Assunto Especial - Doutrina Exigência de Certidão Negativa Trabalhista em Licitação Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas: Licitações Públicas e Efetividade das Normas de Direito do Trabalho GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Professor Universitário em Cursos de Graduação e Pós-Graduação, Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, Ex-Juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, Ex-Auditor Fiscal do Trabalho. SUMÁRIO: Introdução; 1 Alcance e repercussões da certidão negativa de débitos trabalhistas; 2 Regulamentação da certidão negativa de débitos trabalhistas; 3 Constitucionalidade da certidão negativa de débitos trabalhistas; Conclusão; Referências. INTRODUÇÃO A Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2011, acrescentou o Título VII-A à Consolidação das Leis do Trabalho, instituindo a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, e alterou a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. O mencionado diploma legal foi publicado no Diário Oficial da União de 08.07.2011, com entrada em vigor 180 dias após a data de sua publicação. O Título VII-A da CLT, com isso, passou a tratar da "prova de inexistência de débitos trabalhistas". O tema, entretanto, é objeto de controvérsia, havendo questionamentos inclusive quanto à constitucionalidade dessa
previsão legal 1. Neste estudo, procura-se examinar as suas principais consequências quanto ao cumprimento das normas de Direito do Trabalho e, no plano processual, para a execução dos títulos judiciais e extrajudiciais na Justiça do Trabalho.
18 RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA 1 ALCANCE E REPERCUSSÕES DA CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS TRABALHISTAS A Lei nº 8.666/1993 regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988 (sobre processo de licitação pública), institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, e dá outras providências. Em razão da Lei nº 12.440/2011, o art. 27, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993 passou a estabelecer que para a habilitação nas licitações, deve-se exigir dos interessados documentação relativa, entre outras a "regularidade fiscal e trabalhista". O art. 29, inciso V, da Lei nº 8.666/1993, acrescentado pela Lei nº 12.440/2011, por seu turno, passou a prever que a documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em "prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943". Embora a Lei nº 12.440/2011 exija a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) para a habilitação em processos de licitação com o Poder Público (Lei nº 8.666/1993), a consequência que também se busca é no sentido da efetividade e celeridade na execução trabalhista, no sentido da justa satisfação do direito do credor 2. Nesse contexto, cabe ressaltar que a efetividade e a razoável duração do processo são garantias constitucionais (art. 5º, incisos XXXV, LIV e LXXVIII, da Constituição da República), que não podem ser compreendidas como meras promessas formais ou simbólicas, mas sim decorrentes de comandos cogentes a serem legitimamente concretizados 3.
RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA 19 A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), por ser expedida de forma gratuita (e eletrônica) e servir "para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho", pode ser requerida, em tese, por quaisquer interessados, em negociações privadas, inclusive, por exemplo, em compras e vendas de imóveis e de veículos, financiamentos, empréstimos, e outros contratos privados, para se certificar quanto à idoneidade econômico-financeira da outra parte com quem pretende contratar 4. Nesse sentido, a Constituição da República, no art. 5º, inciso XXXIV, b, determina que são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, "a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal". Com isso, o efeito da inovação legal também passa a ser o de impulsionar o devedor de crédito trabalhista no sentido do pronto pagamento dos débitos em execução (ou mesmo antes de se iniciar a execução), para que não perca clientes e oportunidades nas suas contratações e negociações privadas. 5. Trata-se, assim, de importante mecanismo de execução indireta O novo instrumento, portanto, tem o aspecto positivo de poder colaborar para a maior afetividade e respeito dos direitos trabalhistas em nosso Estado Democrático de Direito. A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas procura impulsionar e elevar o grau de efetividade das normas de Direito do Trabalho, no sentido do seu necessário cumprimento pela sociedade 6, em especial pelos empregadores e tomadores de serviços. Como bem destaca Mario Garmendia Arigón, "las normas laborales que determinan obligaciones para el empleador tendrían un lugar reservado entre aquellas que más requieren de un sistema de coercibilidad y controlador adecuado" 7.
Isso porque, como explica o autor, "se trata de normas cuya eficacia práctica depende en gran medida del elemento coercibilidad y respecto de las que muy poco puede esperarse de su cumplimiento espontáneo (o inspirado en consideraciones extra-jurídicas)" 8.
20 RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA Nesse contexto, pode-se dizer que a Lei nº 12.440/2011 se consubstancia em relevante mecanismo indireto de cumprimento das normas trabalhistas imperativas, cogentes e de ordem pública. 2 REGULAMENTAÇÃO DA CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS TRABALHISTAS Observados os aspectos mencionados, cabe analisar as principais previsões legais a respeito da matéria. Nos termos do art. 642-A, caput, da CLT, acrescentado pela Lei nº 12.440/2011, é instituída a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), expedida gratuita e eletronicamente, para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho. O interessado não obterá a certidão quando em seu nome constar (art. 642-A, 1º, da CLT): I - o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou II - o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia. Verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente, ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT (art. 642-A, 2º, da CLT). A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) certificará a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais (art. 642-A, 3º, da CLT).
O prazo de validade da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) é de 180 dias, contados da data de sua emissão (art. 642-A, 4º, da CLT). A Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST regulamenta a expedição da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) e dá outras providências, uma vez que a expedição da CNDT, eletrônica e gratuita, pressupõe a existência de base de dados integrada, de âmbito nacional, com informações sobre as pessoas físicas e jurídicas inadimplentes perante a Justiça do Trabalho.
RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA 21 É instituído, assim, o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas - BNDT, composto pelos dados necessários à identificação das pessoas naturais e jurídicas, de direito público e privado, inadimplentes perante a Justiça do Trabalho quanto às obrigações: I - estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado ou em acordos judiciais trabalhistas; ou II - decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia (art. 1º da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST). Nos termos do art. 1º, 1º, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST é obrigatória a inclusão no BNDT do devedor que, devidamente cientificado, não pagar o débito ou descumprir obrigação de fazer ou não fazer, no prazo previsto em lei. Nota-se que o dispositivo citado não menciona, ao menos de forma expressa, o descumprimento de obrigação de entrega de coisa, certamente por não ser tão frequente na Justiça do Trabalho, mas que também pode ser objeto de sentença condenatória transitada em julgado, acordo judicial trabalhista, execução de Termo de Ajuste de Conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho e acordo firmado perante a Comissão de Conciliação Prévia. Antes de efetivar a ordem de inclusão do devedor no BNDT, em caso de execução por quantia certa, o Juízo da execução deve determinar o bloqueio eletrônico de numerário por meio do sistema Bacen-Jud (art. 655, inciso I, do CPC), e também registrar no sistema, quando for o caso, a informação sobre a existência de garantia total da execução (art. 1º, 1º-A, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST). A medida citada decorre do fato de a garantia total da execução por depósito, bloqueio de numerário ou penhora de bens suficientes, devidamente formalizada, ensejar a expedição de Certidão Positiva de
Débitos Trabalhistas, com os mesmos efeitos da CNDT (art. 1º, 2º, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST). Não será inscrito no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas o devedor cujo débito é objeto de execução provisória (art. 1º, 3º, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST).
22 RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA Uma vez inscrito, o devedor passa a compor pré-cadastro para a emissão da CNDT, dispondo do prazo improrrogável de 30 dias para cumprir a obrigação, ou regularizar a situação, a fim de evitar a positivação de seus registros junto ao BNDT (art. 1º, 4º e 5º, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST). Transcorrido esse prazo de 30 dias, a inclusão do devedor inadimplente acarretará, conforme o caso, a emissão de Certidão Positiva ou de Certidão Positiva com efeito de negativa (art. 1º, 4º e 5º, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST). 3 CONSTITUCIONALIDADE DA CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS TRABALHISTAS Cabe fazer menção ao entendimento de que a previsão quanto à impossibilidade de obtenção da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) pelo interessado, nos casos mencionados, seria inconstitucional. Argumenta-se haver situações em que, embora a condenação tenha transitado em julgado, o valor cobrado na execução não está de acordo com a coisa julgada material, tendo o executado direito constitucional à ampla defesa também na execução. Além disso, em conformidade com o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, no processo de licitação apenas são admitidas as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Portanto, não seria possível a lei (infraconstitucional) exigir certidão negativa de débitos trabalhistas 9. Não obstante, em sentido divergente, pode-se dizer que a execução é necessariamente fundada em título executivo, no qual se consubstancia a obrigação certa, líquida e exigível (art. 580 do CPC) 10. A fase de liquidação, na execução de título judicial, a rigor, é anterior à execução propriamente 11. Nessa fase antecedente, de
liquidação, em se tratando de execução definitiva, os limites da coisa julgada material devem ser observados (art. 879, 1º, da CLT). Portanto, somente havendo obrigação líquida, certa e exigível, consubstanciada em título executivo, é que se autoriza o início da execução. De todo modo, deve-se reconhecer que podem surgir situações mais complexas, decorrentes de certas peculiaridades do procedimento de liquidação trabalhista.
RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA 23 Especialmente quando os cálculos são apresentados pelo contador ou perito nomeado pelo juízo, faculta-se ao juiz abrir vista às partes, para que se manifestem de forma fundamentada e específica, no prazo sucessivo de 10 dias, sob pena de preclusão (art. 879, 2º, da CLT) 12. Desse modo, o juiz também pode homologar de forma imediata a conta apresentada, proferindo decisão de liquidação. Com isso, a execução já se inicia (art. 880 da CLT). Nesse caso, somente nos embargos à execução é que a decisão de liquidação pode ser objeto de impugnação, no caso, pelo executado (art. 884, 3º, da CLT). Mesmo quando o juiz intima as partes para se manifestarem sobre os cálculos de liquidação, proferindo, em seguida, a decisão de liquidação, não é cabível recurso de imediato, por se entender que se trata de decisão interlocutória (art. 893, 1º, da CLT), cabendo às partes interessadas, no momento dos embargos à execução, reiterar a matéria relativa à liquidação, caso não tenha havido preclusão. Da sentença que julga os embargos à execução e as impugnações à decisão de liquidação (art. 884, 4º, da CLT) é cabível o agravo de petição (art. 897, a, da CLT). Os embargos à execução, portanto, constituem-se no meio específico e adequado, previsto no ordenamento jurídico, para o executado se defender na execução trabalhista, em consonância com a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da CRFB/1988). Nas hipóteses citadas, mesmo se o executado alegar que ainda não teve como discutir, de forma efetiva ou por meio de recurso à instância superior, a respeito dos cálculos ou da decisão de liquidação, mas a fase de execução já se iniciou, ao garantir a execução ou obter efeito suspensivo nos embargos do devedor, aplica-se o art. 642-A, 2º, ao determinar que, "verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado
com os mesmos efeitos da CNDT" (destaquei). Como mencionado, não deve ser inscrito no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas o devedor cujo débito é objeto de execução provisória (art. 1º, 3º, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST). Ademais, a comprovação da inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho está abrangida, sim, na exigência de qualificação técnica e econômica, prevista pela norma constitucional. Nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição da República,
24 RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA "ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações". (destaquei) Efetivamente, se a pessoa física ou jurídica é inadimplente quanto aos créditos trabalhistas (os quais são dotados de privilégio até mesmo superior do que os créditos fiscais) 13, que já são objeto até mesmo de execução definitiva, resulta evidente que ela não tem condições econômicas efetivas para dar cumprimento adequado ao contrato administrativo, objeto do processo de licitação. Portanto, se nem as obrigações decorrentes de execução definitiva na Justiça do Trabalho são cumpridas pela pessoa física ou jurídica, torna-se nítida a ausência de sua idoneidade econômica quanto ao contrato administrativo objeto de licitação pública. Assim, para a habilitação nas licitações, o art. 29 da Lei nº 8.666/1993, com redação dada pela Lei nº 12.440/2011, passa a dispor que a documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, exigida dos interessados, conforme o caso, consistirá em: I - prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes; II - prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual; III - prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei; IV - prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei; (redação dada pela Lei nº 8.883/1994) V - prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; (incluído pela Lei nº 12.440/2011).
RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA 25 Como se pode notar, a demonstração da regularidade quanto ao FGTS, o qual é direito trabalhista (art. 7º, inciso III, da Constituição Federal de 1988), já era até mesmo exigida anteriormente. Além disso, se até mesmo as comprovações de regularidade quanto à Fazenda Pública e à Seguridade Social são exigidas, com muito mais razão é imperiosa a prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho (no caso, em execução definitiva), pois estes últimos decorrem, em essência, do trabalho humano prestado, o que remonta à própria necessidade de proteção e promoção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos III, da Constituição da República). Ainda segundo o mencionado posicionamento que defende a inconstitucionalidade da Lei nº 12.440/2011, os acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho (Termo de Ajuste de Conduta) e as Comissões de Conciliação Prévia não são processos judiciais, não fazendo coisa julgada. Além disso, o TAC e o acordo firmado perante a CCP, por serem de natureza extrajudicial, não são objeto de descumprimento perante a Justiça do Trabalho. Com isso, argumenta-se que o inadimplemento dessas obrigações não tem como ser abrangido por Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), a qual tem como objetivo comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho 14. Também aqui é possível defender posição divergente. Na realidade, o art. 642-A, 1º, inciso II, da CLT, acrescentado pela Lei nº 12.440/2011, é expresso ao mencionar "o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia" (destaquei). Portanto, apenas nos casos de descumprimento de Termo de Ajuste de Conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho, ou de termo de conciliação firmado perante a Comissão de
Conciliação Prévia, que tiverem sido objeto de execução ajuizada na Justiça do Trabalho, é que o interessado não obterá a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT). Nesse sentido, autorizam a execução, perante a Justiça do Trabalho, não apenas as decisões e os acordos judiciais não cumpridos (títulos executivos judiciais), mas também os Termos de Ajuste de Conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia (art. 876, parágrafo único, da CLT).
26 RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA Seja na hipótese do inciso I, seja no caso do inciso II do art. 642-A, 1º, da CLT, também não se observa, em tese, violação às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da inafastabilidade do controle jurisdicional, pois cabe ao executado, no processo (fase) de execução, exercer o direito de se defender, essencialmente por meio de embargos à execução, conforme prevê o ordenamento jurídico. Respeita-se, assim, o devido processo legal e as demais garantias processuais decorrentes (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República). Conforme indicado, a execução pressupõe título executivo (judicial ou extrajudicial), o qual se caracteriza pela liquidez, certeza e exigibilidade. Logo, antes do início da execução fundada em título judicial é que se observa a fase de liquidação, sabendo-se que os títulos extrajudiciais já se caracterizam por consubstanciar obrigação líquida, certa e exigível. Como se não bastasse, o já mencionado art. 642-A, 2º, da CLT é expresso ao estabelecer que, uma vez verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, "será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT" (destaquei). Com isso afasta-se a alegação de violação ao contraditório e à ampla defesa, os quais, de acordo com o devido processo legal, especificamente quanto à execução trabalhista, são exercidos principalmente por meio dos embargos, os quais pressupõem, em regra, a garantia do juízo (art. 884, caput, da CLT). Saliente-se que, no caso de execução fundada em título extrajudicial, as matérias que podem ser alegadas em embargos à execução não sofrem a mesma limitação da execução decorrente de título judicial, por não se tratar de fase seguinte no processo de conhecimento.
Deve-se aplicar, assim, o art. 745 do CPC 15, ao prever que, nos embargos, pode o executado alegar: I - nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado; II - penhora incorreta ou avaliação errônea; III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; IV - retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa certa (art. 621 do CPC); V - qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento. O sistema jurídico também disciplina a forma de se obter efeito suspensivo aos embargos à execução, consoante o art. 739-A, 1º, do Código de Processo Civil.
RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA 27 Há hipóteses em que se admite até mesmo a chamada exceção de pré-executividade, envolvendo questões de ordem pública (como prevê o art. 618 do CPC). Caso seja acolhida, e a execução seja extinta, também deixa de existir o inadimplemento de obrigação estabelecida em sentença condenatória transitada em julgado. Ademais, a questão em análise também pode ser examinada sob o enfoque da colisão de princípios, relativos a direitos fundamentais (por exemplo, direito à efetividade da tutela jurisdicional versus direito à livre iniciativa ou à participação nas licitações públicas), com a incidência do princípio (ou máxima) da proporcionalidade, em seus três níveis (adequação, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito), para que se possa aferir se a restrição estabelecida em lei, a um dos direitos fundamentais envolvidos, é (ou não) constitucional 16. Pode-se dizer que a Lei nº 12.440/2011, ao estabelecer certa restrição a um dos possíveis direitos fundamentais envolvidos (à livre iniciativa ou à participação nas licitações), é adequada quanto ao meio utilizado, levando em conta o objetivo que se busca atingir (seja nos aspectos da regularidade e higidez das licitações públicas e da execução dos contratos administrativos, seja quanto à efetividade das normas trabalhistas e da execução na Justiça do Trabalho); é medida necessária para se alcançar os fins pretendidos (tanto que os mecanismos existentes até o momento não têm sido suficientes para a efetividade e a celeridade no cumprimento das normas e o adimplemento das obrigações trabalhistas objeto de execução); e não acarreta restrição excessiva ao direito fundamental (proporcionalidade em sentido estrito), em exame de ponderação entre os valores e direitos em discussão, mesmo porque apenas no caso de inadimplemento em execução definitiva é que há a inscrição no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas e, assim, o não fornecimento da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, com a correspondente emissão da Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas (art. 6º da
Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST).
28 RSDA Nº 77 - Maio /2012 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA Não se observa, por outro lado, violação ao princípio da igualdade, uma vez que este deve ser interpretado em seu enfoque substancial, por ser vedado tratar de forma igual os que estão em situação desigual 17. Nesse sentido, aquele que cumpre todas as obrigações trabalhistas, em especial aquelas objeto de execução definitiva, não pode receber o mesmo tratamento daquele que descumpre esses mesmos deveres, sob pena, até mesmo, de manifesta concorrência desleal. Portanto, se a lei admitisse que ambos pudessem participar das licitações públicas, em igualdade de condições, é que haveria afronta ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição da República). CONCLUSÃO A Lei nº 12.440/2011, embora voltada às licitações públicas, gera reflexos importantes para a efetividade das normas de Direito do Trabalho, bem como, no plano processual, para a celeridade da execução trabalhista, pois a expedição da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas acaba sendo uma forma legítima de fazer com o que o devedor cumpra as obrigações devidas. A livre iniciativa, como garantia constitucional, deve ser exercida com o devido respeito aos direitos fundamentais, nos quais estão inseridos os de natureza social e trabalhista (arts. 1º, 3º, 6º, 7º, 170, 193 da Constituição da República). Se a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) não for fornecida, e o interessado entender que existe ilegalidade ou inconstitucionalidade quanto a esse não fornecimento, poderá questionar o ato na esfera jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988), inclusive, se presentes os requisitos próprios, por meio de mandado de segurança (art. 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal de 1988). De todo modo, por ser o tema recente e controvertido, cabe
acompanhar o posicionamento da jurisprudência, em especial do Supremo Tribunal Federal. REFERÊNCIAS CRISTOVAM, José Sérgio da Silva. Considerações acerca das máximas da razoabilidade e da proporcionalidade. Soluções Jurídicas, Rio de Janeiro, COAD, p. 03-19, jan. 2012. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.. Execução civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. FELICIANO, Guilherme Guimarães. Cumprimento de sentença, embargos e execução. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães (Coord.). Fênix: por um novo processo do trabalho. Colaboradores: Gerson Lacerda Pistori; Jorge Luiz Souto Maior; Manoel Carlos Toledo Filho. São Paulo: LTr, 2011. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 5. ed. Rio de janeiro: Forense, 2011.
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