O epistolário leopardiano de 1809 a 1817: as primeiras reflexões sobre tradução

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Transcrição:

Andréia Guerini Universidade Federal de Santa Catarina andreia.guerini@gmail.com O epistolário leopardiano de 1809 a 1817: as primeiras reflexões sobre tradução Abstract: This article delves further into the first Leopardi reflections about translation contained in the selected letters from 1809 to 1817, as these are the basis of the thoughts of the Italian author on the subject, which will be built up in a more systematic way in Zibaldone di Pensieri. Keywords: Leopardi, letters, translation. Resumo: Este artigo analisa as primeiras reflexões de Leopardi sobre tradução contidas no epistolário de 1809 a 1817, pois são a base de todo o pensamento do autor italiano sobre o assunto, que será desenvolvido de maneira mais sistemática no Zibaldone di Pensieri. Palavras-chave: Leopardi, epistolário, tradução. Considerado um dos maiores escritores depois de Dante, Leopardi é conhecido principalmente como o poeta dos Cantos. Mas a sua produção literária vai além de seus famosos poemas e perpassa, entre outros, as Operette Morali, os Pensieri e o Zibaldone di Pensieri. Ao longo da sua breve vida, Leopardi, como muitos outros escritores, também se dedicou ao gênero epistolar. As quase novecentas cartas escritas pelo autor de Recanati começam em 1809, com uma carta à mãe, Adelaide Antici Leopardi, e vão até 1837, ano de sua morte, com uma última carta endereçada ao pai, Monaldo Leopardi. No vasto epistolário, Leopardi se corresponde com amigos, familiares, editores, literatos, e trata assuntos de caráter pessoal, mas também há muitas discussões filológicas, filosóficas e literárias. Nesse sentido, De Caprio e Giovannardi afirmam que le lettere costituiscono una preziosa testimonianza non solo sugli eventi biografici del poeta, ma anche sugli sviluppi delle sue posizioni concettuali, della sua poetica, delle sue condizioni psichiche, delle sue scelte politicoculturali (1993, p. 535). Desse rico material é possível extrair aspectos inusitados que iluminam sua intera breve vita e acompanhar a evolução do pensa- Fragmentos, número 33, p. 097/102 Florianópolis/ jul - dez/ 2007 97

mento e dos estudos leopardianos, podendo oferecer de acordo com Laura Diafani una chiave di lettura o un commento, oppure, infine, rivelarsi come mezzo di apprendistato letterario, terreno collaudo per temi e espressioni riaffioranti in sede artistica (2000, pp. 9-10). O objetivo desse artigo é analisar as primeiras reflexões de Leopardi sobre tradução, escritas entre 1809 e 1817, porque serviram de base para as ricas formulações sobre o assunto no Zibladone di Pensieri, livro de 4000 páginas manuscritas, escrito entre 1817 a 1832, em que Leopardi vai se revelar um ensaísta de primeira grandeza, podendo ser comparado a Montaigne, Croce e Valéry. Vale lembrar que Leopardi, diferentemente das cartas, começou a escrever o Zibaldone (1817) em um período de isolamento e de afastamento de seus familiares e foi assim que ele, segundo Iris Origo, cominciò ad intensificare quel colloquio ch egli stesso definì colloquio con me stesso, perché gli altri sono di diverso parere (1974, p. 181). Por um longo tempo, a comunicação epistolar foi o único meio de Leopardi contatar com o mundo, pois Recanati era o seu borgo selvaggio ou ainda como descrito em uma carta de 30 de abril de 1817 a Giordani: [ ] Qui, [...] tutto è morte, tutto è insensataggine e stupidità (1998, p. 90). Um dos primeiros e principais temas deste diálogo com o exterior foi sobre tradução. Não por acaso, entre 1809 e 1817, a tradução ocupa um lugar central na vida do poeta. Nesses anos, Leopardi se corresponde com pessoas ilustres da época como Francesco Cancellieri, Fortunato Stella, Angelo Mai, Giuseppe Acerbi, Monti, Vogel e Pietro Giordani. As treze primeiras cartas, escritas entre 1809 e os primeiros meses de 1816, se dividem segundo Laura Diafani em sofferte pagine di impeccabile retorica (italiana, latina, francese), e in gustose prove di estrosa comicità (2000, p. 17) e são trocadas entre Leopardi e a mãe, o pai, e a irmã, a um personagem inventado, mas também com o abade e poligráfo Francesco Cancellieri (1751-1826). Em 1816, ele começa a falar de tradução. Em carta de 06 de abril a Francesco Cancellieri, Leopardi trata da tradução dos Códigos Vaticanos. Com Filippo Solari, empregado do governo de Macerata, Francesco Cancellieri e Angelo Mai, filólogo e bibliotecário, manda a sua tradução de algumas epístolas gregas de Frontão. Essa tradução provocou vários comentários de Angelo Mai, que em carta de 21 de julho de 1816, diz: Ho letto con vero piacere e degna ammirazione l egregio di Lei lavoro intorno alle Opere di Frontone. [...] La traduzione, benchè forse sia tuttavia capace di qualche lieve abbellimento od ementa [...] le fa certamente distintissimo onore (1998, p. 23). 98 Andréia Guerini, O epistolário leopardiano de 1809 a 1817...

Os comentários críticos de Mai serviram de ponto de partida para o jovem Leopardi refletir sobre a tradução e demonstrar desde cedo que tinha amplo domínio desse exercício. Aliás, Leopardi não queria apenas mostrar as suas traduções, mas também parecia ver nas observações de Mai uma possibilidade de melhorá-las, pois em resposta de 31 de agosto de 1816, o escritor italiano assevera: Giudice assoluto io la costituisco dell opera mia, e se ella vorrà compiacersi di continuare e condurre a fine le sue savissime osservazioni [...] (1998, p. 26). Já em 15 de novembro de 1816, em carta ao editor veneziano Antonio Fortunato Stella, Leopardi fala sobre o ensaio sobre sua tradução dos poemas de Mosco, que ele afirma em carta a Cancellieri de 20 de dezembro de 1816 ter traduzido Non un solo Idillio [...], ma l intera traduzione delle sue poesie (1998, p. 48). Francesco De Sanctis observa que, com a tradução de Mosco, tem-se um primeiro indício da poética leopardiana, porque, provavelmente, foi nele que Leopardi se inspirou para compor seus idílios (1986, p. 1140). Nesse sentido, Rolando Damiani observa que é com as traduções que Leopardi se abre para a poesia, filólogo que era até então, porque La traduzione degli Idilli di Mosco diverge dal progetto erudito-filologico [...]. Essa nasce sotto il segno della predilezione letteraria, di un gusto individuale [...] Leopardi ha scoperto traducendo il piacere gratuito della letteratura, l amore per il bello coltivato privatamente. [...] Nei poeti antichi, che legge e riversa nella propria lingua, Leopardi avverte qualcosa di suo [...]. La catena dell erudizione, i vincoli del tradurre, le dure leggi dell emendatore di testo gli hanno insegnato la libertà della letteratura, il gusto di creare e di dirsi che ne costituiscono l essenza (2002, p. 68). O lugar da tradução na vida literária de Leopardi é, de alguma maneira, ressaltado também pelo próprio autor quando, em carta de 21 de março de 1817 ao amigo Giordani, diz: Quando ho letto qualche classico, la mia mente tumultua e si confonde. Allora prendo a tradurre il meglio, e quelle bellezze per necessità esaminate e rimenate a una a una, piglian posto nella mia mente, e l arricchiscono e mi lasciano in pace [...] (1998, p. 71). Se a tradução conduz Leopardi ao prazer da literatura e ela serve de preparação para sua obra, na sua lista de traduções literárias figuram a Batracomiomaquia, do pseudo-homero, a Titanomaquia, de Hesíodo, o segundo livro da Eneida e o primeiro da Odisséia entre outras e é divulgada nas cartas com os correspondentes da época. Todas estas traduções são feitas, como ele descreve em carta de 24 de janeiro Fragmentos, número 33, p. 097/102 Florianópolis/ jul - dez/ 2007 99

de 1817 a Stella, con tutto il possibile studio, non avanzando uma parola senza averla maturatamente ponderata, e con tutta la cognizione delle due lingue di cui io sono capace (1998, p. 52). Esse rigor também será observado por Vogel, que diz em 04 de março de 1817 que nas traduções de Leopardi encontramos eleganza e l esattezza delle versioni (1998, p. 58). O interesse pela tradução e seu exercício ia muito além do rigor filológico, porque através de suas traduções Leopardi consegue se comunicar com o mundo. Assim, em 1817, ele envia a sua tradução do segundo livro da Eneida para Vincenzo Monti, que era e ainda é considerado o melhor tradutor da Ilíada ao italiano, ou nas palavras de Leopardi il primo in Europa (1998, p. 55) e para o escritor Pietro Giordani, com quem em 21 de fevereiro de 1817 inicia uma intensa e profunda relação epistolar, uma das mais estimulantes de todo o seu epistolário. É também em 1817 que Leopardi começa o Zibaldone di Pensieri, obra de caráter ensaístico em que o autor de Recanati desenvolve as suas mais agudas reflexões sobre tradução. E é justamente em 1817, na correspondência com Giordani que temos uma das mais fecundas observações sobre o assunto. Na carta de 29 de dezembro de 1817 a Giordani, impulsionado por um comentário de 12 de março de Giordani de que traduzir é necessario a divenir grande scrittore, e proprio all età giovane (1998, p. 67) ou ainda o de 15 de abril: mi pare che a divenire scrittore bisogni prima tradurre che comporre (1998, p. 81), Leopardi afirma: [...] E in oltre mi pare d essermi accorto che il tradurre così per esercizio vada veramente fatto innanzi al comporre, e o bisogni o giovi assai per divenire insigne scrittore, ma che per divenire insigne traduttore convenga prima aver composto ed essere bravo scrittore, e che in somma una traduzione perfetta sia opera più tosto da vecchio che da giovane (1998, p. 172). Nessa carta, Leopardi expõe uma concepção muito original e independente, defendendo a prática da tradução para o escritor iniciante. É traduzindo que se aprende a compor com estilo. Convém frisar que quando Leopardi fala que é traduzindo que se aprende a escrever, ele se refere à tradução dos grandes autores clássicos gregos e latinos, como Homero, Virgílio e Horácio. Mas no caso de ser escritor e escrever bem, a probabilidade de uma boa tradução é bastante alta, pois a tradução de qualidade é obra do escritor maduro. Essa idéia é importante para o treinamento de tradutores, porque a ênfase recai na composição na língua-alvo, não na decodificação, como em geral acontece. 100 Andréia Guerini, O epistolário leopardiano de 1809 a 1817...

Com essas idéias, Leopardi lança as bases da relevância do traduzir, estabelecendo a relação tradutor-escritor e escritor-tradutor, e elabora uma verdadeira ontologia da tradução, quando em um fragmento de 1820 do Zibaldone, ele afirma: [...] E certo ogni bellezza principale nelle arti e nello scrivere deriva dalla natura e non dall affettazione o ricerca. Ora il traduttore necessariamente affetta, cioè si sforza di esprimere il carattere e lo stile altrui, e ripetere il detto di un altro alla maniera e gusto del medesimo. Quindi osservate quanto sia difficile una buona traduzione in genere di bella letteratura, [320] opera che dev esser composta di proprietà che paiono discordanti e incompatibili e contraddittorie. E similmente l anima e lo spirito e l ingegno del traduttore. Massime quando il principale o uno de principali pregi dell originale consiste appunto nell inaffettato, naturale e spontaneo, laddove il traduttore per natura sua non può essere spontaneo. Ma d altra parte quest affettazione che ho detto è così necessaria al traduttore, che quando i pregi dello stile non sieno il forte dell originale, la traduzione inaffettata in quello che ho detto, si può chiamare un dimezzamento del testo, e quando essi pregi formino il principale interesse dell opera, (come in buona parte degli antichi classici) la traduzione non è traduzione, ma come un imitazione sofistica, una compilazione, un capo morto, o se non altro un opera nuova. [...]. O ofício do tradutor está diretamente relacionado com o do escritor. Ambos, para Leopardi, devem seguir a simplicidade e a naturalidade, ao invés da afetação e da simulação. Porém, há um problema: o tradutor simula e aí transparece a contradição. Mas só finge e/ou o simula quem domina a arte. Se o tradutor é um simulador, como diz Leopardi, quem é jovem não sabe simular, pois para saber simular é preciso saber fazer, e isso acontece quando se tem a prática de tradução como um exercício constante para o escrever bem, idéia que está na carta ao Giordani. É curioso observar que uma teoria semelhante, aplicada ao poeta, seria desenvolvida em célebres versos, no século seguinte, por Fernando Pessoa. Das reflexões de Leopardi, seja no epistolário seja no Zibaldone, a tradução é uma arte, assim como fora, por exemplo, para Dryden, que diz: [...] the true reason why we have so few versions which are tolerable is [...] because there are so few who have all the talents which are requisite for translation (1992, p. 22). Aliás, Leopardi tem a mesma postura que seria adotada por Pound, para quem somente um bom escritor-poeta pode traduzir outro bom escritor-poeta. Diz Leopardi no prefácio de sua tradução do segundo livro da Eneida que [...] senza esser poeta non si può tradurre un vero poeta (1998, p. 554), mas se afasta afasta da posição defendida por Benjamin em A tarefa do tradutor que afirma Come la traduzione è una forma propria, così anche Fragmentos, número 33, p. 097/102 Florianópolis/ jul - dez/ 2007 101

il compito del traduttore va inteso come un compito a sé e nettamente distinto da quello del poeta (1962, p. 47). Como se pode perceber do exposto acima, desde as primeiras cartas, o assunto tradução, direta ou indiretamente, ganha contornos importantes, servindo de base para o pensamento leopardiano, que vai ser aprofundado e ampliado e ganhar contorno de teoria nas reflexões do Zibaldone. E se o epistolário foi um modo para o autor de L Infinito suprir a falta de contatos que não existiam em Recanati, distante das correntes literárias da época, foi também um modo de dar a conhecer a sua faceta de tradutor e pensador. Bibliografia Benjamin, Walter. Angelus Novus. Saggi e frammenti. Traduzione di Renato Solmi. Torino: Einaudi, 1962. De Caprio, Vincenzo & Giovanardi, Stefano. I Testi della Letteratura Italiana dell Ottocento. Milano: Einaudi Scuola, 1993. Daminai, Rolando. All apparir del vero Vita di Giacomo Leopardi. Milano: Mondadori, 2002. De Sanctis, Francesco. Studio su Giacomo Leopardi. Venosa: Osanna Venosa, 2001. De Sanctis, Francesco. Sull epistolario di Giacomo Leopardi. Torino: Einaudi, 1960. De Sanctis, Francesco. Storia della letteratura italiana. Torino: Einaudi, 1958. Diafani, Laura. La stanza silenziosa Studio sull epistolario di Leopardi. Firenze: Le Lettere, 2000. Dryden, John. On Translation. In: Theories of translation: An Anthology of Essays from Dryden to Derrida. Schulte, R. & Biguenett, J. (ed.). Chigaco: The University of Chicago Press, 1992. Leopardi, Giacomo. Epistolario. A cura di Franco Brioschi e Patrizia Landi. Torino: Bollati Boringhieri, 1998.. Zibaldone. Disponível em: <www.liberliber.it>.. Poesie e Prose. A cura di Rolando Damiani. Milano: Arnoldo Mondadori, Meridiani, 1998. Origo, Iris. Leopardi. Traduzione di Paola Ojetti. Milano: Rizzoli Editore, 1974. 102 Andréia Guerini, O epistolário leopardiano de 1809 a 1817...