LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA

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11 a 14 de dezembro de 2012 Campus de Palmas

Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ANIMAIS CURSO DE ESPECIALIZAÇAO EM CLÍNICA MÉDICAS DE PEQUENOS ANIMAIS FABIANA KELLY ALVES DA SILVA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA RECIFE PE. 2009

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÀRIDO FABIANA KELLY ALVES DA SILVA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi-Árido UFERSA, para a obtenção do título de especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais. Orientadora: Grazielle Anahy de Sousa Aleixo Mestre em Ciência Veterinária UFRPE. Recife - PE 2009

Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e catalogação da Biblioteca Orlando Teixeira da UFERSA S586e Silva, Fabiana Kelly Alves da. Leishmaniose visceral canina: revisão de literatura. / Fabiana Kelly Alves da Silva. -- Mossoró, 2010. 35.: il. Monografia (Graduação em Clínica Médica de Pequenos Animais) Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Orientadora: Profª. Ms. Sc. Grazielle Anahy de Sousa Aleixo. 1.Calazar canina. 2.Doenças infecciosas 3.Protozoários. I.Título. Bibliotecária: Marilene S. de Araújo CRB/5 1033 CDD: 636.7

FABIANA KELLY ALVES DA SILVA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi- Árido UFERSA, para a obtenção do título de especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais. APROVADA EM: / / BANCA EXAMINDORA

Dedico este trabalho a Deus e a minha família com todo carinho.

AGRADECIMENTOS A Deus por me proteger, pela minha saúde, pela oportunidade de realizar este trabalho e encorajamento mediante todos os obstáculos; Aos meus professores e orientador pela contribuição em concluir esta monografia, mostrando-me o caminho a ser seguido; A todos que me auxiliaram neste desafio para meu engrandecimento profissional.

RESUMO A Leishmaniose visceral é uma antropozoonose causada por um protozoário flagelado do gênero leishmania, é uma doença grave e fatal nos cães, mas também pode ser transmitida a outros animais e ao homem. Os vetores implicados na transmissão das leishmanioses são insetos denominados flebotomíneos, popularmente conhecidos como mosquito palha e que consiste de várias espécies do gênero Lutzomyia. Os insetos fazem sua postura em ambientes terrestres úmidos, ricos em matéria orgânica e em ambientes de pouca incidência luminosa. A transmissão entre os cães e destes ao homem ocorre pela picada do inseto. Os sinais clínicos da doença no cão e no homem são similares, como febre irregular, anemia e perda de peso progressiva. O diagnóstico da leishmaniose canina é semelhante ao da espécie humana, que pode ser feito com base nos sinais clínicos, nos exames parasitológicos e por provas sorológicas. As medidas de controle da doença até agora implementadas foram incapazes de eliminar a transmissão e impedir a ocorrência de novas epidemias e, portanto, deve-se buscar aprimorar a prevenção e controle da doença, o que contribuirá para reduzir os riscos do cão acometido pela afecção atuar como reservatório da infecção. Objetivou-se com esse trabalho de revisão fazer uma abordagem sobre a Leishmaniose visceral canina, enfatizando vários aspectos, como a etiologia, sinais clínicos, métodos disponíveis para o diagnóstico, entre outros, por se tratar de uma doença de grande impacto sobre os animais acometidos e a saúde pública. Palavras-chave: Calazar canina, doenças infecciosas, protozoários. RESUME The visceral leishmaniasis is a anthropozoonosis caused by flagellate protozoan that belong to the genus Leishmania, is a serious and fatal disease in dogs, but can be transmitted to other animals and man. The vectors involved on transmission of leishmaniasis are insects called phlebotominae, popularly knew as straw mosquito that consists in several species of genus lutzomyias. The insects live in humid terrestrial environmet, rich in organic stuff and with a few incidence ligh.the transmission between dogs and this to the man occurs to the bite insect. The disease clinic symptom in dogs and in the man are similar as irregular fever,anemia and progressive weight loss.the leishmaniases diagnosis is similar to the human specie, tha can be done based on clinical symptons, parasitological exams and serological tests. The disease control measure, until now implemented was unable to eliminate the transmission and prevent the occurrence of new epidemics and therefore, to apply surch to improve disease treatment and control, that will contribute to reduce the dog risks of act as infection reservoir. Aimed with this revision work to do an approach about canine visceral leishmaniasis, emphasizing several aspects, as etiology, clinical sings, available methods for diagnostic, among others, because it is a big impact disease about the affected animals and public health. Key Words: Canine kalazar, infectious disease, protozoan.

LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Amastigota...12 FIGURA 2 Promastigota...12 FIGURA 3 Flebetomíneo fêmea (L. longipalpis)... 14 FIGURA 4 Ciclo biológico...17 FIGURA 5 Caquexia e lesões em áreas ósseas salientes... 24 FIGURA 6 Descamação cutânea e alopecia...24 FIGURA 7 Afecção cutânea periocular...24 FIGURA 8 Lesões de ponta de orelha...24 FIGURA 9 Onicogrifose...24 FIGURA 10 Atrofia muscular cranial...24

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...9 2 REVISÃO BIBLIOGRAFICA...11 2.1 HISTÓRICO...11 2.2 AGENTE...12 2.3 VETOR...14 2.4 HOSPEDEIRO...15 2.5 CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO...16 2.6 EPIDEMIOLOGIA...18 2.7 PATOGENIA...19 2.8 MANIFESTAÇÕES CLINICAS...21 2.9 DIAGNÓSTICO...25 2.10 PREVENÇÃO E CONTROLE...26 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS...29 4 REFERÊNCIAS...30

9 1. INTRODUÇÃO No Brasil a leishmaniose visceral é uma antropozoonose, causada por um protozoário flagelado do gênero Leishmania. A leishmaniose Visceral Americana (LVA) ou calazar era considerada como uma doença rural e de ambientes silvestres, sendo hoje contraída em zonas suburbanas (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). É uma doença que acomete o homem e várias espécies animais, entre elas o cão, o gato (raramente), e diferentes espécies de animais silvestres (THOMÉ, 1999). É uma doença sistêmica grave, de curso lento e crônico, difícil diagnóstico e cura (FERRER, 1994; VILAGRAN, 1997). As leishmanias fazem partes de dois grandes grupos, o grupo que causa a leishmaniose tegumentar (leishmaniose cutânea, mucocutânea e cutânea difusa) e o grupo que causa a leishmaniose visceral (CASTRO, 1996; GENARO, 1993). Os vetores implicados na transmissão das leishmanioses são os insetos denominados flebotomíneos, conhecidos popularmente como mosquito palha, birigui ou tatuquiras, e que consiste de várias espécies do gênero Lutzomya, dentre os quais está a L. longipalpis. Os insetos vetores vivem em hábitos variados, mas as formas imaturas se desenvolvem em ambientes terrestres úmidos, ricos em matéria orgânica e de baixa incidência luminosa (ALENCAR, 1991; POCAI, 1998). A transmissão entre os canídeos e destes ao homem ocorre pela picada da fêmea de L. longipalpis, inseto de ordem Díptera, família Psychodidae. Outros meios de transmissão, como a transfusão de sangue, são de menor importância epidemiológica (ARAÚJO, 2000). Até o momento não foi evidenciada predisposição sexual, racial ou etária relacionada com a infecção. A infecção por Leishmania causa uma doença sistêmica crônica. Existe uma forma de evolução aguda e grave, que leva o animal a óbito em poucas semanas. A forma de evolução latente, com duração de cerca de dois anos, acompanhada ou não de sintomas, pode inclusive evoluir para a cura espontânea (GENARO, 1993). O calazar canino, do ponto de vista epidemiológico, é considerado mais importante que a doença humana, pois além de ser mais prevalente, apresenta um grande contingente de animais infectados com o parasitismo cutâneo, que servem como fonte de infecção para os insetos vetores. Estas características tornam o cão doméstico o principal reservatório do parasita (NIETO, 1996). Devido a grande prevalência da Leishmania canina no Brasil, este trabalho tem a finalidade de fazer uma sistemática descrição baseada em pesquisas bibliográficas sobre a

10 Leishmaniose Visceral Canina (LVC), dando ênfase a vários aspectos da doença, entre ele a etiologia, epidemiologia, patogenia e meios de diagnóstico.

11 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 HISTÓRICO Leishman em 1900 e Donavan em 1903 descobriram que o agente da doença humana denominada Kala-azar (enfermidade negra), que ocorria na Índia era um protozoário que Ross em 1903, denominou Leishmania donovani, em honra aos pesquisadores. Depois disso, na bacia do Mediterrâneo, encontrou-se uma leishmaniose visceral similar ao kalazar que, em 1980, foi descrita afetando também os cães (CORRÊA & CORRÊA, 1992). Aristides Marques da Cunha (1938) fazendo interessantes experiências e observações sobre a leishmaniose visceral dos cães brasileiros demonstrou que nas zonas onde esta doença é endêmica ao homem, os cães também são encontrados infectados naturalmente pela Leishmania infantum (PINTO, 1933). Em alguns países da Europa, Ásia e África foram descritas leishmanioses, sob forma visceral e cutânea, porém em alguns locais como Nigéria, Kenya e Índia, os cães não eram afetados, sendo nestes casos os reservatórios roedores silvestres. No Mediterrâneo e na China os cães eram os reservatórios e apresentavam a doença. Com o decorrer do tempo as leishmanias foram sendo observada em todo o mundo como doença humana e de roedores silvestres, e entre os animais domésticos só o cão demonstrava importância. Uma só variedade do complexo L. donovani, a L. chagasi ocorre nas Américas, havendo sido reportada desde o México até a América do Sul, inclusive no Brasil. O cão e o gato podem ser naturalmente infectados por essa variedade, desenvolvendo leishmaniose visceral. Em todo mundo o cão é o animal mais afetado, porém a Leishmania já foi vista em medula óssea de um gato na Argélia; no baço hipertrofiado de um cavalo em Uganda; em úlceras cutâneas de outro eqüino no Sudão e, uma vez, em vários ovinos nos Estados Unidos (CORRÊA & CORRÊA, 1992).

12 2.2 AGENTE Os agentes etiológicos da leishmaniose visceral são protozoários tripanosomatídeos do gênero Leishmania, parasita intracelular obrigatório das células do sistema fagocítico mononuclear, com uma fórmula flagelada ou promastigota, encontrada no tubo digestivo do inseto vetor e outra aflagelada ou amastigota nos tecidos dos vertebrados (MINISTÉRIO DA SÁUDE, 2006). O nome L. donovani é muito usado como designação comum a todos os membros do complexo Leishmania donovani, tanto nos documentos mais antigos como em trabalhos recentes, sobretudo se o parasita só foi identificado morfologicamente (REY, 1991). Os parasitas responsáveis pela Leishmaniose visceral estão agrupados no complexo donovani, onde são reconhecidas atualmente três espécies como agente etiológico da doença: Leishmaniose (Leishmania) donovani; Leishmaniose (Leishmania) infantum; Leishmaniose (Leishmania) chagasi; No Novo Mundo, ocorre apenas a espécie representada pela Leishmania chagasi (NEVES, 2000). Leishmania chagasi é um parasito pertencente à ordem Kinetoplastida, Família Trypanosomatidae. Esse protozoário é um parasito intracelular obrigatório, heteroxeno e apresenta duas formas básicas em seu ciclo evolutivo: a forma amastigota (Figura 1), nas células do SMF (Sistema Fagocítico Mononuclear) dos hospedeiros vertebrados, e a forma promastigota (Figura 2), presente no trato digestivo do hospedeiro invertebrado e também nos meios de cultura (CRMV/MS, 2002). Figura 1: Forma amastigota da Leishmania chagasi. Figura 2: Forma promastigota da Leishmania chagasi. Fonte: CRMV/MS2002 Fonte: CRMV/MS 2002

13 As espécies de maior interesse no Brasil são: Leishmania (Viannia) braziliensis é a espécie mais difundida ocorrendo em todas as regiões do país. É a principal responsável pelos casos de leishmaniose tegumentar americana (LTA), tanto em sua forma cutânea (LC), quanto cutâneo-mucosa (LMC). As espécies de animais silvestres que podem funcionar como reservatórios primários do protozoário não estão bem esclarecidos. Sabe-se, no entanto, que em ambientes rurais, periurbanos e urbanos, animais domésticos estão envolvidos em ciclos de transmissão, sendo constante o encontro de cães parasitados em áreas endêmicas de LTA humana (PIERMAZ, 1988; NOHARA et al., 1994). Leishmania (Viannia) guyanensis Ocorre no norte da Bacia Amazônica (Amapá, Roraima, Amazonas e Pará). Determina a forma cutânea da doença humana e está restrita a ambientes florestais. Varias espécies de mamíferos silvestres já foram identificados como hospedeiros naturais, entre elas a preguiça (Choloepus didactilus), o tamanduá (Tamanduá tetradactyla) e roedores. A infecção tende a ser inaparente e o parasita é encontrado na pele íntegra e vísceras do animal (NOHARA et al., 1994). Leishmania (Leishmania) amazonensis é peculiar à Bacia Amazônica e menos freqüente nas regiões Nordeste, Centro-oeste e Sudeste. Os hospedeiros naturais são roedores silvestres, sendo raras as infecções humanas. Quando estas ocorrem, tendem a se apresentar sob uma forma cutânea, com lesão única ou lesões numerosas. Em indivíduos com deficiência da resposta imune, no entanto, está associada à forma cutâneo-difusa (LCD) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Leishmania (Leishmania) chagasi Responsável pela leishmaniose visceral (LV), no Brasil. O calazar, até alguns anos atrás, era considerado como doença própria de ambientes silvestres e rurais. No entanto, sua prevalência vem aumentando no país, tanto no numero de casos como também na dispersão geográfica da doença (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). Nos ambientes rurais e silvestres, diversas espécies de canídeos silvestres (Cedocyon thous, Lycalopex vetulus), marsupiais (Didelphis marsupialis, D. albiventris) e roedores silvestres (Proechymis oris) servem de hospedeiros naturais. No ambiente domestico, o cão é o principal reservatório do parasita. Além dele, o gato também já foi encontrado parasitado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).

14 2.3 VETOR O vetor da Leishmaniose Visceral Canina (LVA) é um díptera, nematocera, o Lutzomyia longipalpis (Figura 3). Trata-se de um pequeno mosquito de 2 a 3 mm de hábitos peridomésticos e intradomiciliares, que não faz o seu ciclo larval na água. Como todo flebotominio, o L. longipalpis faz seu criadouro na matéria úmida, o que dificulta seu combate (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). Figura 3: Flebotomíneo fêmea de L. longipalpis. Fonte: Ministério da Saúde/2006 O inseto flebotomíneo também é conhecido popularmente como mosquito palha, birigui ou tatusquira, e que consistem de varias espécies do gênero Lutzomyia, dentre as quais a L. longipalpis (FEITOSA et al., 2000). O L. longipalpis é um inseto que suga várias espécies animais, sendo considerado por esse motivo, mais promíscuo que os flebotomíneos do velho mundo. Ainda que o período de maior intensidade de atividade diária possa variar de local para local, admite-se que esse seja, normalmente, entre as 18 e 22 horas. O inseto pode fazer um ciclo (de ovo a adulto) em cerca de 30 dias e o seu período de vida como adulto pode chegar a 29 dias. Nas fêmeas o desenvolvimento dos ovários e a ovoposição ocorrem num período de oito dias e cada postura pode alcançar 70 ovos. Elas se tornam infectantes três a quatro dias após o repasto sanguíneo contaminado. A flutuação populacional de L. longipalpis durante o ano necessita de maiores estudos, sendo que alguns autores associam o período de maior transmissibilidade à estação

15 chuvosa, quando os insetos invadem o domicilio, picando tanto o homem quanto o cão (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). L. longipalpis invade habitualmente as casas de zonas rurais, e encontra-se também em áreas urbanas de localidades pequenas ou na periferia de cidades grandes. Ela habita áreas periurbanas, vivendo na vegetação de encostas parcialmente desmatadas dos morros. Quando a temperatura e a umidade ambientais se aproximam das encontradas nos microclimas dos abrigos naturais, os flebotomíneos abandonam estes locais. E, como as fêmeas tem hábitos zoófilos e antropófilos, vão picar indiscriminadamente os animais ou o homem. Nas regiões semi-áridas, com uma estação de chuvas, bem marcada, é nesse período que se multiplicam os insetos. A proporção de insetos encontrados com infecção natural é sempre muito baixa. Assim, a transmissão fica na dependência de existir uma densidade grande de L. longipalpis, fato que se constata nas áreas de leishmania visceral, mesmo no interior das casas, sempre que haja um surto epidêmico (REY, 2002). 2.4 HOSPEDEIROS O hospedeiro, apesar dos esforços despendidos desde 1935 com a comissão Evandro Chagas, ainda não foi definido. Aceita-se que, no ambiente silvestre, a raposa Lycalopex ventulus e outros canídeos como o Cerdocyon thous sejam incriminados como hospedeiros primários, mais não como hospedeiros naturais, uma vez que manifestam os sintomas clínicos da doença. No Brasil, a presença de L. chagasi já foi relatada no cão (Canis familiaris), gato (Felis dométicus), canídeo silvestres (Cerdocyon thous, Lycalopex vetulus), marsupiais (Didelphis marsupialis, Didelphis albiventris) e roedores (Proechymis oris). No ambiente domestico o cão é considerado o principal reservatório epidemiológico, o que gera dificuldade no controle da doença (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). Em áreas desabitadas onde se pode contrair a leishmania visceral, são os canídeos silvestres, como o chacal (Ásia central) e a raposa (Europa), assim como outros animais não identificados, que mantêm a infecção como zoonose (REY, 2002). No hospedeiro vertebrado as formas amastigotas são encontradas parasitando células do sistema mononuclear fagocitário (SMF), principalmente macrófagos. No homem, localizam em órgãos linfóides como a medula óssea, baço e linfonodos. Órgãos ricos em macrófagos, como o fígado (células de Kupffer), são também densamente parasitados. As amastigotas podem ser encontradas nos rins, placas de Peyer, no intestino e, em outros órgãos, com menor freqüência. Mas raramente podem ser encontradas no sangue e no interior de

16 leucócitos. No hospedeiro invertebrado, as formas promastigotas e paramastigotas são encontradas ocupando o lúmen do trato digestivo (NEVES, 2000). 2.5 CICLO BIOLÓGICO E TRANSMISSÃO O ciclo biológico da L. chagasi é do tipo heteroxênico, envolvendo como transmissão as fêmeas da Lutzomya longipalpis. Ao picar um animal vertebrado infectado para exercer o repasto sanguíneo, o inseto ingere juntamente com o sangue, células do SMF, macrófagos e leucócitos, parasitados pelas formas amastigotas, presentes no local da picada. Durante o tempo em que o sangue ingerido permanece fresco no lúmen intestinal, as células parasitadas se rompem, liberando as formas amastigotas. Estas sofrem uma multiplicação e então se transformam em promastigotas, adaptando-se às novas condições fisiológicas existentes. (NEVES, 2000). As formas promastigotas são encontradas a partir de 15 horas após o repasto infectante e se multiplicam rapidamente através de divisão binária, colonizando principalmente o trato digestivo médio e anterior do flebotomíneo. Estas se transformam em paramastigotas que são encontradas no esôfago e na faringe, aderidas ao epitélio por hemidesmossomas. Posteriormente, ocorre nova transformação para promastigotas extremamente ágeis que nadam livremente. Ao exercer novamente o repasto sanguíneo sobre um hospedeiro não infectado (ex. homem ou outro reservatório), o flebotomíneo inocula as formas promastigotas presentes no trato digestivo anterior, probóscida, faringe e esôfago (Figura 4) (NEVES, 2000). No local em que ocorreu a picada do inseto vetor, as formas promastigotas injetadas são fagocitadas por células do SMF, macrófagos teciduais e por granulócitos neutrófilos. No interior dos macrófagos, as formas promastigotas se transformam rapidamente em amastigotas, adaptando-se as novas condições fisiológicas intracelulares. As amastigotas iniciam então sua multiplicação através de sucessivas divisões binárias no interior do vacúolo fagocitário dos macrófagos. Quando os macrófagos estão densamente parasitados, rompem-se pondo em liberdade as amastigotas que são fagocitadas novamente por outros macrófagos (NEVES, 2000).

17 Transformação em amastigotos Multiplicação em macrófagos Homem, cão Inoculação no hospedeiro Fagocitose por macrófagos vetor Ruptura dos macrófagos e liberação de amastigotos Pele Multiplicação no intestíno médio Transformação em promastigotos no intestíno médio Figura 4: Ciclo biológico da Leishmaniose visceral. Fonte: http://www.calazar.hpg.com.br/saude/10/index_int_3.html Característica marcante desse protozoário é o fato de viver e se multiplicar no compartimento fagolisossomal de fagócitos mononucleares, conhecidos como células hospedeiras. Dependendo da espécie, os parasitas ou macrófagos parasitados podem se expandir e promover infecções em órgão distantes, produzindo varias formas clínicas (MAUËL, 1990; AEBISCHER, 1994). A busca dos fatores que determinam a ocorrência da LVC em áreas urbanas verificou que este espaço se caracteriza por apresentar um conjunto de condições sócio-econômicas e sanitárias muito precárias, com um grande número de animais domésticos e de criação no peridomicílio das residências, conferindo uma característica de ruralização extremamente propícia à ocorrência e expansão do Calazar (CESSE, 1999).

18 2.6 EPIDEMIOLOGIA Os microorganismos do gênero Leishmania são causadores de um espectro de doenças cutâneas e viscerais, transmitidas por flebotomíneos. No Brasil, a leishmaniose ocorre comumente no Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul. Devido ao grande numero de espécies, as Leishmania foram divididas em complexos que agrupam varias espécies; no Brasil, dois complexos importantes são: Leishmania donavanii (L. chagasi) e L. brasiliensis. O primeiro, relacionado a leishmaniose visceral e o segundo, relacionado com a leishmaniose tegumentar (CESSE, 1999; THOMÉ, 1999; ARANHA, 2003). As leishmanioses, dentre elas o calazar, compreendem uma das sete endemias mundiais de prioridade absoluta da Organização Mundial de Saúde (OMS), devido ao seu caráter endêmico em varias regiões do mundo, afetando um a dois milhões de pessoas por ano. Estima-se que uma população de aproximadamente 360 milhões de pessoas está exposta ao risco de infecção no globo terrestre. Hoje, a OMS reconhece a leishmaniose como um grande problema de saúde pública mundial, sendo notificada por 27 países do dito Novo Mundo e 67 países nos continentes do Velho Mundo (THOMÉ, 1999; ARANHA, 2003). Segundo a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2003) os propósitos do Programa de Controle da Leishmaniose Visceral são reduzir o risco de transmissão pelo controle das populações de reservatórios e de insetos vetores e diagnosticar e tratar precocemente os doentes visando diminuir a letalidade e o numero de casos. A leishmaniose visceral é uma doença de notificação que deve ser comunicada ao serviço de saúde mais próximo (FUNASA, 2003). Havendo notificação, deve-se proceder imediatamente à investigação epidemiológica, procurando definir e/ou viabilizar os seguintes aspectos: a) Se a área é endêmica, procurar verificar se as medidas de controle estão sendo sistematicamente adotadas. Se for novo foco, comunicar imediatamente aos níveis superiores do sistema de saúde e iniciar as medidas de controle pertinentes; b) Iniciar busca ativa de casos visando a delimitação da real magnitude do evento; c) Verificar se o caso é importado ou autóctone. Caso seja importado, informar ao serviço de saúde de onde se originou; d) Acompanhar a adoção das medidas de controle seguindo os dados da população canina infectada, existência de reservatórios silvestres, densidade da população de vetores, etc.; e) Acompanhar a taxa de letalidade para discussão e melhoria da assistência médica prestada aos pacientes (FUNASA, 2003).

19 2.7 PATOGENIA Na LV vários órgãos podem ser afetados, sendo que os danos dependem da ação direta do parasita sobre os tecidos, causando lesões inflamatórias, e da ação indireta gerada por deposição de imunocomplexos em articulações, rins, olhos e vasos sangüíneos (CRMV/MS, 2002). A L. chagasi é um parasito de células do SMF. As formas amastigotas se multiplicam rapidamente dentro dos macrófagos teciduais no sitio da picada do flebotomíneo. Pode se desenvolver neste local uma reação inflamatória que determina a formação de um nódulo, denominado leishmanioma, que não ulcera. O leishmanioma é transitório e por isso raramente tem sido descrito em pacientes com Calazar. (NEVES, 2000). A partir daí ocorre a visceralização das amastigotas, ou seja, migração para as vísceras, principalmente órgãos linfóides. Uma vez ocorrida a visceralização, as formas amastigotas são encontradas dentro de macrófagos residentes nos órgãos, ou raramente, livres nos espaços teciduais. Os órgãos ricos em células do SMF são os mais densamente parasitados, tais como a medula óssea, baço, fígado e linfonodos, embora macrófagos infectados ocasionais possam ser encontrados em todos os tecidos incluindo sangue, pele, pulmões, rins, testículos, meninges e outros. A via de disseminação das leishmanias pode ser hematogênica e/ou linfática. Leishmania chagasi tem sido encontrada raramente no sangue periférico humano, no entanto em cães ou raposas este achado é freqüente (NEVES, 2000). Até o momento não foi evidenciada predisposição sexual, racial ou etária relacionada com a infecção (NOLI, 1999). A infecção por Leishmania usualmente causa doença sistêmica crônica. No entanto, existe uma forma de evolução aguda e grave, que leva o animal a óbito em poucas semanas. Existe ainda uma forma de evolução latente, com duração de cerca de dois anos, acompanhada ou não de sintomas, que pode inclusive evoluir para a cura espontânea (GENARO, 1993). Desta maneira é possível classificar os cães como assintomáticos, oligossintomáticos e sintomáticos (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 19997). A forma assintomática da doença geralmente representa de 20 a 40 % de uma população soropositiva (NOLI, 1999). Em cães susceptíveis, após a infecção da pele, ocorre disseminação do parasitado por todo o corpo, com posterior desenvolvimento dos sintomas.

20 Dependendo da imunocompetência do hospedeiro, os sinais clínicos tornam-se evidentes dentro de um período que varia de um mês a vários anos (SLAPPENDEL & GREENE, 1990; FERRER et al., 1995). Uma vez iniciado o processo, a doença evolui inevitavelmente para a morte (GENARO, 1993). A Leishmaniose canina pode ser considerada como uma doença imunomediada, porque o parasita tem a capacidade de modificar o sistema imunológico do hospedeiro. Numa infecção por Leishmania, as células do sistema mononuclear fagocitário infectada por parasitas atuam como células apresentadoras de antígenos, estimulando os linfócitos (CD4+) T auxiliares do tipo (Ta1), ou T auxiliares do tipo 2 (Ta2). Se forem ativadas, as células Ta1 produzem citocinas tais como interferon, o fator de necrose tumoral e a interleucina 2, que ativam os macrófagos. Os macrófagos ativados, por sua vez estimulam a imunidade celular pela ativação de outras células ou por sua proliferação e, dessa forma, podem eliminar a infecção. Em contraste, quando a infecção está associada à indução de linfócitos Ta2, ocorre a proliferação de célula B e a produção de anticorpos (LOPEZ et al., 1996). A consequente resposta das imunoglobulinas é muito grande, entretanto ela é deletéria e não protetora, dessa forma, desenvolve-se a infecção. Um perigo potencial da regulação de linfócitos T prejudicada, e da atividade exuberante de linfócitos B, é a geração de uma grande quantidade de imunocomplexos circulantes, que se depositam nas paredes dos vasos sanguíneos e podem causar vasculite, uveíte, dermatite, poliartrite e glomerulonefrite (LOPEZ et al., 1996). Os imunocomplexos circulantes podem também ligar o complemento às células sanguíneas e, desta forma, diminuir a sua meia-vida, além de estarem associados ao desenvolvimento de fenômenos patológicos, tais como a trombocitopenia e a anemia imunomediadas (SLAPPENDEL & GREENE, 1990). A proliferação de linfócitos B, histiócitos e macrófagos resultam em linfoadenopatia generalizada e hepatoesplenomegalia. Na enfermidade natural estão ativados tanto o subtipo Ta1 quanto o subtipo Ta2, e a variedade dos sinais e a gravidade da doença dependem do equilíbrio entre esses dois sistemas (PUMAROLA et al., 1991; ROITT et al., 1994). A resposta imuno-humoral na leishmaniose canina varia de cão para cão, e esta provavelmente relacionada a fatores genéricos associados ao hospedeiro, e não a severidade da infecção (FERRER et al., 1995). A imunossupressão pode promover a ocorrência de infecções concomitantes, tais como pneumonias bacterianas e demodicose. Conseqüentemente, o quadro clínico pode ser agravado. Infecções combinadas com Erlichia, Babesia e Dirofilaria são muito comuns se a

21 infecção por Leishmania ocorrer em regiões onde estes organismos também são endêmicos (SCHAER et al., 1985; CIARAMELLA et al., 1997). 2.8 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas da doença no cão e no homem são similares, e apresentam sinais inespecíficos, como febre irregular por longos períodos, anemia, perda progressiva de peso e caquexia (Figura 5) em seu estágio final (MARZOCHI et al., 1985; RIBEIRO, 1997). A anemia ocorre devido à perda de sangue, à lise de hemácias ou, mais frequentemente, à diminuição da eritropoiese decorrente de hipoplasia ou aplasia medular (MORENO et al., 1998; FERRER, 1992). A emaciação é geralmente um sinal de envolvimento visceral. Alguns cães perdem peso apesar de apresentarem normorexia, e pacientes severamente afetados apresenta caquexia (LONGSTAFFE et al., 1983). Alterações dermatológicas são bastante freqüentes em animais com leishmaniose visceral, e incluem uma excessiva descamação cutânea (Figura 6), principalmente na região periocular (Figura 7) e na borda das pinas, que pode, eventualmente, ser difusa por todo o corpo. Alguns animais apresentam despigmentação cutânea, prurido, pelame seco, queda de pêlos e áreas de hiperqueratose e lignificação, principalmente em locais correspondentes a saliências ósseas (Figura 5) (GENARO, 1993). Podem também ser observadas úlceras e pequenos nódulos intradérmicos, provavelmente decorrentes da multiplicação das formas amastigotas na epiderme, produzindo um processo inflamatório local ou de uma vasculite necrotizante causada pela deposição de imunocomplexos (FERRER et al., 1990). As úlceras cutâneas aparecem em qualquer sítio, mas sua maior incidência ocorre nas zonas ósseas salientes (úlceras de decúbito), no plano nasal, na pina (Figura 8) e na região interdigital (MARZOCHI et al., 1985). Observa-se também onicogrifose (Figura 9) associada à presença do parasita estimulando a matriz ungueal (RIBEIRO, 1997). Em muitos animais com leishmaniose, verifica-se uma atrofia muscular (Figura 10), inicialmente nos músculos das fossas temporais, seguida, sucessivamente, pelo resto da musculatura do corpo (LOGSTAFFE et al., 1983). Muitos animais apresentam diminuição da atividade física, associada a distúrbios de locomoção, que podem ser decorrentes de neuralgia, poliartrite, fissuras nos coxins, úlceras interdigitais, ou mesmo lesões osteolíticas ou periostite proliferativa (NOLI, 1999).

22 A deposição de imunocomplexos nos rins eventualmente resulta em glomerulonefrite proliferativa e, em muitos casos, em nefrite intersticial, podendo levar à insuficiência renal, que é, muitas vezes, a principal causa de morte em cães com leishmaniose (POCAI et al., 1998; NIETO et al., 1992). As leishmanias também se multiplicam em macrófagos do fígado, produzindo hepatite ativa crônica e, ocasionalmente, hepatomegalia, vômitos, poliúria e polidipsia, anorexia e perda de peso (NOLI, 1999). Apenas 1 a 5 % dos cães infectados mostram sinais de icterícia, apesar da ocorrência de hepatite em muitos deles (VALLADARES et al., 1997). As alterações hepáticas e renais levam à hipoalbuminemia que, juntamente com fatores vasculares locais, pode levar à formação de edema de membros. Nas fases finais da doença também podem ser observados ascite e edema generalizado. Alguns animais apresentam quadro de diarréia crônica e melena, em decorrência da presença de ulcerações de mucosa em estômago, intestino e cólon. A enterite pode ser resultado de um dano parasitário direto ou conseqüência de uma insuficiência renal (FERRER et al., 1991). Cães com leishmaniose podem apresentar tempo de coagulação prolongado, epistaxe, hematúria e outros sinais de diátese hemorrágica por varias razões, dentre as quais a vasculite, a uremia, a insuficiência hepática por aplasia ou hipoplasia medular (MORENO et al., 1998). Quadros de leishmaniose visceral pode vir acompanhada de lesões oculares, principalmente blefarite associada à dermatite facial, embora não seja raro encontrar ceratoconjuntivite serosa bilateral. Em alguns cães, pode-se observar também uveíte bilateral com intensa leucocitose marginal, associada a edema de córnea ou com formação de sinéquia, devido à presença de Leishmania ou como conseqüência da deposição de imunocomplexos na íris e no corpo ciliar (SWENSON et al., 1988; GARCIA-ALONSO et al., 1996b). No sistema nervoso se observam depósitos de antígenos de Leishmania e de imunoglobulinas no plexo coróide, levando a uma coroidite, além de alterações histológicas nas regiões do encéfalo e do cerebelo, tais como deposição de substância amilóide e degeneração neuronal (GARCÍA-ALONSO et al., 1996a). Na fase final da doença podem ocorrer edema e paresia de membros pélvicos (GENARO, 1993). Segundo alguns autores, a incidência de problemas locomotores em casos de leishmaniose visceral chega a 30 %, que podem ser decorrentes de poliartrite, sinovite, polimiosite e osteomielite. Nestes casos, é possível a identificação da Leishmania no líquido sinovial. Acredita-se que a causa da poliartrite seja o depósito de imunocomplexos circulantes no líquido sinovial (YAMAGUCHI et al., 1983; WOLSCHRIJN et al., 1996; BURACCO et al., 1997).

23 Cães infectados podem permanecer sem sinais clínicos por um longo período de tempo. A classificação seguindo os sinais clínicos apresentados nesses animais pode ser verificada conforme demonstrado a seguir: Cães assintomáticos: ausência de sinais clínicos sugestivo da infecção por Leishmania; Cães oligossintomáticos: presença de adenopatia linfóide, pequena perda de peso e pêlo opaco; Cães sintomáticos: todos ou alguns sinais mais comuns da doença, como alterações cutâneas (alopecia, eczema furfuráceos, úlceras, hiperqueratose) onicogrifose, emagrecimento, ceratoconjuntivite e paresia dos membros posteriores. Em um estudo realizado no Hospital Veterinário da UNESP Campus de Araçatuba, no período de janeiro a novembro de 1999, foram avaliados clinicamente 215 cães naturalmente acometidos por Leishmania visceral na tentativa de demonstrar quais são as alterações mais freqüentemente e, que pode auxiliar na identificação de casos da doença. O diagnóstico da leishmaniose visceral foi realizado por meio de exame citopatológico de punção aspirativa de linfonodo e exame sorológico. As alterações mais freqüentes foram linfoadenomegalia (81 %) seguida de alterações dermatológicas (queda de pêlos, lesões ulcerativas, prurido intenso, pelame opaco e dermatite seborréica) (68 %); hiporexia (58 %); onicogrifose (51 %) e emaciação (47 %). A anemia foi um achado consistente em 30 % dos animais com leishmaniose. De todos os cães estudados, 29 % apresentaram sinais oculares, caracterizados principalmente por uveíte; 21 % hipertermia; 20 % êmese; 20 % diarréia e 10 % melena. Observam-se quadros de pneumonia em 19 %, e de epistaxe em 3 % dos animais acompanhados (FEITOSA et al.; 2000). Outros achados clínicos importantes foram o comprometimento do sistema urinário em 19 %, e as alterações hepáticas em 17 % dos animais. Alterações neurológicas foram menos freqüentemente observadas, perfazendo um total de 4 % dos casos atendidos. Foi possível observar que a sintomatologia causada pela Leishmania chagasi, apesar de bastante variada, parece ser semelhante a da Leishmania infantum, evidenciando-se divergências quanto à freqüência de aparecimento dos diversos sintomas (FEITOSA et al., 2000).

24 Figura 5: Caquexia e lesões em áreas ósseas salientes. Figura 6: Descamação cutânea e alopecia. Figura 7: Afecção cutânea periocular. Figura 8: Lesões de ponta de orelha. Figura 9: Onicogrifose. Figura 10: Atrofia muscular cranial. Fontes: Manual Técnico Leishmune e MINISTÉRIO DA SAÚDE/2006

25 2.9 DIAGNÓSTICO De uma maneira geral o diagnóstico da LVC vem se apresentando como um problema para os serviços de saúde pública. A problemática deve-se principalmente, a três fatores: 1 - variedade de sinais clínicos semelhantes às observadas em outras doenças infecciosas; 2 alterações histopatológicas inespecíficas e 3 inexistência de um teste diagnóstico 100 % específico e sensível (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). O diagnóstico da leishmaniose canina é semelhante ao da doença na espécie humana, e pode ser feito com base nas características clínicas apresentadas pelos animais, pela demonstração do parasita em punções aspirativas de órgãos linfóides, por provas sorológicas e por meio de métodos moleculares (reação em cadeia da polimerase PCR) (NOLI, 1999). As técnicas parapsicológicas possuem especificidade de 100 %, no entanto, sua sensibilidade pode ser muito baixa. A identificação da Leishmania em preparações citológicas feitas a partir de punções aspirativas de linfonodos é rápida e fácil (FERRER et al., 1995). As formas amastigotas são facilmente reconhecidas por sua forma esférica a ovóide, medem de 2 a 5 µm e contêm um núcleo arredondado e um cinetoplasto alongado (POCAI et al., 1998). O diagnóstico parasitológico é o método de certeza e se baseia na demonstração do parasito que é abundante nos órgãos linfóides e fígado. Para a demonstração do parasito na medula óssea, realiza-se a punção da mesma com uma agulha de Menghini, de preferência na crista da tíbia, após anestesia geral do animal. O aspirado medular pode ser semeado em meio de cultura NNN e em seguida confeccionado esfregaços em lâmina de microscopia corados pelo Giemsa. O mesmo procedimento pode ser feito com material puncionado do fígado. A punção do baço deve ser vista com reserva devido a complicações hemorrágicas que podem surgir (NEVES, 2000). Dentre as provas sorológicas, as mais empregadas atualmente são a imunofluorescência indireta, o ELISA, a fixação de complemento e a aglutinação direta. Estas provas geralmente apresentam alta sensibilidade e especificidade, no entanto, podem apresentar resultados falsos-positivos ou falsos-negativos (SLAPPENDEL & GREENE, 1990). A imunofluorescência indireta (RIFI) é muito sensível, mas não muito específica, originando reações cruzadas (perto de 85 %), com soros de cães com doença de Chagas, devendo ser utilizada com cuidado (NEVES, 2000). A Universidade Federal de Minas Gerais demonstrou que os testes imunológicos são muito mais sensíveis e seguros para diagnósticos

26 que os parasitológicos, cujos resultados positivos se situam em torno de 59 % para material de medula óssea e 70 % para material cutâneo de cães positivos (SANTA ROSA & OLIVERIRA, 1997). O ELISA apresenta uma sensibilidade muito boa na detecção de casos de Calazar, contudo, com os antígenos atualmente empregados, pode ocorrer reações cruzadas, ou seja, falsos-positivos (NEVES, 2000). Esse método consiste na reação de anticorpos presentes nos soros com antígenos solúveis e purificados de Leishmania obtidos a partir de cultura in vitro. Esse antígeno é adsorvido em microplacas e os soros diluídos (controle dos testes e das amostras) são adicionados posteriormente. A presença de anticorpos específicos no soro vão se fixar aos antígenos. A visualização da reação ocorre quando adicionada uma anti-imunoglobulina de cão marcada com a enzima peroxidase, que se ligará aos anticorpos específicos caso estejam presentes, gerando um produto colorido que poderá ser medido por espectrofotometria. O resultado considerado sororreagente é aquele que apresenta o valor da densidade ótica igual ou superior a 3 desvio-padrões do ponto de corte (Cut-Off) do resultado do controle negativo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). A reação de fixação do complemento é menos sensível, porém mais específica do que RIFI, não originando reações cruzadas, mas podem ocorrer soros anticomplementares (NEVES, 2000). Recentemente, desenvolveu-se a técnica de PCR, que é uma prova diagnóstica atualmente sensível e específica com a qual é possível identificar e ampliar seletivamente o DNA do cinetoplasto do parasita. Infelizmente, só é possível a realização da técnica de PCR em laboratórios especializados (NOLI, 1999). 2.10 PREVENÇÃO E CONTROLE O Ministério da Saúde preconiza como medida de controle três ações básicas, que seriam o diagnóstico e tratamento dos casos humanos, controle de vetores e a eliminação dos cães positivos (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). O combate ao vetor apresenta uma série de variáveis que devem ser ponderadas e analisadas com maior rigor. O combate ao vetor é feito através de borrifação do domicílio e peridomicílio com DDT (organoclorado), Malathion, Sumithion (organofosforados) e K-

27 othrine (piretróide), limpeza de quintais e lotes, além da educação sanitária da população. O uso do UBV (ultra baixo volume) é uma medida de pouca valia no combate ao Lutzomya. Entretanto o efeito é temporário e exige um programa continuo (GENARO et al., 2000). Também foram relatadas experiências de combate ao vetor, centradas no reservatório canino. Banhos sistemáticos com deltametrina indicam redução da prevalência da doença canina (XIONG et al., 1995). A utilização de produtos à base de permetrina, aplicados diretamente nos cães tem demonstrado, durante um período de 15 a 30 dias, alta capacidade letal e repelente para flebotomíneos. Foram divulgados experimentos com coleiras impregnadas com deltametrina, mostrando resultados promissores para proteção dos cães e consequentemente, quebra do ciclo de transmissão (KILLIC-KENDRIK et al., 1997). A eliminação do cão positivo para leishmaniose, assintomático ou não, é o ponto mais controverso, ainda que este seja o principal reservatório fora do ciclo silvestre. Muitos veterinários e sociedades protetoras dos animais têm questionado o sacrifício dos cães positivos, principalmente os assintomáticos, e reivindicando uma ação centrada no combate ao vetor (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). O cão, mesmo assintomático, possui uma quantidade de parasitos superior ao homem. Não ser sintomático não elimina o risco de servir de fonte de infecção para o vetor e de reservatório para a doença. A ecologia do vetor é bastante variada, o que impede o estabelecimento de um protocolo de atuação global para o combate do mesmo. Faz-se necessário estudos locais para definição de estratégias de atuação que não sejam danosas à saúde da população e do meio ambiente (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). Ressalta-se que é preciso reconhecer que apesar de todo envolvimento emocional e vontade de preservar a vida do animal de estimação, ao veterinário cabe a responsabilidade de esclarecer ao proprietário os riscos e conseqüências da manutenção de um animal positivo e que, por mais que seja doloroso ter que sacrificar um ente tão próximo, o bem individual não pode se sobrepor ao bem da comunidade (SANTA ROSA & OLIVEIRA, 1997). Uma medida direcionada à população canina que não pode ser esquecida é o controle de cães vadios, modestamente realizada nos centros urbanos brasileiros, que deveria ser assumida como prioridade, pois estes animais podem ser veiculadores não somente de Leishmania, mas também de outros agentes zoonóticos (RIBEIRO & MICHALICK, 1998). Tendo em vista que os métodos até agora utilizados têm sido somente parcialmente efetivos na prevenção e controle da doença, novas estratégias de controle devem ser desenvolvidas. A prevenção da doença nos cães através da imunoprofilaxia aparece como

28 uma das poucas alternativas para o controle. Além disso, não existe tratamento eficaz ou profilático para o cão infectado (GONTIJO & MELO, 2004). As perspectivas para vacinas contra LV humana e canina foram recentemente revistas. Não há até o presente uma vacina humana eficaz, e as duas vacinas já descritas na literatura para cães não mostraram eficácia no campo (GONTIJO & MELO, 2004). As vacinas contra a LVC são ainda recentes e vem sendo avaliadas quanto a sua eficácia, além disso, seu alto custo dificulta seu uso como medida de vigilância e controle. Os laboratórios Fort Dodge Saúde Animal e Hertape Calie Saúde Animal, estão comercializando, no Brasil, as vacinas contra leishmaniose visceral canina, Leishmune e Leishtec, respectivamente, devidamente registradas no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. (MAPA, 2009) As vacinas registradas no MAPA, cumprem com o requisito técnico de eficácia, vigentes no momento da concessão dos registros (anos de 2003 a 2006). Entretanto, o Ministério da Saúde ainda não recomenda o seu uso em saúde pública, pois estão sendo realizados estudos para avaliar o uso destes produtos para este fim. (MAPA, 2009)

29 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Leishmaniose visceral canina é uma doença grave e de difícil diagnóstico que vem se tornando um grande desafio dentro da prática da Medicina Veterinária. Atualmente, mesmo com o desenvolvimento de alguns protocolos de tratamento, os órgãos de saúde pública determinam a eutanásia dos animais portadores da doença. Esforços devem ser realizados por todas as partes envolvidas (órgãos de saúde pública, sociedade e médicos veterinários) visando encontrar a cura para a doença ou prevenir ao máximo a incidência de novos casos.

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