Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito NUPEDIR VIII MOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA (MIC) 20 de novembro de 2015



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REPRODUÇÃO ASSISTIDA: UMA ANÁLISE SOBRE OS DIREITOS DOS ENVOLVIDOS Samanta Eduarda Mainardi 1 Letícia Gheller Zanatta Carrion 2 SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 FILIAÇÃO. 3 REPRODUÇÃO ASSISTIDA. 4 IDENTIDADE GENÉTICA. 5 PRIVACIDADE DO DOADOR. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. RESUMO: A ciência evolui a passos largos, levando consigo a tecnologia e a medicina, que vem superando expectativas, prolongando a vida e gerando possibilidade de novas existências. A partir desse momento, percebe-se que o avanço científico está dando uma alternativa ao ser humano: a de fecundar um filho em laboratório, através da reprodução assistida, método artificial que propicia oportunidades, não só a casais que se veem impedidos de gerar um filho, mas também à mulher independente, autossuficiente, de experimentar a maternidade através da gestação. Pelo método da reprodução assistida, isto já é possível. Embora não esteja ao alcance de todos, pelo alto custo financeiro, esta técnica encontra-se à disposição daqueles que não se deparam com outra opção para vivenciar esta experiência. Palavras-chave: Filiação. Reprodução assistida. Identidade genética. Privacidade do doador. 1 INTRODUÇÃO Diante dos grandes avanços da medicina e da tecnologia, bem como da independência da mulher moderna, a reprodução humana assistida heteróloga vem ganhado espaço, embora pouco acessível, pelos valores ainda elevados para a maioria da população. Sabe-se que, pela regulamentação do Conselho Federal de Medicina (CFM), o sigilo do doador é a principal garantia deste método, mas o direito à identidade genética do ser humano, fruto deste procedimento fica prejudicado. Diante deste confronto, o presente artigo busca analisar os direitos dos envolvidos na utilização da reprodução assistida heteróloga para verificar qual dos deles deve ser contemplado, se o direito de o doador manter-se em sigilo ou o direito do ser humano, fruto dessa técnica, ter a justa informação de sua origem genética. 1 Aluno do Curso de Graduação em Direito pela FAI Faculdades, 8ºsemestre. E-mail. sa_mainardi@hotmail.com 2 Mestre em Direito, Professora do Curso de Graduação em Direito da FAI Faculdades de Itapiranga- SC. E-mail: leticia.carrion@seifai.edu.br 1

2 FILIAÇÃO Núcleo de Pesquisa e Extensão do Curso de Direito NUPEDIR A relação entre casais, em geral, se intensifica com o desejo de ser pai e mãe, como se a família ganhasse um novo olhar, um novo conceito com a chegada de um filho. Tem-se em mente a ideia da relação tradicional, pelo método natural para a procriação do ser humano; entretanto, com o avanço da ciência, a mesma está possibilitando a casais com dificuldade de alcançar tal objetivo, casais homoafetivos e produções independentes, um método artificial, que é a reprodução assistida. No pensamento de Arnaldo Rizzardo, Desde a antiguidade, a relação de filiação é o vinculo mais importante da união e aproximação das pessoas. Constitui um liame inato, emanado da própria natureza, que nasce instintivamente e se prolonga ao longo da vida dos seres humanos, embora se atenue o sentimento com o passar dos anos. Mesmo que falte ou desapareça a união entre os pais, os laços de parentesco jamais desaparecem, porquanto se revelam em um componente ôntico da pessoa, tanto que diverso, mais perene e profundo que qualquer outro relacionamento. 3 A relação entre pais e filhos por muito tempo foi distintiva, no sentido de diferenciar os filhos nascidos do casamento, em filiação legítima e os filhos havidos fora do casamento, filiação ilegítima, que não tinham como comprovar sua relação de parentesco, ficando à vontade dos pais naturais querer ou não esse reconhecimento e, quando reconhecido, recebia um tratamento inferior ao dado para os filhos legítimos. 4 O artigo 227, 6º, da Constituição Federal de 1988, traduz a igualdade dos filhos, os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. 5 Complementa o artigo 1.397, do Código Civil, os que podem ser considerados filhos, havidos da relação conjugal: Art. 1397. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; 3 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 7. ed. Rio de janeiro: Forense, 2009. p. 414. 4 WALD, Arnoldo; FONSECA, Priscila M.P. Corrêa da. Direito civil: direito de família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 286, 287. 5 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso: 10 ago 2015. 2

II nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III havido por fecundação artificial homologa, mesmo que falecido o marido; IV havido, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga V havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 6 Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro, com base no principio da igualdade dos filhos, veda qualquer diferenciação, independentes de serem havidos durante o casamento ou não, sejam eles adotivos ou tidos pela inseminação artificial heteróloga, aquela em que é utilizado o material de um terceiro. Não pode ser utilizada expressões que discrimine essa criança. 7 3 REPRODUÇÃO ASSISTIDA Tem-se em mente a ideia de que todo casal é saudável o suficiente para gestar, porém, muitos têm dificuldade e esse desejo vai ficando cada vez mais longe de ser alcançado. Por isso, a procura pela reprodução humana vem aumentando, em busca da oportunidade de uma gestação, quer por esterilidade, da mulher ou do homem, quer por casais homoafetivos ou mulheres solteiras. 8 Ao longo do tempo e após várias pesquisas na área da medicina, a reprodução assistida vem se destacando como um método opcional à constituição da família. Maria de Fátima Freire de Sá e Bruno Torquato de Oliveira Naves, conceituam a reprodução assistida como o conjunto de técnicas que favorecem a fecundação humana, a partir da manipulação de gametas e embriões, objetivando principalmente combater a infertilidade e propiciando o nascimento de uma nova vida. 9 6 BRASIL. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso: 10 ago 2015. 7 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: 2014.p.62, 63. 8 BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e Reprodução Humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de janeiro: Renovar, 2003. p. 67. 9 SÁ, Maria de Fatima Freire de. NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Manual de Biodireito. 2. ed. Belo Horizonte: 2011. p. 112. 3

Para Silvio Venosa, a lei deverá restringir a reprodução assistida unicamente para situações permitidas nela, casos de infertilidade e quando todos os tratamentos possíveis para a reprodução natural tenham-se frustrado. 10 É importante diferenciar as técnicas de reprodução assistida, homóloga e heteróloga. José Roberto Moreira Filho explica a diferença: A inseminação homóloga ocorre quando, em quaisquer das técnicas de inseminação artificial, utiliza-se apenas os gametas do casal casado ou em união estável, ou seja, usa-se o espermatozoide do marido ou companheiro juntamente com o óvulo da esposa ou companheira. 11 Complementa Venosa que é utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem férteis, a fecundação não é possível por meio do ato sexual por varias etiologias (problemas endócrinos, impotência, vaginismos etc.) 12 A inseminação heteróloga, por sua vez, ocorre quando se utiliza das técnicas de inseminação artificial, os gametas de terceiros que não os do casal. A concepção é realizada com a utilização do esperma ou óvulo doado por terceiro(a). 13 Nesse sentido, Venosa acrescenta: A inseminação heteróloga é aquela cujo sêmen é de um doador que não o marido. Aplica-se principalmente nos casos de esterilidade do marido, incompatibilidade de fator Rh, moléstias graves transmissíveis pelo marido etc. Com frequência recorre-se aos chamados bancos de esperma, nos quais em tese, os doadores não são e não devem ser conhecidos. 14 Cabe salientar, a importância do consentimento expresso do marido nessa técnica, de modo que não possa negar a paternidade sócio afetiva perante o fruto desse procedimento. 10 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.234. 11 MOREIRA FILHO, José Roberto. Os novos contornos da filiação e dos direitos sucessórios em face da reprodução humana assistida. In: GUERRA, Arthur Magno e Silva (Org.). Biodireito e Bioética. Rio De Janeiro: América, 2005. p. 221. 12 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.232. 13 MOREIRA FILHO, José Roberto. Os novos contornos da filiação e dos direitos sucessórios em face da reprodução humana assistida. In: GUERRA, Arthur Magno e Silva (Org.). Biodireito e Bioética. Rio De Janeiro: América, 2005. p. 221. 14 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.217. 4

4 IDENTIDADE GENÉTICA Algumas discussões acerca da reprodução assistida heteróloga, são abordadas por Maria Helena Diniz, dentre elas a negação ao filho do direito a identidade genética, pois o doador ficará incógnito: apenas a equipe médica saberá a procedência do material fertilizante. 15 Maria Cláudia Crespo Brauner relata a importância de a criança ser tratada dignamente, independentemente se conviva com pais biológicos ou socioafetivos, O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser estendido a toda a criança que venha a nascer através da biotecnologia. Ela deve dispor das condições indispensáveis para nascer e viver em ambiente familiar e com pessoas que as queiram. O afeto é necessário para alimentar o espirito e o alimento para manter a saúde física. A criança deverá ter direito à convivência familiar saudável, e seu bem estar dever ser assegurado acima de qualquer outro interesse, mesmo em conflito com os interesses de seus pais, sejam eles biológicos ou afetivos. 16 Não há o que se questionar quanto ao princípio norteador de nossa Constituição, pois o mesmo é o garantidor de que todo o cidadão deve ser tratado como um ser único em um universo cheio de particularidades. Existe uma corrente minoritária que focando na condição da criança e tentando compreender a sua situação para com o pai biológico, Flávio Tartuce, refere: A argumentação dessa corrente, tida como minoritária, é pela prevalência do direito do filho, diante dos princípios do melhor interesse da criança, da proteção integral, da igualdade entre filhos (art. 227, 6.º, da CF) e da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, da CF). Por esse caminho, eventual ação investigatória seria procedente e o filho teria direitos sucessórios e alimentares em relação ao pai biológico. 17 No que tange ao direito de todo o ser humano saber de suas origens e ter acesso à mesma, Paulo Lôbo enfatiza: 15 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.p.694. 16 BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e Reprodução Humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de janeiro: renovar, 2003. p. 94,95 17 TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p.824/825. 5

O direito ao conhecimento da origem genética não está coligado necessária ou exclusivamente à presunção de filiação e paternidade. Sua sede é o direito da personalidade, que toda pessoa humana é titular, na espécie direito à vida, pois as ciências biológicas têm ressaltado a insuperável relação entre medidas preventivas de saúde e ocorrências de doenças em parentes próximos, além de integrar o núcleo da identidade pessoal, que não se resume ao nome. 18 E conclui, fazendo uma menção aos filhos nascidos de técnicas de reprodução assistida heteróloga: Por outro lado, a inseminação artificial heteróloga não pode questionar a paternidade e a maternidade dos que a utilizaram, com material genético de terceiros. Em suma, a identidade genética não se confunde com a identidade da filiação, tecida na complexidade das relações afetivas, que o ser humano constrói entre a liberdade e o desejo. O direito dos filhos à convivência familiar, tido como prioridade absoluta pela Constituição Federal (art. 227), construído no dia a dia das relações afetivas, não pode ser prejudicado por razões de origem biológica. 19 O direito à identidade genética seria o de saber suas origens, ter acesso a sua árvore genealógica, conhecer suas raízes e poder conviver com seus parentes próximos. Ter informações sobre a saúde de seus ascendentes, para que possa prevenir-se de enfermidades futuras tanto na área física, como a área psíquica e até mesmo evitar a relação sexual entre consanguíneos. 20 5 PRIVACIDADE DO DOADOR É necessário observar o direito do doador de manter-se no anonimato, de ter a sua identidade civil mantida em sigilo. No que diz respeito à relação dos pais com a criança, fruto desse procedimento, Maria Claudia esclarece, É sabido que os pais não devem ocultar da criança a sua condição, nos casos envolvendo tanto a adoção quanto o recurso ao doador de gametas, tendo em vista que a criança que se desenvolve em um lar bem formado, sendo conhecedora dessa condição, recebendo amor de seus pais, certamente iria assimilando a sua historia peculiar. 21 18 LÔBO, Paulo Direito civil : famílias. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 2011. p.227 19 LÔBO, Paulo Direito civil : famílias. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 2011. p.228 20 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 9. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014.p.695. 21 BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e Reprodução Humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de janeiro: renovar, 2003. p. 89. 6

O anonimato do doador é garantia de sua autonomia, de seu livre arbítrio em querer ser um doador e dar condições de uma família se formar a partir de seu gesto. A ideia que o fruto da técnica tenha acesso a informações do doador em busca de sua identidade genética, evidencia o vinculo biológico, pensamento esse já impróprio para a formação das famílias atualmente, uma vez que está ganhando espaço a paternidade afetiva. 22 De acordo com a resolução do CFM n.º 2.013/2013, que ampara a técnica de reprodução assistida no que diz respeito às normas éticas e à esfera da doação de gametas ou embriões, declara, em sua seção IV, n. 2 e 4: 2 - Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. 3 (...) 4 - Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e embriões, bem como dos receptores. Em situações especiais, as informações sobre doadores, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador. 23 O doador, que de livre e espontânea vontade doa o seu material, é sabedor da finalidade do mesmo, contudo, não tem a intenção se tornar pai de uma hora para a outra, não tem a intenção de estabelecer vínculo com a criança, tampouco irá conhecer a mulher que se tornará mãe. A responsabilidade é dos interessados que se utilizam desse meio para obter a finalidade da gestação, sendo mantida a inviolabilidade da intimidade do doador. 24 Na atual legislação, não há lei que regulamente o direito da busca pela identidade genética, do fruto da reprodução assistida heteróloga. Alguns projetos de lei até tramitaram no congresso nos anos de 2003 e 2004, defendendo o direito da criança ter acesso a informações no que diz respeito a sua origem genética, mas nenhum com 22 BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e Reprodução Humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de janeiro: renovar, 2003. p. 89 23 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.013/2013. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2013/2013_2013.pdf. Acesso: 05 set. 2015. 24 NAMBA, Edison Tetsuzo. Manual de bioética e biodireito. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 149/150. 7

êxito. O que se tem é uma resolução do CFM, que garante o sigilo do doador no que tange a sua identidade. 25 Diante da inexistência de legislação específica fica uma lacuna em relação aos direitos debatidos e o conflito dos princípios. A questão a ser abordada exige que seja analisada minunciosamente cada parte, pois cada direito é intimo e peculiar, estão em jogo questões bem importantes, direitos ordem moral e social, sendo necessária uma regulamentação, legislação que não deixe desamparada esses direitos. 5 CONCLUSÃO O artigo trata da discussão acerca da inexistência de previsão legal para solucionar o conflito que emerge da reprodução assistida heteróloga, uma vez que o direito à identidade é inquestionável, da mesma forma que não se pode negar a importância do direito ao sigilo do doador. Para que seja dado tratamento adequado ao assunto, faz-se necessária uma análise nos princípios norteadores da Constituição, em contraponto ao que está regulado pelo Conselho Federal de Medicina, que garante apenas o sigilo do doador. Entretanto, tal medida é insuficiente, sendo fundamental a criação de normas específicas para conferir maior segurança jurídica aos envolvidos. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso:10 ago. 2015.. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso: 10 ago. 2015. BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e Reprodução Humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 25 SILVA, Jackeline De Melo da. Inseminação Heteróloga: Direito a identidade genética x Direito ao Sigilo do doador. Silva. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=13192. Acesso: 09 set. 2015. 8

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.013/2013. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2013/2013_2013.pdf>. Acesso: 05 set. 2015. DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. MOREIRA FILHO, José Roberto. Os novos contornos da filiação e dos direitos sucessórios em face da reprodução humana assistida. In: GUERRA, Arthur Magno e Silva (Org.). Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: America, 2005. NAMBA, Edison Tetsuzo. Manual de bioética e biodireito. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2015. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 7. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2009. SÁ, Maria de Fatima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Manual de Biodireito. 2. ed. Belo Horizonte: 2011. SILVA, Jaqueline de Melo da.inseminação Heteróloga: Direito a identidade genética x Direito ao Sigilo do doador. Disponível em <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=13192>. Acesso: 09 set. 2015. TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família. 9. ed. São Paulo: método, 2014., VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2009. WALD, Arnoldo; FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Direito civil: direito de família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 9