Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa 2011/2012. Módulo X Ética e Deontologia Médica. Índice. Bioética e Transplantação de Órgãos 2

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Transcrição:

2011/2012 Módulo X Ética e Deontologia Médica Tema da Aula: Bioética e Transplantação de órgãos Docente: Prof. Dr. Rui Maio Data: 08/11/2011 Número da Aula Previsto: 5 Equipa responsável: Adriana Oliveira e Matilde Martins comissaodecurso0713@gmail.com desgravadascc0713@gmail.com http://www.comissaodecurso0713.cz.cc/ Bibliografia Slides do professor; Desgravada de 2008. Índice Bioética e Transplantação de Órgãos 2 INTRODUÇÃO 2 REDUÇÃO DA LISTA DE ESPERA 3 QUE TIPO DE DADORES EXISTEM? 4 DADORES EM MORTE CEREBRAL: 4 DADORES EM PARAGEM CARDÍACA: 5 ÉTICA NO PROCESSO DE DOAÇÃO/TRANSPLANTAÇÃO 7 CONCEITO DE MORTE 8 DIAGNÓSTICO DE MORTE CEREBRAL 9 DIAGNÓSTICO DE MORTE CEREBRAL ÍNDICE DE QUALIDADE 10 DADORES DE CORAÇÃO PARADO 10 MODELOS DE CONSENTIMENTO 12 DADOR VIVO 13 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS NO DADOR VIVO 16 Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 1 de 19

Ética Bioética e Transplantação de Órgãos Introdução O tema de hoje está na origem de alguns problemas éticos, precisamente pelo facto de não existirem órgãos que suplantem as necessidades. Só para ilustrar este panorama, na Europa em 2009 encontravam-se 63000 doentes em lista de espera e efectuaram se apenas 28000 transplantes. Esta discrepância entre a necessidade e a oferta é cada vez maior. Fig. 1 Número de transplantes vs doentes em lista de espera na UE (2009). Como consequência, calcula-se que morram diariamente 12 pessoas à espera de um órgão para transplante. Acresce ainda o facto de nesta contabilidade não estarem contemplados aqueles que pela associação das suas patologias e a baixa probabilidade de serem transplantados, nem chegam a integrar as listas de espera. Desta forma, as necessidades seguramente são maiores. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 2 de 19

Transplantação de órgãos Redução da Lista de Espera Esta questão terá que ser abordada em 3 perspectivas: Redução das necessidades há necessidade de prevenir e tratar as doenças que conduzem à falência total de órgão (DM, HTA, hepatite, etc). Aumentar o número de dadores através do aumento dos critérios de doação: Dadores de critério expandido (ECD): doentes idosos, hipertensos, diabéticos que actualmente, dada a escassez de órgãos, são cada vez mais usados. Dadores em paragem cardíaca (DCD): foram os primeiros dadores no ínicio da transplantação quando não se aceitavam os critérios de morte cerebral, que acabaram por ser revogados em detrimento dos dadores em morte cerebral, já que estes possuem melhores condições do sistema cardio-receptor que permite a recolha de órgãos em melhores condições e os tempos de isquémia são menores. Actualmente dada a escassez de órgãos e diversos protocolos em curso, os dadores em paragem cardíaca voltaram a ser utilizados. Dadores vivos. Melhorar a sobrevida do enxerto e o estado do doente transplantado: fomentar o tratamento personalizado com esquemas de imunossupressão e esquemas contra infecções, para que o órgão dure mais tempo e não seja necessário retransplantar. As sobrevidas variam de órgão para órgão, mas por exemplo, um transplante renal dura em média 10-12 anos se for um rim de cadáver, por isso, se for transplantado num indivíduo jovem, passado esse tempo será necessário retransplantar. Logo quanto melhor for o tratamento desses doentes, menor será a necessidade de retransplantar. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 3 de 19

Ética Que tipo de dadores existem? Doador vivo: Doador cadáver: dentro destes existem os: Dadores em paragem cardíaca: que podem ser dadores de órgãos e dadores de tecidos (dadores de Coração Parado DCD), ou só dadores de tecidos. Nestes últimos não existe tanto o problema do tempo de isquémia, pois por exemplo as córneas são resistentes à isquémia entre a paragem cardio-vascular e a colheita dos tecidos. Dadores em morte cerebral: habitualmente são doentes com diagnóstico de AVC, e raramente tumores. Inicialmente deviam-se principalmente a traumatismos, mas actualmente a causa mais frequente são os AVC s. Por exemplo, no ano passado, 70% dos dadores em morte cerebral eram doentes com AVC S. Logo, o número de acidentes está a diminuir e as doenças cerebrovasculares a aumentar. Dadores em morte cerebral: Morte é declarada por critérios puramente neurológicos para colheita de órgãos e tecidos. Normalmente as patologias mais frequentes consistem: TCE, AVC, Anoxia, e Tumor. Neste tipo de doadores a grande vantagem consiste na existência de um sistema cardio-vascular funcionante que permite uma cirurgia aditiva. Na altura da clampagem da aorta inicia-se logo a perfusão dos órgãos com uma solução de preservação e enche-se a cavidade abdominal e torácica com soro gelado que permite o seu arrefecimento e que os tempos de isquémia quentes sejam praticamente inexistentes. Esta é a grande vantagem dos doadores em morte cerebral em relação aos doadores em paragem cardíaca. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 4 de 19

Transplantação de órgãos Fig. 2 Colheita de órgãos. Dadores em paragem cardíaca: Como referido inicialmente, estes foram os primeiros dadores a serem utilizados como fonte de órgãos, e actualmente existe novamente um interesse neste tipo, dada a escassez de órgãos. Em Maastrich, 1995, foram definidas 4 categorias de coração parado: Tipo I: doentes que têm a paragem fora do hospital. Raramente são usados como doadores, pois não se sabe com precisão a altura da paragem; Tipo II: doentes que sofrem uma paragem que é presenciada com ínicio de manobras de suporte básico de vida que são ineficazes, ou na urgência com manobras de suporte avançado de vida; Tipo III: doentes que se encontram em unidades de Cuidados Intensivos, em que dado o pior prognóstico e a futilidade terapêutica é uma decisão puramente clínica. Após suspensão da terapêutica, de uma avaliação para ser um possível doador, e notificação de paragem cardíaca, podese iniciar manobras de preservação de órgãos. Estes consistem no principal grupo de doadores de coração parado. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 5 de 19

Ética Tipo IV: doentes com diagnóstico de morte cerebral e que durante os preparativos para a colheita ou no procedimento sofrem uma paragem cardíaca. Na prática são cadáveres mas que possuem uma grande instabilidade hemodinâmica, portanto a probabilidade de sofrerem uma paragem cardíaca é elevada, sobretudo se a manutenção não for adequada. Dadores de Coração Parado 1st International Workshop on Non Heart Beating Donors Maastricht 1995 Fig. 3 Categorias de dadores de coração parado. 7 Os grupos que levantam mais problemas são os tipos II e III, pois na prática tem de existir um período de separação entre a declaração de morte e o ínicio da preservação de órgãos. Esse período é variável, mas normalmente é entre os 5 a 10 minutos, criando a dúvida: qual a fase de tentar salvar o doente e qual a fase de iniciar a preservação de órgãos? Como é de esperar isto levanta alguma polémica, não em termos do médico não saber quando o doente está morto, pois qualquer médico tem de saber avaliar, mas em termos de timing no mecanismo do potássio e das manobras de preservação para que os tecidos sejam viáveis. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 6 de 19

Transplantação de órgãos Ética no processo de doação/transplantação Existem 4 temas importantes do ponto de vista ético, nomeadamente: Conceito de morte; Modelos de consentimento; Dador vivo; Modelos de distribuição de órgãos e tecidos. O professor fez nesta altura uma pausa para discussão: Aluno 1: Porque existe maior necessidade de órgãos? Devido ao diagnóstico precoce? Professor: Basicamente porque a esperança de média de vida aumentou, cada vez somos menos restritivos na selecção dos receptores, praticamente agora não existe nenhum doente que não seja colocado em lista de espera. Por outro lado, a escassez de órgãos é relativa, uma vez que há mais doentes em lista de espera, e o número de colheitas é sensivelmente o mesmo. Aluno 2: Actualmente todo o índividuo é dador, a não ser que diga em contrário. Essa escassez não poderá ser relativa, pois existem muitos potenciais dadores mas simplesmente não há a capacidade de fazer a colheita? Professor: Não. Capacidade de realizar colheita há sempre. Por um lado, no caso de Portugal estamos em 2º lugar por número de doadores por habitante, pois temos uma lei muito favorável, e por outro temos uma boa organização que permite aproveitar bem os doadores de órgãos. O problema passa pela identificação dos possíveis doadores, pois uma vez identificado o doador, os mecanismos são eficazes. É aquela fase em que se pode fazer o diagnóstico de morte cerebral e não esperar pela paragem cardíaca. O objectivo aqui é detectar! (É a mesma história do ventilador se estivermos a gastar recursos desnecessariamente. As unidades de cuidados intensivos que não fazem o diagnóstico de morte cerebral é porque alguma coisa está mal). Não há qualquer diferença entre morte cerebral e morte cardíaca, é exactamente igual! É importante, nos doentes em paragem cardíaca saber quanto tempo decorre até à morte cerebral, ou seja, a sensibilidade das células cerebrais à anóxia. Por isso é que nos protocolos espera-se 5 a 10 minutos para se garantir a morte cerebral. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 7 de 19

Ética Conceito de Morte A morte é um processo gradual e não um evento, que depende muito da sensibilidade das células à anóxia. As células cerebrais são aquelas que têm menor senbilidade, já as células da pele, do cabelo e das unhas tem maior resistência. O que interessa é saber a partir de que altura este processo é irreversível e o estado da pessoa e não o estado das células isoladas. O diagnóstico de morte é efectivamente o diagnóstico de morte cerebral. O conceito de morte cerebral engloba 3 conceitos diferentes: Morte cerebral total: implica a cessação irreversível de todas as funções neurológicas, quer do tronco cerebral, quer dos hemisférios; Morte do tronco cerebral: que refere-se apenas às funções do tronco cerebral; Morte neo-cortical: perda irreversível da consciência e das capacidades cognitivas. Funções do tronco cerebral e sub-corticais presentes correspondem aos estados vegetativos ou anencefalias; Do ponto de vista ético, existem as seguintes conclusões: O diagnóstico de morte cerebral é a morte do tronco cerebral, pois é nesta região que existem as estruturas de integração com as estruturas corticais, que é facilmente diagnosticável através do exame objectivo, não sendo necessário qualquer exame complementar. Conceito de morte cerebral Numa perspectiva ética a morte neo-cortical não é aceitável Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida Diagnóstico de morte pela verificação da irreversibilidade das actividades do tronco cerebral Só as estruturas nele existentes permitem a integração das diferentes funções vitais que caracterizam o funcionamento do corpo como um todo A disfunção irreversível do tronco cerebral é de avaliação mais rápida, fiável e segura do que das restantes estruturas, nomeadamente talamicas e corticais Fig. 4 Conceito de Morte Cerebral. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 8 de 19

Transplantação de órgãos Diagnóstico de morte cerebral 1 Pré-condições essenciais ao diagnóstico: Doente em coma ligado ao ventilado, em que a causa do coma seja uma lesão cerebral estrutural e irreversível (necessário TC-CE); 2 Exclusão de causas reversíveis de coma apneico: Alterações metabólicas como hipotiroidismo e hiponatrémia; Hipotermia; Intoxicação aguda por drogas depressores do SNC ou bloqueadores neuromusculares em doses compatíveis com o coma, pois se forem vestigiais não são a causa; 3 Demonstração da Cessação das funções do tronco cerebral Ausência dos reflexos do tronco cerebral através da clínica (reflexos fotomotores, oculocefálicos, oculovestibulares, corneopalpebrais e reflexo faríngeo); Confirmar a ausência de actividade respiratória espontânea através da prova da apneia, que consiste em desconectar o ventilador, e após 4-5 ciclos, espera-se que o CO 2 suba acima de 50, e se com esses valores não existir estímulo respiratório, que permite o diagnóstico de morte cerebral; 4 Metodologia: Realização de um minimo de 2 conjuntos de provas (1º e 2º exame) com intervalo adequado à situação clinica; O período entre essas duas provas não está documentado na lei, dependendo de cada caso. Por exemplo, numa criança esse prazo é mais alargado. Cada exame realizado por 2 médicos especialistas das áreas de Neurocirurgia, Neurologia ou Cuidados Intensivos Nenhum dos médicos poderá pertencer às equipas envolvidas na Transplantação. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 9 de 19

Ética Existem algumas situações, nomeadamente nos traumatismos faciais, em que alguns dos reflexos do tronco cerebral não podem ser pesquisados ou em determinadas alterações endócrinas ou intoxicações medicamentosas em que é necessário testes confirmatórios: Doseamentos, tendo atenção às doses; RM; Angiografia cerebral; Doppler transcraniano; Cintigrafia cerebral. Só pela evidência de ausência de circulação cerebral se pode fazer o diagnóstico de morte cerebral. Diagnóstico de morte cerebral Índice de qualidade Até o diagnóstico de morte cerebral estar efectuado devem ser tomadas todas as medidas para a recuperação neurológica do doente. Um estado de morte cerebral corresponde à morte do indivíduo; A sua permanência num ventilador evidencia má gestão de recursos técnicos e humanos pois limita a utilização por quem dele possa beneficiar; Desligar o ventilador após o 2º conjunto de provas não é mais do que deixar de fazer algo inútil a alguém que já está morto. Dadores de Coração Parado a) Relativamente aos dadores de coração parado, como é que se define irreversibilidade? Existem casos de doentes que, após paragem cardíaca, tiveram autoressuscitação. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 10 de 19

Transplantação de órgãos Como se determina a ausência permanente das funções respiratória e circulatória? Através da palpação do pulso. É também necessária uma linha arterial, ECG (pode haver actividade eléctrica e não actividade circulatória, e é esta última que determina a PCR). Quanto tempo entre a paragem cardio-respiratória e o início da preservação de órgãos? É muito importante ter a certeza de que existe PCR. Para isso temos que esperar 5 a 10 minutos até iniciar a preservação de órgãos. Este período de espera é bastante polémico e varia de país para país. b) São aceitáveis medidas destinadas à preservação dos órgãos durante o processo de morte (ou seja, no período que antecede a declaração de morte)? Nestes casos administra-se: Heparina (para preservação de órgãos); Canulação dos vasos femorais; Outras. c) Será ético iniciar este tipo de medidas tendo em vista a preservação de órgãos sem qualquer benefício para a própria pessoa? Ao longo dos anos têm surgido alguns organismos que se referiram a este assunto. Em 2007, o Institute of Medicine, veio dizer que a prática de manobras capazes de preservar os orgãos é aceitável, tendo em vista o aumento do número de órgãos para transplante. Em Portugal, está a organizar-se um grupo de trabalho, coordenado pela Ordem dos Médicos que irá deliberar sobre os critérios de morte por paragem cardíaca. Na prática, estas manobras de preservação de órgãos dependem do tipo de dador: se for um dador do Tipo II, uma vez que sofrem paragem cardíaca na rua, significa que, para serem viáveis têm que cumprir certos requisitos: inicio do SAV, no máximo até 10 minutos após a paragem, a Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 11 de 19

Ética chegada ao hospital não pode exceder os 30 minutos e, no máximo, tem que estar no bloco até 40 minutos (entre a PCR e a entrada no bloco). Portanto, do ponto de vista logístico é muito complexo, mas a qualidade dos orgãos doados é muito boa. No que diz respeito aos outros tipos de dadores, do ponto de vista organizacional apresentam menos complexidade. No que respeita ao tipo III, o que geralmente acontece é que se um doente tem mau prognóstico diminui-se o esforço terapêutico (ninguém faz suspensão terapêutica) e depois da paragem cardíaca iniciam-se manobras de preservação de órgãos. Modelos de consentimento a) Consentimento presumido Todos nós somos dadores à partida e portanto, a colheita de órgãos é permitida a menos que se conheça objecção por parte do potencial dador. Exs.: Portugal, Áustria, Bélgica, Republica Checa, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Itália, Luxemburgo, Polónia, Espanha, Eslováquia, Suécia. b) Consentimento informado A colheita de órgãos só é permitida se houver consentimento prévio por parte do potencial dador. Exs.: Dinamarca, Alemanha, Irlanda, Holanda, Noruega, Reino Unido Quais são os problemas do consentimento informado? Apesar da maioria das pessoas ser favorável á doação, muitas não tomam as medidas necessárias para exprimir essa vontade; Quando jovens e saudáveis as pessoas não se preocupam em tomar uma decisão relativamente à doação de órgãos; No Reino Unido apenas 4% das pessoas são portadoras de cartão de dador; Na prática o consentimento informado é um obstáculo para a colheita e transplantação. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 12 de 19

Transplantação de órgãos O consentimento informado apresenta-se como o respeito pela vontade do doente, é um princípio inquestionável da ética médica. No entanto não é ilimitado, uma vez que depois de morto cessa a sua autonomia. O destino do cadáver é ditado pelo princípio do respeito pelos membros da sociedade ao qual o indivíduo pertenceu. O consentimento presumido (vigente em Portugal), baseado no principio da solidariedade é eticamente aceitável desde de que acompanhado por campanhas de informação e pela possibilidade de oposição à colheita. A grande vantagem neste tipo de consentimento é que temos a lei do nosso lado: São considerados como potenciais dadores todos os cidadãos nacionais e os apátridas e estrangeiros residentes em Portugal que não tenham manifestado junto do Ministério da Saúde a sua qualidade de não dadores Na prática, se após a morte de um doente, um familiar se expressar, afirmando que o doente enquanto vivo era contra a colheita dos seus órgãos, nenhum profissional de saúde se opõe a essa informação e portanto os órgãos não são colhidos. c) Registo Nacional de não Dadores (RENNDA) É criado um Registo Nacional de não Dadores (RENNDA), informatizado, para registo de todos aqueles que hajam manifestado, junto do Ministério da Saúde, a sua qualidade de não dadores. Dador Vivo 1 Os princípios éticos e legais: Acto voluntário: Ausência de qualquer tipo de pressão; Possibilidade de desistir a qualquer momento. 1 O docente não se alongou muito neste tema pelo que optei por complementar a informação dada com os slides. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 13 de 19

Ética Seguro: Segurança mantida; Complicações e consequências aceitáveis. Ausência de incentivos financeiros: Possibilidade de compensação de perdas; Proibição de comércio. Os dadores vivos podem ser: Relacionados: Laços familiares até ao 3º grau; Emocionalmente relacionados: Esposos; Amigos. Desconhecidos: Altruísta; Pago. Vantagens da transplantação com dador vivo: Qualidade dos órgãos é superior: Critérios de selecção; Menor tempo de isquémia fria (podemos fazer as duas cirurgias em simultâneo: do dador e do receptor). Melhor tipagem; Receptor melhores condições biológicas (podemos escolher a melhor altura para efectuar o transplante); Cirurgia programada: Melhor preparação do receptor: Escolha do timing e da equipa. Melhores resultados a curto e longo prazo (o tempo de duração de um transplante cadável é de cerca de 10-12 anos, enquanto o de um dador vivo pode chegar aos 20 anos). Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 14 de 19

Transplantação de órgãos Efeito positivo no dador??? Altruísmo satisfação de ter procedido correctamente Benefícios financeiros? Outros benefícios? Riscos para o dador vivo: Fig. 5 Riscos para o dador. Existem riscos a nível físico: o dador terá que ser submetido a testes invasivos e à cirurgia de colheita, expondo-se à morbilidade e mortalidade que pode decorrer da cirurgia, pode ter complicações pós-operatórias, nomeadamente infecções, hemorragias, etc, e, para além disso, há sempre dúvidas quanto à função residual. Do ponto de vista económico, social e psicológico há também uma série de problemas, patentes na figura: Fig. 6 Riscos para o dador: físicos, psicológicos, sociais e económicos. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 15 de 19

Ética Dado isto, o objectivo a alcançar passa por maximizar o número de órgãos e tecidos disponíveis de dador cadáver. Considerações éticas no dador vivo Transgressão do princípio da não maleficência, pois estamos a realizar um acto cirúrgico com as suas inerentes complicações, a uma pessoa que não tem qualquer problema de saúde e não vai beneficiar de tal intervenção; Consentimento informado, é obrigatório; Compensação financeira é legítima?: Reembolso dos custos; Compensação das perdas; Seguro de vida. Pagamento dos órgãos/incentivos financeiros práticas menos éticas e ilegais que proliferam em torno da necessidade de transplantes de órgãos: Tráfico de órgãos; Turismo de transplantes; Comércio de órgãos. Doação motivada por ganhos materiais; Exploração dos mais pobres; Criação de um mercado em que os mais beneficiados são os intermediários; Menos segura, pois não existem registos sobre o estado de saúde do dador; Maior risco de transmissão de infecções; Omissão de dados clínicos; Redução das outras formas de doação, uma vez que este figura como um sistema alternativo, muito menos exigente. Ex: Irão; Filipinas; Paquistão e China. Nestes países os próprios governos pagam os órgãos. Por exemplo, no Irão, o estado paga ao dador do órgão. Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 16 de 19

Transplantação de órgãos Eticamente inaceitável? Dadores menores poderão os menores ser dadores? Mesmo com todas as vantagens do dador vivo, será eticamente aceitável o dador vivo? Existem alternativas; Existe morbilidade e mortalidade associada à doação; É possível excluir pressão sobre o dador? A pressão psicológica é muito difícil de medir. Damos sempre a liberdade ao doente a possibilidade de desistir de ser doador. Como podemos garantir que não existe dinheiro envolvido? Prof. Dr. Miguel O. Silva: Em Portugal há poucos meses foi muito debatida a seguinte questão - Deve haver incentivo para os médicos, independentemente do seu salário-base, para se esforçarem mais na obtenção de órgãos? Prof. Dr. Rui Maio: Eu acho que não, na minha opinião pessoal. Acho que este deve ser encarado como um acto médico que faz parte da nossa actividade normal. Apenas deve ser pago tudo o que for realizado fora de horas. A forma como os incentivos foram distribuídos em Portugal foi muito desregulada e, portanto, dispendiosa. Os seguintes slides não foram abordados na aula: Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 17 de 19

Ética Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 18 de 19

Transplantação de órgãos Comissão de Curso 07/13 5º Ano Página 19 de 19