Mesa 1: Autores, Artistas e Intérpretes de Obras Musicais



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Transcrição:

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Anais do Seminário Autores, Artistas e seus Direitos Mesa 1: Autores, Artistas e Intérpretes de Obras Musicais 7 Compositores, intérpretes e músicos, para terem as suas criações inseridas no mercado musical, são compelidos a negociar seus principais direitos em termos contratuais, os quais nem sempre lhes são satisfatórios. Via de regra, perdem o controle sobre os destinos de suas próprias criações. Editores, gravadoras e associações autorais da área musical exercem em nome dos criadores seus principais direitos. No que a lei poderia ajudar para que o autor tenha uma maior controle quanto ao aproveitamento econômico de suas obras? Mediador: Daniel Campello Queiroz (Advogado) Palestrantes: - Carlos Mendes (Compositor e intérprete) - Gilberto Gil (Cantor e compositor) - Ana Terra (Compositora e escritora) - Amilson Godoy (Pianista, maestro, arranjador e compositor) Mesa 2: Autores e Artistas de Obras Audiovisuais 7 9 13 17 21 Os autores e intérpretes de obras audiovisuais recebem na legislação atual um tratamento injusto, se comparados com os das obras musicais, pois não conseguem exercer seus direitos de forma similar, como o direito de remuneração pela exibição pública de suas obras. Além disso, têm seus direitos autorais freqüentemente negociados no âmbito da relação trabalhista, em franca contradição com disposições das leis de regulamentação profissional. Que aperfeiçoamentos a lei necessita para corrigir essas distorções? Mediadora: Ivana Crivelli (Advogada) Palestrantes: - Sumara Louise (Atriz, dubladora e diretora) - Alberto Rosenblit (Pianista, compositor, arranjador e produtor musical) - Carolina Kotscho (Roteirista, diretora e produtora executiva) Mesa 3: Autores de Obras Literárias e Contratos de Edição 21 23 25 26 As obras literárias foram o principal objeto das primeiras legislações de direito autoral da história. Mas ainda hoje é comum que escritores manifestem insatisfações sobre como sua obra é explorada e a remuneração que dela advém. Por outro lado, tradutores e jornalistas, que também são autores literários, têm seus direitos submetidos ao jugo das relações trabalhistas, com sensíveis prejuízos para os criadores. Quais são os principais problemas que afetam esses autores e que podem ser corrigidos na legislação? Mediador: Jaury Nepomuceno (Responsável pelo Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional) Palestrantes: - Carlos Seabra (Escritor e produtor de conteúdos de multimídia e internet) 26 - Sheyla Barreto de Carvalho (Tradutora e intérprete) 28 - Paulo Canabrava Filho (Jornalista) 32 - Cláudio Murilo Leal (Poeta) 35 - Maurício Veneza (Ilustrador e escritor) 38 3

Anais do Seminário Autores, Artistas e seus Direitos Mesa 4: Obras de Artes Cênicas: Teatro, Dança e Circo 40 Os autores e artistas de artes cênicas também vivem dificuldades para terem a sua criação respeitada. Dramaturgos viram a sua principal e histórica associação autoral ser dilapidada a SBAT, que hoje luta duramente para se reerguer; coreógrafos e artistas circenses também encontram dificuldades em seu ofício. Uma possível revisão na legislação de direitos autorais poderia trazer soluções para alguns dos problemas vividos por esses autores e artistas? Mediador: Samuel Barichello (Coordenação-Geral de Direito Autoral do Ministério da Cultura) Palestrantes: - Marta Cesar (Coreógrafa) - Nélson Rodrigues Filho (Diretor e produtor de teatro) - Aderbal Freire Filho (Autor e diretor de teatro) - Ana Lamenha (Artista circense) Mesa 5: Artes Visuais 40 43 46 49 52 Direito garantido na legislação há décadas, a participação na revenda de obras de artes plásticas (direito de seqüência), até hoje não se efetivou. Já outros criadores de artes visuais, tais como fotógrafos, cartunistas e ilustradores, não são reconhecidos como autores - no sentido pleno da palavra - mas como meros prestadores de serviços para as empresas que se utilizam de suas criações. Quais são os problemas mais comuns que afetam esses autores e quais suas possíveis soluções? Mediador: Leandro Mendonça (Advogado) Palestrantes: - Guto Lins (Designer, escritor e ilustrador) - Alberto Elias Guimarães Jacob Filho (Fotojornalista) - Bruno de Albuquerque Monteiro (Artista visual) Mesa 6: Novas Criações no Ambiente Digital 52 55 57 59 As tecnologias digitais e a Internet propiciaram aos autores novos recursos criativos e novas formas de relacionarem-se com o público: as criações colaborativas e interativas, novas possibilidades de obras transformativas e um caráter multimídia para grande parte da produção de bens culturais. Para alguns, os tradicionais conceitos do direito autoral tornaram-se anacrônicos, insuficientes para dar conta da realidade trazida pelo ambiente digital. A legislação atual dificulta o pleno aproveitamento das possibilidades criativas trazidas pelas novas tecnologias? Mediador: Sérgio Amadeu (Sociólogo - Faculdade Cásper Líbero) Palestrantes: - André Penha (Desenvolvedor de jogos eletrônicos) - Elizangela Cancelier (Artista plástica e web designer) - Jarbas Jácome (Músico e programador) - César Piva (Gestor cultural audiovisual) 59 61 70 72 4

APRESENTAÇÃO Seminário Autores, Artistas e seus Direitos Rio de Janeiro O terceiro seminário de 2008 do Fórum Nacional de Direito Autoral foi realizado pela Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, por meio da Coordenação-Geral de Direito Autoral, nos dias 27 e 28 de outubro de 2008, na cidade do Rio de Janeiro. Intitulado Autores, Artistas e seus Direitos, o evento foi transmitido em tempo real pela internet, de modo que fosse possível a ampla participação do público interessado, inclusive por meio de perguntas e comentários que foram entregues aos palestrantes. Além de cerca de 350 participantes presenciais, aproximadamente 1000 internautas acompanharam os dois dias de evento. Este seminário teve como objetivos angariar subsídios dos autores e artistas quanto aos benefícios e dificuldades impostos pela atual estrutura do direito autoral no Brasil; ouvir quais são os seus anseios e receios diante das questões impostas pelo advento das novas tecnologias de produção e difusão dos bens culturais; e discutir como têm se dado as relações contratuais com os investidores da área cultural. A Mesa 1 discutiu o tema Autores, artistas e intérpretes de obras musicais enfocando o fato de que para compositores, intérpretes e músicos terem as suas criações inseridas no mercado musical, esses são compelidos a negociar seus principais direitos em termos contratuais, os quais nem sempre lhes são satisfatórios. Via de regra, eles perdem o controle sobre os destinos de suas próprias criações, sendo que os editores, gravadoras e associações autorais da área musical exercem em nome dos criadores seus principais direitos. No que a lei poderia ajudar para que o autor tenha um maior controle quanto ao aproveitamento econômico de suas obras? O tema Autores e Artistas de Obras Audiovisuais foi abordado pela Mesa 2. A questão central girou em torno dos autores e intérpretes de obras audiovisuais receberem na legislação atual um tratamento injusto, se comparados com os das obras musicais, pois não conseguem exercer seus direitos de forma similar, como o direito de remuneração pela exibição pública de suas obras. Além disso, têm seus direitos autorais freqüentemente negociados no âmbito da relação trabalhista, em franca contradição com disposições das leis de regulamentação profissional. Que aperfeiçoamentos a lei necessita para corrigir essas distorções? A Mesa 3 tratou do tema Autores de Obras Literárias e Contratos de Edição. As obras literárias foram o principal objeto das primeiras legislações de direito autoral da história. Mas ainda hoje é comum que escritores manifestem insatisfações sobre como sua obra é explorada e a remuneração que dela advém. Por outro lado, tradutores e jornalistas, que também são autores literários, têm seus direitos submetidos ao jugo das relações trabalhistas, com sensíveis prejuízos para os criadores. Quais são os principais problemas que afetam esses autores e que podem ser corrigidos na legislação? Os autores e artistas de artes cênicas também vivem dificuldades para terem a sua criação respeitada. Dramaturgos viram a sua principal e histórica associação autoral ser dilapidada a SBAT, que hoje luta duramente para se reerguer; coreógrafos e artistas circenses também encontram dificuldades em seu ofício. Esse foi o foco da Mesa 4, intitulada Obras de Artes Cênicas: Teatro, Dança e Circo que colocou em debate se uma possível revisão na legislação de direitos autorais poderia trazer soluções para alguns dos problemas vividos por esses autores e artistas. A Mesa 5 sobre Artes Visuais debateu um direito garantido na legislação há décadas, que é a participação dos autores na revenda de obras de artes plásticas (direito de seqüência), até hoje não efetivado no Brasil. Outra questão importante diz respeito a outros criadores de artes visuais, tais como fotógrafos, cartunistas e ilustradores, que não são reconhecidos como autores - no sentido pleno da palavra - mas como meros prestadores de serviços para as empresas que se utilizam de suas criações. Quais são os problemas mais comuns que afetam esses autores e quais suas possíveis soluções? As tecnologias digitais e a Internet propiciaram aos autores novos recursos criativos e novas formas de relacionarem-se com o público: as criações colaborativas e interativas, novas possibilidades de obras transformativas e um caráter multimídia para grande parte da produção de bens culturais. O tema Novas Criações no Ambiente Digital foi discutido na Mesa 6 trazendo também à tona os conceitos tradicionais do direito autoral, hoje anacrônicos e insuficientes para dar conta da realidade trazida pelo ambiente digital. A 5

legislação atual dificulta o pleno aproveitamento das possibilidades criativas trazidas pelas novas tecnologias? A seguir apresentamos todas as palestras realizadas neste seminário. O Ministério da Cultura acredita que o debate é o primeiro passo para diagnosticar o que está errado e posteriormente propor alternativas para o setor. 6

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais MESA 1 AUTORES, ARTISTAS E INTÉRPRETES DE OBRAS MUSICAIS TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE CARLOS MENDES 1 Bom dia, senhoras e senhores, companheiros, compositores, intérpretes, músicos. Eu sou compositor, intérprete com mais de 250 músicas gravadas no Brasil e várias músicas no exterior. E sou presidente do Sindicato dos Compositores e Intérpretes do Estado de São Paulo. E quero agradecer ao doutor Marcos Alves de Souza por esse convite, por estar participando desta mesa com tantas pessoas ilustres do direito autoral. Quero dizer também que a classe hoje se faz representada através do sindicato e de acordo com a Constituição, o sindicato é o órgão fiscalizador desse aproveitamento econômico das obras. Está representada aqui também pela Isabel Aires, que é presidente do Sindicato dos Compositores, Intérpretes e Músicos do Rio Grande do Sul. Eu gostaria de pedir uma salva de palmas para ela. Em São Paulo, nós já estamos organizando o sindicato há vários anos. Não é de gosto de muitos editores e da maioria das associações, inclusive da associação Ecad, porque o Ecad é apenas uma sigla. Ele é uma associação civil sem fins lucrativos e que está no papel junto com outras associações, de acordo com essa lei de direito autoral que nós temos, que eu considero e muitos autoralistas consideram como a chamada Lei da Vingança, porque na época, o relator Aloísio Nunes Ferreira, que era deputado federal eu inclusive tive várias discussões com o deputado Michel Temer, que era presidente do PMDB, para que tirasse o deputado Aloísio Nunes da relatoria dessa lei, porque no dia do debate, no auditório da Folha de São Paulo, ele foi notificado por três oficiais de justiça num processo do qual ele tinha roubado uma música do Caetano Veloso. Por isso nós a chamamos de a famosa lei da vingança. Nós lutamos tanto com ele quanto com o senador Romeo Tuma para que mudasse o artigo 99, que é a grande discussão e o grande problema nosso. Seria o certo o que nós pedimos: as associações organizarão o escritório central, empresa prestadora de serviço para as associações do direito autoral. Nós não conseguimos porque as multinacionais trabalharam em cima do deputado Aloísio Ferreira e do senador Romeo Tuma para que fosse mantida a palavra manterão, para que aqueles que estavam lá com esse modelo de 50 anos dessem continuidade. Essa é a minha primeira abertura. Nós vamos falar aqui na pauta com referência aos editores. O modelo editorial brasileiro ficou totalmente obsoleto depois da tecnologia, da internet. O que faz um editor? Ele tem que editar em disco cd e DVD partitura, arranjos para vender. Aqui no Brasil, o editor é arrecadador de direito de execução. Não existe nenhuma lei, nenhuma normatização oficial que diz que o editor possa cobrar direito de execução pública, então, isso precisa ser mudado, porque o compositor paga para o editor 25% do direito de execução; paga 20% para a associação Ecad. Na verdade são 19%, porque tem um 1% que é descontado para publicação de jornal e revista, não deixando inclusive o compositor fazer nenhuma matéria na imprensa. Eles pegam o próprio dinheiro do compositor e contratam jornalistas, revistas para que ele não possa falar em lugar nenhum. Não conseguimos fazer nenhuma matéria, em nenhum jornal, em nenhuma televisão e nenhuma emissora de rádio. Há aqui até mesmo um tablóide que publicou: Cinco mil emissoras de rádio e televisão não pagam direito autoral. Um total de R$ 400 milhões do compositor que estão retidos. Tem emissora que deve há 25 anos. O que faz esse órgão? Não tem força, não tem credibilidade. Esse modelo está falido. Nós temos que, por meio do ministério, dos artistas, inclusive do Gilberto Gil, que está aqui e foi ministro da Cultura, e nós tentamos, mas não conseguirmos conversar com ele para que ele pudesse fazer alguma coisa em relação a isso. Nós temos vários compositores, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, com sucesso no Brasil e no exterior, que morreram à míngua em pensões. Em São Paulo nós já tivemos que enterrar mais de 60 compositores que morreram à míngua, sem nenhuma assistência, porque as associações não querem saber. Inclusive tem um presidente de uma associação que, quando faleceu o grande compositor Vítor Simão um desbravador do direito autoral nos Estados Unidos, na Europa e na China o presidente da associação disse assim: ele já estava velho, precisava morrer mesmo. E de uma grande sociedade que faz parte do Ecad. Então, nós estamos aqui representando a classe. Nós temos em São Paulo 45 mil representados pelo sindicato, logo, nós temos uma base forte e nós vamos lutar por isso, para que possamos conseguir 1 Compositor e intérprete. 7

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais junto ao Ministério fazer algumas modificações, inclusive nesse artigo 99, que para nós as associações colocaram o monopólio ditatorial. Por exemplo, seis associações registradas não podem entrar no Ecad. Eles não deixam entrar, porque as seis associações que mandam não deixam. Daquele monopólio deles não pode participar mais ninguém, ali está bom para eles. E o órgão está totalmente obsoleto. Nós temos dois milhões de devedores de direito autoral que usam a música e não pagam. Por quê? O custo-benefício do órgão é muito grande, então, ele não chega ao pequeno e médio compositor, ao pequeno e médio usuário. Cobram apenas do grande e do grande cobram o direito autoral muito alto e aí vem a discussão do nãopagamento, porque o direito autoral está caro, mas é a incapacidade do órgão Ecad e das associações que o mantêm. Obrigado. 8

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais TRANSCRIÇÃO DA PALESTRA DE GILBERTO GIL 2 Bom dia, muito bom dia a todos. Antes de tudo, deixe-me parabenizar o Ministério da Cultura por essa iniciativa, pela seqüência a essa iniciativa que já estava prevista há algum tempo. O ministério já vem atuando nessa questão de abrigar os questionamentos, as demandas, os clamores públicos com relação à questão do direito autoral. O Brasil em boa hora organiza uma série de consultas à sociedade brasileira, no sentido de saber qual a visão que a sociedade brasileira tem a respeito de direito autoral, em que medida ela compreende a preocupação do Ministério da Cultura com relação à adequação, à atualização da lei autoral, em que medida a sociedade brasileira, principalmente os mais interessados, os agentes culturais diretamente ligados à vida autoral compreendem a necessidade da presença do Estado como fator moderador, regulador, fiscalizador, zelando pelos direitos, estabelecendo as pontes importantes entre o passado, o presente e o futuro, responsabilizando-se a si por meio de seus governos e responsabilizando a sociedade por esse aspecto de vigilância permanente, no sentido de garantir a dinâmica de atualização da lei de direito autoral no País, em função da extraordinária velocidade das mudanças no jogo dos interesses gerais, da entrada cada vez mais freqüente de novos atores, novos agentes, de novos interessados nesse campo, portanto, a nossa solidariedade irrestrita à iniciativa do Ministério da Cultura, enfim, a nossa presença aqui, a presença de todos, de artistas e dirigentes de instituições que defendem, protegem e associam autores, enfim, diz bem dessa resposta importante que a sociedade brasileira tem que dar a essa convocação. Eu, como muita gente sabe, sou um autor. Tanto autor como intérprete. Portanto, tenho interesses na questão autoral tanto como autor, quanto como músico e intérprete. E tenho uma presença de 50 anos na vida artística do País. Venho de uma época em que o direito autoral convivia com outras manifestações de direito de uma forma mais suave, mais amena, porque a intensificação do jogo veloz dos interesses não se havia dado ainda da maneira que vem se dando nos últimos tempos. Os interesses dos autores, na minha época, basicamente se restringiam à coleta dos direitos autorais, quer dizer, à coleta dos seus direitos. Essa coleta era outorgada às associações coletivas algumas clássicas que já vinham existindo no País há muito tempo e outras que surgiram justamente a partir da minha época, da minha geração. Especialmente porque houve um momento de estímulo e dinamização considerável da música no País, com a entrada da televisão, a intensificação dos meios de comunicação como veículos da música no Brasil; a chegada de novos autores; a inserção mais efetiva do Brasil num contexto internacional, no jogo cultural mais amplo. Até pela chegada de aspectos importantes da cultura internacional, da cultura cosmopolita mundial entre nós. Naquele momento, o direito autoral no Brasil foi obrigado a se expandir no sentido institucional, no campo da associatividade. E aí várias novas associações foram criadas, foram formadas exatamente ali, nos anos 60 e 70, momento em que duas ou três associações autorais que congregavam autores perdem aquela hegemonia de muitos e muitos anos, de várias décadas e passam a compartilhar com os novos autores, os novos interessados, os novos agentes da musica, o espaço com outras instituições. É quando surgem a UBC, a SBAT, a Sicam, a Sadembra... uma série de associações. E logo depois do surgimento dessas novas associações disputando espaços, enfrentando a hegemonia das velhas associações, desafiando os modelos de gestão, os modelos administrativos gerenciais dessas velhas associações. Portanto, essas novas associações provocam uma desestabilização no status quo e trazem à tona uma série de novas possibilidades e tudo isso basicamente coincidindo com um período complicado da vida brasileira, que é o período autoritário, período em que o Estado de Direito é fortemente golpeado no País. As conseqüências todos nós conhecimentos todos nós conhecemos, são da descrição da História do País, mas os impactos na área autoral foram muito grandes, especialmente por causa do desaparecimento do espaço democrático de convívio entre essas várias formas associativas e os instrumentos fiscalizadores do governo. O desmonte da vida democrática brasileira também provocou no campo autoral um desmonte significativo desse espaço democrático de debate e de operação da vida autoral no País. O CNDA que era um órgão regulador, normatizador do setor... que dizer, por mais precário que tenha sido, por mais merecidamente criticado que tenha sido, tinha um papel importantíssimo e desapareceu. Em seguida, o regime autoritário resolveu, num esforço mínimo de recomposição do campo institucional-autoral no País, criar o Escritório Central do Direito Autoral (Ecad), que é uma instituição que está aí até hoje, que 2 Cantor e Compositor. 9

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais de uma certa forma estabelece, como muitos compreendem, uma espécie de monopólio da função, da tarefa de arrecadação e distribuição de direito autoral no País. De certa forma, também se assenta numa espécie de inércia, de sofá, de cadeira confortável da inércia por falta de questionamento, por falta de até mesmo de uma instância governamental, uma instância do Estado brasileiro que além de garantir mais vida democrática para o direito autoral, impusesse também aspectos fiscalizadores mais rígidos, exigisse desse órgão central uma atuação mais adequada à complexidade da vida autoral brasileira, do sistema autoral e assim por diante. Então, nós vivemos hoje primeiro uma orfandade significativa nesse sentido. O setor apesar dos interesses variados que tem, apesar de ser um contexto amplo em que entram realizadores no campo das artes, interessados nos usos das obras protegidas por direito autoral como radiodifusores, agências de publicidade, enfim, todo um campo vasto, complexo, ocupado por vários autores, vários agentes e que não têm, nessa intermediação de interesses variados entre todos esses agentes, uma instituição reguladora que represente o interesse comum, o interesse público que seja exercido... o zelo por esse interesse que seja exercido, a fiscalização por esse interesse que seja exercida pelo Estado, por uma entidade do Estado representando o interesse de todos. Do ponto de vista desse debate que se instala aqui, a contribuição que os autores podem dar para a visão sobre o aperfeiçoamento da lei, como manifestar seus próprios interesses em relação ao que a lei possa contemplar e proteger melhor, representar melhor esses interesses, é preciso que a gente também considere o fato de que o campo autoral é muito amplo, muito complexo. Do ponto de vista dos próprios autores, quem são os autores? Você tem só nos detendo no campo da música, que é o que nos traz aqui hoje, se levarmos em consideração que há uma variedade enorme de autores em outras formas de expressão, em outras formas de artes, em outras formas de criação de bens e serviços culturais protegidos e que devem estar submetidos à proteção do direito autoral: a literatura, o cinema, a fotografia e por aí vai uma série enorme. Mas apenas nos atendo aos autores de música, aos interessados em música, nós temos que considerar para qualquer reflexão que façamos em relação ao direito autoral os autores e a variedade deles. Primeiro na questão etária, na questão dos tempos. Há os novos autores e os interesses dos novos autores necessariamente vão diferir, ainda que coincidam em muitos aspectos com os interesses de outros autores, porque eles pertencem a outros contextos, a novos contextos culturais com novas exigências, com novas dinâmicas, com novos aspectos de interação e etc. Em seguida, nós já temos uns autores em desenvolvimento, que já não são tão novos, cujo talento já está em desenvolvimento, cuja produção relativa a esse talento já está posta, já está na sociedade, no mercado, etc. eles já são parcialmente inseridos e parcialmente já demandam das instituições autorais, o trabalho, os serviços ainda que diferentemente dos novos autores, dos que estão chegando agora, cuja demanda já é diferenciada e evidentemente os autores consagrados, os velhos autores que provêm na sua maioria, ou na sua totalidade, dos tempos mais antigos, do tempo que a complexidade no campo autoral não se manifestava com se manifesta hoje, em que a própria questão dos interesses já estavam praticamente reduzidos aos aspectos da arrecadação e da fiscalização, um pouco também da difusão, do papel da difusão, das obras protegidas por direito autoral por parte da associação, por parte dos gestores, dos gerenciadores, dos administradores dos direitos era uma questão, mas basicamente os autores consagrados hoje os interesses básicos deles se restringem à arrecadação, à aferição dos benefícios, à remuneração pelas suas obras, enfim, em função da vida, ao longo dos anos dessas obras. Já aí nesse campo, a gente tem uma série de diferenças ou pelo menos, eu não diria propriamente conflito de interesses, mas divergência de interesses, um espraiamento de interesses variados, diferenciados entre os autores consagrados, os em desenvolvimento e os novos, que estão chegando agora para participar da vida autoral. Eu acho que a reflexão sobre qualquer mudança que possamos vir a fazer na lei autoral tem que levar em conta essas diferenças. Os autores, classicamente consagrados, antigos, que venham de um período como o que relatei aqui, devem ter seus interesses protegidos, resguardados, mas não devem ser os únicos a terem suas reivindicações e necessidades atendidas, não devem se impor como a única fonte de informação para o funcionamento do direito autoral no País. Os autores em desenvolvimento também têm que ser ouvidos, seus interesses também têm que ser contemplados. E os novos, os novíssimos que estão agora começando a entrar na cena autoral também precisam ser ouvidos naquilo que os diferencia em termos de interesse das categorias dos semi-desenvolvidos, dos que estão em desenvolvimento e dos consagrados, daqueles que já têm, digamos assim, a sua inserção garantida na vida autoral. Outra questão que eu acho que nós autores temos que reclamar no que se refere a uma possível mudança da lei é com relação à política autoral propriamente dita, o que e como se configura para todos 10

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais nós. As reservas de direito, por exemplo, sendo um dos aspectos importantíssimos. Como é que esses vários autores os consagrados, os em desenvolvimento e os novíssimos autores se colocam em relação a essa questão da reserva dos direitos. O que é ter os seus direitos reservados, preservados, garantidos. Quais as diferenças? Esses direitos também se diferenciam muito. Uma das questões, eu acho que a nova lei que venha a existir no País precisa se debruçar seriamente com relação à cessão de direitos. Ainda que a cessão de direitos seja um direito também, quer dizer, os autores têm o direito de ceder os seus direitos da maneira que lhes aprouver, é preciso que o Estado também tenha um sentido de garantir que essas cessões não sejam absolutamente descaracterizadoras dos próprios direitos, ou seja, a cessão de direitos, tal como é praticada, tal como os contratos da minha época... eu sou da época em que nós assinávamos contratos de cessão em que todos os direitos auferidos pelas obras eram transferidos para os administradores, para as associações que administravam esses direitos, definitivamente para a vida eterna, para todo o sempre, para todas as gerações, para o futuro da obra até a chegada do domínio público. Essa transferência de direito era absoluta, total dada às associações que representam os autores. Eu tenho a impressão que ainda que tenha diminuído muito a ocorrência de contratos desse tipo, ele ainda existe em alguns casos e eu tenho a impressão que o Estado, a lei deveriam de alguma forma se referir ao sentido perigoso, aos aspectos negativos, aos grandes riscos que os autores e suas obram correm à medida que tenham esses direitos a titularidade, a tutela desses direitos absolutamente transferidos para as associações por meio de contrato de cessão. Outra questão que a lei que venha a se renovar no Brasil deve considerar é a entrada de novas possibilidades de gestão de direitos por parte dos autores. Nós temos classicamente as associações de administração de direito autoral, como são conhecidas. Eu citei aqui umas antigas, outras mais novas, surgidas na década de 70. É possível que ainda mais recentemente algumas outras tenham surgido, mas é preciso levar em consideração que especialmente com o desenvolvimento das novas tecnologias, com as possibilidades extraordinárias de comunicação, de autogestão, de trabalho doméstico, de auto-empreendedorismo, etc. e todas essas novas formas de autonomia possíveis para autores no mundo, você também tem diante de si a possibilidade da autogestão, não a gestão coletiva, mas a autogestão (ou a gestão em pequenos grupos coletivos). A própria autogestão, a gestão direta dos autores por meio dos licenciamentos autorizados, feitos diretamente pelos autores, do estilo, por exemplo, do Creative Commons, que é um dos modelos existentes hoje no mundo. Enfim, a lei também, deverá criar, garantir o espaço, estabelecer as novas formas de normatização, de fiscalização nesses novos modelos de gestão de direitos pelo próprio autor ou por pequenas, micro-associações, etc., etc. E finalmente, para dar uma última passada nas questões palpitantes nesse campo e de como a nova lei tem que se colocar diante dessa questão, a necessidade de um órgão regulador por parte do Estado, que seja nos moldes do antigo Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), nos moldes de uma agência, como tantas outros setores que congregam variedades de interesse de exploração econômica, de bens e serviços aos moldes dessas outras tantas agências que existem por aí e fazem essa mediação de interesses entre o público e o privado, ou seja lá de que forma for. Outra questão em que a sociedade é demandada a se pronunciar a respeito de qual o melhor modelo para a existência dessa entidade, conquanto o fato de a necessidade de existência dessa entidade é algo que não precisa nem se discutir. Eu acho que todos concordam que é preciso haver instância fiscalizadora, normativa, mediadora de interesses; estabelecedora de eqüidistância de equilíbrio de interesses variados. Essas seriam atribuições de um órgão desse tipo: um Conselho, uma Agência. O melhor modelo é algo que deve ser debatido, proposto, absorvidos das experiências existentes em outros campos, mas, sem dúvida alguma, já é hora do Estado brasileiro recompor a instância normativa, ordenadora, fiscalizadora, coordenadora, articuladora dos interesses do direito autoral no Brasil pela existência de um novo órgão. Eu não quis aqui, eu não tenho particularmente propostas pessoais a fazer no sentido de dizer, eu acho que a lei pode melhorar para velhos autores como eu, com 50 anos de atividade autoral e ao mesmo tempo ainda profundamente interessado nos novos autores, nas novas formas de exercício da autoralidade por parte dos novos e novíssimos autores. Eu ainda participo muito desses interesses. Aliás, eu esteja hoje voltado ainda mais para o interesse dos novos do que para o interesse dos velhos autores com eu, no sentido de garantir salubridade, saúde institucional, digamos assim, para o campo autoral. Para os que estão vindo, os novos, os meus filhos, meus netos, enfim, para todos os jovens autores brasileiros que estão chegando por aí. Então, eu não tenho particularmente nada a propor. A proposta é que de fato nos debrucemos sobre a questão da necessidade de atualização, os novos interesses, as novas possibilidades negociais, os 11

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais novos usos, as novas formas de titularidade. Tudo isso implica na necessidade de que a gente pelo menos almeje uma lei nova que dê conta dessas novas complexidades. O nosso papel, portanto, é este: participar nesse processo convocado pelo Ministério. Na verdade, não só pelo ministério, mas o que ele está fazendo é responder a uma demanda variada, difusa. Eu diria até, em muitos casos, que vem dos microautores até os grandes usuários, quer dizer, a mediação entre esses interesses do microautor, do microdetentor, do microtitular de direito e dos grandes usuários das obras desses criadores. Esses interesses precisam ser mediados, eles não se confundem totalmente nem o tempo todo; o interesse dos grandes usuários nem sempre coincidem com os interesses dos autores e das associações que os representam, daqueles que têm a autogestão e assim por diante. Então, eu queria encerrar dizendo exatamente que precisamos manter essa mobilização, a efetiva atuação desses espaço público criado por todos nós por intermédio do governo, das associações, dos autores, dos indivíduos. As contribuições vão chegar aos poucos, os casos específicos em que o autor instrui, diz que tipo de aspecto de maior proteção, de maior apoio a lei pode dar a sua autoralidade, a sua obra; assim também para as associações coletivas, para os sindicatos, para os órgãos que associam e protegem autores de várias formas junto ao Estado, junto à sociedade. Queria agradecer e parabenizar mais uma vez o ministério e a sociedade brasileira por esta iniciativa. 12

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais PALESTRA PROFERIDA POR ANA TERRA 3 Nosso planeta está passando por um momento onde atingimos o ápice do ciclo cujas regras são ditadas por um conselho presidido pelo deus mercado. As conseqüências estão aí. Vivemos uma guerra civil global e nunca se viu tantos crimes bárbaros porque a essência da vida que não está mais em nós se vinga e reaparece pelo lado mal das coisas. O grande desafio do século XXI será rever os princípios, as premissas que norteiam nossas praticas de vida. E muitas vozes, no mundo inteiro clamam pela volta da vida. Não me darei à pretensão de apresentar um texto jurídico diante de tantos especialistas no assunto. Não sou advogada, sou artista, autora, embora venha há mais de trinta anos advogando a causa dos meus colegas compositores e intérpretes. Também como cidadã, venho participando de muitos movimentos políticos em defesa dos princípios que orientam minha vida. E é dessa condição, de artista e cidadã que darei meu depoimento neste seminário. Quando comecei profissionalmente como compositora tive vários espantos. Admiradora desde a infância, da música popular brasileira e de seus maravilhosos autores e intérpretes, ao conviver de perto com alguns dos meus ídolos, a realidade se mostrou muito distante da imagem que as pessoas em geral fazem do mundo artístico. Vou trazer fatos porque foram fundamentais na minha trajetória para tentar compreender vários paradoxos. Foi um presente do destino conhecer e conviver com o autor dos versos que mais me emocionaram na infância. Lembro até hoje de meu espanto de menina ao ouvir no rádio a seguinte frase cantada: pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz 4. Por conta de minha inclusão na família, convivi como nora e depois como amiga e mãe de seus netos, com os nossos saudosos Dorival Caymmi e Stella. Posso dizer que os dois me proporcionaram por mais de três décadas muitos dos melhores momentos da minha vida. Sentado em sua cadeira de balanço num apartamento comum de classe media, em sua querida Copacabana, Dorival calmamente ia me respondendo as perguntas que eu, abismada, lhe fazia. Porque evidentemente eu não compreendia o motivo de um dos mais importantes nomes da canção brasileira não ser um homem rico. É claro que tanto eu quanto ele fazemos parte de uma classe que é privilegiada num país em que fazer três refeições por dia é sem dúvida um privilégio. Mas o que me espantava era ver que os gerentes da nossa profissão, isto é, empresários, produtores, advogados, administradores e editores, faziam parte de uma outra elite: a que ganha muito dinheiro com a obra dos profissionais do Núcleo Criativo. Chamo de Núcleo Criativo aquele formado pelos únicos elementos indispensáveis à existência da obra musical: o autor e o intérprete. Sem a autoria não há obra. Sem a interpretação não há comunicação da obra. Por haver uma conexão natural entre eles os direitos do intérprete (cantor, instrumentista, arranjador) são conexos aos do autor. Por trabalhar com as palavras e gostar muito delas implico às vezes por motivos estéticos, outras vezes por motivos éticos, com algumas delas quando as empregamos mal. Por exemplo, a palavra cadeia me remete sempre a prisões. A expressão cadeia produtiva da música me incomoda muito mais porque coloca o autor e o intérprete como simples elos de uma enorme corrente quando eles são a única razão da existência de inúmeros profissionais do universo econômico da música. Claro que muitos são honestos e bons parceiros, tenho amigos pesquisadores, produtores, empresários, advogados e não estou fazendo críticas pessoais, mas sim ao conceito que inverte e corrompe o sentido das coisas. Quem tem direito de fato de estipular preços e contratar esses serviços são os artistas e não o contrário O que tenho assistido é uma grande quantidade de profissionais que na verdade integram, como diz um amigo músico, a cadeia destrutiva da música, se comportarem como donos do artista e de sua obra. Voltando ao Dorival, e sua cadeira de balanço, fiquei sabendo no inicio dos anos setenta que a maior parte de seu repertório era gerido por editoras musicais. Como assim, editoras musicais?? É que antigamente, minha filha, a forma de divulgação da música era feita por partituras. Com a partitura impressa os 3 Compositora e escritora. 4 Saudade da Bahia, música de Dorival Caymmi. 13

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais compositores corriam as orquestras para tentar divulgar seu trabalho. Ainda não era o disco gravado, mas as grandes orquestras o principal difusor da música. Sim, Dorival, mas agora É O DISCO!!! Para que servem as editoras AGORA??? Pois é, Aninha, hoje elas só servem para autorizar gravações e fazer adiantamentos que a gente está sempre devendo. Mas o compositor não pode autorizar e receber direto da gravadora? Não minha filha, porque a maioria das editoras hoje em dia é das gravadoras e tem uma tal de cessão de direitos que o compositor é obrigado a assinar senão não é gravado. - E as sociedades de direito autoral que você ajudou a fundar? Ih, nem queira saber... o inicio foi terrível, chamavam até a policia quando se falava em cobrar direito autoral das casas noturnas que usavam a nossa música e não queriam pagar. Aliás, a idéia de que a autoria da música devia ser paga nasceu de um episódio na França. Compositores jantavam num restaurante quando músicas deles eram executadas. Depois do jantar, levantaram para sair e o dono do estabelecimento veio cobrar a conta. Eles responderam: a conta está paga. Foi paga com a nossa música que vocês serviram aos fregueses. Bom, agora deixemos em paz o bom Dorival e vamos ao meu discurso. Essas sociedades que eram arrecadadoras e distribuidoras do direito autoral foram proliferando de tal maneira que causavam uma enorme confusão na hora de cobrar dos usuários. Músicos e aliados então resolveram a desordem da seguinte forma. Seria criado um órgão normativo e de fiscalização, o Conselho Nacional de Direito Autoral e uma central única, uma empresa privada constituída pelos titulares de direito autoral. Criou-se então o CNDA e o ECAD - Escritório Central de Arrecadação de Direitos, Pela lógica do bom senso não haveria mais necessidade de sociedades mas pela lógica do empreguismo, as sociedades continuaram a existir meramente como repassadoras dos pagamentos do Ecad aos respectivos associados. E mais que isso, como gravadoras e editoras são tidas como titulares do direito autoral junto ao Núcleo Criativo, e o ECAD é dirigido pelos seus donos, um conselho formado por essas sociedades administra o ECAD. Conheço bem essa estrutura porque fui fundadora do quadro de compositores e exerci cargos eletivos na AMAR- Associação de Músicos, Arranjadores e Intérpretes, primeira sociedade dirigida apenas por titulares do Núcleo Criativo, e que foi fundada com o objetivo principal de defesa do direito conexo do músico. Acho importante esclarecer vários equívocos que são repetidos irresponsavelmente e acabam também se naturalizando: O ECAD não é estatal. O ECAD não é monopólio. O ECAD cobra em nome dos titulares a remuneração do seu trabalho. Portanto, os funcionários do ECAD não são porta-vozes da classe e não podem participar de decisões políticas como por exemplo ter assento na Câmara Setorial da Música como aconteceu ou no Colegiado que a substituirá. O ECAD também não pode impedir que nenhum titular possa receber diretamente do ECAD seus pagamentos se não quiserem pertencer a nenhuma sociedade. Já consultei vários advogados e eles reafirmaram o raciocínio óbvio: o direito constitucional de livre associação assim como não impede também não obriga ninguém a se associar contra a sua vontade. E mais ainda óbvio, os proprietários da empresa é que decidem a forma de sua remuneração e não os empregados. Quem pode mais, pode menos. A demonização do ECAD pela mídia serve aos interesses dos proprietários dos meios de comunicação, muitos deles políticos profissionais, e outorgantes das concessões publicas, que não querem pagar direito autoral. Nesta cultura institucionalizada do furto do trabalho alheio, estão tentando convencer o consumidor das obras musicais que esse trabalho não deve ser pago. Como assim? É um comercio como outro qualquer! Porque as instituições não querem pagar a música que utilizam dando esmola com o chapéu alheio? Se por exemplo numa cerimônia de casamento alem das flores, do vestido da noiva, do bufê, até o padre é pago, porque não a música? Que lógica maluca é essa? Penso agora como realmente a história se repete como farsa. Quando a farra de download começou na internet, nem o poder publico nem a sociedade civil ensinou aos meninos que isso era furto e que furto é crime. 14

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais O crime se naturalizou com a idéia que a internet é um território livre e democrático quando todos sabem que grandes corporações são proprietárias desse imenso território virtual. Naturalizou-se o furto também quando a prática de comprar CDs pirateados começou a ser justificada com o singelo argumento que os CDs originais são muito caros. Bom, já que é assim, proponho eu a vocês, vamos todos falsificar cédulas de dinheiro porque o dinheiro original é muito caro! Naturaliza-se o crime quando as palavras e os conceitos são corrompidos. Quando os proprietários de casa noturna cobram o chamado couvert artístico e esse dinheiro não vai integralmente para o artista. Quando as gravadoras pagam o cachê do músico e o obrigam a assinar um recibo ilegal de cessão de direitos autorais. Quando a pessoa jurídica, como gravadora e editora, escoradas em acordos internacionais escusos, se apropria de um direito que é exclusivamente da personalidade, da pessoa física, do artista. Seguindo essa lógica, é natural então que os músicos solicitem ao estado o direito à isonomia. Trocando em miúdos, que os músicos sejam incluídos formalmente como sócios da pessoa jurídica. Que nossos nomes sejam incluídos, como acionistas e recebam os dividendos, na razão social de todas as empresas industriais e comerciais que se utilizam da obra musical, inclusive provedores de acesso à internet e a indústria da informática. Além desta lembro outra proposta e que tem precedente histórico na Inglaterra, que pelo o que eu saiba, é um pais capitalista. A famosa BBC de Londres é financiada por uma taxa incluída no preço dos aparelhos de TV vendidos. Já que é tão difícil coibir o furto na internet e como dizem, baixar música de graça já é cultura então vamos encontrar uma solução para remunerar o trabalho dos autores, instituindo uma taxa no preço de todos os suportes físicos que permitem o uso da internet. Repito mais uma vez: sem a autoria não há obra, sem a interpretação não há comunicação da obra. A criação artística nasce de um estado subjetivo da personalidade, anterior e independente das normas jurídicas, mercadológicas, sociais e políticas. E agora passando de leve no terreno do direito formal cito o jurista Goffredo Telles Jr. 5 A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens. O direito objetivo autoriza a pessoa a defender sua personalidade de forma que os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a identidade, a sociabilidade, a reputação, a honra, a autoria. São direitos comuns da existência, porque são simples permissões dadas pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta. As diretrizes gerais do Plano Nacional de Cultura, estão num caderno impresso que se destina à difusão dos debates públicos que vem acontecendo em todo o pais por iniciativa do Ministério da Cultura e está aberto às contribuições que vão subsidiar a relatoria do Projeto de Lei 6835/2006 que instituirá o Plano Nacional de Cultura do Brasil. Este Plano orientará a atuação do Estado brasileiro na próxima década na aplicação de políticas públicas na área da cultura. No item 4 dos Valores e Conceitos do Plano está escrito: A sociedade brasileira gera e dinamiza a cultura, a despeito da omissão ou interferência autoritária do Estado e da lógica específica dos mercados. Não cabe aos governos ou às empresas conduzir a produção da cultura, seja ela erudita ou popular, impondo-lhe hierarquias e sistemas de valores... Bom, vamos resumir o papel que o estado e os governos tem feito na área musical. Quando a indústria fonográfica multinacional se instalou no pais foi financiada através do governo pelos trabalhadores brasileiros como aliás é pratica corrente em todos os setores. A música estrangeira que aqui chegava produzida e paga nos paises de origem, era majoritariamente divulgada pelos meios de comunicação, concessões públicas, diga-se de passagem, e consumidas por nós, colonizados que somos. Fomos abençoados por Deus que dotou os músicos brasileiros de extraordinário talento e isso ninguém pode negar. O que o estado fez? Como forma de incentivar a produção fonográfica da música brasileira, isentou do pagamento de impostos, o ICM na época, as gravadoras multinacionais. Então não houve investimento de capital estrangeiro como nunca há. Quem financiou a música brasileira de mercado foi o dinheiro do trabalhador brasileiro que o estado repassou pelo mecanismo da 5 G. Telles Jr., Direito da Personalidade, em Maria Helena Diniz. Teoria Geral do Direito Civil. 15

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais renuncia fiscal. E continua repassando até hoje, por meio da lei Rouanet. O estado e os governos brasileiros tem como tradição financiar com dinheiro público as empresas privadas nacionais e estrangeiras de todos os setores. Na área da cultura, o Ministério da Cultura adota essa pratica que é repassar os recursos públicos para as empresas escolherem quem elas vão patrocinar como se fosse seu investimento! Ao seguirem a lógica do mercado escolhem somente os produtos que lhes dêem maior visibilidade! É com essa lógica de mercado que as empresas financiadas pelo dinheiro público escolhem que projetos serão patrocinados! Sem falar, só para dar um exemplo, do Cirque de Soleil, empresa estrangeira favorecida por recursos subsidiados através da lei Rouanet criada para o incentivo à cultura brasileira. Alguém pode perguntar se eu defendo o intervencionismo do estado. Mas o estado é intervencionista por definição, haja visto a gigantesca operação do país ícone do capitalismo que transfere bilhões de dólares para salvar o Grande Cassino da Especulação Financeira levando á ruína milhões de trabalhadores em todo o mundo. O estado, intervencionista por natureza, poderia por exemplo intervir para equilibrar as relações desiguais entre capital e trabalho, que é a função do estado democrático. Poderia não ter dado poder de veto às empresas que foram convidadas para pactuar com os músicos na Câmara Setorial da Música. Pactuar o quê? Desde quando as classes dominantes pactuaram alguma coisa com o trabalhador a não ser por pressão? O Estado intervencionista poderia por exemplo deixar de tratar o artista e o pequeno produtor como um bandido que precisa apresentar milhões de comprovantes e cartas de anuência para solicitar, não o dinheiro, mas a autorização para pedir pelo amor de Deus a uma empresa que financie o seu projeto com o dinheiro que é dele, do vizinho, da população enfim, é surreal... Se a cultura, como os outros setores precisam de financiamento, porque não destinar os recursos da renuncia fiscal para o Ministério, como o nome está dizendo, da Cultura, gerir esse dinheiro? Em vez de patrocínios personalistas, por que não cria mecanismos de circulação para os milhares de profissionais músicos auto produtores do país que não querem ou não podem pagar o jabá para terem suas obras veiculadas pelos meios de comunicação, só lembrando, concessões públicas? Por que não reapropriar os espaços públicos federais, estaduais e municipais como as universidades, escolas, centros culturais, meios de comunicação, teatros para que o artista autoprodutor possa trabalhar? O músico profissional não quer esmola, só quer ter condições dignas de trabalho como todo e qualquer cidadão. E, para encerrar, peço emprestada uma frase do filósofo contemporâneo Antonio Negri: Todos os elementos de corrupção e exploração nos são impostos pelos regimes de produção lingüística e comunicativa: destruí-los com palavras é tão urgente quanto fazê-los com ações. 6 6 IMPÉRIO/Michael Hardt, Antonio Negri. 16

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais PALESTRA PROFERIDA POR AMILSON GODOY 7 Bom dia a todos e a todas. Primeiramente quero cumprimentar os colegas participantes dessa mesa, Ana Terra, Carlos Mendes nosso mediador Daniel Campello Queiroz e, não só cumprimentar como também parabenizar nosso ex ministro da Cultura, Gilberto Gil, enquanto ministro, pela iniciativa que teve em buscar dotar o governo brasileiro de uma política pública para a cultura. E afirmar que ele já é um vitorioso com esse intento. Este encontro sobre Direito Autoral é fruto desse encaminhamento e aqui estou mais uma vez, a convite do Ministério e referendado pelos Fóruns estaduais organizados, representando os meus colegas músicos, auto produtores de17 estados do Brasil, a saber: PA, AL, SE, MA, BA, PE, PB, RN, CE, MG, RJ, SP, PR, RS, MS, DF e GO. Reforça ainda esta satisfação o fato de ter participado do inicio da carreira musical do nosso ex ministro, quando por volta de 1966,67 era eu integrante do Bossa Jazz Trio e acompanhando Elis Regina gravamos suas primeiras músicas: Samba de Roda e Louvação. Era o Gil em início de carreira, assim como muitos iniciantes espalhados por este Brasil, que pouco ou nada sabia sobre os relacionamentos profissionais, contratos editoriais, Direitos Autorais, associações arrecadadoras, etc. Com certeza a sua força propulsora era exclusivamente a vontade de criar, pouco se importando onde assinar e o que estava escrito naqueles papéis que lhe apresentavam. Além do ministro, são inúmeros os casos, que poderíamos citar. Com certeza todos nós conhecemos alguém que foi vítima desta relação, ou até mesmo nós tivemos este problema. Hoje, a grande maioria dos compositores já desenvolveu um sistema próprio de defesa, porém devemos voltar nosso olhar não para as atitudes isoladas, mas sim para a busca da fundamentação legal, que é o que norteia as relações e estabelece todo e qualquer comportamento. Os iniciantes são os que mais sofrem e conforme já me pronunciei a respeito em encontros anteriores, isto acontece porque o artista sempre foi refém de uma situação. É comum o compositor, intérpretes e músicos, para registrar seus trabalhos, fazer qualquer tipo de negócio sem nenhuma exigência, assinar qualquer papel que lhe coloquem a frente e que custou a muitos colegas, em muitos momentos, perda total de qualquer direito, ou mesmo de suas obras. Lembro-me muito bem das queixas dos colegas e do momento que muitos foram expulsos da sociedade em que eram filiados, a SICAM porque solicitaram uma simples prestação de contas. Lembro-me, que a SICAM, por volta de 1974,75 e com outro comando (para que os compositores começassem a receber seus direitos de execução pública desvinculados da exploração dos Editores), implantou na sociedade o sistema da Filiação Direta. Lembro-me da alegria do presidente da associação, quando conseguiu driblar os olhos da ditadura fazendo chegar recursos as mãos do nosso ministro Gil, quando estava ele no exílio. Lembro que no passado chegamos ao cúmulo dos organismos de classe representativos dos músicos brasileiros, a saber: Ordem dos Músicos do Brasil e depois Sindicatos do Rio de Janeiro e São Paulo, assinarem um convênio com os produtores fonográficos reconhecendo que os músicos não tinham nenhum direito a receber, portanto que receberiam aquela sobra de arrecadação dos Direitos Conexos em forma de doação, para colaborar com a finalidade assistencial da laboriosa classe musical. Lembro-me também que por 13 anos os Direitos dos músicos sumiram na calada da noite. Recordo-me com orgulho de que no final da década de 70 iniciamos em São Paulo um movimento com a criação de um organismo chamado UBM (União Brasileira dos Músicos) reunindo na sua maioria músicos de São Paulo e Rio de Janeiro e com ele reestruturamos a ASSIM (Associação de Intérpretes e Músicos) e conseguimos fazer com que a partir de 1982 estes direitos começassem a chegar às mãos de seus legítimos donos. Os músicos acompanhantes brasileiros. Existem muitas histórias no Direito autoral e para que caminhemos à frente nessas relações é muito importante que ela não seja esquecida. Nem as histórias e nem os personagens, pois estamos em um momento em que o nosso governo novamente atende solicitação da categoria na realização desses encontros, em busca de um novo marco legal, e traz para um debate aberto este tão controvertido tema, que há muitos anos tem ocasionado calorosas discussões. Dessa vez não é com a mão pesada do estado, originário de um governo ditatorial e militar, mas sim dando prosseguimento aos trabalhos iniciados pela Câmara Setorial, com seus Grupos de Trabalhos específicos, de uma forma aberta e democrática, ouvindo a sociedade. Como assim quis o Ministro Gil e com certeza também assim deseja nosso Ministro Juca Ferreira. 7 Pianista, maestro, arranjador e compositor. Representante do Fórum Nacional de Música. 17

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais Dos levantamentos auferidos por todo o Brasil, propostas surgiram em razão da busca pela transparência de um sistema, que há muito vem sendo questionado: O modelo autoral brasileiro. E esta é a primeira reflexão que devemos fazer sobre o que estará em discussão nesta mesa. Compositores, intérpretes e músicos, para terem as suas criações inseridas no mercado musical, são compelidos a negociar seus principais direitos em termos contratuais, os quais nem sempre lhes são satisfatórios. Via de regra, perdem o controle sobre os destinos de suas próprias criações (...)...Editoras, gravadoras e associações autorais da área musical exercem em nome dos criadores seus principais direitos (...) E por fim a indagação: No que a lei poderia ajudar para que o autor tenha uma maior controle quanto ao aproveita mento econômico de suas obras...? Eu apenas colocaria uma retificação nesta pergunta: No que a Lei poderia ajudar para que o CRIA- DOR (e não o autor) tenha um maior controle quanto ao aproveitamento econômico de suas obras. Isto porque a Lei brasileira protege as criações do espírito de qualquer forma exteriorizadas e não apenas a autoria musical. Se a intenção da Lei é a de proteger a criação, necessariamente o processo criativo tem que estar entendido, respeitado e defendido em toda a sua extensão. Além do mais são diversas as relações criativas e de negócios existentes e aqui apontadas. Cada uma delas tem a sua particularidade e por isso há a necessidade de uma apreciação distinta para cada uma dessas relações. Por isso é necessário que os mecanismos de defesa sejam ampliados e adequados ao mundo moderno de modo a não prejudicar os criadores. É necessário ter em mente que mesmo os bens da natureza são comercializados. A sociedade paga pela água, pelo feijão, pelo arroz, pelo petróleo, pelas frutas, e também pelos cadernos, pelos livros... E da exploração do petróleo paga-se royalties. Qual a razão para socializar apenas o bem criativo, que alguns propõem, enquanto todo resto obedece às regras do mercado? Por que a total liberalidade que pleiteam? Que sejam profundamente avaliadas as propostas de flexibilização do acesso aos bens criativos. Lembrando a atriz Cacilda Becker, Insisto no que disse no último encontro sobre a matéria: Que o governo não permita que peçam ao criador que ele doe a única coisa que tem para vender. Que se tenha uma visão de futuro do Direito Autoral. Não só para a fruição dos bens criativos como também para a sua exploração econômica. Que se tenha em mente que o Direito Autoral é a garantia de sobrevivência do artista, do criador. Este profissional que cada dia que passa é obrigada a buscar a sua segurança em alternativas próprias, casuais e extemporâneas. Mesmo os organismos públicos de cultura, que até recentemente mantinham orquestras, hoje estimulam nessas criaturas a criação de empresas, ONGS, OCIPS, OS, FUNDAÇÕES, etc, tirando de si qualquer responsabilidade do cuidar desses organismos, como se eles fossem um problema a ser resolvido e não a razão de sua existência. Que assim seja, mas que não nos desarmem. Não desarmem os criadores. Não desarmem os artistas. A nossa criação é também a nossa sobrevivência. Vamos corrigir as distorções existentes nos beneficiados pelo sistema autoral. Nos recursos destinados ao papel da intermediação em detrimento de outros criadores, que nada recebem. Vamos rever o papel que cada um dos titulares exerce no sistema e como decorrência o quanto recebe por isso, adequando seus ganhos a outra realidade. Vamos rever as partilhas dos Direitos Conexos. Vamos ampliar os benefícios da Lei atendendo dignamente os compositores e músicos eruditos. Vamos corrigir o comando das ações no ECAD, limitando o poder das multinacionais. Vamos buscar um Direito Autoral participativo, que atenda as necessidade do mundo moderno e que em nenhuma hipótese prejudique os criadores. Vamos estar atentos à volta da música nas escolas e às futuras gerações. Vamos estar atentos às Leis de Incentivo à Cultura e às produções musicais custeadas por incentivos fiscais. Vamos estar atentos aos benefícios que daí se pode extrair para o criador, sem alterar as intenções e objetivos da Lei. Conforme me manifestei no último encontro: As Leis de Incentivo não são um ato de benevolência praticado pelo poder público. Não é um favor que o estado brasileiro presta aos artistas do País. Esta foi à maneira que estes organismos encontraram para remunerar os profissionais das artes, porém com um agravante. 18

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais O remunerado não tem direito a férias, 13º salário, garantia de emprego, renda mensal assegurada, ou mesmo a cobertura social e trabalhista, que qualquer trabalhador possui. O artista fica a mercê de um recebimento que depende unicamente do seu esforço e que acontece quando consegue convencer um patrocinador qualquer a prestigiar seu trabalho, e ai sim, ter seus ganhos assegurados, mesmo que este patrocinador seja o governo. Assim é também o sagrado Direito Autoral. Que os olhos da Cultura se voltem para as relações editoriais, que seja reavaliada esta relação compositor-editor. No passado, o editor musical possuía realmente um papel imprescindível. A obra somente chegava ao conhecimento do público pelas partituras. Sem elas não existiriam divulgação, repertório, orquestras, pois nesta época, a manifestação musical ocorria apenas por execuções ao vivo. Há muito tempo não é mais assim. A música que hoje se faz, se divulga, arrecada e distribui Direitos Autorais, não é mais a mesma, porém o entendimento musical expressado pela doutrina autoral, é como se continuasse sendo, quando atribui ao Editor Gráfico um papel que ele não exerce mais, ou seja: conceitua-se sobre a música erudita e Legisla-se sobre a música popular. Este modelo desigual de distribuição autoral, assim como determinadas práticas de relações comerciais adotadas por Empresas de Produção Artística, Gravadoras e Editoras Musicais, têm se mostrado injustas ao longo dos anos. Práticas ortodoxas, que sempre ocasionaram no meio artístico o descontentamento de compositores, intérpretes e músicos, ou seja, dos criadores musicais e, por mais criticado que fosse o sistema nunca se alterou. Novamente venho em missão de paz propor a reflexão de todos nós, da cadeia produtiva da música, sobre o nosso caminho, os nossos negócios, os nossos direitos, rever os critérios de distribuição do Direito Autoral, que ainda hoje continuam a ser praticados da mesma forma como eram no passado e, por fim, nestas relações, buscar o justo e não as sobras. Como das outras vezes, as Associações de Direitos Autorais, não podem ficar de fora desta análise, pois são elas, com critérios questionáveis de comando, que dirigem o ECAD, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição dos Direitos Autorais e Conexos, originários da execução pública no Brasil. Para que o criador tenha acesso ao recebimento dos seus Direitos de Execução Pública não lhe é facultada a possibilidade de receber diretamente do ECAD e sim através de um organismo constituído para esta finalidade, que são as Associações de Titulares de Direitos Autorais, contrariando a própria Constituição. Quem são elas? Que interesses representam? O que defendem as Associações? Defendem elas sua sigla, propósitos ou mesmo os seus objetivos iniciais? Hoje, além de se tornarem meramente repassadoras de recursos, para terem acesso a todas as formas de recebimento, a maioria delas adequou seus objetivos sociais, defendendo e representando todos os Titulares de Direitos, que muitos afirmam serem interesses totalmente antagônicos, mesmo porque nós sabemos que há uma diferença muito grande entre defender e representar. Apenas quando o criador é o auto produtor é que pode haver uma convergência de interesses. Não sendo assim, em momentos de negociação, de que lado ficam as Associações? Todas defendendo esta pluralidade de interesses, pois uns são os exploradores da criação, enquanto os outros são os criadores... Como se dá esta defesa/representação em uma mesa de negociação? Quais são os direitos preferenciais? Quais os privilegiados? Este foi um dos motivos que fez com que, nós do Fórum Nacional de Música reivindicássemos nas reuniões da Câmara Setorial, esses encontros abertos, por entender que nos acordos realizados em salas fechadas o espírito democrático é sensivelmente comprometido e prejudicado, e a justiça dificilmente vivenciada e aplicada. Por isso devemos publicamente rever as posições, reavaliar as condições, sugerir propostas tendo o governo brasileiro como árbitro e, quando necessário, em nome da legalidade, interferir. E para que este procedimento não sofra interrupção, é com pesar que constatamos que, em vista da incapacidade da sociedade civil em administrar seus próprios negócios, torna-se imprescindível a criação de um organismo regulador e fiscalizador do sistema autoral brasileiro. Para concluir tenho a dizer que muito me orgulha ter sido lembrado pelo ilustre professor Antonio Chaves, catedrático maior da cadeira de Direito Autoral na Faculdade São Francisco em seu último trabalho em vida. 19

Mesa 1: Autores, artistas e intérpretes de obras musicais O professor utilizou parte dos meus escritos e se assim o fez, foi por ter concordado com as reivindicações encaminhadas pela Associação de interpretes e Músicos (ASSIM) em 1985 ao CNDA, época em que presidia a Sociedade, documento este que serviu como reforço de inspiração para a reforma da lei 5988. A página é a 402, o título do livro é Direitos Conexos, publicado pela Editora LTR em 1999. Reproduzo aqui parte do que o eminente professor aproveitou dos meus escritos (...) Nós da ASSIM ficamos satisfeitos em saber que a nossa profissão pode beneficiar outras categorias, o que os músicos e intérpretes da ASSIM se recusam é serem espoliados. Se recusam a ver toda uma categoria ser usada para beneficiar os intermediários. Ser usada e espoliada num momento em que, a cada dia, o mercado de trabalho se torna mais escasso, colocando em risco até a continuidade da profissão. Uma profissão da maior dignidade, que por não oferecer um horizonte promissor e seguro, traz até conflitos familiares quando um jovem transmite aos pais o desejo de ser músico e, ser músico neste nosso país é um ato de coragem e abnegação. Abnegação às coisas do espírito, movimentando uma máquina industrial que não sabe retribuir condignamente os profissionais que a sustentam e, esses se vêem como cordeiro entregue aos leões na arena, corajosamente resistindo essa invasão cultural, corajosamente mantendo a produção nacional com gravações independentes. Num país que já foi o quarto mercado mundial do disco, o artista brasileiro se vê obrigado a arcar com os custos de uma gravação independente para poder registrar seu trabalho, não por opção, mas sim como única alternativa (...) O arrazoado continua e coloquei parte dele neste momento para demonstrar que nada se alterou até agora e, se é para fazermos alguma coisa, vamos propor mudanças que interfiram positivamente no nosso mundo criativo. Se não existe precedente no mundo que recompense os criadores da forma como aqui expusemos, que o Brasil, com coragem de esse exemplo e mostre a magnanimidade de nossos legisladores. Se pela música o nosso país é respeitado no exterior, vamos fazer com que também seja pelas leis que protegem seus criadores. Em nome do Fórum Nacional de Música Muito obrigado. 20