RELATÓRIO DE PESQUISA. MUDANÇAS NA FORMAÇÃO MÉDICA no período de 1969 a 1993 Perfil do Estudante que ingressa no Curso de Medicina



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Transcrição:

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA CASA DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE MEDICINA SOCIAL CENTRO DE ESTUDOS AUGUSTO LEOPOLDO AYROSA GALVÃO CEALAG RELATÓRIO DE PESQUISA MUDANÇAS NA FORMAÇÃO MÉDICA no período de 1969 a 1993 Perfil do Estudante que ingressa no Curso de Medicina Convênio 24/94 Projeto BRA/90-032 co-fin. PNUD -MINISTÉRIO DA SAÚDE- ABRIL 1995

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA SANTA CASA DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE MEDICINA SOCIAL CENTRO DE ESTUDOS AUGUSTO LEOPOLDO AYROSA GALVÃO CEALAG EQUIPE TÉCNICA PRESIDENTE: JOSÉ CARLOS BITTENCOURT COORDENAÇÃO GERAL: REGINA M.G. MARSIGLIA COORDENAÇÃO TÉCNICA: SELMA PATTI SPINELLI

ÍNDICE APRESENTAÇÃO p.4 I INTRODUÇÃO p.5 1. Origens e objetivos da pesquisa p. 2. Breve Panorama do ensino médico no país: p. suas questões atuais 3. As interfaces do problema educação em p. geral e o mercado de trabalho 4. Marcos teóricos-conceituais p. II METODOLOGIA p. 1. Aspectos gerais p. 2. Caracterização do universo p. 3. O instrumento da pesquisa p. 4. Demais procedimentos p. III RESULTADOS p. IV TABELAS GERAIS p. V BIBLIOGRAFIA p.

Apresentação Este relatório, que dá cumprimento ao Convênio 24/94 que entre si celebram o PROJETO BRA/90-032, co-financiado pelo PNUD e o CEALAG Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão, corresponde à primeira etapa de um amplo campo de pesquisa na Área de Educação Médica, constituída pelos professores do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Esta primeira etapa previa uma análise completa dos dados obtidos num total de 2.400 questionários aplicados aos alunos recém-ingressantes no curso de medicina. Apresentamos aqui, entretanto, resultados iniciais objetivados pelo Convênio em questão uma vez que a análise teve que se limitar às informações que pudemos sistematizar até o momento, tendo em vista o seu volume e riqueza de perspectivas a serem aprofundadas. Essa situação convém lembrar, era esperada e se justifica em parte, pelo tamanho da empreitada e também, pelo fato de não ter iniciado na data prevista. Possibilitou a inclusão de dados recém-colhidos em 1994 e agora o ano de 1995, que tivemos a oportuna necessidade de trabalhar conjuntamente para corroborar as informações previamente obtidas. Paralelamente ao trabalho da pesquisa realizada com pessoal reduzido e por temporário, nem sempre disponível, o campo de estudos criado no Departamento de Medicina Social envolveu diversas atividades (reuniões, palestras, divulgação dos dados na área acadêmica, etc.) em que os investigadores estiveram empenhados. Constitui-se através do Projeto, finalmente, um Grupo de Educação Médica, dedicado às questões candentes que desafiam a área de Recursos Humanos em Saúde. Este relatório apresenta então dois aportes ao campo de conhecimento da Educação Médica no momento atual: o primeiro, a análise dos dados em si e as perspectivas que aponta; o segundo, as contribuições recolhidas nos diversos seminários paralelos, a uma teoria de Educação Médica aqui esboçada. Neste espaço, convém citar os nomes daqueles que conosco compartilharam esse estudo cheio de indagações: à professora Maria de Lourdes Sylvestre Mahl agradecemos pela atenção no acompanhamento dos dados; à professora Tânia Di Giacomo do Lago agradecemos pelas observações pertinentes às questões de método.

À equipe técnica, composta por profissionais recém-egressas da Universidade, jovens intelectuais que, com seu entusiasmo, imprimiram às etapas de concretização o ritmo desejado. São elas, Fernanda S. Rossi e Flávia Cremaschi, na computação; Gabriela A. de Andrade e Paula G.M.Senna, sociólogas e Eunice Almeida da Silva, enfermeira e estudante de Antropologia. Agradecemos também a todos os demais, que em inúmeras oportunidades estiveram conosco, interessando-se pelo projeto. A continuidade deste Projeto e seu desdobramento em linhas de investigação é algo desejado e esperado.

I - Introdução 1. Origem e Objetivos da Pesquisa Os embates atuais dos Serviços de Saúde no Brasil passam necessariamente pela questão dos Recursos Humanos em Saúde, constituindo essa área o atual desafio para reflexão e superação dos problemas na área de saúde, para a população brasileira. De há muito, vêm se perguntando os educadores da área médica, que tipo de médico deve se formar para atender aos requerimentos dessa população. Bem verdade, esse debate extravasa os limites da realidade brasileira, sendo rebatido aqui e ali no plano internacional mas é que entre nós, que ele vem tomando vulto e assumindo características próprias, tendo em vista o esforço da formação social brasileira numa constituição de um sistema de saúde que, bem ou mal, ao longo do século XX, veio sendo cunhado nas políticas sociais do Estado brasileiro em suas conformações históricas. Nesse âmbito, ressaltamos inicialmente o papel que a experiência da Escola Médica da Santa Casa de São Paulo sua originalidade e os desafios que a proposta enfrentou desempenharam nesse contexto de transformações.¹ A Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Brasil é mantida pela Fundação Arnaldo Vieira de Carvalho e ligada à Irmandade de Misericórdia. Foi a primeira Escola Médica privada a ser criada na cidade de São Paulo em 1963, por iniciativa de um grupo de médicos que, além das atividades profissionais ali exercidas, estavam em sua maioria, envolvidos em programas de Ensino Médico em outras instituições. Entre 1963 e 1969, quando o Parecer nº 869/69 do C.F.E. fixou o currículo mínimo das Escolas Médicas do país, houve uma grande expansão de novas escolas médicas privadas e uma experimentação de currículos. Àquela época as instituições tinham liberdade de elaboração do currículo dentro dos parâmetros legais e frequentemente recorriam às velhas fórmulas já testadas pelas Escolas mais tradicionais, recrutando nelas seus professores. ¹ Valemo-nos para esta redação, do conjunto de textos e documentos produzidos pelo Departamento de Medicina Social desde 1963 até o presente momento. Além de depoimentos pessoais.

Tal fato, porém, não ocorreu na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa; que aproveitou esse espaço de experiências curriculares e apresentou um currículo pleno, àquela altura bastante inovador, incorporando concepções da crítica do pensamento reformista da Educação em geral. No seu desenrolar histórico, a experiência passou por várias fases, porém, tendo em todas elas um eixo de desenvolvimento em torno das questões do social, tendo as ciências sociais concorrido pari passu com a formação historicamente tradicional das ciências físicas e biológicas na concretização do tipo de médico que visava formar. Sendo essa área uma proposta tão atual, na verdade, um dos eixos que a OPS/OMS propõem para vitalizar o debate sobre a transformação requerida pela Escola Médica.² Vale a pena acompanhar as fases de desenvolvimento das Ciências Sociais na Santa Casa, a fim de resguardar o seu pioneirismo neste campo. As fases assim se desenrolam: 1ª Fase 63/64: Criada em 1963 e estruturando-se em Departamentos (Lei de Diretrizes de Bases da Educação/1962), cabe ao Departamento de Medicina Social o ensino de um elenco de matérias que veiculasse conteúdos de projetos de ação em Saúde Coletiva. No entanto, o enfoque do ensino dessas disciplinas era essencialmente individual, isto é, centrado no paciente como indivíduo e no médico (seja em sua relação Médico-Paciente, seja na sua inserção num exercício profissional liberal que à época prevalecia como prática dominante). A concepção de Saúde Pública e do dever preparar o médico para o trabalho em serviços de Saúde Pública, sempre foi a diretriz dos conteúdos disciplinares do Departamento, para concretizar essas ideias de transposição do papel do médico em sua ação individual para o interesse coletivo em saúde, o departamento procurou absorver técnicas educacionais que enfatizavam a integração horizontal e vertical entre as disciplinas (intra-e-interdepartamentais) e o princípio de complexidade crescente do aprendizado segundo cânones pedagógicos modernizantes. Foi no entanto, a ênfase da vinculação teórico-prática do ensino com a realidade social do país, a ferramenta metodológica mais eficiente na concretização dessa transposição. ² Compromisso Social das Faculdades de Medicina em discussão em Edimburgo, 1993. A OMS/OPS pergunta: Como conseguir a incorporação das Ciências Sociais como um dos eixos articuladores da Educação Médica?

Essa conjuntura era ideologicamente reforçada pelo modelo da Medicina Integral. A composição básica dos conteúdos sociais aí selecionados e inseridos no ensino eram assim explicadas pela formação dos professores e seu trabalho fora da Faculdade. Os professores de Medicina do Trabalho, Clínica Médica de Família e Epidemiologia, estavam vinculados ao exercício clínico profissional e ao mesmo tempo, ao Ensino de Saúde Pública; Professor de História da Medicina era médico, acadêmico das letras, exercendo ao mesmo tempo atividades médicas (Santa Casa) e literárias, de tal forma que o curso era considerado um ritual de introdução à Faculdade, na fase de recepção dos alunos novos. Cada qual incorporava o social à sua maneira e sensibilidade, mas não se procurava nitidamente, uma linha de abordagem, dentro dos parâmetros teórico-metodológicos da própria ciência sociológica. Finalmente, a conjuntura social de transição que marca o país nesse período, ao mesmo tempo que traz resquícios da modernização educacional dos anseios da reforma, coloca-se com a necessidade de enquadramento técnico-científico do conteúdo social, como um dado objetivo de realidade condicionante do fenômeno saúde, constituindo-se um desafio, a escolha da linguagem adequada, quando do trato de questões sociais e políticas no âmbito do ensino e da prática universitária. 2ª Fase (65-69): É marcada por seguidas mudanças e adaptações curriculares, tanto ao nível da Faculdade quanto ao do Departamento. Na faculdade a vinculação teórico-prática cada vez mais impõe a necessidade de um contato do aluno, o mais precocemente possível, com a prática hospitalar: no Departamento isso impõe a incorporação de professores e profissionais não-médicos com instrução social formal e médicos com formação de sanitaristas. Entretanto, a visão do Ensino Médico ainda é marcante e voltada para o individual e a aproximação com as disciplinas clínicas, sob o peso da integração, delimita o enfoque da Medicina Social. Essa conjuntura é ideologicamente reforçada pelo modelo de Medicina Integral, porém, adicionado com a consciência da necessidade de uma visão global da realidade social do país. Assim são chamados a partir do projeto de Medicina Social sanitaristas (médicos ou não), com visão social, ou seja, capazes de reforçar a prática individual médica do aluno com a necessidade de se considerar os aspectos sociais que circundavam cada caso a ser estudado. A incorporação do social nessa fase, se dá a partir dessa prática. Exemplo: uma assistente social escolhia casos ocorridos nas enfermarias e prontossocorros, onde as implicações sociais eram evidenciadas, num quadro geral e inespecífico, se eram estruturais ou comportamentais. Tudo era possível para discussão do caso em si; nunca do ponto de vista de uma teorização sociológica. Os textos teóricos eram frequentemente traduzidos e escolhidos em conformidade com a similitude dos casos e discutidos com

sistematização num curso do 3º ano médico, denominado Ciências Sociais Aplicadas à Medicina. Podemos explicar esse conteúdo por alguns pontos, a saber: a) pela formação e composição do corpo docente; b) pelas exigências da transposição individual-coletiva; c) pela fase de conhecimento da própria Saúde Pública, cujo modelo vigente de influência americana não prescinde da Educação Sanitária como principal ferramenta do trabalho do sanitarista e sobretudo porque; d) a Medicina Integral também tem essa ferramenta como elemento daquela tão procurada transposição. O papel do médico visto como moderador das atitudes desejáveis na prevenção faz com que a Educação Sanitária ocupe bastante espaço no Ensino do Departamento. Numa visão macrossocial da realidade brasileira, qualquer perspectiva globalizante levaria necessariamente a uma discussão de contexto, a qual não escaparia de uma ótica crítica. Ora a ideologia do Milagre Brasileiro trazia de cima para baixo em termos de poder uma forma do pensar ³ delimitando o espaço para aqueles que procuravam uma mudança da situação sanitária do país. Só a Educação Sanitária coube nesse espaço; ela fragmenta a sociedade em indivíduos; fragmentar os indivíduos em termos de seus conhecimentos/atitudes/crenças, tal qual acontece em qualquer âmbito da ideologia burguesa. 3ª Fase (69/70/71/72): A Educação Médica passa por intensa revisão crítica em função das dificuldades e crises que começaram a se esboçar, sobretudo nas escolas novas do setor privado, criadas no período de 67/68 e que, ao adentrarem o ciclo clínico, apontaram suas insuficiências, e as escolas tradicionais do setor público reclamavam do espaço perdido pela Educação em geral, no modelo de desenvolvimento caracterizado e delineado nessa época. Por parte da Escola de Ciências Médicas da Santa Casa,4 esse momento é marcado por um delineamento bastante claro e objetivo com relação ao tipo de médico e ao currículo que o formaria, movimento esse, que se não foi em termos quantitativos, abrangente, em relação ao corpo docente, pelo menos sensibilizou áreas decisórias e setores avançados dos departamentos. A resultante foi um esforço 3.Veja-se o capítulo das referências teóricas, a discussão sobre ideologia e projeto de formação. 4. Não serão aqui abordadas as experiências extra-muros como o Centro de Saúde Escola cujos fundamentos serão discutidos além, no texto.

da integração agora não só horizontal mas vertical, com a verticalização ao longo dos 6 anos, de 3 áreas consideradas fundamentais na Integração: Clínica Médica, Medicina Social e Psicologia Médica. Quanto às Ciências Sociais, a área de conceitos que mais começa a prevalecer é a antropologia e uma antropologia especial, porque: a) a integração interdisciplinar inibe os conteúdos conceituais mais globais; b) começa a prevalecer a busca por parte dos educadores médicos de modelos de ensino das Ciências Sociais e da Conduta; c) a integração interprogramática e interdepartamental deve-se repetir no âmbito interno, nas Disciplinas do Departamento. Como nesse momento a Epidemiologia é mais autônoma (prenunciando a transição do enfoque individual para o coletivo, que se definiria posteriormente), o modelo de ensino proposto partia de uma esquematização epidemiológica (História Natural da Doença) acrescida também da História Natural do Comportamento do doente. A Antropologia especial, acima referida, é aquela que, nesse momento teórico, confunde em limites com a psicologia social, cuja ótica é centrada no comportamento. Iniciado esse programa no 1º ano, o espaço do 3º ano antes ocupado pelas Ciências Sociais Aplicadas, continua sendo o conteúdo das Ciências Sociais Aplicadas às grandes áreas da formação médica: (Pediatria Pediatria Social), (Obstetrícia Obstetrícia Social) e (Clínica Médica Clínica de Família). Nesse nível, o social era tratado como epifenômeno de temas importantes. Ex: Aspectos Sociais da Desnutrição. Frequentemente, seja porque o esquema da História Normal de Doenças, inevitavelmente, ao tocar nas medidas a serem tomadas, envolvia discussão dos serviços de saúde a serem acionados, seja porque a formulação Aspectos Sociais inevitavelmente evadia-se do âmbito estrito da Antropologia Comportamentalista. Tornava-se cada vez mais tornava-se patente a necessidade de uma explicação de teorização global da sociedade brasileira. O enforque do coletivo na Medicina Social já está posto, porém, ainda numa concepção epidemiológica que subordina o social como fator da estrutura epidemiológica de causação do processo Saúde-Doença. Em termos de crítica à formação médica, o pensamento mais usual que se encontra nesse momento é aquele que investe contra a febre da especialização médica e suas conseqüências de fragmentação do objetivo da medicina. Por isso, assume fundamental importância, podendo ser considerado o verdadeiro divisor de águas no impasse teórico-metodológico da transposição individual-coletiva, o trabalho de Cecília Donnangelo 5 que analisa o processo de assalariamento, já iniciado e que se aprofundará na profissão médica na década de 70, o qual a consciência possível da visão liberal sequer podia admitir. Fizeram parte do cenário desta época constantes reuniões com outras escolas, onde se discutiam os conteúdos curriculares. 5 Donnangelo, M.C.F. Medicina e Sociedade. São Paulo, Biblioteca Pioneira, 1972

O Departamento de Medicina Social da Santa Casa procurava absorver todas as mudanças possíveis e passíveis, extremamente condicionado pelo espaço ocupado pelos seus professores, nos serviços de saúde pública. Tal inserção lhe valeu muitas vezes, severas críticas de cooptação pelo sistema. Os departamentos mais atuantes podiam ser enquadrados em três linhas. 1) linha da crítica externa ao sistema; 2) linha da crítica interna ao sistema 3) linha do enforque individual preventista. Às Ciências Sociais restava um papel repicado, penetrando no espaço que lhe era possível, porém sem ainda conseguir uma autonomia ou identificação com seu campo próprio. 4ª Fase (73/75): Em 1973, o curso de C.S.A. do 1º ano, antes semestral se estende para anual, uma vez que, em avaliação, as disciplinas do programa interdisciplinar requisitam um espaço para a teoria geral dos conteúdos aplicados que antes ministravam. Esse fato, visto em perspectiva pode ser explicado em primeira instância, pelo assentimento geral do enfoque coletivo como especificidade do Departamento e pelo início de produção científica brasileira no campo da sociologia da saúde, criando condições para uma crítica dos limites dos modelos adotados. Internamente, o novo enfoque do social demandava um tipo de conhecimento deformação sociológica, o que inibia a equipe multi-profissional que o sustentava (havia apenas 1 sociólogo na equipe). Esse impasse foi resolvido com um curso de preparação para a introdução dos novos conceitos (o que marca também o início da sociologia como disciplina autônoma), que operou uma modificação da equipe de professores da disciplina. Nessa fase o Curso de Ciências Sociais se estrutura ainda partindo do individual, Estudo do Paciente, porém, segue-se uma unidade em que se procura enquadrar o Paciente na Realidade Social, caracterizada globalmente em termos econômicos e políticos; inclui uma crítica da explicação antropológica inicialmente adotada, como impossibilitada de alcançar as determinações gerais da situação do Paciente assim enquadrado e introduz o estudo da Estrutura Social. Neste momento, historicamente o país começa a perceber sinais da crise econômica que se deflagaria a partir de 1973, aprofundando a crise política (O governo brasileiro para fazer jus à face de democracia relativa passará pela turbulência das tumultuadas discussões em torno do ano eleitoral de 1974). Para a Educação Médica, o espaço de debates sobre a realidade social do país se desloca para o interior da Faculdade. Em 1974, a disciplina História da Medicina perde seu titular e passa a ser atribuição da equipe de Ciências Sociais. Em que se pese os limites deste primeiro conteúdo, esse curso é colocado no 1º ano, antes do curso de Ciências Sociais e como

seu pré-requisito pedagógico, uma vez que enfatizava as bases sociais da medicina no tempo. No 3º ano, a participação dos sociólogos ao lado de 2 médicos com conhecimentos de administração transforma gradativamente o espaço da Obstetrícia Social na disciplina Administração dos Serviços de Saúde Pública e Organização da Assistência Médica. O enfoque desse curso em termos de administração é sistêmicos mas sua meta pedagógica era a transposição da obstetrícia que os alunos estavam recebendo no âmbito clínico no DOGI, para o plano de estudo da Organização dos Serviços de Saúde Materna (área de Saúde Pública) e daí para a organização dos serviços de saúde em geral. A participação do sociólogo na estrutura do curso era desestruturante na medida em que se contrapunha o enfoque sistêmico adotado (estrutural e funcionalista, mas afinado com o Planejamento em Saúde que se operava na realidade brasileira) ao estudo histórico no desenvolvimento dos serviços de saúde sobretudo a Assistência Médica na Previdência Social e as transformações das condições de trabalho do médico. A pediatria social, embora curso autônomo gerido pelo Departamento, se aproxima definitivamente do Curso de Pediatria ministrado no 3º ano pelo próprio Departamento de Pediatria, prescindindo do sociólogo. Em 1975, pode-se entender como acabado o processo de implantação de um modelo estrutural de ensino das Ciências Sociais e a partir daí, um aprimoramento em termos dos conteúdos quanto a sua complexidade e especificidade pois a pósgraduação estava também a exigir um novo conteúdo (que obviamente não repetisse a graduação). Na graduação, a formação do aluno deveria conter as mediações entre o individual e o coletivo; na pós-graduação, o coletivo seria o objeto. Um aspecto desse período é a aproximação com a Medicina do Trabalho. Assim, desde o 1º contato com as Ciências Sociais no curso de História da Medicina, o conteúdo sociológico procurava explicitar a determinação social e a historicidade não só do conhecimento médico, como também das formas do trabalho médico, o que remetia a conceitos como: modo de produção, formação social, classes sociais, estado e ideologia. O ensino das formas históricas assumidas pela prática médica se torna bastante facilitado, pois, a essa altura, a produção sociológica no campo da saúde está em pleno desenvolvimento, bem como as traduções de autores estrangeiros que se ocuparam da medicina como objeto de reflexão. (A tônica dominante não é a sociologia na Medicina, porém a Sociologia da Medicina).

O curso de 3º ano, agora apenas Organização de Assistência Médica assume abordagem sociológica, abandonando-se o esquema anterior. Nesse momento curricular as Ciências Sociais tem uma oportunidade de reforçar conceitos básicos anteriores, para abordar a questão Médica como instituição prestadora de serviços e como prática profissional. 5ª Fase (76-80): Essa fase é marcada por discussão intensa sobre a Residência em Medicina Social. As categorias ocupacionais médicas se organizam e a profissão médica discute o assalariamento e assume posicionamentos políticos no âmbito da sociedade global. Politicamente, nosso momento histórico é marcado pelo período de distensão do Governo Geisel com avanços e recuos (veja-se o famoso Pacote Abril/77) mas o fato é que a conjunção da crise econômica, a falência do modelo abrem espaço para a discussão política e a crise do regime. No âmbito da Educação Médica, a graduação em medicina tem, necessariamente que se diferenciar da pós-graduação, uma vez que a Residência Médica é definida como curso de especialização (Parecer 14/77 C.F.E.). O Grupo de residentes pressiona a uma constante avaliação dos programas, impulsionado pela atuação política no exterior da escola e também porque é marcado por flagrante heterogeneidade quanto à formação, mas homogêneo na postura crítica (um dos critérios que o Departamento sempre valorizou na seleção de candidatos). O ano de 1980 é marcante, especialmente porque em todos os programas ressalta-se a dinâmica de disciplinas como Ciências Sociais e Epidemiologia cujas abordagens privilegiam essencialmente o Coletivo e se recoloca a prática em Saúde Pública, até porque, a estrutura de saúde pública é, sistematicamente pensando, o espaço mais coletivo que a realidade brasileira apresenta, sem adesão aos pressupostos sistêmicos e, ao mesmo tempo registrando-se aí a concreção de políticas sociais do capitalismo na nossa sociedade. 6ª Fase A década de 80: Fase em que o modelo estrutural de ciências sociais proposto pela ótica do materialismo dialético extravasa seus limites (filosofia e economia política) para as demais disciplinas do campo da medicina Social. No âmbito interno, a integração curricular das três áreas básicas enfrenta seus impasses (por razões diferentes, os três departamentos enfrentam seus problemas; o Departamento de Psicologia da Faculdade se esfacela, dificultando uma aproximação; o Departamento de Clínica passa por um esvaziamento e mudança de professores). Ao Departamento de Medicina Social cabe

reestruturar-se dentro dos parâmetros internos já mencionados e no âmbito externo se aproxima de outros centros de formação que discutem o âmbito da Saúde Coletiva e se posicionam politicamente mais organizados. Essa externalidade reforça o campo conceitual e coincide com o movimento do restante da Faculdade. Em termos curriculares, as disciplinas da Escola, que antes se sacrificavam (com certa perda de identidade) para se integrar horizontalmente, vão desenvolvendo e ampliando um corpo teórico de conceitos básicos e se nota, por parte das disciplinas do departamento, uma maior aproximação com as matérias básicas, sobretudo aquelas que por sua especificidade vêm o homem como totalidade. O Departamento assume o enfoque coletivo, como sua área específica, o que é plenamente concretizado na Residência de Medicina Social 6. No âmbito externo, essa fase marca a presença da ABRASCO Associação Brasileira de Saúde Coletiva fundada em 1979 como aglutinadora da discussão de toda a temática do campo, seja no âmbito acadêmico da constituição do conhecimento em sua área específica seja na construção social do Projeto Político da reordenação dos Serviços de Saúde rumo aos requerimentos da garantia e ampliação da cidadania do brasileiro em Saúde, tal qual a Constituição de 88 viria postular. Cabe aqui um breve comentário sobre o desenvolvimento da Epidemiologia, seja porque, essa disciplina viria a ser acionada como ferramenta de intervenção em nível técnico, na constituição/expansão dos serviços de Saúde, seja porque seu campo de conhecimento incorporava novas tendências modernizantes, adquirindo uma feição própria sobretudo aos países não desenvolvidos, onde a questão de saúde, para além da técnica, tem seu tratamento político. Ao nosso ver, o aporte dos estudos desenvolvidos sobretudo no México, pela Epidemiologia Social (destaque-se aqui a contribuição de Asa Cristina Laurell, entre outros) revitalizam o eixo de formação em Saúde Coletiva, conformando essa área, face a toda escola médica, como um campo de especificidades definido tanto prática como teoricamente. Como paradoxo aparente, entretanto, vale colocar que, como característica desse momento, a estranheza do relacionamento do Centro de Saúde Escola da Barra Funda, tradicionalmente aproveitado como campo de práticas e o deslanchar da Epidemiologia Social. 6. O Departamento de Medicina Social da santa Casa foi um dos pioneiros da Residência inter-disciplinar

O Centro de Saúde-Escola da Barra Funda em 1968, foi um dos marcos no pioneirismo da Escola Médica da Santa Casa. Concebido como campo de práticasdemonstração, não só para os alunos da medicina, mas sobretudo para a rede de serviços público,7 uma expansão de Centros de Saúde-Escola das Faculdades do Estado de São Paulo, sustentadas pela Rede da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo em convênio com as faculdades, via departamentos de medicina social. Duas ordens de fatores explicam a dificuldades desse relacionamento: a primeira e que parece pesar bastante, é o caráter teórico da Epidemiologia Social, cuja disponibilidade interventiva no serviço tradicional de saúde pública encontrava seus limites; a segunda ordem de fatores diz respeito aos rebates próprios do que acontece na rede de serviços públicos, no processo de reordenação da reforma sanitária e suas relações intrínsecas com o desenvolvimento político calcado na abertura e eleições diretas, ou seja, no projeto político-eleitoral dos governantes do período. Some-se a isso, a crise dos anos 80 que se abate no Estado em todos os seus níveis. Esses breves comentários (cujos pontos cruciais serão retomados adiante no texto), nos permitem emoldurar as razões justificativas da pesquisa a que ora nos propomos. No momento presente, ou seja, em meio aos desafios da década de 90, quando emoldurada pela grave crise por que passa o desenvolvimento da sociedade brasileira, a Educação entra em crise e se questiona a Escola Médica é vértice desse processo de discussão, apresentando uma queda numérica de postulantes egressos do segundo grau e uma avalanche de críticas negativas ao seu desempenho e ao seu produto final, nos indagamos sobre o que está acontecendo. Essas indagações dizem respeito ao alunado (que tipo de aluno estamos recebendo), às instituições formadoras (que meios temos para avaliar nossas escolas) e às instituições prestadoras-utilizadoras dessa mão de obra ( a quantas anda o projeto sanitário no entrecorte do projeto político mais amplo e global da sociedade. Nosso trabalho tem portanto os seguintes objetivos: 1. Traçar um perfil do alunado que ingressa na Faculdade de Medicina. 2. Relacionar as especificidades do aparelho formador às características desse perfil. 3. Fornecer subsídios para a discussão do problema educacional-médico, num quadro de referência do campo de desenvolvimento dos Recursos Humanos em Saúde. 4. Formular propostas coerentes capazes de direcionar a Escola Médica nos seus ajustes internos e externos, face aos requisitos da nova ordenação da sociedade brasileira para o presente e o futuro próximo. 7 À época, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo implantava a Reforma Administrativa e o Centro de Saúde Escola da Barra Funda ( e os profissionais duplamente envolvidos) serve de campo de provas e propostas inovadoras assumindo seu caráter experimental na Saúde Pública do Estado.

2. Breve Panorama do Ensino Médico no Brasil suas questões atuais A educação médica tem enfrentado nas últimas décadas inúmeros desafios decorrentes das transformações estruturais da realidade brasileira, no seu processo de desenvolvimento/ajuste à nova ordem internacional. Conquanto esses problemas também sejam comuns ao processo de desenvolvimento de outros países, sobretudo na América Latina, vale lembrar a especificidade de problemas que o processo histórico brasileiro acumulou e vem acumulando desde os seus primórdios até os tempos atuais.8 Em 1808, tão logo aportou à Bahia, D. João VI, alertado para a precariedade da situação sanitária e sob influência do fidalgo de sua Casa e cirurgião-mor do Reino, José Corrêa Picanço, expediu a 18 de fevereiro daquele ano uma Carta Régia, criando o primeiro curso médico-cirúrgico. Meses mais tarde, a 5 de novembro, o monarca mandou estabelecer no Rio de Janeiro, no Hospital Real Militar, uma escola de Anatomia, Cirurgia e Medicina. Bahia e Rio de Janeiro foram, assim, não só o berço do ensino médico no País, mas de todo o ensino profissionalizante, uma vez que, somente muito depois, no mesmo século, foram criadas escolas de Belas-Artes, Direito e Politécnica, em 1898, uma nova escola médica, a de Porto Alegre. O ritmo de expansão foi lento até 1960, quando existiam 28 escolas, 15 das quais fundadas na década de 1950. Por essa época, o fenômeno social da pressão por mais educação, ao lado do progresso acelerado da ciência e da técnica, exigindo mão de obra especializada de alto nível, reforçou o movimento de opinião, em torno da escassez de médicos para a população brasileira. Já então, esta deficiência era agravada pela concentração dos médicos nas capitais, em conseqüência de fatores econômico-sociais e de uma política assistencial que apenas contemplava os grandes centros urbanos. Não era difícil obter, por força de influências pessoais, lugares de médico nas instituições assistenciais, ao passo que na maior parte do interior, prevalecia a falta de condições para um exercício compensador da profissão. De 1961 a 1965, foram criadas mais 9 escolas médicas. Foi entretanto, a partir de 1966, até 1971, que se acelerou a expansão da rede escolar, fundando-se nada menos de 36 faculdades, de modo a perfazer o total de 73. Só em 1968 fundaram-se 13 novas faculdades! 8 Valemo-nos para esta parte de inúmeros trabalhos encontrados sobre História da Medicina no Brasil, bem como material da ABEM Associação Brasileira de Educação Médica

Crescia o número de instituições e aumentava também o de matrícula nas existentes. Em conseqüência do movimento dos excedentes, viram-se as escolas antigas obrigadas a receber número de alunos além de sua capacidade didática, enquanto as novas começavam a enfrentar o mesmo problema, ultrapassando, às vezes de muito, suas limitadas disponibilidades. A essa altura, fazia-se ouvir mais alto o coro das faculdades antigas, da Associação Médica Brasileira e de vozes responsáveis, advertindo contra a deterioração da qualidade do ensino médico, sacrificado pela massificação. O fenômeno da crise numérica não é peculiar à medicina, nem à universidade brasileira. È a primeira crise das universidades, em geral, a que se segue uma outra, financeira, uma vez que os recursos disponíveis não crescem na mesma proporção. No particular do ensino médico, a situação se agrava pelas condições peculiares ao treinamento prático, exigindo leitos hospitalares, laboratórios e pessoal docente numeroso e bem qualificado. As advertências encontraram ressonância junto a autoridades superiores, tendo o Ministro Jarbas Passarinho decidido criar uma Comissão de Ensino Médico, constituída de professores de várias regiões, e que se instalou a 10 de julho de 1971. Seu primeiro objetivo era proceder à avaliação da situação do ensino médico no País, suas características e perspectivas, seus aspectos positivos e negativos, a fim de propor medidas para elevar-lhe o padrão e corrigir distorções. Ao instalar-se, a Comissão solicitou ao Ministro que, de imediato, sustasse o processo de criação de novas escolas. A Comissão começou o trabalho pela elaboração de um questionário, enviado a todas as escolas, com o propósito de informar-se sobre as condições reais de funcionamento de cada uma. Em seguida, foram elas visitadas para verificação in loco dessas condições. Um ano depois, em agosto de 1972, foi entregue ao Ministro um relatório intitulado O Ensino Médico no Brasil. Documento nº 1 A expansão da rede escolar, depois aprovado pelo Conselho Federal de Educação. Pôde a Comissão concluir que não seria prudente recomendar, simplesmente, o fechamento de algumas escolas, em virtude das conseqüências sociais dessa natureza. Aconselhou a suspensão dos concursos vestibulares, naquelas em condições mais precárias, até que nova verificação comprovasse sua melhoria. Outras recomendações foram formuladas no sentido de estimular a recuperação das escolas carentes, e de melhor estruturar seus quadros docentes. Investigações subseqüentes verificaram, em muitos casos a eficiência das medidas aconselhadas. Salientou-se a necessidade de disciplinar o processo de formação de médicos, contendo a expansão desordenada da rede escolar e procurando estimar, em bases mais realistas, o número de vagas oferecidas pelas diversas faculdades. Reconheceu-se que o número de escolas era muito reduzido para as exigências do país, no início da década de 1960, mas que o crescimento fora demasiado rápido e descontrolado. Muitas vezes, não houve estudos prévios para a localização de novas escolas, nem previsão de recursos didáticos, sobretudo quanto ao corpo docente.

As recomendações da Comissão foram rigorosamente cumpridas pelos Ministros de Estado da Educação, até que em 1976, o Conselho Federal de Educação veio a autorizar o funcionamento de mais duas escolas, perfazendo o total atual de 75. Nos anos próximos a 1970, formavam-se, anualmente, cerca de 3.000 médicos. A partir de 1975, esse número atingiu, aproximadamente, 8.500 médicos por ano, podendo-se estimar uma queda para 8.000 de 1980 até 1982. Segundo estimativa de Jair Guimarães, em 1950 existiam em atividade no Brasil cerca de 22 mil médicos. Em 1979, são cerca de 95 mil. A proporção médico-habitante terá atingido, no fim desta década, um índice satisfatório, em torno de 1/1.200. Porém, a distribuição dos médicos pelo território brasileiro mostra extremas variações, com o grande predomínio nas capitais, onde se encontram cerca de 70%, e com mais de 1.500 municípios sem médico. Rio e São Paulo, onde se congregam cerca de 13% da população, tem quase 50% dos médicos. Quanto aos municípios sem médicos, há que reconhecer a influência dos fatores sócioeconômicos, como tem insistido Gentile de Melo, além dos demográficos, uma vez que neles não se abrigam mais do que 15% do total da população. Quanto à dependência administrativa, 41 escolas (55%) estão ligadas a universidades (25 federais, 8 estaduais e 8 privadas), enquanto 34 (45%) são estabelecimentos isolados (2 federais, 2 estaduais, 1 municipal e 29 particulares). Assinala Marcílio de Souza que a expansão da formação de médicos processouse, predominantemente, pela criação de novas escolas, embora tenha sido significativo o crescimento de matrículas. Acredita que isso possa tornar mais fácil a aplicação de medidas visando ao aprimoramento da educação médica, sem a necessidade de sustar, abruptamente, a demanda de ingresso na carreira. Vale notar que algumas faculdades obtiveram do Conselho federal de Educação, nos últimos anos, a redução de matrículas. Entre elas, a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que, progressivamente, as reduziu de 320 para 280, 240 e, para 1980, 160 matrículas. Paralelamente, foram estas oferecidas em maior número em outros cursos como os de Enfermagem, Nutrição e Biologia. Há que ponderar a necessidade de melhor balanço na formação dos profissionais de saúde. Preocupa, sobretudo, a carência de enfermeiros, cujo número atual e produção ainda estão muito aquém do indispensável, apesar dos esforços desenvolvidos para seu aumento. Sentem-se efeitos dessa carência no funcionamento de nossas instituições de saúde, o que recomenda um verdadeiro programa de aceleração da formação dessa classe de profissionais.

Em trabalho recente, João Paulo Mendes procura situar a expansão do ensino médico dentro do contexto do ensino superior no País. O crescimento da educação universitária decorreu de uma pressão da demanda, que começou nos primeiros graus de ensino e repercutiu no mais avançado. Em 1980, deveremos ter mais de 100 alunos no grau superior para cada 1.000 no grau elementar. Em 1960, a proporção era de 12,5 para 1.000, e em 1970 de 40,9 alunos no superior para 1.000 no elementar. Acrescenta no entanto, outros fatores para expansão do ensino superior, especialmente na área médica: a fé na educação como instrumento capaz de proporcionar ao homem sua plena realização e o fascínio que a profissão médica ainda exerce. Dois problemas mais sérios emergem da análise das condições de funcionamento das escolas médicas: o do corpo docente e o das disponibilidades hospitalares. É evidente que a expansão docente não pode acompanhar a rapidez de crescimento do número de alunos, com a proliferação das escolas. Na maioria das recém-criadas não havia, nas cidades em que se sediavam, elementos credenciados para assumir os encargos do magistério. Daí a necessidade de recrutá-los em centros universitários mais ou menos próximos criando-se a figura do professor itinerante (com designações por vezes pejorativas), que passava um ou dois dias por semana em cada escola. O levantamento feito mostrou numerosos professores lecionando em três ou quatro faculdades, em alguns casos até em seis. Mal remunerado, sobretudo o docente de ciências básicas, encontrava nessa atividade desgastante um meio de melhorar os seus proventos, embora com sacrifício de sua comodidade e das vantagens do trabalho concentrado em um só local. Não existem dados atualizados e confiáveis em relação ao corpo docente das escolas médicas. Contudo, pode-se dizer que melhorou a relação aluno/docente, graças a vários fatores, entre os quais a ampliação dos quadros, os programas de pós-graduação, o maior número de docentes sem tempo integral. Sem dúvida, a valorização do magistério superior, através de medidas como a reestruturação da carreira acadêmica, o reajustamento salarial, a criação de melhores condições de trabalho, virá concorrer para a melhoria daquela relação. Não bastará, porém, atentar para o aspecto quantitativo, senão que será mister cuidar do aprimoramento dos docentes, a partir de seleção mais apurada e de critérios mais idôneos de ascensão na carreira. A deficiência dos leitos hospitalares foi uma das falhas flagrantes observadas pela Comissão de Ensino Médico, que estimou as necessidades para o ensino na proporção de um leito de hospital geral para dois alunos. Muitas escolas se distanciavam dessa recomendação. No entanto, segundo o depoimento de Marcílio de Souza, aumentou substancialmente o número de leitos hospitalares à disposição do ensino, atingindo cerca de 30 mil. O cálculo que arbitra a necessidade de, no mínimo, 1 leito para 2 alunos não passa de um índice relativo, uma vez que se devem levar em conta outros fatores como a rotatividade desses leitos, a utilização de ambulatórios e de outros serviços hospitalares para o ensino.

O que cabe estimular é a necessidade de entendimento entre as escolas médicas e as instituições hospitalares, públicas ou privadas, no caso das escolas não possuírem hospital próprio. Por vezes, essas instituições consideram inconveniente a presença de estudantes, ou mais onerosos os serviços, em decorrência das atividades de ensino. A propósito, vale a pena transcrever o pronunciamento da Comissão de Ensino Médico, no seu Documento nº 2, intitulado Ensino Médico e Instituições de Saúde. As responsabilidades didáticas e atividades de pesquisa podem, aparentemente, conflitar com os objetivos meramente assistenciais. Mas, há evidente interesse em buscar o equilíbrio adequado. Se é obvio que o primeiro dever do hospital é servir ao doente, não é menos certo que a mais alta qualidade de cuidado médico é atingida em ambiente de constante efervescência intelectual e de contínua indagação. Assistência, ensino e pesquisa não devem ser consideradas atividades antiéticas e sim complementares. Será, aqui, o caso de citar uma das maiores figuras da Medicina Clínica de todos os tempo, Sir William Osler que, já em 1900, escrevia: Na mente dos responsáveis por certos hospitais prevalece a noção estulta e errônea de que a presença de estudantes é prejudicial aos interesses do paciente. É exatamente o contrário. Eu iria mais longe e diria que nenhum hospital pode desempenhar completamente sua missão se não for um centro de instrução de estudantes e médicos. É necessário, pois, que os responsáveis pelas organizações hospitalares se capacitem de seu dever e de sua conveniência, colaborando com o ensino médico, porque, afinal, estarão ajudando a formar os profissionais cujos préstimos vão utilizar. A expansão das escolas médicas, criando a necessidade de maior número de leitos hospitalares, fez com que numerosas instituições, públicas e privadas, colocassem suas disponibilidades a serviço do ensino. É claro que, em contrapartida, é dever dos responsáveis pelo ensino colocar no mais alto nível a preocupação com esses serviços, fiéis ao princípio de que em qualquer tipo de unidades de saúde, desde os hospitais universitários mais altamente diferenciados e melhor equipados, até as mais modestas unidades sanitárias, o foco de atenção de todos os que participam na prestação de serviços de assistência médica deve ser, invariavelmente, o paciente. Tradicionalmente, uma escola de medicina propõe-se a formar profissionais mais capazes de diagnosticar e tratar as doenças, dispondo para seu treinamento, de laboratórios de ciências básicas e de centros hospitalares mais ou menos aparelhados. A inclinação vocacional do estudante de Medicina, em geral, era e ainda é, a de fazer-se doutor, para cuidar de indivíduos doentes. Os profissionais da Saúde Pública, raros e dotados de vocação para o sacrifício, eram formados nas poucas escolas especiais existentes. Com o tempo não aumentaram, significativamente, em número, por falta de apoio de incentivos. Mas o conceito de saúde mudou, deixando de ser apenas a ausência de doença, para se conceituar como o estado completo de bem estar físico, psíquico e social. Por fantasiosa que seja a definição nas condições