Doença da regurgitação valvar venosa ilíaca: implicações para o tratamento cirúrgico da insuficiência venosa em membros inferiores

Documentos relacionados
VARIZES DE MEMBROS INFERIORES. Dr Otacilio Camargo Junior Dr George Kalil Ferreira

Artigo Original. Resumo

CASO CLÍNICO DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA NÃO ATEROSCLERÓTICA

Caso Clínico. Aprendendo com Prof. Nicos Labropoulos

MEDIASTINO MEDIASTINO MEDIASTINO MÉDIO MEDIASTINO MÉDIO. Conceito. Limites Divisão. Conteúdo: pericárdio coração

Sistema Circulatório. Aparelho Circulatório Aparelho cárdio-vascular. Sistema Vascular Sistema Cárdio-Vascular. Angiologia

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE ESCOLA DE MEDICINA E CIRURGIA PLANO DE ENSINO

- CAPÍTULO 3 - O SISTEMA CIRCULATÓRIO

- termo utilizado para designar uma Dilatação Permanente de um. - Considerado aneurisma dilatação de mais de 50% num segmento vascular

Anatomia Sistêmica Cardiovascular

UNIVERSIDADE DE SÃOPAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE FISIOLOGIA

Cardiologia. Prof. Claudia Witzel

Disfunções valvares. Prof. Dra. Bruna Oneda 2013

Centro Universitário Maurício de Nassau Prof. Douglas Monteiro. Sistema Circulatório

Distúrbios Circulatórios

LISTA DE RECUPERAÇÃO 3ª SÉRIE BIOLOGIA PROF STUART 4º BIMESTRE

Atividade Física e Cardiopatia

Sistema Circulatório. Prof. Dr.Thiago Cabral

ORGANIZADOR. Página 1 de 8

SISTEMA CARDIOVASCULAR DISCIPLINA: FISIOLOGIA I

ANATOMIA SISTÊMICA Profa.Ms. Marcelo Lima

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS DEPARTAMENTO DE BIOMEDICINA E FARMÁCIA SISTEMA CIRCULATÓRIO

Aterosclerose. Aterosclerose

XIV Reunião Clínico - Radiológica. Dr. Rosalino Dalazen.

DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA

SISTEMA CIRCULATÓRIO PROF.ª LETICIA PEDROSO

TROMBOSE Prof. Rafael Fighera

LEIS GERAIS DA CIRCULAÇÃO E PROPRIEDADES DO CORAÇÃO

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

10º Congresso da AMACC Emanuel Dias, Assistente Hospitalar de Cirurgia Vascular, FEBVS

PROVA PARA O PROGRAMA DE ANGIORRADIOLOGIA E CIRURGIA ENDOVASCULAR

Problemas Cardiovasculares. Aspectos anatômicos e fisiológicos na UTI

09/09/2017. Doenças Vasculares. Flebite ou Tromboflebite. Conceito: Flebiteé a inflamação das paredes de uma veia. Prof. Raquel Peverari de

I. RESUMO TROMBOEMBOLISMO VENOSO APÓS O TRANSPLANTE PULMONAR EM ADULTOS: UM EVENTO FREQUENTE E ASSOCIADO A UMA SOBREVIDA REDUZIDA.

VARIAÇÕES FISIOLÓGICAS DA PRESSÃO DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO NA CISTERNA MAGNA

Jornal Vascular Brasileiro ISSN: Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular. Brasil

Preditores de lesão renal aguda em doentes submetidos a implantação de prótese aórtica por via percutânea

Estenose Aórtica. Ivanise Gomes

REVASCULARIZAÇÃO FEMORO POPLITEA: COD Revascularização de Tronco Supra Aórtico

ESTUDO DA FREQÜÊNCIA DE PARASITAS E DE OVOS NAS CAVIDADES APENDICULARES DAS APENDICITES AGUDAS *

6.º Congresso da AMACC - Lisboa. Caso Clínico

Faculdade Maurício de Nassau Disciplina: Anatomia Humana. Natália Guimarães Barbosa

Túlio Henrique Ferreira de Oliveira¹; Fernando Ribeiro Leite Junior²; Gustavo Miná Pinto 3 ; Matheus Andrade de Abrantes 4 ; Ezymar Gomes Cayana 5

CIR. Disciplina Optativa de CLÍNICA CIRÚRGICA CARDIOVASCULAR. COORDENADOR: Prof. Dr. João Batista Vieira de Carvalho ASPECTOS HISTÓRICOS

A PREVENÇÃO faz a diferença

Livro Eletrônico Aula 00 Fisioterapia Cardiovascular - Curso Regular para Prefeituras (Fisioterapeuta)

Alterações Circulatórias Trombose, Embolia, Isquemia, Infarto e Arterosclerose

II FÓRUM DE CIRURGIA GERAL

CURRICULUM VITAE. Albuquerque e Castro; João António da Costa Cabral

Data: 20/08/2014. Resposta Técnica 01/2014. Medicamento Material Procedimento X Cobertura

FISIOLOGIA DO SISTEMA CIRCULATÓRIO. Prof. Ms. Carolina Vicentini

Índice Remissivo do Volume 31 - Por assunto

Radiologia do Coração

Mapeamento da safena interna com ecocolor Doppler no pré-operatório de cirurgia de revascularização miocárdica

ETIOLOGIA: DEFINIÇÃO: A EMBOLIA É UM PROCESSO DE OCLUSÃO TOTAL OU GR. "ÉMBOLO" = TAMPÃO, ROLHA; E "EMBOLEÉ" = IRRUPÇÃO

SOPROS CARDÍACOS NA INFÂNCIA

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM

Artigo Original TUMORES DO PALATO DURO: ANÁLISE DE 130 CASOS HARD PALATE TUMORS: ANALISYS OF 130 CASES ANTONIO AZOUBEL ANTUNES 2

SISTEMA CIRCULATÓRIO I: CORAÇÃO

Ciclo cardíaco sístole e diástole. Sístole

Jornal Vascular Brasileiro ISSN: Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular. Brasil

PROBLEMAS CARDIOVASCULARES. Prof. Enf. Esp. Diógenes Trevizan

TÍTULO: TRATAMENTO DE ÚLCERA VENOSA: A APLICAÇÃO DA DRENAGEM LINFÁTICA MANUAL COMO TERAPIA COMPLEMENTAR

Aula 5: Sistema circulatório

DIAGNÓSTICOS PARA ENCAMINHAMENTO VIA CROSS PARA TRIAGEM NO INSTITUTO DO CORAÇÃO

Identificação pelo eco-doppler colorido de fístula arteriovenosa na trombose venosa profunda

PEDIDO DE CREDENCIAMENTO DO SEGUNDO ANO NA ÁREA DE ATUAÇÃO DE CARDIOLOGIA PEDIÁTRICA

1969:Estado da Guanabara IECAC Comunicação Inter-Ventricular com Hipertensão Pulmonar-13/08/1969

LISTA DE ATIVIDADES - TAREFÃO DE CIÊNCIAS

SISTEMA CARDIOVASCULAR. Elab.: Prof. Gilmar

DOR EM MEMBROS INFERIORES PATOLOGIAS VENOSAS

DIFUSÃO DA TÉCNICA DA ARTERIALIZAÇÃO DO ARCO VENOSO DO PÉ PARA SALVAMENTO DE EXTREMIDADE COM ISQUEMIA CRÍTICA SEM LEITO DISTAL

Paulo Donato, Henrique Rodrigues

Gabarito da lista de revisão sobre Sistema Circulatório Prof: Marcus Ferrassoli

Dr. Ricardo anatomia radiológica vascular. WIKIPEDIA

Simpósio Coração da Mulher: Antigo Desafio, Novos Conhecimentos. Anticoncepção. Nilson Roberto de Melo

Centro Hospitalar de Hospital São João, EPE. João Rocha Neves Faculdade de Medicina da UP CH - Hospital São João EPE

Exercícios de Circulação Comparada

Caso clínico. S.A.G, 35 anos

Processo Seletivo Unificado de Residência Médica 2017 PADRÃO DE RESPOSTAS ANGIORRADIOLOGIA E CIRURGIA VASCULAR

Teste de Valsalva ortostático no refluxo venoso

Curso de Reciclagem em Cardiologia ESTENOSE VALVAR AÓRTICA

Artigo Original. Resumo

MCDT evaluation of aortic root and aortic valve prior to TAVI. What is optimal imaging point in the cardiac cycle?

As principais valvulopatias cardíacas cirúrgicas são representadas principalmente pelas alterações patológicas das válvulas Mitral, Tricúspide e

PORTARIA Nº 1.197, DE 11 DE JULHO DE O SECRETÁRIO DE ATENÇÃO À SAÚDE, no uso de suas atribuições,

Sistema circulatório

Aulas Multimídias Santa Cecília. Profª Ana Gardênia

Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde PORTARIA Nº 505, DE 28 DE SETEMBRO DE 2010

DESENVOLVIMENTO CARDIOVASCULAR PARTE II PROFª ME. TATIANE DA SLVA POLÓ

AVALIAÇÃO DO REFLUXO EM VEIAS SUPERFICIAIS NA CLÍNICA DA INSUFICIÊNCIA VENOSA CRÔNICA DOS MEMBROS INFERIORES

INSUFICIÊNCIA ARTERIAL AGUDA DE MEMBROS INFERIORES

I MÓDULO Grandes Síndromes Clínicas: Sinais e Sintomas 6 Semanas: 1ª a 6ª semana SEMANA DIA HORÁRIO PROF. SALA CONTEÚDO

Avaliação do sistema venoso após a ressecção da veia femoral superficial

Cirurgia Vascular Codificação Clínica

Transcrição:

Doença da regurgitação valvar venosa ilíaca: implicações para o tratamento cirúrgico da insuficiência venosa em Iliac valve regurgitation disease: implications for the surgical approach of the venous insufficiency in the lower extremities Otoni Moreira GOMES*, Eros Silva GOMES* RBCCV 44205-607 Resumo Fundamentos: As varizes de constituem uma das mais comuns doenças circulatórias, contudo, até onde foi possível alcançar, não foram encontradas na literatura médica publicações científicas descrevendo a incidência comparativa de regurgitação valvar em veias ilíacas e safenas magnas. Objetivo: Estudar a ocorrência de regurgitação valvar em veias ilíacas, associada ou não com insuficiência de válvulas em veias femoral ou safena magna. Método: Em 30 pacientes portadores de varizes em, com idade entre 21 e 71 anos (média de 39 anos), sendo seis (20 %) do sexo masculino, foram estudados exames Duplex Scanning (Aparelho Esaote; transdutor de 7,5 MHZ, com técnica bidimensional, doppler pulsado e fluxo a cores), analisando a regurgitação em veias ilíaca, femorais, safenas magnas e poplíteas. Resultados: A regurgitação ilíaca importante, igual ou superior a 26,0 cm/s presente em 19 membros, ocorreu isoladamente, sem refluxo na válvula ostial da veia safena em apenas um (5,3%) caso. Nos casos com regurgitação ilíaca menor (Classes 1 a 3), a ausência de regurgitação ostial da veia safena ocorreu em quatro (14,3%) membros. No total de 60 membros estudados, houve incidência de regurgitação ilíaca em 47 (78,3%) casos, e de disfunção valvar ostial da safena magna em 45 (75%) casos. Contrariamente, a regurgitação ostial safena sem refluxo ilíaco ocorreu somente em três (6,3%) casos, sendo em apenas um caso (2,1%) superior a 25,9 cm/s. Conclusão: Concluiu-se que as anomalias da função das válvulas em veias ilíacas representam o fator determinante de maior correlação com a intensidade da insuficiência valvular ostial da veia safena magna e com a gravidade das varizes em. Descritores: Varizes. Veia ilíaca, cirurgia. Veia ilíaca, patologia. Insuficiência venosa. Abstract: Background : The varicose veins of the lower extremities is one of the most common circulatory diseases but as far as it was able to seek it was not found in the medical literature reports describing the associated comparative incidence of the femoral and iliac valves regurgitation. Objective: To study the occurrence of selective valve regurgitation in the external iliac vein, associated or not with insufficiency of the valves in the femoral or in the great saphenous veins. Method: With approval of the Ethics Committee of the São Francisco de Assis Cardiovascular Foundation, the venous system of the lower limbs of thirty patients aged between 21 and 75 years old (min 39 years old), six (20%) males, with varicose veins in the lower extremities, were studied with Collor Flow Duplex Scanning (Esaote array; 7,5 MHZ transducer; bidimensional, pulsed doppler and collor flow techniques) aiming to investigate the regurgitation in the iliac, femoral, popliteal and great saphenous veins. The results were statistically Trabalho realizado no Serviço do Coração / ServCor - Fundação Cardiovascular São Francisco de Assis. Belo Horizonte, MG, Brasil * Da Fundação Cardiovascular São Francisco de Assis / ServCor, Belo Horizonte-MG, Brazil Parcialmente apresentado XI Meeting of the International Society for Heart Research, La Pata, Argentina, 2002 Endereço para correspondência: Otoni Moreira Gomes. Rua José do Patrocínio, 522, Santa Mônica - Belo Horizonte - MG, Brasil. CEP: 31525-160 Tel / Fax : (31) 3452-7143 E-mail servicor@servicor.com.br 339

considered regarding Variance analysis and t Test for significance level of 0.05. Results: The iliac regurgitation to 26,0 cm/s present in 19 limbs occurred isolated, without reflux in the great saphenous ostium valve only in one (5,3%) case. In the cases with iliac regurgitation < 26,0 cm/s, the absence of regurgitation in the great saphenous vein ostium occurred in four (14,3%) limbs. Considering the total of 60 lower extremities studied it was observed the iliac regurgitation incidence in 47 (78,3%) cases, and dysfunction of the saphenous ostium valve in 45 (75%) cases. Otherwise, the saphenous ostium valve reflux without iliac regurgitation occurred only in three (6,3%) cases, being only in one case above 25,9 cm/s. Conclusion: It was concluded that anomalies of the valvular function in the iliac veins present significant correlation with the intensity of the insufficiency in the great saphenous vein ostium valve and with the gravity of the varicose veins in the lower extremities. Descriptors: Varicose Veins. Iliac Vein, surgery. Iliac Vein, pathology. Venous Insufficiency INTRODUÇÃO Andreas Vesalius desenvolveu em Pádua, na Itália, a primeira escola de Anatomia conhecida no mundo ocidental, tendo publicado em 1543 seu livro De Humani Corporis Fabrica, que revolucionou o conhecimento do corpo humano. Entre os discípulos mais famosos da Escola de Pádua estão Fabrízio d Acquapendente e William Harvey, no início do século XVII. Acquapendente descreveu com destaque a presença das válvulas no sistema venoso e Harvey interpretou o significado funcional dessas válvulas, descrevendo pela primeira vez a circulação sanguínea [1]. Somente 200 anos após, VIRCHOW [2], em 1858, e MADELUNG [3], em 1884, ampliariam o conhecimento relativo às doenças das veias dos ; Virchow definindo os fundamentos da fisiopatologia das tromboses venosas e Madelung realizando a primeira safenectomia, logo aperfeiçoada por KELLER [4], introduzindo, em 1905, a fleboextração por cateter. Já nesse período considerava-se a importância da insuficiência das válvulas das veias periféricas no aparecimento e evolução das varizes em, incluindo-se também no raciocínio clínico a degeneração de válvulas de veias profundas e de ramos comunicantes, pelo processo inflamatório das flebites, conceitos que permanecem [5]. A anomalia congênita de válvulas em veias da perna como fator determinante da degeneração varicosa foi pioneiramente postulada por LUKE, em 1941 [6,7]. A ausência de válvulas em veia ilíaca externa também tem sido incluída como fator de favorecimento de varizes em membros inferiores [8]. A presença de válvulas no segmento venoso ilíaco externo e sua raridade na veia ilíaca comum foram descritas por FRIEDREICH [9], em 1882, McMURRICH [10], em 1906, e DI DIO [11], em 1951, sendo que EGER e CASPAR [12], em 1943, e POWELL e LYNN [13], em 1951, com base em observações anatômicas, concluíram ter essas válvulas importante papel na etiopatogenia das varizes de membros inferiores, condição negada por BASMAJIAN [14], em 1952, também com base apenas em estudos anatômicos. RISTOW et al. [15], em 1979, em pesquisa com ultrasonografia, estabeleceram relação entre a pobreza de válvulas no segmento iliofemoral e a persistência de sintomas em pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico de varizes em. Não foram encontrados na literatura alcançada estudos de correlação entre disfunções de válvulas em veias ilíacas, femoral e safena magna, em pacientes com varizes de. A presente investigação tem por objetivo estudar comparativamente, com ultra-sonografia duplex collor-scanning, em pacientes portadores de varizes de, a ocorrência isolada ou associada de disfunções valvares nesses segmentos venosos. MÉTODO Com projeto de pesquisa aprovado pela Comissão de Ética da Fundação Cardiovascular São Francisco de Assis, em 30 pacientes portadores de varizes em, com idade entre 21 e 71 anos (média de 39 anos), sendo seis (20 %) do sexo masculino, foram estudados exames Duplex Scanning (Aparelho Esaote; transdutor de 7,5 MHZ, com técnica bidimensional, Doppler pulsado e fluxo em cores), analisando-se a regurgitação em veias ilíacas, femorais, safenas magnas e poplíteas. Para avaliação da gravidade das varizes, a seguinte classificação foi adotada: Classe 1 - Microvarizes e varizes mínimas passíveis de tratamento por escleroterapia; Classe 2 - Varizes pequenas, com indicação cirúrgica de finalidade estética; Classe 3 - Varizes grandes, com indicação cirúrgica formal; Classe 4 - Varizes complicadas. Para avaliação da intensidade de regurgitação valvar venosa, adotou-se a seguinte classificação, baseada na intensidade de refluxo (velocidade de pico) registrada durante esforços de tosse súbita e voluntária, com o paciente em pé, considerando-se o valor máximo obtido em três medidas sucessivas: Classe 0 - Ausente; Classe 1 - <9,0 cm/ 340

s; Classe 2-9,0 a 17,0 cm/s; Classe 3-18,0 a 25,0 cm/s; Classe 4-26,0 a 34,0 cm/s; Classe 5-35,0 a 42,0 cm/s; Classe 6 - >42,0 cm/s. Os resultados obtidos foram estatisticamente, considerados em função da Análise de Variância e do Teste t, para nível de significância de 0,05. RESULTADOS Membro inferior direito Nove pacientes demonstraram regurgitação venosa ilíaca com intensidade igual ou superior a 26,0 cm/s (classes 4 a 6), com 27 pontos na soma dos indicadores de gravidade de varizes, com média 3,37 de gravidade, ou seja, predomínio da incidência de varizes maiores neste subgrupo. Ocorreram 21 casos de pacientes com regurgitação venosa ilíaca igual ou inferior a 26,0 cm/s (Classes 0 a 3), com média de 1,53 para a gravidade de varizes, predominando, portanto, varizes mínimas e microvarizes (Tabela 1). Membro inferior esquerdo O refluxo de veia ilíaca com intensidade igual ou superior a 26,0 cm/s ocorreu em oito casos, atingindo 24 pontos na avaliação da presença de varizes, com média 3,0 de gravidade. Ocorreram 22 casos de pacientes com regurgitação ilíaca igual ou inferior a 25,0 cm/s com média de 1,63, predominando, portanto, varizes mínimas e microvarizes (Tabela 1 e Figura 1). A Tabela 2 apresenta os resultados da correlação entre regurgitação ostial na veia safena magna e intensidade de manifestação de varizes no membro inferior esquerdo, notando-se que a intensidade do refluxo em classes 4 a 6 correlaciona-se significantemente com o maior calibre das varizes nos dois membros. Tabela 1. Correlação entre Varizes e Regurgitação Valvar Venosa Ilíaca. N Pontos (Score) Índice (Média) Regurgitação > 3* 9 25 3,1** MID *** Regurgitação 3 15 29 1,7 Ausente 6 5 1 Regurgitação > 3 8 25 3,1 MID *** Regurgitação 3 15 24 1,6 Ausente 7 12 1,7 * Superior a 25,9 cm/s ** Indice de gravidade das varizes *** p < 0,05 Fig. 1 - Correlação entre regurgitações valvares ilíacas e gravidade de varizes Tabela 2. Correlação entre Varizes e Regurgitação Ostial Safena N Pontos (Score) Índice Regurgitação > 3* 10 31 3,01 MID ** Regurgitação 3 20 27 1,35 Regurgitação > 3 12 34 2,83 MIE ** Regurgitação < 3 18 25 1,38 Nº = Número de observação * Regurgitação superior à da classe 3 (até 25,9 cm/s) ** p < 0,05; A Tabela 3 apresenta a correlação entre intensidade de regurgitação em válvulas ilíacas e disfunção valvar ostial nas veias safenas magnas. Em direitos, ocorreram nove casos de regurgitação ilíaca de intensidade superior a 25,9 cm/s (Classes 4 a 6). Nestes pacientes a regurgitação em safena foi de intensidade equivalente (4 a 6) em oito casos e inferior a 26,0 cm/s em apenas um caso. Também em direitos ocorreram 16 casos de regurgitação ilíaca de intensidade igual ou inferior a 25,9 cm/ s (Classes 1 a 3), sendo semelhante no óstio da safena magna em 19 membros e superior a 25,9 cm/s em apenas dois casos. O refluxo ilíaco esteve presente em 5 casos, nos quais também não houve refluxo ostial na safena. Nos esquerdos, em oito casos com regurgitação ilíaca superior a 25,9 cm/s, a válvula ostial da safena magna apresentou regurgitação semelhante; também foi equivalente em todos os 22 casos com regurgitação ilíaca igual ou inferior a 25,9 cm/s (Tabela 4). Considerando-se o total de 60 membros estudados, verificou-se presença de regurgitação venosa ilíaca em 47 (78,3%) e ostial da safena em 44 (73,3%) (Figura 2), definindo a presença de regurgitação ostial da safena em 93,6% dos casos com regurgitação valvar ilíaca. Dos 24 341

Tabela 3. Correlação entre Regurgitações Valvares Ilíacas e Ostiais da Safena Magna Regurgitação Ilíaca Safena 26,0 cm/s N % Nº % > 8 26,6 10 40,0 MID < 16 56,6 12 36,6 Ausente 6 16,6 8 23,3 MIE 8 26,6 12 33,3 < 15 50,0 11 40,0 Ausente 7 23,3 7 26,6 Nº = Número de observações Tabela 4. Incidência de Regurgitação em Veias Ilíacas e Safenas. Regurgitação Ausente > 25,9 cm/s 25,9 cm/s Fig 3. - Regurgitação em veias ilíaca e safena magna. ILÍACA MID 6* 8 16 MIE 7 8 15 SAFENA MID 8 10 12 MIE 7 12 11 * Número de observações Fig. 4 - Regurgitação valvar ilíaca seletiva. Fig. 2 - Correlação entre regurgitações valvares ilíacas e ostiais da safena direitoscom regurgitação ilíaca, 22 (91,7%) também apresentaram regurgitação ostial de safena. Em esquerdos foram obtidos valores respectivos de 23 e 22 (95,6%) para regurgitação ilíaca e ostial da safena. Esses resultados evidenciam a associação entre regurgitação valvar ilíaca significativa e disfunção ostial da safena magna (Figura 3). A regurgitação ilíaca, importante, igual ou superior a 26,0 cm/s presente em 19 membros, ocorreu isoladamente, sem refluxo na válvula ostial da safena em apenas um (5,3%) caso (Figura 4). Nos casos com regurgitação ilíaca menor (Classes 1 a 3), a ausência de regurgitação ostial da veia safena ocorreu em quatro (14,3%) membros. No total de 60 membros estudados, houve incidência de regurgitação ilíaca em (47 casos - 78,3%), 342

Fig. 5 - Refluxo seletivo em válvula ostial da safena magna. e de disfunção valvar ostial da safena magna em 45 (75,0%) casos. Contrariamente, a regurgitação ostial safena sem refluxo ilíaco ocorreu somente em três (6,3%) casos, sendo em apenas um (2,1%) caso (Figura 5) superior a 25,9 cm/s. COMENTÁRIOS A existência de válvulas no sistema venoso sistêmico está descrita desde o século XVI por Fabrício Acquapendente, da Escola Anatômica de Vesálio, e, desde então, até nossos dias são apresentadas em esquemas didáticos na grande maioria dos livros de Anatomia, Angiologia e Cirurgia Cardiovascular. Fato notável, contudo, é a circunstância de não ter sido considerado como destaque a diferenciação de textura da válvula ilíaca, situada na origem da veia ilíaca externa, que é a válvula mais forte e bem formada de todo o sistema venoso sistêmico. Fundamentados na topografia valvular venosa descrita por McMURRICH [10], em 1906, e no fato de que as válvulas dos vasos mais expressivos do organismo, a aorta e artéria pulmonar, estão na origem ou raiz desses mesmos vasos, aqui optou-se por denominar válvula ilíaca a válvula que está na origem da veia ilíaca externa, como destaque para sua estrutura morfológica especial, maior constância [12 14] e para a possível maior freqüência de sua presença ou ausência na fisiopatologia das doenças venosas em. Outras válvulas no segmento venoso ilíaco são aqui consideradas como válvulas ilíacas acessórias. A posição da válvula ilíaca também é especial. Para maior garantia de sua função, está circundada por estruturas osteofibrosas resistentes, representadas principalmente pelo ligamento inguinal, anteriormente, e pelos músculos iliopsoas e pectíneo sobre o osso do quadril, posteriormente. Nestas condições é mais difícil a separação de suas duas cúspides e a conseqüente insuficiência valvular com refluxo significante. Isto é importante porque a válvula ilíaca suporta todo o peso da coluna de sangue com o indivíduo em pé, pois são raras as válvulas ilíacas acessórias e não existem válvulas na veia cava inferior, sendo a válvula de Eustáquio, na junção com o átrio direito, apenas rudimentar. Abaixo da válvula ilíaca encontram-se a válvula do óstio da veia safena magna e a válvula da veia femoral comum, na transição com a veia femoral superficial. Como a veia femoral profunda pode não possuir válvulas, as válvulas em veia ilíaca representam importante proteção contra o estresse endotelial no suporte de toda a pressão hidrostática sangüínea venosa. Dentre as doenças valvares cardíacas, tem-se descrito a estenose, insuficiência, dupla disfunção, a atresia e a agenesia. Já a doença da válvula ilíaca apresenta-se de duas formas principais, quais sejam a insuficiência e a agenesia, afecções mais freqüentes nas válvulas ilíacas acessórias, mais frágeis e muito menos presentes. No presente estudo, observou-se que a regurgitação valvular ilíaca esteve presente em 78,3 % dos pacientes estudados, todos portadores de varizes de, em graus variáveis. Contrariamente, a regurgitação ostial safena sem refluxo ilíaco ocorreu somente em três (6,3%) casos, sendo em apenas um (2,1%) caso superior a 25,9 cm/s. Esta condição favorece a concepção de uma teoria com modelo dominó para a degeneração venosa não infecciosa nem traumática em. A má-formação congênita da válvula ilíaca e de suas acessórias cria um martelo de pressão venosa sobre a válvula ostial da veia safena magna e sobre a válvula da junção das veias femoral comum e superficial, que sendo texturalmente mais fracas e menos protegidas por estruturas circunjacentes, principalmente a válvula da safena magna, ficam propensas à dilatação e à regurgitação. A válvula da origem da veia femoral comum possui constituição textural diferenciada, é protegida por estruturas músculo-aponeuróticas da coxa e é mais constante que a válvula da veia ilíaca, conferindo maior proteção para a veia poplítea e suas tributárias diretas. Esses fatos justificam a presença de refluxo em veia poplítea, ocorrendo apenas em dois (3,3 %) pacientes da presente série, apresentando os mais acentuados refluxos na válvula ilíaca. Assim, à regurgitação da válvula ilíaca pode seguir-se a distensão da veia femoral comum e do óstio da safena magna, progressivamente deteriorando suas válvulas. Quando a válvula da safena magna é mais estruturada e resistente, a tensão atua com mais intensidade na válvula ostial da femoral superficial, que sendo mais resistente atenua a evolução da doença. Por outro lado, a veia femoral comum transmite o estresse de pressão para suas tributárias, dotadas de válvulas pouco consistentes. Na seqüência, formam-se as dilatações venosas colaterais, degeneram-se as válvulas de 343

perfurantes comunicantes e a degeneração propaga-se para segmentos das veias safenas magna e parva nas pernas. Esta condição fisiopatológica favorece a explicação dos quadros clínicos de parestesia, sensação de peso e edema ortostático em pacientes sem varizes e sem refluxo em veia safena magna, porque toda a tensão está exercida sobre o território de drenagem da veia femoral profunda, dificultando a drenagem centrípeta de comunicantes. Embora o aparecimento de varizes dependa de outros fatores primários ou secundários, que podem também depender da resistência constitucional das paredes venosas e dos tecidos circunjacentes que dificultam a dilatação, duas pesquisas importantes suportam a teoria do dominó acima descrita: a de Ferreira [17], que demonstrou ser a degeneração endotelial, do tipo proliferação e fibrose de íntima, a alteração histopatológica mais constante em veias varicosas, explicável pelo contínuo estresse pressórico endotelial, e a de RISTOW et al. [15], demonstrando regurgitação iliofemoral em pacientes que persistiram com sintomas após cirurgia de varizes. Em análise geral, pode-se concluir que as anomalias da função das válvulas em veias ilíacas representam o fator determinante de maior correlação com a intensidade da insuficiência valvular ostial da veia safena magna e com a gravidade das varizes em Também com os fatos acima expostos, pode-se inferir que estudos epidemiológicos futuros em diferentes grupos etários poderão indicar os pacientes com risco potencial maior de desenvolvimento de doenças venosas em, como por exemplo, na gravidez e na evolução de miocardiopatias, permitindo tratamento preventivo mais precoce. Novo horizonte abre-se também para o tratamento dos pacientes evoluindo com estase venosa mais grave em. A evidência na presente investigação de regurgitação venosa ilíaca bilateral suscita a hipótese de tratamento pelo implante de stents valvados em veia ilíaca ou na veia cava inferior infra-renal, por cirurgia endovascular ou por procedimento cirúrgico direto. Este estudo já está sendo realizado experimentalmente, com o implante de segmento de cúspide valvar aórtica porcina, preservada em glutaraldeído, na veia cava infra-renal de cães, com resultados iniciais satisfatórios [18]. A presente investigação, contudo, não permite outra conclusão além da evidência de que a disfunção valvar no segmento venoso ilíaco esteve presente em 78,3% dos membros inferiores estudados com varizes e que ocorreu uma relação direta entre a intensidade do refluxo venoso ilíaco e a gravidade das varizes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Oliveira AB. A evolução da Medicina. São Paulo: Pioneira, 1981. 2. Virchow R. Die Cellularpathologieund Gewebelehre. Berlin: Hirschwald, 1858. In: Garrison FH, Morton LT. A medical bibliography. Londres: Grafton, 1943. 3. Madelung. In: Juergens JL, Spittell Jr. JA, Fairbairn II JF. Peripheral vascular diseases. Philadelphia: WB Saunders, 1980. 4. Keller WL. A new method of extirpating the internal saphenous and similar veins in varicose conditions: a preliminary report. NY Med J 1905; 82:385-6. 5. Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Doenças vasculares periféricas. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987. 6. Luke JC. The diagnosis of chronic enlargement of the leg with description of a new syndrome. Surg Gynecol Obstet 1941; 73: 472-80. 7. Luke JC. The deep vein valves. Surgery 1951; 29:381-91. 8. Garrido MBM. Anatomia do sistema venoso dos membros inferiores. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Doenças vasculares periféricas. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987. 9. Friedreich N. Ueber das Verhalten der Klappen den Cruralvenen, sowie ueber das Verkommen von Klappen in den grossen Venanstaemmen des Uterleibes. Morph Jjahrb 1882; 7: 323-5. 10. McMurrich JP. The valves of the iliac vein. Br Med J 1906; 2: 1699-700. 11. Di Dio LJA. Válvulas das veias ilíacas comuns em brancos, negros e mulatos. Rev Hosp Clin Fac Med S Paulo 1951; 4: 343-59. 12. Eger SA, Casper SI. The etiology of varicose veins from an anatomic aspect, based on dissection of 38 adult cadavers. JAMA 1943; 123: 148-58. 13. Powell T, Lynn RB. The valves of the external iliac femoral and upper third of the popliteal veins. Surg Gynecol Obstet 1951; 92: 453-63. 14. Basmajian IV. The distribution of valves in the femoral external iliac and common iliac veins and their relationship to varicose veins. Surg Gynecol Obstet 1952; 95: 537-45. 15. Ristow AVB, Arruda AM, Albuquerque JT, Medina AL. Varizes primárias: 10 anos de experiência com o tratamento cirúrgico. Rev Assoc Med Bras 1979; 25: 216-8. 16. Gomes OM, Gomes ES. Iliac valve regurgitation disease. In: X Meeting of the International Society for Heart Research - Latin American Section; 2002; La Plata, Argentina. 17. Garrido MBM. Patologia e diagnóstico de varizes dos membros inferiores. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Doenças vasculares periféricas. Rio de Janeiro: MEDSI, 1987. 18. Gomes OM, Zandim R, Rodrigues JBT, Miranda ED, Barros D, Oliveira DMA. Implante de cúspide valvar heteróloga em veia cava inferior infra-renal - Estudo experimental em cães. XIX Congresso Norte-Nordeste de Cirurgia Cardiovascular / XIX Encontro dos Discípulos do Professor Zerbini, Belém-PA, 2001 344