Legitimação e ditadura: A propaganda comercial em foco



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Legitimação e ditadura: A propaganda comercial em foco David A. Castro Netto. * Resumo: Este artigo tem como objetivo compreender um dos caminhos que a ditadura militar brasileira utilizou no permanente processo de legitimação do Estado de Segurança Nacional, a propaganda comercial televisiva. Acentuada pelo milagre-brasileiro, uma onda grande de produtos surge no mercado nacional, esses novos produtos têm como alvo principal a classe média. Nesse contexto, as propagandas comerciais profissionalizam-se e começam a ter papel de destaque na cena nacional. Diferente de estudos realizados tendo como objeto as propagandas vinculadas pela agência do governo, a AERP, nosso artigo tem como ponto inicial as propagandas vinculadas pela televisão e como estas vinham comungar com o regime militar. Palavras Chave Ditadura, propaganda, legitimação Abstract: This article has the purpose of comprehending one of the ways that Brazilian military dictatorship used in the permanent process to legitimate the National Security State: the television commercial advertisement. Minimized for Brazilian miracle, a big quantity of products appeared at national trade and they are directed to the middle class. On this way, the advertisement became a professional thing and got national prominence. On a different way from other studies which had the objective to talk about govern advertisement AERP- this job has the initial point on TV advertisements and how they were linked to military dictatorship. Key words: Dictatorship, advertisement, legitimate. INTRODUÇÃO Este artigo tem como objetivo ajudar o entendimento de um destacado período caracterizado pelo regime de exceção que viveu o Brasil, a ditadura militar (1968-1980). Dos muitos aspectos que vêm sendo pesquisados, vamos nos concentrar na propaganda institucional via AERP e daremos uma atenção especial à propaganda comercial veiculada pela televisão. Trabalharemos com a hipótese de que assim como propaganda institucional via AERP, tinha idéia de criar um clima de harmonia e de civilidade no Brasil, a propaganda comercial, via agências de publicidade comerciais, também trabalhou com esse intuito. * Universidade Estadual de Maringá Mestrando do Programa de Pós Graduação. 1

NOVOS PANORAMAS NA SOCIEDADE Segundo NOVAIS (1998), novos padrões de consumo instalam-se na sociedade brasileira num período de 50 anos, de 1930 a 1980, com um grande salto nos anos de 1950 até 1980. Os anos que vão de 1950 a 1980 nos interessam especialmente, nesse período é que são implantadas mudanças significativas no padrão de consumo e no aumento na diversificação de ofertas para o mercado brasileiro. No período em destaque é que começa a transformação do panorama de consumo: a indústria de eletrodomésticos ganha impulso com a produção de liquidificadores, o ferro elétrico torna-se uma realidade, o fogão a gás de botijão veio tomar o lugar do fogão elétrico na casa dos ricos, e o de carvão na casa dos pobres. Outros produtos que trouxeram conforto vão paulatinamente se tornando comuns, tais como: o chuveiro elétrico, a batedeira, o secador de cabelos, a máquina de barbear, o aspirador de pó e a enceradeira. No aspecto alimentar uma onda de inovação traz para a rotina da população novas maneiras de comprar alimentos: comidas, como o arroz, o feijão, o açúcar, as farinhas de trigo, de rosca e mandioca, agora já vinham embaladas em sacos plásticos. Os alimentos enlatados como o extrato de tomate, as ervilhas, palmitos, azeitonas, legumes picados, leite condensado, achocolatados e o creme de leite, também já eram comprados com facilidade. O consumo de bebidas é igualmente alterado, surge a cerveja em lata, a vodca, o rum e o uísque importado e nacional, além dos vinhos do Rio Grande do Sul. No campo da higiene pessoal, ou da casa, surgem grandes novidades, o bom bril e o sabão em pó, substituindo a antiga palha de aço. Na higiene pessoal, avanço significativo, como a popularização do uso da escova de dente para a população mais carente, a pasta de dente que substitui o sabão ou o bicarbonato de sódio, a proliferação no uso de desodorantes, dos shampoos, para as mulheres surge o modess, substituindo o tradicional paninho. Os avanços dos produtos são acompanhados pelas novidades no sistema de comercialização. As duas grandes novidades foram os supermercados e o shopping center. Junto com eles, nascem também as lojas de departamento como a Mesbla e o Mappin, que buscam atender a uma faixa da população com um poder aquisitivo mais baixo. A indústria da moda é remodelada com a produção em massa de roupas sintéticas, tornando o uso barato e disseminado, ficando agora as roupas de linho, seda e algodão para as classes mais abastadas. 2

A indústria farmacológica, embora em menor escala, acompanha toda essa evolução, os remédios naturais vão sendo substituídos pelos industriais. Existe uma verdadeira revolução dos antibióticos, combatendo as doenças que eram o terror dos brasileiros: a sífilis e a tuberculose. Enquanto os homens foram abandonando o uso dos ternos, reservados para ocasiões especiais ou para àqueles que a profissão justificava o uso continuo, agora a calça jeans e as camisetas estampadas começa a exercer sua hegemonia, as mulheres incorporam algumas vestimentas masculinas, como as próprias calças jeans e as camisetas com estampa, além do uso dos tênis e de havainas. Para NOVAIS (1998:560):... entre 1959 e 1979, a sensação era a de que faltava dar uns poucos passos para finalmente nos tornamos uma nação moderna Nesse momento a televisão adentra na vida da sociedade brasileira, segundo HAMBURGER (1997:448) em 1970 cerca de 24% dos domicílios brasileiros dispõem de aparelhos de televisão. Com a nova organização da economia no país, se fez necessário regularizar uma nova maneira de distribuir informações e em 1965 é criado o CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações), que imporia restrições à televisão e ao rádio, prezando para que estes fossem mais cristãos e seus programas não afetassem a família e a moral. A televisão representa a modernidade que os militares queriam trazer para o país, ela exibia uma sociedade opulenta, consumista e progressista, muito embora uma parcela restrita da população pudesse ter acesso direto àqueles produtos anunciados. DITADURA E PROPAGANDA A ditadura usou de vários meios de comunicação para expressar os benefícios do seu regime, entretanto a televisão representava muito do que os militares queriam fazer o povo sentir, ou seja, a modernização do país. No período militar uma agência pública era responsável pela propaganda pró governo, AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas) tinha um caráter diferente dos órgãos de propaganda dos tempos de Getúlio (o DIP). A criação dessa agência não ocorreu de forma linear, existia dentro do meio militar uma disputa interna: os militares moderados, representados por Castello Branco e Geisel, eram contra a criação do órgão, a chamada linha dura, representada por Costa e Silva e Médici, diziam que existia a necessidade de mostrar a população os resultados do governo. 3

Segundo FICO (1997), os militares da linha dura venceram a disputa, e em 15 de novembro de 1968 é criada a AERP (Assessoria Especial de Relações Públicas) que seria responsável pela divulgação das ações governamentais e chefiada pelo coronel Hernani D Aguiar. Porém nesse curto período de chefia do Coronel Hernani, a AERP não funcionou como o previsto, além de sua produção ser rarefeita, tornou-se um órgão extremamente oficial e não ganhou a simpatia da população. Em Outubro de 1969, assume a chefia da AERP o Coronel Octávio Costa. Nesse momento ocorre uma verdadeira profissionalização das produções e dos profissionais envolvidos, para alguns analistas como CAPARELLI (1982) as realizações da AERP inauguram a mais ampla propaganda de governo que já havia existido no Brasil, ou ainda, para SKIDMORE (1994, p. 222), A AERP se transformara na operação de relações públicas mais profissional que o Brasil já vira. Octávio Costa não compôs o perfil clássico dos oficiais militares do período. Para LIMA (1997), ele acreditava nos princípios que nortearam o movimento de 1964, ligado ao grupo moderado, era um grande apreciador de literatura, com uma excelente escrita além de uma grande habilidade para discursar, entendia que as campanhas e contestações contra o regime deveriam ser respondidas com campanhas que motivassem o sentimento de amor, participação e consciência patriótica. Podemos ainda salientar que o sucesso da segunda fase da AERP ia ao encontro da cena econômica que o Brasil viveu, a partir de 1969 o milagre-brasileiro está em marcha, os índices de crescimento giram em torno de 11% ao ano, ocorre um aumento na taxa de consumo, a expansão do crédito privado acelera a dispersão da televisão e amplia a sua influência através da propaganda do governo. Nesse momento existe um clima de euforia e de otimismo pairando sobre a nação, a AERP soube explorar e canalizar este clima para suas produções, segundo LIMA (1997:84): Propaganda nenhuma, sozinha, por melhor que seja, não sustenta nem garante popularidade para governo algum. Assim, os novos princípios que norteariam o trabalho da AERP, segundo FICO (1997), passavam por criar bases para uma leitura do país, permeando o otimismo com relação aos rumos econômicos do Brasil em contraposição ao pessimismo dos opositores do regime. Entretanto, todo esse sucesso da AERP não pode escapar de uma explicação política, ALVES (2005) entende que o AI-5 trouxe consigo um uso desproporcional na utilização da repressão, com suspensão dos principais direitos e a institucionalização da censura, isto 4

favorecia não somente a construção de uma propaganda unilateral, mas a ausência de qualquer tipo de crítica que poderia ser feita. A influência da agência é estendida até as agências comerciais, LIMA (1997:91) diz:... a AERP chegou a se reunir com os anunciantes objetivando o fim desse tom violento de publicidade, e buscando redirecionar a propaganda comercial dentro de limites mais ou menos consoantes com o espírito que órgão queria imprimir nos meios de comunicação. Octávio Costa fazia críticas duras à propaganda comercial através de artigos publicados no Jornal do Brasil. Nesses artigos, ele critica o tom excessivamente violento dos anúncios comerciais. Assim, as propagandas comerciais tenderam a aderir ao projeto, Analisaremos a seguir como esse tom de propaganda oficial foi levada para a propaganda comercial PROPAGANDA COMERCIAL E DITADURA Muito mais que um puro exercício de arbitrariedade a escolha da propaganda televisiva como objeto de estudo se faz por alguns motivos: de maneira geral, a propaganda teve na televisão um impulso gigantesco, de certa maneira, ela foi o meio escolhido para se propagarem as idéias do Brasil grande e moderno que os militares tanto queriam que nós acreditássemos. Este período escolhido não foi também de todo arbitrário, neste momento também começam a aparecer no país agências de publicidade, de início estrangeiras como McCann Erikson e a J. W. Thompson, o começo de uma grande profissionalização dos publicitários brasileiros e a formação das agências que hoje são de grande destaque internacional, podemos citar: Washington Olivetto e Nizan Guanáes, outro dado importante é levantado por CAPARELLI (1982:65) em 1973, 1,3% do PIB era representado pelas propagandas. ROCHA (1985), mostra de que maneira a propaganda faz com que um produto impessoal e igual a todos os outros de sua linha de produção, ao adentrar no mundo do consumo, se torna único, pessoal, extremamente necessário, com perfil e nome próprio. Para o autor, esta é uma das funções básicas da propaganda, alienar sobre o modo de produção e suas implicações. Ainda, a propaganda exerce uma função quase mítica, onde geralmente, existe uma pequena história, com um grande desfecho onde o produto é a chave para a solução dos problemas do consumidor. 5

Segundo Jean-Noël Jeanney (apud, René Remmond, 1996) a opinião pública é de fundamental importância na manutenção e continuidade do governo estabelecido, desta maneira, as propagandas podem ser vistas como meios para atingir essa meta, ou seja, de certa forma, as propagandas comerciais com fins unicamente de venda de produtos, podem ter atuado indiretamente para o fortalecimento do sistema e da opinião pública. No Brasil, com o advento do milagre econômico, novo produtos inundavam o mercado, artigos antes tidos como de luxo, agora eram populares e através desse processo de separação trabalho consumo, o destaque nunca recaía sobre as formas adotadas pelos economistas brasileiros. Acreditamos que as agências de propaganda foram influenciadas pelo General Otávio Costa, quando era responsável pela AERP. Segundo LIMA (1997) este acreditava que as propagandas deveriam ser calmas, que criassem um clima de paz na nação e que os problemas tidos com os contestadores do regime poderiam ser resolvidos de maneira tranqüila, perseguição ou censura. Algumas propagandas ilustram este pensamento, citaremos aqui três exemplos que elucidam bem o que foi descrito acima: A propaganda da Volkswagen Brasília, de 1970, a do automóvel Volkswagen Fusca de 1970 e a propaganda do FORD Galaxie de 1970. A propaganda da Volkswagen Brasília mostra um clima de paz, tranqüilidade, e também de acomodação. A propaganda é baseada na poesia Quadrilha de Carlos Drumond de Andrade. Várias de pessoas apaixonadas umas pelas outras, todas de classe média, mas que não agiam no sentido de se encontrarem, todas estavam satisfeitas somente pelo fato de estarem andando em seus automóveis. O narrador da propaganda acrescenta à cena: Margarida que amava Beto, que amava Lú, que amava Danilo. Danilo amava Mila, que amava Rodi, que amava Elisa, que amava Giba. Giba amava Tânia, que amava Cláudio, que amava Denise, que amava Eduardo, que amava Maria. Maria amava Dudu, que amava Priscila, que também amava Dudu. E cada um vive feliz a sua maneira. Encerrando a propaganda com a frase Brasília, o carro que todos amam. É importante notar que no comercial as pessoas se viam, se encontravam, mas não manifestavam o sentimento, ou mesmo, a disposição para a ação no sentido de mudar a situação. O elo entre os apaixonados era representado pelo automóvel, de certa maneira, as pessoas se sentiram mais próximas umas das outras, tendo em comum o carro em destaque. 6

Acreditamos que essa era uma das idéias, que algumas propagandas criavam na população, a de acomodação, pelo fato de estarem podendo consumir. Outra propaganda que se mostra muito interessante para o nosso contexto é do automóvel Fusca de 1970. A propaganda começa com uma grande seqüência de imagens da planície amazônica, aparecendo os rios e a densa mata, com uma clareira aberta e uma música imponente, quando a música pára de tocar, o narrador diz: Esta é a Transamazônica, a obra da conquista definitiva de uma das regiões mais ricas do mundo. Sem descanso, homens e máquinas lutam contra a selva, contra o clima, para dar ao Brasil a sua maior obra rodoviária, mas o esforço e a vitória serão recompensados, dentro de pouco tempo por aqui rodarão confortavelmente quaisquer veículos com toda segurança. Agora, porém, nenhum carro, somente tratores e motos-niveladoras se aventuram nessas condições de terreno e neste inferno. Em meio a estas frases, as imagens da destruição da mata pelos citados tratores, a reorganização da paisagem, ganhando uma aparência do que seria uma estrada vão se sobrepondo até que o tom da música muda para um nível mais romântico e agradável, ao fundo surge o automóvel Fusca rodando por terrenos inóspitos e recém construídos, mostrando que a modernização já estava chegando. Esta propaganda também exerce uma função dupla, ou seja, mostra aos telespectadores, através de imagens fortes e de uma série de elogios, o futuro grandioso que a construção da rodovia trará para o Brasil. O apego à modernidade, tão necessário para o projeto de desenvolvimento dos militares, a exaltação da grandiosidade da região, como nos diz o narrador:... a conquista de uma das áreas mais ricas do planeta..., exibe a necessidade e a importância do investimento que estava sendo realizado. Nosso último exemplo é também ligado aos automóveis, o Ford Galaxie, com uma propaganda intitulada O som do silêncio. A propaganda mostra uma família passeando em seu carro novo, o pai dirige e a mãe cuida atenciosamente da filha que dorme no banco de trás. Entretanto, paira um silêncio no ambiente durante praticamente toda a propaganda até chegarem a um ponto onde um barulho começa a despertar o interesse dos ocupantes do veículo. Os vidros são abertos e a criança acorda assustada com o barulho de uma banda, o narrador então diz: O Galaxie é mais silencioso porque é mais bem construído, e você mesmo pode sentir isso. O Galaxie é o seu refugio de silêncio e conforto nesse mundo tão agitado. 7

Podemos inferir nessa propaganda um incentivo para que as pessoas não se preocupem, ou não devessem se preocupar com as coisas que ocorrem fora da órbita de seus relacionamentos, de suas casas, enfim, das coisas que se passam no mundo fora de seu lar. A viabilidade dessa situação de tranqüilidade em meio a um processo agressivo, integra um sentido irreal da propaganda, a tranqüilidade dentro do automóvel, ou ainda, dentro dos novos padrões de consumo, pode ser vista como um refúgio em meio aos acontecimentos reais da sociedade naquele momento. Com estes exemplos, podemos dizer que existe um dualismo, onde as pessoas que assistem a propaganda, vivendo sobre a época mais obscura do país, em contrapartida, assistem a propagandas como as mostradas nesse ensaio, onde a paz, a tranqüilidade, a modernidade e o crescimento da nação reinam absolutas, sempre viabilizadas por um produto. CONCLUSÃO: Após a solidificação do golpe, a propaganda não foi abandonada, mas sim profissionalizada. A agência do governo, AERP, canalizou o otimismo da população, representado mais agudamente nos anos do milagre brasileiro para criar campanhas que mantivessem a população unida em volta do projeto dos militares. Todas essas proposições giram em torno do processo de legitimação que se tornou necessário buscar a todo tempo, criar um consenso em torno do que estava acontecendo no Brasil. Era necessário justificar não exclusivamente o uso do Estado por um governo que tinha chegado até lá por fins não democráticos, mas também a perseguição dos ditos terroristas e de todos aqueles fossem tidos como perigosos aos ideais do regime. Mais uma observação pode ser reafirmada: a falta de um retorno da sociedade, impedido pelo AI-5, forneceu munição para as críticas contra as campanhas governamentais. Na ausência de um contraponto, a agência predominava. Comungamos com CARVALHO (2003), quando nos diz dessa intensa oscilação que ocorre no período destacado, na mesma medida que a ditadura perseguia as liberdades e os direitos civis, ela aumentava os amortecedores sociais, como o FGTS e o Funrural, buscando a criação e manutenção de legitimidade. Entendemos que uma das formas de atingir esse consenso era também através das propagandas. Essas propagandas não precisavam ser necessariamente oficiais, demonstramos exemplos de como a ditadura utilizava mecanismos que, a primeira vista, não eram 8

controlados por ela, mas que no fim ela colhia os dividendos na forma de manipulação da opinião pública e de consenso social. Assim, a propaganda comercial, mesmo a primeira vista, não partindo diretamente do governo, ajudou na criação de um falso sentimento de harmonia e prosperidade na sociedade. A classe hegemônica fez uso dela para ajudar a conter forças sociais que na realidade rumavam para um confronto direto. Os exemplos contidos nesse artigo mostraram algumas confluências entre os ideais que nortearam os rumos da AERP e as propagandas produzidas em agências comerciais. Através dessas propagandas, criava-se à idéia de que o país caminhava a passos largos para o primeiro mundo. O processo de separação entre trabalho e consumo exercido pela publicidade ocultava as lutas que eram travadas por detrás dos produtos. BIBLIOGRAFIA ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil (1964-1984). Bauru: Edusc, 2005. CAPARELLI, Sérgio. Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre: L&PM, 1982 CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: O longo caminho. 4ª Ed, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003. CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. 5ª Ed, Rio de Janeiro: Campus, 1997. DIAS, Reginaldo. Sob o signo da Revolução Brasileira: A experiência da Ação Popular no Paraná. Maringá, EDUEM, 2003. DOMENACH, J. M. Propaganda Política. 1ª Ed, São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1955. FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: Ditadura, propaganda e imaginação social no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997. GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. 2ª Ed, Rio de Janeiro: Graal, 1980. HAMBURGUER, Ester. Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano. In: NOVAIS, F; SCHWARCZ, Lilia. História da vida privada no Brasil, vol. 4. São Paulo: Companhias das Letras, 1998. P. 439-488. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: O breve século XX. Companhia das Letras, São Paulo, 1995. LIMA, Odair de Abreu. A tentação do consenso: O trabalho da AERP e o uso dos meios de comunicação como fontes de legitimação dos governos militares (1964-1974). 1997. 180 f. Dissertação (Mestrado História Social), PUC-Campinas, Campinas, 1997. NOVAIS, Fernando. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: NOVAIS, F; SCHWARCZ, Lilia. História da vida privada no Brasil, vol. 4. São Paulo: Companhias das Letras, 1998. P. 559-659. RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e capitalismo: Um estudo antropológico da publicidade. São Paulo, Brasiliense, 1985. SAUVY, Alfred. A Opinião Pública. 1ª Ed, São Paulo: Difusão Européia do livro, 1959. SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo, 1964-1985. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. 9