PERCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DO CORPO NO VISLUMBRAMENTO DA FESTA DAS ORIXÁS FEMININAS: Obá, Iansã, Oxum e Iemanjá

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Transcrição:

PERCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DO CORPO NO VISLUMBRAMENTO DA FESTA DAS ORIXÁS FEMININAS: Obá, Iansã, Oxum e Iemanjá Igor Maciel da Silva 1 RESUMO: O objetivo deste texto é apresentar como a festa de Candomblé destinada às Orixás Obá, Iansã, Oxum e Iemanjá, fez perceber que o corpo dos presentes foi educado para manter a ordem da celebração. Para além são apresentados aspectos desta casa e do momento da cerimônia, em que se pôde refletir muito bem sobre a educação que estes corpos são inseridos. A metodologia empregada aqui foi a observação ativa no trabalho de campo em uma casa-de-santo, nação Angola, em Contagem (MG). Palavras-chave: Educação do corpo; Religião; Festa de Obá, Iansã, Oxum e Iemanjá. INTRODUÇÃO Falar de educação do corpo é fazer alusão a todos os dispositivos que nos controlam e nos educam para ocupar certo espaço (MORENO, 2009). As religiões são embasadas por preceitos, restrições e formas muito peculiares de apresentar conceitos de certo e errado, o que certamente influi na manutenção dos corpos que são adeptos aos diversos cultos religiosos. Falo de um lugar de pertencimento, um terreiro de Candomblé, nação Angola, localizado na cidade de Contagem, Minas Gerais, Brasil, cujo culto sou adepto há sete anos e possui duas mulheres como Zeladoras da casa-de-santo, roça ou terreiro. A diáspora africana fez com que as práticas das diferentes nações 2 da África, chegassem a América Portuguesa e se fundissem no que conhecemos como culto afro-brasileiro do Candomblé, ou pelo nome genérico usado até o final do século XVIII para designar qualquer culto de origem africana: Calundus (PARÉS, 2006), ou outras manifestações afins como o Batuque nos Estados sulistas, Tambor de Mina do Maranhão, a Umbanda que tem muitos adeptos no Sudeste e ao culto Xangô do Nordeste (SANTOS, 2008). Não saberemos ao certo, apenas aposto na história como recurso para tentar explicar os fatos. E fico com a crença de que estes cultos não são íntegros, pois chegando ao país foram influenciados por outras práticas vigentes como a dos ameríndios e português-cristãos, além da troca de saberes ritualístico entre nativos das diferentes nações. A metodologia empregada aqui se baseia no trabalho de campo, em que fui observador ativo, também apoiado na tradição oral, responsável pela perpetuação dos cultos afro-brasileiros. PERCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DO CORPO DURANTE O XIRÊ O xirê 3 começa com as cantigas de Exu: Ogãs 4 nos atabaques 5, padê 6, vela e uma quartinha 7. Zeladoras e Ekedis 8 de um lado e os filhos-de-santo de outro, todos de pé, e os filhos-de-santo de cabeça baixa, a mãe-de-santo diz: não se deve dançar para Exu. Biolê, Biolê, Bionatan, in bibi kakakô (Exu Bionatan está rindo) A comida de Exu é jogada na rua de forma ritualística e dançada. Uma das Zeladoras agora contém um pote branco na mão, e começa a cantiga para o Orixá Npemba 9, algumas cantigas são entoadas, o Ogã canta a primeira frase, os filhos-de-santo e demais presentes repetem, e assim por três vezes, sempre. Certa cantiga faz a Zeladora começa a soprar o pó que contém neste pote nos quatro cantos do local da festa (barracão), os filho-de-santo se abaixam, ajoelhados no chão e cabeça apoiada nas mãos, em uma PÁGINA 59

posição denominada surrão, para que ela possa soprar o pó sobre seus corpos ao chão. A celebração a Npemba acabou e agora todos se levantam. Todas as mulheres, Ekedis, filhas-de-santo e Zeladoras amarram panos na cabeça, feito turbantes, conhecidos simplesmente como panos-de-cabeça. Mulheres que possuem Orixá masculino podem deixar uma das partes do nó que sobra do pano-de-cabeça para fora, em um detalhe que faz alusão a uma orelha. As de Orixá feminino podem deixar as duas orelhas do pano-de-cabeça para fora. É dado início ao xirê. Enquanto os Ogãs cantam a primeira música do Orixá Ogum, em sequência hierárquica, das Zeladoras aos abiãs 10 cumprimentam a porta do barracão 11, em seguida um pote disposto bem ao meio do âmbito, representando o axé-da-casa 12, depois os atabaque, as Zeladoras e as Ekedis. Tudo isso daquele que tem mais anos de iniciação aos que não tem nenhum, estes ficam em fila, por ordem de chegada à casa. Quando todos os filhos-de-santo terminam de bater cabeça é dado início oficialmente as danças que compõe as cantigas do xirê. Nkongo senzala Nkosi (Ogum está chamando para a senzala) O terceiro Orixá do ritual a ser invocada e o primeiro a compor o xirê dançado é sempre Ogum, na sequência vem Ossãe, associado ao poder curativo das folhas; Oxóssi, associada a fartura e as matas; Logun edé, associado as pescas, as cachoeiras e florestas, tem por atributo a beleza de sua mãe Oxum, a fartura e perspicácia de seu pai Oxóssi, e as artes como domínio pessoal; Xangô, associado aos poderes judiciários e a racionalidade; Omolu, a saúde do homem e da terra; Iroko ou Tempo, associado aos ciclos da natureza e do homem, seu nome já diz muito sobre sua propriedade: o tempo, a paciência em saber esperar. Oxumaré, Orixá andrógeno, associado à comunicação entre o céu e a terra, seu elemento é o arco-íris; Obá, associada a chuva, considerada o lado feminino de Oxumaré; Vungi, associado a alegria e fertilidade; Iansã, senhora das nuvens de chumbo, rainha dos raios 13, associada ao sentimento de paixão no ser humano; Oxum, tem por domínio o útero e a pele, por isso envolvida diretamente com os assuntos da vaidade. Dona do amor e do elemento ouro; Iemanjá, dona da imensidão do mar, associada aos cuidados maternos, aos direitos familiares e das boas ideias. Seu elemento é o mineral prata; Nanã Buruquê, dona da maturidade, da lama e do recomeço, por isso associada ao estado de morte; Oxaguiã, dono da agricultura, do plantio à colheita; Oxalufã, criador da vida do homem, envolvido em qualquer processo de nascimento. Associado a elevação espiritual por completo, a leveza, a paz, seu símbolo é o ibirí, certa espécie de caramujo, representando bem a tranquilidade deste Orixá. Cada filho-de-santo possui seu Orixá regente. Durante o xirê, começa a saudar cada Orixá e os filhos daquele Orixá que está sendo saudade deve dar adobá 14 na porta, no axé da casa, nos atabaques e diante os pés das Zeladoras e pedir a benção delas, beijando suas mãos. Vale ressaltar que os filhos-de-santo que ainda não possuem sete anos de iniciação e que não tenham passado novamente pelos processos ritualísticos, denominados obrigação, quando completou um, três, cinco e sete anos, devem se agachar no barracão, sem nunca desfazer a roda, quando os atabaques param de tocar durante o xirê. Isso também vale para os não iniciados. Quem tem a obrigação de sete anos e as demais, que acontecem com quatorze e vinte e um anos completas deve ficar de pé sempre, e podem permanecer de sapatos durante todo o xirê, o que não vale para os de menos idade ritualística. PERCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO DO CORPO DURANTE A FESTA DAS AYABÁ Nenhum outro som no ar Pra que todo mundo ouça Eu agora vou cantar Para todas as moças Eu agora vou bater Para todas as moças Eu agora vou dançar Para todas as moças Para todas Ayabás Para todas elas Iansã comanda os ventos E a força dos elementos Na ponta do seu florim PÁGINA 60

É uma menina bonita Quando o céu se precipita Sempre o princípio e o fim Obá, não tem homem que enfrente Obá, a guerreira mais valente Obá, não sei se me deixo mudo Obá, numa mão, rédeas, escudo Obá, não sei se canto ou se não Obá, a espada na outra mão Obá, não sei se canto ou se calo Obá, de pé sobre o seu cavalo(...) Oxum, Oxum Doce mãe dessa gente morena Oxum, Oxum Água dourada, lagoa serena Oxum, Oxum Beleza da força da beleza da força da beleza Oxum, Oxum 15 Chegamos a casa-de-santo às oito horas da manhã, a festa estava marcada para as nove horas, sábado, 12 de dezembro de 2015. Primeiro deve tomar banho de erva, trocar a roupa da rua por vestes brancas: calça branca e blusa branca para os homens; mulheres devem se paramentar usando pano de cabeça, blusa, pano-da-costa sobre a blusa, saia, faixa angoleira 16 e calça por baixo da saia, tudo branco é aconselhável as mulheres entrarem na casa-de-santo trajando saia ou vestido. Entrar de calça é considerado afronto a sua condição de filha-de-santo, mesmo as que são iniciadas a Orixá masculino, Roupas curtas ou de cor preta não são permitidas para entrar ou sair da casa. Depois de tomar o banho, cada um inicia sua tarefa. Um grupo está fumando, outros já varrem o quintal, fazem comida para servir aos santos referentes à festa esta festa, mesmo feminina, tem como patrono o Orixá masculino Xangô, pois são suas mulheres e mãe, Iemanjá, que serão celebradas. Laços e flores são dispostos em todo o salão, sobre os vasos, em volta dos atabaques, até em vasos de plantas que ficam na porta do barracão. Deve dar prioridade para panos que contenham elementos e cores que fazem alusão a Obá (vermelho, laranja), Iansã (cores como marrom, cor-de-terra e vermelho; Borboleta como símbolo do Orixá), Oxum (dourado, amarelo e rosa, como elemento, as margaridas, girassóis, peixes), Iemanjá (verde escuro, azul claro e prata, elementos como peixes, flores das cores supracitadas, lua, peixes, algas marinhas), e que de preferência, que o principal enfeite seja decorado fazendo atribuição a Xangô (cores marrom e branco). São colocadas três cestas no lugar destinado ao axé-da-casa, uma para Iansã, outra para Oxum, e a do meio para Iemanjá, porque a mãe-de-santo 17 tem este Orixá. Nestas cestas devem ser colocados objetos considerados de caráter feminino: brincos, pulseiras, presilhas de cabeça, batom, creme, perfume, esmaltes, anéis e espelhos. A mãe-de-santo diz, tudo que remete a vaidade. Pratos esmaltados com objetos para a cesta das Ayabás, contendo a semente de Obi 18 (arquivo pessoal). PÁGINA 61

Não sei ao certo porque não se faz uma cesta para Obá, mesmo sendo uma das mulheres do patrono da festa. Acredito que possa ser a sua relação com Oxum, contada no mito que diz sobre a má convivência das duas, enquanto em estado polígono com Xangô. Os filhos-de-santo batem adobá diante as cestas, seguindo a hierarquia. Este adobá acompanha ao final três sequências de sete palmas ritmadas, conhecido como paó. Durante a entrega, a mãe-de-santo diz a uma das crianças que frequenta a casa que deveria ser rápido, porque homem tem que ser rápido, se não é mulherzinha. Depois que todos entregam seus presentes, devem estar com os fios-de-conta feitos de miçanga referente à seu Orixá no pescoço, senzala 19 no braço, e pano-de-cabeça, pano-da-costa, faixa angoleira para as mulheres... Criança frequentadora da casa-de-santo cuja mãe é adepta, brincando (arquivo pessoal) O xirê começa, em uma sequência de ritmos, saudações e cantos. Neste momento a entonação do canto é livre, e cada um se conecta a suas crenças mediante a dança em roda, adobás, até que a mãe-pequena que é do Orixá Iansã entra em transe, o que na sequência faz com que todos os filhos-de-santo iniciados entrem também. Nesta casa ainda não se iniciou o Orixá Oxum e Xangô, mas nem por isso a festa deixa de acontecer. As cestas estão prontas, a iniciada em Iemanjá também em transe, dança com seu Orixá e na sequência hierárquica dos inciados, Logun Edé, Nanã Buruquê, Ossãe e Ayrá. Há um iniciado em Oxaguiã em transe, mas é necessário que as cestas sejam entregues pelos Ogãs fora do terreiro, em lugar que tenha água, a de Iemanjá e Oxum. A de Iansã seria bom se fosse deixada em um bambuzal, diz a mãe-de-santo. Eles voltam sem as cestas, convidam Oxaguiã para dançar e fechar o xirê. As Ekedis fazem com que os Orixás despossuam seus iniciados. Acordam, voltam para o barracão, pedem a benção dos mais velhos e se abraçam; trocam as roupas e agora celebram mais um fechamento do calendário festivo da casa-de-santo 20. PÁGINA 62

CONSIDERAÇÕES Se a vida é contra-dança, o folclore é par Não pode dançar para Exu, dar adobá, bater paó, pedir a benção das Zeladoras beijando suas mãos, se não tem menos de sete anos de santo se dança o xirê de cabeça abaixada e quanto para o atabaque, se agacha. Filhas-de-santo e seu arsenal indumentário, os fios de conta referente ao Orixá e outras ações que se apresentam como regras para a manutenção da ordem durante as cerimônias do Candomblé, que fazem caracterizar o Candomblé, além dos dispositivos que enfeitam a festa das Ayabás, fazem do corpo suporte ritualístico (TACCA, 2009), sempre. Corpo que aprende a levantar na hora certa, a abaixar a cabeça durante o xirê porque é a regra e não se questiona. Aprende o ritmo das palmas no paó, aprende a dançar em roda e a se expressar mediantes os ritmos que compõe o ritual, aprende a amar o feminino diante da expressividade das Ayabás e que acredita, que para manutenção da fé é preciso o ritual. Assim, entendo aqui estas regras, esta disciplina, como mantedora da educação do corpo daqueles que são adeptos ao culto afro-brasileiro do Candomblé, nesta casa de santo. Jesus, Maria e José, e os terreiros do Candomblé (MAUTNER, Jorge) Filha-de-santo paramentada, iniciada em Iemanjá, com menos de sete anos de iniciação, em prece, momentos antes de dar adobá nas cestas e entregar seus presentes (arquivo pessoal). PÁGINA 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MORENO, Andrea et all. Notícias do Minas Gerais: Rastros da Educação do corpo na Escola Normal Modelo da Capital (Belo Horizonte, 1906-1930).In: V Congresso de ensino e pesquisa de história da educação em Minas Gerais, 2009. Disponível em: http://www.congressods.com.br/vcopehe/images/trabalhos/7.institucoes_educacionais_e_ou_ cientificas/2.andrea%20moreno.pdf Acesso em 20 março 2016 PARÉS, Luis Nicolau. Do Calundu ao Candomblé: O processo formativo da religião afro-braileira. In: A formação do Candomblé: História e ritual da nação Jeje na Bahia. Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p.101-121. SANTOS, Nágila Oliveira dos. Do calundu colonial aos primeiros terreiros de candomblé do Brasil: de culto doméstico à organização político-social-religiosa. Revista África e Africanidades-Ano I-n.1-Maio 2008-ISSN 1983-2354, p.1. Disponível em: http://www.africaeafricanidades.com.br/documentos/do_calundu_colonial_aos_primeiros_terreiros_de_ candomble_no_brasil.pdf Acesso 27 nov. 2015. TACCA, Fernando Cury de. Imagens do sagrado: entre Paris Match e O Cruzeiro-Campinas, SP: Editora da Unicamp, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009, p.18. NOTAS DE FIM 1 Graduando em Educação Física pela Universidade do Estado de Minas. Com carinho, para Elaine, Amanda, Ana, Cristina, Pri, Chris, Pedro e Tio Manel. 2 As principais regiões, aqui encaradas politicamente e religiosamente como nações que fundiram suas práticas no Brasil são as de origem Iorubá, Jêjênagô e Bantu (Angola). 3 Sequência ritualística de louvação aos orixás dançada em roda, inicia-se cantando para o orixá Exu e se finda no Orixá Oxalá. 4 Responsável por tocar as cantigas e atabaques, fazer sacrifícios e cuidar das funções estruturais de uma casa-de-santo. 5 Instrumento musical/ ritualístico. 6 Comida oferecida para Exu. 7 Tipo de moringa, feita de cerâmica, porém mais estreita e menor. Própria para colocar água nos cultos afro-brasileiros. 8 Responsável por dançar e cuidar da pessoa em transe com o Orixá. 9 Referência ao Divino Espírito Santo dos cultos de matriz cristã. 10 Aqueles que ainda não passaram pelo processo de iniciação no culto oficialmente. 11 Nome dado ao salão que acontece as festas, onde os filhos-de-santo podem dormir quando necessário. 12 O axé da casa se baseia em um local, no centro de onde acontecem as cerimônias religiosas, contendo objetos que acredita serem necessários para fazer a ligação com o divino, fortaleça a casa e os Orixás venham para fazer a transe com seus iniciados. 13 GIL, Gilberto. Iansã. 1973. 14 Ajoelhar-se ao chão e descer ritmado em três tempos com o apoio das mãos sobre o chão até encostar a testa no chão. A sequência para descer é esta, porém de o filho-de-santo for de santa mulher deve acrescer o detalhe de cruzar uma perna sobre a outra, uma de cada vez e inclinando o corpo ao mesmo tempo, como se mostrasse o útero para aquele que ela cumprimenta. Quando o adobá é dado as Zeladoras e Zeladores deve se levantar e beijar a mãos dos mesmos, pedindo bença. 15 VELOSO, Caetano; GIL, Gilberto. As Ayabás. 1976. Disponível em: http://www.vagalume.com.br/doces-barbaros/as-ayabas.html Acesso: 13 dez. 2015. 16 Na África antiga, as mulheres usavam um pano sobre os seios e ventre, creditado a proteção de seus órgãos reprodutores, e também uma faixa de pano branca sobre o umbigo, para que espíritos ruins não habitassem sua vulva, canal vaginal e útero. 17 A casa-de-santo possui duas Zeladoras, mãe-de-santo e mãe-pequena pode ser pai-de-santo também- onde na falta de uma a outra pode responder, mas nunca deve se passar na frente das decisões da mãe-de-santo, por isso é necessário que este par seja de boa convivência. 18 Estas sementes possuem uso peculiar nos cultos afro-brasileiros, estão presentes na maioria dos cultos. Dentre suas funções podemos citar a de ser considerada a fala do Orixá no jogo ritualístico, para além do jogo de Ifá africano, conhecido como Jogo de Búzios no Brasil. 19 Bracelete de palha-da-costa, búzios e miçangas, que os iniciados com idade menor que a obrigação de sete anos devem usar. 20 O calendário dos terreiros é flexível. As festas acontecem mediante a comemoração de iniciação de um membro, anos de iniciação das Zeladoras, etc. Mas algumas festas são comuns e adeptas a muitos que não se fazem presente nos cultos, como por exemplo a festa dos Erês, ou popularmente associados aos santos católicos como Festa de Cosme e Damião e as festas de Preto Velho. PÁGINA 64