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TÍTULO DO PROGRAMA Um Apólogo Série: Contos de Machado SINOPSE DO PROGRAMA Um dos maiores escritores brasileiros, Machado de Assis escreveu romances, peças de teatro, poesias e muitos contos. Foi a partir desse gênero que a TV Escola resolveu adaptar obras do autor para desenho Animado e criou os filmes Aurora sem dia, Miss Dollar e Um Apólogo. Partindo do filme Um Apólogo, que conta a interessante história de objetos de costura que se veem envoltos nos últimos momentos do Império Brasileiro, as professoras convidadas do programa Sala de Professor sugerem um trabalho exclusivo de Língua Portuguesa que aproxima os alunos do Ensino Médio da linguagem machadiana. CONSULTORES Gracia Klein Língua Portuguesa Thais Rosa Viveiros Língua Portuguesa TÍTULO DO PROJETO Um apólogo em outro apólogo 1

APRESENTAÇÃO O vídeo O Apólogo é um presente para os professores de Língua Portuguesa. O conto de Machado de Assis transforma-se em uma animação impecável, do ponto de vista da linguagem e da construção da narrativa, e é uma porta de entrada divertida e estimulante para o estudo desse autor e sua obra. Isso fica claro quando, a partir da leitura e do estudo do conto, torna-se mais acessível a linguagem machadiana. Esse fato permite que introduzamos o romance de Machado de Assis, por meio da leitura orientada de Memórias Póstumas de Brás Cubas. O trabalho em sala de aula e o Enem Nesta proposta, trabalhamos com alguns dos conteúdos disciplinares (objetos do conhecimento) listados na Matriz de Referência para o Enem 2013 e com o desenvolvimento das seguintes competências e habilidades: Língua Portuguesa Conteúdo: Linguagem literária, Realismo, Gênero Apólogo, Linguagens conotativa e denotativa, Homônimos e Parônimos. Competência e habilidade: Área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias. Competência de área 5: H15, H16, H17. Competência de área 6: H19, H20. Competência de área 8: H25. Para obter a Matriz de Referência para o Enem, acesse o Anexo II do edital: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/edital/2013/edital-enem-2013.pdf 2

UM OLHAR PARA O DOCUMENTÁRIO A PARTIR DA LÍNGUA PORTUGUESA - 1ª Parte 1. O primeiro passo da atividade é escrever o nome Um apólogo na lousa e perguntar aos alunos quais são suas suposições sobre o assunto do vídeo, se eles sabem o significado da palavra apólogo, se imaginam mais referências etc. A pré-leitura dos objetos didáticos, como os livros e vídeos, é um instrumento rico para a motivação dos alunos e oferece a possibilidade de o professor descobrir o que os alunos sabem sobre o assunto. Faça um levantamento das falas, registre-as na lousa e passe o vídeo. Logo após, retome as suposições e debata com os alunos de onde surgiu a história, se eles já haviam pensado em escrever uma história com seres inanimados, se eles conhecem outras narrativas similares etc. 2. O segundo passo é distribuir o conto Um Apólogo aos alunos e fazer uma leitura compartilhada com a classe, em voz alta, com entonação marcante para ressaltar a pontuação e os diálogos. O tamanho, a linguagem e o enredo do conto facilitam esse trabalho. Compare o conto lido - original - e o vídeo. Levante com os alunos se a história foi bem recontada, fidedigna, se eles gostaram, se eles adaptariam de uma forma diferente, acrescentariam ou tirariam fatos etc. Um Apólogo Machado de Assis Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: - Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo? - Deixe-me, senhora. - Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. - Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros. - Mas você é orgulhosa. - Decerto que sou. - Mas por quê? - É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os 3

cose, senão eu? - Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu? - Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados... - Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando... - Também os batedores vão adiante do imperador. - Você é imperador? - Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto... Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana - para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha: - Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima. A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe: - Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: - Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: - Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária! Fonte: Machado de Assis. Contos Consagrados. Coleção Prestígio, Ediouro, s/d. 3. O terceiro passo é debruçar-se sobre o texto, trabalhar pontuação, vocabulário, metáforas, ironias, onomatopeia etc. Coloque aos alunos a expressão: os galgos de Diana (cães ágeis que acompanhavam a deusa da caça na mitologia romana, Diana) e peça para eles dizerem o significado. 4

Trabalhe as palavras coser e cozer e alguns homônimos e parônimos usados com frequência. Exemplos: acender/ascender; caçar/cassar; chalé/xale; descrição/discrição; imigrante/emigrante; tacha/taxa e assim por diante. De novo, compare o texto com o vídeo e desafie os alunos a levantarem o que eles acharam de mais interessante na construção da linguagem do vídeo. A dica é o uso da linguagem conotativa, com termos do dia a dia materializados nas imagens das personagens, o que torna a linguagem denotativa. Introduza esses conceitos ou relembre-os. Exemplos: Melhor cortar esse papo Vou viver de renda Eu sempre me enrolo toda Não consegui manter a linha de raciocínio Dar um nó em si mesma Vocês estão ultrapassando todas as medidas Pano para manga Não dá ponto sem nó Fazendo a linha de que sabe tudo de história Mostre aos alunos outro apólogo de um personagem famoso da história da humanidade: Leonardo da Vinci. Se houver tempo, peça aos alunos para fazerem uma pesquisa sobre ele. O Papel e a Tinta Fábula de Leonardo Da Vinci Certo dia, uma folha de papel que estava em cima de uma mesa, junto com outras folhas exatamente iguais a ela, viu-se coberta de sinais. Uma pena, molhada de tinta preta, havia escrito uma porção de palavras em toda a folha. - Será que você não podia ter me poupado desta humilhação? - disse a folha de papel, furiosa, para a tinta. - Espere! respondeu a tinta. Eu não estraguei você. Eu cobri você de palavras. Agora você não é mais uma folha de papel, mas sim uma mensagem. Você é a guardiã do pensamento humano. Você se transformou num documento precioso. Pouco depois, alguém foi arrumar a mesa e apanhou as folhas de papel para jogálas na lareira. Subitamente, reparou na folha escrita com tinta. Então, jogou fora todas as outras, e guardou apenas a que continha uma mensagem. Fonte: Leonardo da Vinci. Fábulas e Lendas. São Paulo: Círculo do Livro, 1973. 5

O papel e a tinta Adaptação de Pedro Bandeira do conto de Leonardo Da Vinci Certo dia, uma folha de papel que estava em cima de uma mesa junto com outras folhas exatamente iguais a ela viu-se coberta de sinais. Uma caneta preta havia escrito uma porção de palavras em toda a folha. Será que você não podia me poupar desta humilhação? reclamou, furiosa, a folha de papel para a tinta. Espere! respondeu a tinta. Eu não estraguei você. Eu cobri você de palavras. Agora você não é mais apenas uma folha de papel,mas sim uma mensagem. Você se transformou num documento precioso! A folha de papel não se conformou com isso e ficou quase a chorar, sentindo-se suja e diminuída ao lado das outras folhas, todas limpas e branquinhas. Mas, pouco depois, uma linda moça aproximou-se da pilha de folhas de papel. Nem ligou para as que estavam em branco. Pegou a que estava coberta de palavras e aproximou-a do rosto. Sorriu, lindamente, e suspirou. A folha de papel, se pudesse sorrir, aliviada, também teria sorrido. Feliz, ela agora compreendia o que lhe tinha dito a tinta. Agora, ela era uma folha de papel especial, muito especial! Fonte: http://www.bibliotecapedrobandeira.com.br/pdfs/contos/o_papel_e_a_tinta.pdf De acordo com a disponibilidade de tempo, pode-se pedir aos alunos uma reescrita do conto Um apólogo, tal qual fez Pedro Bandeira com o conto de Leonardo da Vinci. 4. A partir do conto, contextualize Machado de Assis, o livro Várias Histórias e sua obra. Machado de Assis é considerado um dos maiores escritores e romancistas brasileiros. Em vários livros didáticos e de história da Literatura Brasileira, encontramos muitas informações sobre sua vida e obra. Material Caderno e lápis; Conto; Lousa e giz. Etapas Pré-leitura do vídeo, inferências; Assistir ao vídeo; Ler o conto e comparar com as escolhas feitas pela produção do filme; Ler o apólogo de Leonardo da Vinci e sua adaptação de Pedro Bandeira; Trabalhar pontuação, homônimos, parônimos e linguagem denotativa e conotativa; Trabalhar Machado de Assis, obra e biografia; 6

Veja mais... <http://www.youtube.com/watch?v=t8gc8dma9js> - Machado de Assis: Um mestre da periferia. Vídeo da TV Escola da série Mestres da Literatura. UM OLHAR PARA O DOCUMENTÁRIO A PARTIR DA LÍNGUA PORTUGUESA - 2ª parte Além de ser um dos maiores contistas brasileiros, Joaquim Maria Machado de Assis também é um grande romancista. A crítica divide-se quando o assunto é o que é melhor. No entanto, não podemos ignorar a relevância do romance machadiano, uma vez que ele inaugurou o romance realista brasileiro com a publicação, em 1881, de Memórias Póstumas de Brás Cubas. Esta obra frequentemente ocupa a lista das leituras obrigatórias de grandes vestibulares. Isso ocorre, pois é emblemática para o desenvolvimento da literatura nacional e, mais ainda, para sua consolidação e maturidade. Memórias Póstumas de Brás Cubas também marca o início da produção literária mais significativa de Machado de Assis, a chamada fase da maturidade. Antes, o autor produzia poemas e romances românticos, como Iaiá Garcia, que não representam a qualidade literária que será percebida depois em seus romances, seus contos e suas crônicas. No movimento realista, a produção estava voltada à crítica social e, de modo mais profundo, ao entendimento do comportamento humano. Machado de Assis não fugiu à regra. No entanto, seus livros não podem ser resumidos a um mapeamento da sociedade brasileira do século XIX: a atualidade de sua narrativa é o principal indício de que, apesar de pautar-se na contemporaneidade de sua época, Machado de Assis fez, em seus romances, sobretudo um tratado da natureza humana. Adultério, traição, desvios de caráter, desigualdade social. Nenhum dos problemas com que lidamos hoje deixou de passear pelas páginas dos romances machadianos. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o enredo oferece indícios 7

fortes dos elementos que estarão presentes em todos os demais livros do escritor. Nesse sentido, não há como, em uma proposta que pretende analisar o romance machadiano sob a ótica dos recursos estilísticos e linguísticos, não o fazer partindo dessa obra. Nela, todos os traços marcantes do escritor já se evidenciam; também torna-se evidente o fato de que o material humano, no mais das vezes, o vicioso, será o seu nicho. Para os alunos, é fundamental que demos atenção a isso. Apesar da atualidade da obra, a distância temporal e, principalmente, linguística traz ao aluno uma sensação de ausência de sentido e compreensão que, ao invés de convidar à leitura e conscientizar da importância e grandiosidade do autor, produz um sentimento de desprezo. Para tanto, é preciso acompanhar a leitura, fazê-la de forma coletiva e direcionada, desmistificando sua aparente dificuldade e valorizando sua riqueza. Sendo assim, caberá ao professor criar procedimentos de leitura que favoreçam a compreensão do aluno. A sugestão seria, partindo das principais características do romance, ler coletivamente com os alunos ou no projetor, ou com versão impressa trechos que comprovem as características e a genialidade machadiana. Aqui, faço uma divisão por temas e indico algumas passagens: 1. Diálogo com o leitor Que no alto do principal de seus livros confessasse tendhal havê-lo escrito para cem leitores coisa que admira e consterna O que não admira nem provavelmente consternará se este outro livro não tiver os cem leitores de tendhal nem cinquenta nem vinte e quando muito dez Dez alvez cinco rata-se na verdade de uma obra difusa na qual eu rás ubas se adotei a forma livre de um terne ou de um avier de Maistre não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo Pode ser Obra de finado Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia e não difícil antever o que poderá sair desse con bio (Ao Leitor, pp. 67) 8

A riqueza intertextual desse trecho só poderá ser percebida pelo aluno se guiado por nós. É preciso explicar quem foram Stendhal, Sterne e Xavier de Maistre, que tipo de literatura produziram e o que isso significa para a obra que será lida. Al m disso fundamental discutir o termo finado e a antítese Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia Afinal apesar de possuir natureza cômica, o romance trata das memórias de alguém e, por isso, poderá trazer ao texto um tom melancólico, por vezes pessimista. 2. Identidade Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim isto se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte uposto o uso vulgar seja come ar pelo nascimento duas considera es me levaram a adotar diferente m todo a primeira que eu não sou propriamente um autor defunto mas um defunto autor para quem a campa foi outro ber o a segunda que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo Mois s que tamb m contou a sua morte não a p s no intróito mas no cabo diferen a radical entre este livro e o Pentateuco (Capítulo I, Óbito do autor, pp. 69) Apesar do claro tom irônico presente nesta passagem, nós, professores, devemos aproveitá-la para discutir a natureza da busca por uma identidade, presente no conflito autor defunto X defunto autor. A inversão da ordem não é gratuita; além de modificar as funções morfológicas de cada palavra (substantivo X adjetivo), ela também evidencia o conflito entre o eu e o outro, tão fortemente discutido ao longo da narrativa. Talvez, somente quando chegou ao outro berço, é que Brás Cubas pudesse ter sido um eu, talvez... 9

3. Sátira Menipeia Ou o daqui uma obje ão do leitor omo pode ser assim diz ele se nunca jamais ningu m não viu estarem os homens a contemplar o seu próprio nariz Leitor obtuso, isso prova que nunca entraste no c rebro de um chapeleiro m chapeleiro passa por uma loja de chap us a loja de um rival que a abriu há dois anos tinha então duas portas hoje tem quatro promete ter seis e oito Nas vidra as ostentam-se os chap us do rival pelas portas entram os fregueses do rival o chapeleiro compara aquela loja com a sua que mais antiga e tem só duas portas e aqueles chap us com os seus menos buscados, ainda que de igual preço. Mortifica-se naturalmente; mas vai andando concentrado com os olhos para bai o ou para a frente a indagar as causas da prosperidade do outro e do seu próprio atraso quando ele chapeleiro muito melhor chapeleiro do que o outro chapeleiro Nesse instante que os olhos se fi am na ponta do nariz. A conclusão portanto que há duas for as capitais o amor que multiplica a esp cie e o nariz que a subordina ao indivíduo Procria ão equilíbrio (Capítulo XLIX, A Ponta do Nariz, pp. 144) Trabalhe com os alunos a definição de Sátira Menipeia: Portanto ao misturar todos esses ingredientes iniciais ingredientes c micos a partir de um certo tempo da história literária apareceu este gênero denominado de sátira menip ia Nele possível encontrar um te to sem uma característica definida sem um tema nico sem personagens comportadinhas sem uso apenas de vocabulário padrão mas sobretudo um texto que se caracteriza pela den ncia ou por apresentar coisas ridículas grosseiras e vergonhosas Esse gênero então se distingue por ser um verdadeiro prato cheio para ser apreciado por uns e detestado por outros CARVALHO, Wandercy de. A Sátira menipéia no contexto da Revolução de Abril: Alexandra Alpha, de José Cardoso Pires. Dissertação de Mestrado. 2008, p. 49. Disponível em http://www.letras.ufrj.br/posverna/mestrado/carvalhow.pdf No capítulo A Ponta do Nariz, encontra-se um exemplo muito interessante para explicar o tom cômico do romance. Não se trata de comédia de costumes, trata-se de crítica social e de desvios da narrativa, que beiram o absurdo. Em um primeiro momento, parece que o narrador se perde; no entanto, ele apenas está aguardando o momento certo para voltar à narrativa de seu caso de amor com 10

Virgília. Enquanto faz isso, aproveita para chamar a atenção do leitor para um dos maiores vícios humanos: a inveja. Olhar para o próprio nariz é expressão significativa em nosso idioma. 4. Trabalho linguístico A nomeação dos capítulos é essencial para a obra. Note, por exemplo, o sentido dos títulos apítulo III riste mas urto e apítulo IV urto mas Alegre Nestes dois casos, nota-se o uso da gramática como ferramenta estilística de modo evidente. A inversão da ordem diferencia o termo a que devemos dar ênfase em uma sentença. É fundamental aproveitar a leitura de um livro para ensinar aos alunos por que é essencial saber utilizar os recursos linguísticos aprendidos nas aulas de gramática. A relação dos antônimos do texto também é essencial. Os adjetivos triste e alegre, além de, pela diferença semântica, indicarem a natureza dos capítulos, estão, sintaticamente, em posições distintas, fato que apenas fortalece a dualidade que o escritor apresenta nesta parte da narrativa. 5. Pressuposto social e coesão textual O pior que era co a ns olhos tão l cidos uma boca tão fresca uma compostura tão senhoril e co a Esse contraste faria suspeitar que a natureza s vezes um imenso escárnio Por que bonita se co a por que co a se bonita al era a pergunta que eu vinha fazendo a mim mesmo ao voltar para casa de noite e não atinava com a solu ão do enigma O melhor que há quando se não resolve um enigma sacudi-lo pela janela fora; foi o que eu fiz lancei mão de uma toalha e en otei essa outra borboleta preta que me adejava no c rebro Fiquei aliviado e fui dormir Mas o sonho que uma fresta do espírito dei ou novamente entrar o bichinho e aí fiquei eu a noite toda a cavar o mist rio sem e plicá-lo (Capítulo XXXIII, Bem-aventurados os que não descem, pp. 127) Neste trecho, Brás Cubas interessa-se por Eugênia, personagem que 11

nasceu de um amor proibido e que é socialmente inferior a Brás. Além disso, ela possui uma deficiência física, fato que se torna o mais importante para que ele não leve o relacionamento adiante. Novamente, a questão linguística permite que reconheçamos a questão que se destacou: a repetição do adjetivo coxa é a marca definitiva do problema. Outro elemento coesivo que se torna fundamental é borboleta preta, pois faz a ligação entre este capítulo e capítulos anteriores da obra. Em um plano mais aprofundado, borboleta preta representa, metaforicamente, tudo o que incomoda e atrapalha, obrigando desistências e mudanças de planos. Material Edição impressa de Memórias Póstumas de Brás Cubas e/ou edição digitalizada; Capítulos impressos de modo avulso para leitura compartilhada; Lousa e giz; Projetor (se houver); Caderno para registros. Etapas Solicitar a leitura do romance aos poucos, selecionando alguns capítulos por semana; Após a leitura individual, fazer coletivamente a leitura dos trechos mais emblemáticos da narrativa, explicando o enredo e os mecanismos linguísticos e estilísticos; Solicitar que os alunos localizem passagens que aparentam ser interessantes para identificar os elementos presentes na narrativa; Orientar os alunos para que socializem uns com os outros o que encontraram. Veja mais... Recomendar a adaptação do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas para o cinema. Direção e produção de André Klotzel. 2000. UMA CONVERSA ENTRE AS DISCIPLINAS Retomando o processo realizado com os alunos, primeiro relembrem a eles o que trabalharam nas aulas de Língua Portuguesa, tanto sobre a estrutura e gênero do apólogo, como nos recursos textuais e inventividade apresentados por Machado de Assis em seu romance. Os alunos serão convidados a produzirem um texto utilizando algumas dessas características. O primeiro passo da atividade é pedir aos alunos que tragam para a aula 12

fotografias antigas de sua cidade, no caso de quererem um espaço público ou uma foto antiga mais intimista que retrate um momento privado, que pode ser dentro de residências, em uma sala de aula antiga, um objeto em destaque, enfim qualquer escolha que retrate um período de outrora. De posse das fotos, os alunos devem levá-las para a classe e mostrá-las aos colegas. Será muito divertido que os alunos mostrem a todos os colegas as fotos e façam um exercício breve de adivinhação: época, onde foi tirada, quem eram as pessoas etc. Neste momento, já comecem a chamar a atenção para observarem os elementos inanimados da foto e ressaltar a eles como inicia o apólogo do vídeo E se aquelas miudezas falassem Depois, divida os alunos em quatro grupos e, dentro dos grupos, eles vão analisar as fotos e escolher apenas uma delas para o trabalho. Indiquem a eles que analisem com bastante calma e respondam, no caderno, a um roteiro. Esse roteiro será base dos elementos da construção da narrativa. Esse roteiro pode ser respondido com dados reais ou suposições, caso não se conheçam, de fato, as informações. 1. Onde foi tirada a foto? Que espaço é esse? Que cidade? 2. Em que época? Em que ano? 3. Quais são as pessoas e os elementos inanimados que se destacam? 4. Desses elementos, se eu criasse um apólogo, quais seriam os mais instigantes para virarem personagens? 5. Depois de escolhidos os personagens que criarão vida, quais serão suas características? Em que enredo eles aparecerão? Depois de terem feito esse levantamento, o professor pega uma foto de exemplo que não vai ser trabalhada e destaca os elementos coletivamente. Destaca, ainda, os aspectos formais da escrita e a importância da pontuação adequada no discurso direto para causar as ironias, humor etc. Faremos um breve ensaio sobre a fotografia abaixo. 13

Sala de aula do século XIX. Museu da Educação em Rouen, França. 1. Onde foi tirada a foto? Museu da Educação em Rouen, França. 2. Que espaço é esse? Uma sala de aula antiga. 3. Que cidade? Qualquer cidade. 4. Em que época? Século XIX ou Início do XX. 5. Em que ano? Talvez, 1895 a 1910. 6. Quais são as pessoas e os elementos inanimados que se destacam na foto? Não há pessoas. Carteiras, relógio de parede, mapa, estante etc 7. Desses elementos, se eu criasse um apólogo, quais seriam os mais instigantes para virarem personagens? O relógio de parede, a carteira, um mapa, um armário de vidro, frascos contendo elementos químicos, um quadro que retrata a Revolução Francesa, uma estante etc. 8. Em que enredo eles aparecerão? Eles aparecerão conversando depois de uma aula de História. Um exemplo de apólogo, a partir dos elementos definidos acima: A única versão possível 14

- Essa é muito boa!!! Desabafa o arco, retratado no triunfo da revolução, em quadro suspenso na parede de uma sala de aula, logo após a aula sobre a Revolução Francesa. A cada turma em que são dadas aulas sobre nossa revolução, os professores disseminam versões diferentes, confundem os fatos, colocam palavras não ditas em nossas bocas, inventam romances, mistérios infundados e atos fantasiosos. Experiência para dizer isso não me falta. Faz quase 50 anos que estou nesta parede e professores franceses AMAM esse assunto. - Há, há, há...nem adianta você reclamar. Sabe o tempo. O tempo que eu meço, marco, atropelo, faz as pessoas esquecerem os fatos. Eles se tornam distantes demais. Portanto, elas precisam de documentos, livros e imaginação que comprovem a versão que lhes parece a melhor para os alunos acreditarem. Retrucou, ironicamente, o relógio, que tudo vê, percebe e dilui com seus tic tac, tic tac, tic tac. - Caro relógio, eu, tão irritado que estava, não tinha sequer pensado nisso. Então, para reviver a memória, a história carece de interpretações? Talvez seja isso. O que podemos fazer? Acho que nada. - Desta parede, tanto como você, ouvi muitos professores e percebi ora alunos atentos ora distantes construírem sua própria versão. Às vezes, confesso, queria atropelar o tempo ou pará-lo. Mas... sempre um mecânico de máquinas frágeis me regulava e começava eu de novo. tic tac, tic tac, tic tac Intermitente... Os frascos com elementos químicos, quietos e tímidos o tempo todo, pela primeira vez, se manifestaram. Claro que em cochichos quase inaudíveis, discretos e contidos que eram, como todos os seres confinados há muito em apertados espaços: - Só falta agora o professor ensinar que Marat não morreu esfaqueado pela jovem Charlotte Corday, mas sim envenenado por um de nós. Cochichou com um meio sorriso o bicarbonato de sódio. Com um ouvido de dar inveja, gritou, impaciente e furiosa, a última carteira da sala : - Parem de dizer bobagens! Enquanto vocês ficam debatendo a Revolução, o tempo, a memória, a história, as versões, continuo aqui, impassível, à espera das quedas, pesos e opressão dos corpos. Alunos sempre me escolhem para sentar. Impacientes, me aniquilam; impassíveis, me pressionam, sentados simplesmente, me oprimem. E isso não tem mais de uma versão. Revolução ou não Revolução, a versão é sempre uma só. 15

Material Giz e lousa; Projetor; Fotografias antigas; Caderno, lápis e borracha. Etapas Trazer fotografias antigas intimistas ou de espaços públicos; Levantar os elementos da narrativa; Orientar a elaboração de um apólogo; Apresentação: ler o texto e expor a fotografia. BIBLIOGRAFIA, SUGESTÕES DE LEITURA E OUTROS RECURSOS Livros e Revistas ASSIS, Machado. Várias Histórias. 6 ed. São Paulo: Ática, 2012.. Cadernos de Literatura Brasileira. Rio de Janeiro : Instituto Moreira Salles, 2008.. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001 CARVALHO, Wandercy de. A Sátira menipéia no contexto da Revolução de Abril: Alexandra Alpha, de José Cardoso Pires. Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas. Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Maio, 2008, 150 p. COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante. Enciclopédia de Literatura Brasileira. Volumes I e II. São Paulo: Global Editora, 2001. GUIMARÃES, Hélio de Seixas; Saccheta, Vladimir ( org ). A olhos vistos: Uma iconografia de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2008. MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Volume 2. São Paulo: Cultrix, 2001. 16

Sites e Outros recursos <www.machadodeassis.org.br> - Site da Academia Brasileira de Letras que traz informações relevantes sobre sua vida e obra. <www.dominiopublico.gov.br> - Site que contém a bibliografia de Machado de Assis e todos os escritores cuja obra seja de domínio público. Filmes e Documentários Memórias Póstumas de Brás Cubas. Europa Filmes. Diretor: André Klotzel, 2008. 17