ESTADO DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE - SES SUPERINTENDENCIA DE SERVIÇOS ESPECIALIZADOS E REGULAÇÃO - SUR CENTRO CATARINENSE DE REABILITAÇÃO - CCR Centro Especializado em Reabilitação Física e Intelectual - CER II PROJETO CINE-DEBATE Filme utilizado: Os descendentes Reuniões de equipe Filme base para o debate: Os descendentes Texto para reflexão: A família- uma compreensão sistêmica Conceitos: A família é um sistema social em que cada membro tem uma função. É regida por códigos, valores, hierarquias, histórias e mitos, além da diferença de poder entre seus membros. Existem fronteiras que delimitam o espaço interno da família e permeiam seu relacionamento com o meio exterior. Estas fronteiras definem quem participa e como participa da família. Quando as fronteiras são nítidas, o funcionamento familiar é apropriado, as linhas de autoridade e responsabilidade são claras. Nas fronteiras difusas, há um emaranhamento de papéis, impedindo a diferenciação de seus membros, prejudicando a individuação. Nas fronteiras rígidas, falta conexão entre os membros, ocasionando desligamento e sentido distorcido de independência. Na visão sistêmica a família é um sistema aberto, que troca matéria e energia/ informação, com o meio. Levam-se em conta, as relações entre as partes e os fenômenos são vistos como totalidades integradas, em que mudanças no contexto ou na estrutura familiar, acarretam mudanças no comportamento e nos processos internos dos membros desse sistema. A família é um sistema em constante transformação, adaptando-se às diferentes exigências das diversas fases do seu ciclo de desenvolvimento, assim como às mudanças nas solicitações sociais, com o fim de assegurar continuidade e crescimento psicossocial aos membros que a compõem.
Este duplo processo de continuidade e crescimento desenvolve-se através de um equilíbrio dinâmico entre duas funções aparentemente antagônicas: tendência homeostática (1) e capacidade de transformação. Ambos são indispensáveis à manutenção do sistema. Como qualquer organismo humano, a família não é um recipiente passivo. Cada tipo de tensão seja ela originada por mudanças no interior da família (intrasistêmicas): o nascimento dos filhos, o seu crescimento até a separação, um luto, um divórcio, uma doença, dentre outros), seja no exterior da família (intersistêmicas): transferências, catástrofes, modificações do ambiente ou de condições de trabalho; vão repercutir no sistema de funcionamento familiar, exigindo um processo de adaptação, isto é, uma transformação constante das interações familiares, capazes de manter a continuidade da família por um lado, e de consentir o crescimento dos seus membros por outro. Funções da família: Proteção de seus membros: apoio, cuidados físicos e afetivos, em todas as fases de seu desenvolvimento. Transmissão e adaptação à cultura: regulamentação e socialização. Assegurar o crescimento de seus membros: Pertencimento x Individuação. No desenvolvimento funcional de uma família observamos que é possível que seus membros cresçam, amadureçam, mantendo o pertencimento. Porém em ocasiões de mudanças ou pressões intra ou intersistêmicas de particular intensidade, surgem a maior parte dos problemas no funcionamento familiar. Basta observar as profundas transformações verificadas no nosso sistema social: crescente importância do coletivo em relação ao individual, mudança radical nos papéis e nas funções do casal, desagregação do modelo patriarcal da família extensa, com maior autonomia e diferenciação da família nuclear, para se compreender a necessidade fundamental de se procurar um novo equilíbrio entre tendências homeostáticas e desejo de transformação. Transições Familiares São mudanças em estados publicamente reconhecidos ou que possuam algum sentido ou significado social.
Eles representam desafios para todo o sistema: impulso direto para mudanças no desenvolvimento. Principais transições: Saída dos filhos jovens adultos de casa (ninho vazio)- Casamento. - Nascimento do primeiro filho-chegada dos irmãos-entrada na creche/escola- Adolescência dos filhos-mudança de emprego-desemprego-entrada e saída de pessoas na família-divórcio-recasamento-aposentadoria- Internações hospitalares-morte. As crises familiares provocadas por fatores estressores abalam o sistema e exigem sua reorganização para que o enfrentamento delas seja eficaz e provoque crescimento. Fatores estressores Estressores verticais: padrões, mitos, segredos e legados familiares intergeracionais. Estressores horizontais: são as transições do ciclo de vida ao longo do desenvolvimento humano. Estressores Imprevisíveis: morte precoce, doença crônica, acidentes, catástrofes. Não podemos deixar de assinalar que fatores estressores, podem ser simultâneos, o que aumenta ainda mais a ansiedade vivida pelo sistema familiar. A inserção de doenças crônicas, com as quais lidamos, pode acontecer em qualquer etapa do ciclo de vida familiar, afetando a todos os integrantes, cada um a sua maneira. Na prática clínica, observamos que as famílias não possuem uma perspectiva temporal quando estão tendo problemas. Elas geralmente tendem a magnificar o momento presente, esmagadas e imobilizadas por seus sentimentos imediatos; ou elas passam a fixar-se num momento futuro, que temem ou pelo qual anseiam. Elas perdem a consciência de que a vida significa um contínuo movimento, desde o passado e para o futuro, com a transformação paulatina nos relacionamentos familiares. Quando o senso de movimento é perdido ou distorcido, a família deixa de progredir em direção ao desenvolvimento, havendo a paralisação do sistema.
O trabalho psicológico com famílias em crise visa acolher o abalo provocado no sistema, de forma que esta família possa criar novas condições de convivência, redistribuindo valores, viabilizando que a crise represente uma oportunidade de mudança e crescimento. Em um processo de reabilitação, que é o nosso campo de trabalho, o psicólogo pode trabalhar mais profundamente com estas questões, mas toda a equipe técnica, de alguma maneira, pelo contato com as famílias em crise, pode ampliar sua compreensão e capacidade técnica, tendo em vistas os conceitos abordados aqui. O filme A riqueza do filme esclarece o que foi exposto em teoria através dos conceitos introduzidos neste texto. Do ponto de vista do protagonista, em função do acidente da esposa, seu coma, o segredo da traição conjugal, foi necessário rever padrões de funcionamento e seus valores. As fronteiras familiares passaram de uma forma de funcionamento desconectada, abrindo-se para novas possibilidades de crescimento e reaproximação, tanto internamente, quanto em relação ao meio social.. A partir dos eventos traumáticos, há elaborações e transformações de vários aspectos: a relação com as filhas (resgate da função paterna), com a família de origem dele (a herança) e da esposa, a relação dele com o trabalho, com os amigos, com a comunidade, mudanças na relação entre as irmãs, para que desta maneira a família como sistema, pudesse exercer melhor sua função. Na conexão com as outras gerações, a história familiar foi inserida e transmitida para os descendentes, de forma que o sentimento de pertencimento foi reconectado. Ainda do ponto de vista da família como sistema, todos necessitaram vencer obstáculos e crises para enfrentarem a situação traumática juntos com novas oportunidades de desenvolvimento e individuação. (1) Homeostase- processo autorregulador, que mantém a estabilidade no sistema e protege de desvios e mudanças. Referências: Andolfi, M. A terapia familiar- Editora Veja/ Universidade, Lisboa, 1981. Carneiro, D.S.G.- Mudanças no sistema familiar, após o surgimento de uma doença crônica, site WWW.psicologia.com.pt, 26.12.2009.
Carter, B. e Goldrick, M.- As mudanças no ciclo de vida familiar- Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1995. Minuchin, S. Família- Funcionamento e tratamento- Editora Artes Médicas, Porto Alegre, 1982. Experiência clínica na Psicologia do Centro Catarinense de Reabilitação, Setor de Neuro Reabilitação Adulto, de 2003 até o momento. Sônia C. M. Lacerda CRP 12/04394 23.07.2012