Registro: 2014.0000255943 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0344158-58.2009.8.26.0000, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante IMOBILIARIA E CONSTRUTORA CONTINENTAL LTDA, é apelado SANDRA APARECIDA FERREIRA (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA). ACORDAM, em do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento parcial ao recurso, nos termos que constarão do acórdão. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOÃO CARLOS SALETTI (Presidente) e CARLOS ALBERTO GARBI. São Paulo, 29 de abril de 2014 Roberto Maia RELATOR Assinatura Eletrônica
APELAÇÃO n 0344158-58.2009.8.26.0000 Compromisso de compra e venda. Rescisão postulada pela compromissária compradora. Sentença de procedência. Recurso da ré vendedora. Devolução de 80%, retendo-se 20% dos valores pagos para ressarcimento dos custos operacionais da vendedora. Cabimento. Aplicação do CDC. Correção monetária desde cada pagamento, nos moldes da Tabela Prática do TJSP. Má-fé da apelante não caracterizada. Recurso provido apenas quanto ao início dos juros, que fluirão somente a partir da citação, sem alteração nos encargos sucumbenciais. VOTO n 7472 RELATÓRIO: Trata-se de ação de rescisão contratual proposta por Sandra Aparecida Ferreira em face de Imobiliária e Construtora Continental Ltda. Alega a autora, em resumo, que firmou com a ré compromisso de compra e venda de lote urbano, mediante entrada de R$ 3.452,00 e preço final de R$ 63.552,00. O saldo devedor seria pago em 150 prestações, que se iniciou com parcela de R$ 266,00 em maio/96 e subiu para R$ 403,45 em 2003. Com isso, em razão da onerosidade excessiva das parcelas, requereu a rescisão do contrato e a devolução de 80% das parcelas pagas. Sobreveio sentença de fls. 499/504, cujo relatório se adota, que julgou procedente a ação para declarar rescindido o contrato entre as partes e determinar a devolução de 80% das parcelas pagas, devidamente atualizadas pela Tabela Prática do TJSP e com juros de 1% ao mês desde o desembolso pela autora. Honorários de sucumbência fixada em 10% sobre o valor da causa. Apela a empresa ré pleiteando a reforma, alegando (A) inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; (B) a devolução de 80% do valor pago pela apelada foi embasada em cláusula que
inexiste no contrato; (C) a correção monetária correta aplicada ao caso é com base no IPC-FIPE e não IGP-M/FGV; (D) aplica-se ao caso a Lei 6.766/79 referente aos loteamentos; (E) que devem ser descontadas das quantias pegas pela apelada todas as despesas relativas ao custo operacional do imóvel; (F) a apelada faz jus somente à 20% do valor pago sem incidência de correção monetária ou juros de mora haja vista sua culpa exclusiva na rescisão contratual. Houve contrarrazões pugnando pela litigância de máfé da apelante, bem como a manutenção do decidido. O recurso foi regularmente processado. FUNDAMENTAÇÃO: Destaca-se, em primeiro lugar, que esta Egrégia Corte vem reiteradamente decidindo pela possibilidade de resolução do contrato, mesmo ante o descumprimento do promissário comprador, restituindo-se às partes a mesma situação em que se encontravam antes da celebração do negócio jurídico, com a restituição de parte das parcelas pagas. Tanto é assim, que este Egrégio Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 01, segundo a qual o compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem. Essa é, também, a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa abaixo transcrita:
PROMESSA DE VENDA E COMPRA RESILIÇÃO DENÚNCIA PELO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA INSUPORTABILIDADE NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES - O compromissário comprador que deixa de cumprir o contrato em face da insuportabilidade da obrigação assumida pode promover a ação a fim de haver a restituição das importâncias pagas, deduzido o quantum correspondente às despesas administrativas suportadas pela promitente vendedora. Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido. (Resp 317940/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 04.11.04). Por conseguinte, ao contrário do que alega a recorrente, prevalece, in casu, o Código de Defesa do Consumidor, eis que caracterizada a relação de consumo entre as partes. Desse modo, ante a existência de regras conflitantes entre o CDC (o qual veda, em seu artigo 53, a perda total das parcelas em favor do credor quando da rescisão do contrato) e a Lei nº 6.766/79, deve aquele prevalecer, por ser lei posterior e, ainda, de ordem pública, sem contar o fato de que o enriquecimento sem causa viola princípio geral de direito. Ademais, aplicável também o artigo 924 do CC/16 (art. 413 do CC/2002), que permite ao juiz reduzir a cláusula penal no caso de inadimplemento, com base no princípio da proporcionalidade e no caso de cumprimento parcial da obrigação. Fixados tais parâmetros, observo que aqui a autora, ora apelada, pleiteou a devolução de 80% dos valores pagos (fls. 22), o
que foi consagrado pela a r. sentença que determinou a devolução nos moldes pleiteados (fls. 504). Quanto a este percentual das parcelas pagas a ser restituído, de fato a jurisprudência tem se manifestado no sentido de ser razoável o desconto de 20% a título de ressarcimento pelos custos administrativos, e não poderia ser de outra forma haja vista ausência de comprovação nos autos das despesas alegadas pela apelante. A respeito do tema confira-se a lição do Ministro Sálvio de Figueiredo contida no Recurso Especial n 45.226-0-RS (in RSTJ 71/318), não bastasse precedente contido na Apelação Cível n 140.560/1-00-SP, cuja ementa oficial está assim redigida, verbis: "Compromisso de compra e venda - Cooperativa - Incorporação imobiliária - Rescisão por desistência - Devolução integral das parcelas pagas Inadmissibilidade - Desconto de 20% como ressarcimento dos custos administrativos previsto no contrato e admitido na lei - Aplicação do art. 413 do CC (antigo art. 924 do CC de 1916) - Condição para devolução - Inadmissibilidade - Excessiva, onerosidade - Sentença mantida Apelos improvidos" (in JTJ 271/68). Tal devolução, outrossim, deverá ocorrer em parcela única, segundo o previsto na Súmula nº 2, deste Egrégio Tribunal, cujo enunciado segue: A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser
feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição. Também não assiste razão à apelante com relação à aplicação do índice de correção monetária do IPC-FIPE. Os débitos judiciais se corrigem indistintamente mediante uso da tabela prática aprovada pelo TJSP. No que diz respeito à alegação de litigância de máfé, feita nas contrarrazões, esta não se mostra procedente, pois no caso concreto a apelante não praticou nenhuma das ações descritas no artigo 17 do Código de Processo Civil. Termos em que, somente num único (e pequeno) ponto o recurso fica provido. Embora a correção monetária das parcelas a serem devolvidas incida desde cada pagamento original (pois atualização monetária não é acréscimo, mas mera manutenção do poder de compra da moeda), conforme fixado na sentença, os juros, todavia, se iniciarão somente a partir da citação, ocasião em que se iniciou a mora da apelante. apelada foi vencida em parte ínfima. Sem alteração nos encargos sucumbenciais, pois a Por derradeiro, buscando dar efetividade aos princípios da celeridade, economia e razoável duração do processo, e, na tentativa de evitar uma já costumeira oposição indiscriminada de embargos declaratórios (acarretando, eventualmente, a multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do CPC), ficam registradas as seguintes observações: (1) quanto ao prequestionamento, têm-se por
expressamente ventilados neste grau de jurisdição todos os dispositivos constitucionais e legais citados na apelação e nas contrarrazões, não sendo preciso transcrevê-los um a um, nem mencionar cada artigo por sua identificação numeral; e (2) a função do julgador é decidir a lide e apontar direta e objetivamente os fundamentos que, para tal, lhe foram suficientes, não havendo necessidade de apreciar todos os argumentos deduzidos pelas partes, ao contrário do que sucede com os peritos judiciais, que respondem individualmente aos quesitos ofertados nos autos. Sobre o tema, conferir na jurisprudência: STF, 1ª Turma, Emb. Decl. no Ag.Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo nº 739.369/SC, rel. min. Luiz Fux, j. 5/11/2013; STF, 2ª Turma, Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 724.151/MS, rel. min. Cármen Lúcia, j. 15/10/2013; STJ, 2ª Turma, AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 383.837/RS, rel. min. Humberto Martins, j. 17/10/2013; e STJ, 3ª Turma, AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 354.527/RJ, rel. min. Sidnei Beneti, j. 22/10/2013. DISPOSITIVO: recurso. Diante do exposto, voto pelo parcial provimento do ROBERTO MAIA Relator