Resistência e vulnerabilidade sísmica dos edifícios). 4. Edifícios com estrutura mista de alvenaria e betão (1930 a 1940) "Por volta de 1930 dá-se o aparecimento do betão, que usado em lajes maciças substitui gradualmente os pavimentos de madeira nas cozinhas e casas de banho, em sacadas, elementos salientes como varandas. Finalmente estende-se a todo o pavimento do piso. Estas lajes que descarregam directamente sobre as paredes de alvenaria, asseguram um bom travamento horizontal". As vigas de betão armado começam a ser usadas durante este período de transição ao nível do tecto do rés-do-chão principalmente em situações de instalação de lojas ou para facilitar a abertura de espaços maiores. O pé direito dos edifícios reduz-se para aproximadamente 3 metros, sendo que este tipo de construção surge principalmente associado à habitação social constituindo grandes bairros. São exemplos bem definidos da época as moradias do bairro social do Arco do Cego e os edifícios dos quarteirões interiores de Alvalade. "Entre 1930 e 1960 surgem em alguns locais isolados bairros sociais com habitação de menor qualidade em que predomina a pré-fabricação ligeira (lusalite) em edifícios de 1 a 2 pisos, a par de edifícios de alvenaria de tijolo com alguns elementos horizontais em betão armado. São exemplo deste tipo de construção os Bairros da Boavista, Serafina, etc." 5. Edifícios com estrutura mista de betão e alvenaria (1940 a 1960) As estruturas ditas integralmente em betão armado aparecem somente entre os anos 30-40, mas apenas em 1950 é que começam a ter grande expressão. Todo este período que se irá estender até meados dos anos 60 apresenta estruturas porticadas de betão armado preenchidas na periferia por paredes duplas de alvenaria de tijolo e com divisórias interiores, também em alvenaria de tijolo a meia vez. Os pavimentos são constituídos por lajes maciças de betão armado. "A zona da fachada posterior, apresenta a característica típica de rabo de bacalhau, que consiste numa perturbação da rectangularidade do edifício em planta para alojar mais facilmente as escadas e a zona das cozinhas. A separação entre a zona das escadas interiores de acesso ao hall de entrada, vai esbatendo-se com o andar dos tempos até desaparecer por completo. Isto está bem patente na evolução sofrida desde os tempos da marquise na fachada posterior do edifício. Com efeito o aparecimento do betão armado vem permitir a substituição dos pilares e vigas metálicas de suporte, mas mantendo a relação funcional da zona posterior destinada essencialmente à cozinha e instalações sanitárias. Estas, com o andar dos tempos irão deslocar-se mais para o interior da planta, primeiro junto aos saguões e numa fase seguinte totalmente isoladas do exterior. A solução "rabo de bacalhau" é um compromisso que tira partido da melhor relação perímetro-área no edifício. Os edifícios de betão armado desta época com uma altura média de 6 a 8 pisos e último andar recuado apresentam exteriormente um aspecto maciço com muito pouca área reservada às janelas". As zonas em que se encontra predominantemente este tipo de construções situam-se em "Alvalade, corredores de saída de Lisboa, quer do Lumiar, Pontinha como Benfica, alguns bairros urbanos como os Olivais Norte, Restelo, isto

no que diz respeito a construção de melhor qualidade e a algumas ilhas de mais fraca qualidade dos bairros sociais na Ajuda, Serafina, Furnas, etc". 6. Edifícios recentes de betão armado (> 1960) "Esta época é caracterizada por uma acentuada dispersão na variedade dos edifícios construídos, tanto em altura, porte, implantação, soluções estruturais, acessos, etc. São os edifícios que correspondem à génese e implementação dos regulamentos ao nível do betão armado e da construção. É um período caracterizado essencialmente por quatro linhas urbanas principais cada uma com subdivisões: 1. Urbanizações planificadas e integradas situadas em grandes área (Portela, Olivais, Restelo) abrangendo as moradias e os edifícios altos; 2. Urbanizações pouco planificadas, essencialmente ao longo dos corredores de saída de Lisboa (Lumiar, Luz, Benfica) com edifícios de características aproximadamente semelhantes; 3. Urbanizações para habitação social (Telheiras, Chelas) englobando os edifícios baixos e de média altura; 4. Desenvolvimento em torno das zonas clandestinas com habitação em alvenaria de aspecto temporáriopermanente e habitação temporária com barracas. A altura média dos edifícios i) e ii) sobe acima dos nove pisos, predominando edifícios em banda com vários fogos por piso e recorte urbano por grandes blocos rectangulares. A noção de quarteirão esbate-se. A habitação social apresenta altura média de 4 a 6 pisos e ocupa áreas importantes da cidade". Com o aumento da altura e as exigências de resistência face às acções sísmicas aparecem os elementos verticais de rigidez elevada sendo as caixas de escadas e de elevadores os mais generalizados. Aparecem ainda paredes resistentes aplicadas principalmente em alguns troços das empena. "As associações de pórticos e paredes resistentes numa ou duas direcções pode ser efectuada por maio de vários processos originando as chamadas estruturas mistas. Estruturas como sejam as pré-fabricadas, as estruturas em caixão ou túnel são outras modalidades bem conhecidas de todos". Surgem várias formas de pavimentos desde as lajes maciças, às pré-fabricadas por vigotas ou nervuradas, todas elas numa ou em ambas as direcções. Ainda se podem encontrar lajes amaciçadas junto dos topos dos pilares. "Relativamente ao contacto com o exterior estes edifícios apresentam aberturas bem maiores para as janelas, e muitos rés-do-chão praticamente sem alvenaria. As paredes exteriores, em geral continuam a ser de alvenaria de tijolo, duplas, embora em alguns casos já se vejam paredes de pré fabricação pesada presa à estrutura principal. A par dos grandes desenvolvimentos tecnológicos nas práticas construtivas assiste-se ainda neste período à manutenção de casas de construção clandestina, com 1 a 3 pisos, umas vezes de forma mais permanente quando as obras são essencialmente em alvenaria com alguns elementos de betão armado e de forma temporária quando se refere a barracas de madeira ou de construção pré-fabricada leve e simples. Estes dois conjuntos de habitat social apresentam diferenças importantes entre eles nos aspectos tipológicos principais e ocupam pequenas áreas da cidade". Tem sido um período em que se tem igualmente verificado a renovação do parque habitacional em variadas áreas da capital, principalmente nas cobertas pelo período gaioleiro. A renovação urbana faz-se geralmente dando origem a edifícios de escritório ou mistos e nas novas áreas urbanas surgem edifícios predominantemente para habitação. Finalmente interessa também referir que a construção dos últimos 20 anos assume aspectos bem diferenciados em toda a sua linha arquitectónica, com edifícios altos e vários pisos abaixo do solo em zonas de renovação do parque ou em novas áreas urbanas. Não foi mencionada até ao momento a zona industrial da cidade que se estende junto ao rio Tejo sobre os aterros conquistados ao rio. A parte habitacional destas zonas é muito reduzida, estando desde a EXPO 98 em franca expansão.