Roda de Conversa: Mudanças Climáticas. Documento Síntese Versão 1 (8.jun.2014)



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Transcrição:

Roda de Conversa: Mudanças Climáticas Documento Síntese Versão 1 (8.jun.2014) Local do Evento: Areté Centro de Estudos Helênicos (São Paulo) Data: 8 de maio de 2014 Horário: 14h00 17h30 Expositores: -Sr. Carlos Rittl: secretário-executivo do Observatório do Clima. -Prof. Dr. Eduardo Viola: professor titular do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). -Prof. Dr. José Goldemberg: doutor em Física, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro das pastas de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente. -Prof. Dr. Luiz Gylvan Meira Filho: Doutor em astrogeofísica pela Universidade do Colorado, EUA, graduou-se em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Foi co-presidente do Grupo de Trabalho Científico do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) e vice-presidente do Painel. Mediador: - Roberto Kishinami: físico, foi diretor-executivo do Greenpeace no Brasil, é sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabildiade IDS e consultor na área de conservação de energia e fontes renováveis. Presentes: Conselheiros do IDS: João Paulo Capobianco, Marina Silva, Maria Alice Setubal. Equipe do IDS: Daniela Ades, Fabio de Almeida Pinto, Felipe Staniscia e Juliana Cibim. Convidados Presentes: - Amanda Segrini - Andrea Catão - Cristina Azevedo - Carlos Vicente - Guilherme Cortez -Juliana Duran Almeida Prado - José Eli da Veiga - Juliana Secchi - Leandro Caetano - Linda Saba - Marcelo Cappola - Márcio Santilli - Nacy Ferruzzi Thame - Patricia Perez - Raquel Rosemberg - Ricardo Abramovay - Ricardo Lima - Savana Pires - Thais Almeida da Costa

INTRODUÇÃO O Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) promoveu, no dia 8 de maio de 2014, Roda de Conversa sobre Mudanças Climáticas, visando subsidiar a construção de diretrizes e propostas para o tema, que tem papel transversal e de grande importância em relação aos eixos da Plataforma Brasil Democrático e Sustentável. O evento, mediado por Roberto Kishinami, associado do IDS, contou com exposições de Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, de Eduardo Viola, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, de José Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro das pastas de Ciência, Tecnologia e do Meio ambiente do Governo Federal, e de Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e que ocupou o cargo de co-presidente do Grupo de Trabalho Científico do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). Também participaram do debate a equipe do IDS e convidados. O evento realiza-se em um momento chave para as discussões acerca das mudanças climáticas no mundo. Recentemente, a concentração de CO 2 na atmosfera ultrapassou 400 ppm 1, tida como um limite para evitar consequências catastróficas causadas pelo aquecimento global. Ao mesmo tempo, as negociações internacionais patinam. Países relutam em assumir compromissos relevantes, o que se reflete na ausência de decisões que evidenciem a urgência do tema para as condições de vida humanas. Visando estruturar o debate, o IDS propôs tês questões norteadoras aos expositores, que são apresentadas a seguir: 1- Para vários analistas, entre as COPs de Buenos Aires e Copenhagen, houve uma evolução na posição brasileira nas negociaçõesclimáticas no âmbito da UNFCCC, seja pela liderança no processo de inclusão de florestas, seja pela assunção de compromissos de redução voluntária de emissões. Qual sua avaliação sobre essa análise? 2- Os países signatários da UNFCCC têm até a COP 21 em Paris, no fim de 2015, para chegarem a um novo acordo para redução de emissões a partir de 2020. Quais as características deste acordo que precisa ser construído? Como o Brasil pode contribuir neste processo? 3- Vivemos em um mundo multipolar. Os acordos multilaterais são elementos de coesão neste ambiente global, porém de negociações complexas e extremamente lentas. Considerando a urgência da ação necessária para enfrentar a crise climática, como compatibilizar o multilateralismo com o fato de que apenas 18 países (considerando a UE como um país ) respondem por 90% das emissões de GEEs? Durante a Roda de Conversa, emergiram consensos e pontos a serem aprofundados em discussões futuras, refletidos no texto síntese que se segue. 1 http://www.theguardian.com/environment/2013/may/10/carbon-dioxide-highest-level-greenhousegas

PARTE I Exposições Carlos Rittl Carlos Rittl destaca a importância do tema para o Brasil diante de alguns eventos extremos já observados e que devem se intensificar, com impacto na vida de milhões de brasileiros. É importante que o país conecte seu modelo de desenvolvimento às mensagens científicas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), colocando-se num trilho de segurança, seja do ponto de vista da trajetória de emissões, seja do ponto de vista da necessidade de adaptação às mudanças climáticas. Dados do Observatório do Clima indicam que o Brasil reduziu suas emissões de cerca de 2,8 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa (GEEs) em 2004, para cerca de 1,5 bilhão de tonelada de GEEs em 2012, como resultado do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM). A partir deste grande avanço, as emissões por mudanças no uso da terra, energia e agropecuária passaram a se posicionar no mesmo patamar, com tendência de crescimento das duas últimas. Na opinião do expositor, a principal mensagem advinda dos relatórios do IPCC é que ainda dá tempo de agirmos para manter o aumento de temperatura limitado a 2ºC. A tendência é que, apesar das dificuldades, algum acordo emerja da Conferência das Partes (COP) de Paris, em 2015. E a maior contribuição do Brasil neste acordo seria no âmbito da mitigação. Em relação à adaptação, o acesso a recursos é improvável diante de nossa posição favorável em termos de desenvolvimento em relação a outros países que sofrerão impactos ainda mais severos das mudanças climáticas. Espera-se que, no início de 2015, os países estejam aptos a indicar a escala de compromissos que colocarão na mesa para redução de emissões a partir de 2020, bem como o processo a ser percorrido para atingir essa meta, de forma a chegar a 2050 com emissões equivalentes a 20% do patamar de 1990. O Brasil não deve esperar que outros países tomem as decisões. O país tem uma matriz renovável de energia elétrica e reduziu o desmatamento de forma relevante. E há, ainda, outras oportunidades potenciais que devem entrar nos planos do país para assumir essa posição de avanço, tais como a energia solar, tecnologia propícia a ser adotada no país, porém pouco difundida em comparação com países como Alemanha e China. A próxima gestão do governo brasileiro tem a oportunidade de definir qual a trajetória que será adotada, começando pelo compromisso que colocar para Paris. Para tal, é possível e necessário que se promova um amplo debate, envolvendo todos os setores da sociedade, para pensar o país no logo prazo, de forma que, além de contribuir com os esforços globais, possamos lidar com os riscos e oportunidades das mudanças climáticas de maneira responsável e estratégica. Eduardo Viola O Prof. Eduardo Viola inicia sua intervenção ressaltando dois erros histórios do Brasil no processo climático. O primeiro deles foi o Brasil aliar-se à China e Índia na divisão dos países no Protocolo de Quioto entre Anexo 1, isto é, aqueles que assumiam compromissos de redução, e

Anexo 2. O segundo foi o alinhamento à União Européia pela exclusão do carbono florestal na negociação de Quioto, acreditando não ser possível a redução do desmatamento da Amazônia. Esta redução do desmatamento veio a ocorrer entre 2005 e 2009, representando um avanço extraordinário. O Brasil era, até então, o único país de renda média com elevadas taxas de desmatamento. Todos os demais eram países pobres. Na sequência, e também como resultado deste grande avanço material, houve a aprovação da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), tornando o Brasil o primeiro país fora da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com planos de limitação de emissões de carbono. Portanto, até 2009 o país vive um momento especial no ciclo do carbono, de grande evolução. Entretanto, a partir dali e, mais notoriamente, desde 2011, o retrocesso tomou conta da agenda. A PNMC não é consistentemente implementada, com exceção de alguns avanços na agricultura de baixo carbono. Portanto, em relação à primeira questão norteadora, a posição brasileira passou de uma grande evolução para uma estagnação e até retrocesso. Talvez a PNMC venha a assumir sua devida importância no futuro, com o Ministério Público cobrando a administração pública por seu não cumprimento, conforme 2020 se aproxime. Em relação à segunda pergunta norteadora, o expositor não considera a COP 21 de Paris um grande marco. Isso porque há, no núcleo do sistema internacional, o predomínio de países com posições conservadoras em relação à mitigação das mudanças climáticas. Os Estados Unidos, a despeito da posição reformista de Barack Obama em relação ao clima, enfrenta barreira republicana no Congresso para a aprovação de acordos vinculantes. A Europa, tradicionalmente com atitude positiva em relação ao clima, luta contra uma crise que não deve se solucionar até 2015. A China, maior emissora mundial, apesar de avanços relevantes, ainda não aceitaria uma estabilização das emissões no curto prazo, que seria uma condição de pressão para que os Estados Unidos mudassem sua posição. E, por fim, a Índia, que apesar de emissões totais elevadas, ainda tem emissões per capita baixas, e entende que não pode constranger seu crescimento econômico de curto prazo por questões climáticas. A Rússia unese à Índia para formar o dueto de países mais conservadores em relação a ações contra as mudanças do clima, embora outros países, como Canadá, tenham também regredido consideravelmente. A transição do sistema internacional para uma economia descarbonizada só poderia ser feita pela liderança dos países que se encontram no centro deste sitema (EUA, China, União Europeia). Portanto, o que pode haver de positivo em Paris é uma oferta voluntária por parte dos países com diferentes níveis de comprometimento, o que está longe de reduzir o gap existente entre ciência e economia política. Seria algo similar com o que ocorre no comércio global, com declínio da Organização Mundial do Comércio (OMC) e emergência do plurilateralismo, seguindo a lógica das cadeias globais de valor. Inclusive pode haver intersecção entre as duas mais importantes negociações em curso (Estados Unidos/Europa e Parceria Trans-Pacífica) e questões relativas ao controle de emissões. De alguma forma, o Brasil pode contribuir de maneira relevante com as negociações, mas não liderá-las. Primeiramente, o país deve sair do G-77 e o BASIC, aglomerados de países que são conservadores em relação ao clima e que não se alinham aos interesses brasileiros. Ademais, o

país deve encaminhar questões internas que fundamentem as posições externas de descarbonização, redirecionando sua política energética para fontes renováveis, por exemplo. Em relação à terceira pergunta norteadora, o futuro das negociações parece ser um clube descarbonizante dentro do G20, provavelmente formado por União Europeia, Estados Unidos, China, Brasil, Indonésia, Japão, México e Coreia do Sul, em contraponto a Rússia, Índia, e Arábia Saudita. Por fim, o expositor considera que o novo modelo de desenvolvimento deve ser, não apenas de baixo carbono, como também adaptado aos eventos climáticos extremos, já em parte inevitáveis no contexto atual. Instituições como a defesa civil e as forças armadas podem desempenhar papel fundamental nesta situação. José Goldemberg O Prof. José Goldemberg relembra o processo que originou o Protocolo de Quioto, iniciado na Conferência RIO 92. Ali, embora o professor, então representante do governo brasileiro nas questões ambientais, defendesse uma proposta de acordo entre os 10 países que tinham grande representatividade nas emissões, o melhor acordo possível era aquele de divisão do mundo em dois blocos, aqueles com compromissos e aqueles em desenvolvimento que não assumiriam metas. O então vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, parece ter subestimado que, no campo interno, dificilmente passaria pelo senado um acordo com essas características, sem a participação de países que ganham importância em relação às emissões, como China. E o único caminho correto é o de corte das emissões. A Rússia veio a ratificar o Protocolo, pois era fácil cumprir suas metas, em razão de uma base de emissão elevada da época do regime soviético, o que gerou o chamado hot air. O Brasil, no momento em que propõe uma redução de emissões sobre uma projeção ascendente justificada pelo business as usual, toma postura similar, pouco funcional no auxílio à transição a uma economia de baixo carbono. As atuais batalhas relevantes para o combate às mudanças climáticas estão sendo travadas internamente em cada país, e não no cenário internacional. O cenário internacional apenas ratificaria as posições consolidadas por batalhas internas. Na China, por exemplo, há uma classe emergente que começa a se preocupar com a poluição, embora muitos desenvolvimentistas ainda defendam o crescimento econômico a qualquer custo. No Brasil, o Estado de São Paulo apresentou metas reais após a COP 15 em Copenhague, não relativas, mas absolutas, num formato similar àquelas aprovadas pela União Europeia. O governo federal, aparentemente para não ficar numa situação embaraçosa, então propôs as metas relativas, que não endereçam efetivamente a questão da redução das emissões absolutas. A presença do então presidente Lula e o contexto de pressão por avanços fez com que o governo desse declarações positivas em relação a um acordo vinculante, que não se materializaram posteriormente. Desde então, os compromissos do Brasil foram esvaziados, ganhando contornos como os da Declaração de Durban, que não passam de intenções.

Portanto, a resposta às questões norteadoras passa pela batalha interna nos países, no caso do Brasil, propulsionada pelo processo eleitoral que se aproxima. E o Brasil pode ter uma posição de liderança sobre países em desenvolvimento, pois tem um exemplo magnífico de redução de emissões por combate ao desmatamento. Os países em desenvolvimento da África, Ásia e Américas são a maioria nessas assembleias e olham muito o que o Brasil tem feito até agora. O Brasil deveria tentar recapturar a liderança que ele exerceu em 1992, marcada por: (i) (ii) Um presidente da república que efetivamente demostre entender o problema e se posicione; Ministros e auxiliares que efetivamente convençam os países chaves a participar desse esforço. No campo internacional, a alternativa poderia ser a seguinte; ao invés de ter um G194, ou G18 como é proposto, tenhamos um G2, composto por Estados Unidos e a China, que representam cerca de 60% das emissões globais. Um acordo entre esses dois países poderia levar à extensão do acordo sobre os demais. Supondo que a China e os Estados Unidos adotassem posição clara, as importações e as exportações poderiam ser taxadas por seu conteúdo de carbono. A significante parcela da produção chinesa exportada para os Estados Unidos resulta em emissões elevadas, provavelmente o que o governo americano faria se realmente levasse a sério o tema é taxar compostos com alto conteúdo de carbono. Luiz Gylvan Meira Filho O Prof. Luiz Gylvan inicia sua exposição ressaltando que, para estabilizar a temperatura, há de se estabilizar a concentração de CO2, e para estabilizar a concentração só pode colocar na atmosfera o mesmo tanto que sai. A conta é simples: se tomamos 1990 como referência, sabemos quanto carbono vai para os oceanos, então para parar de aumentar tem que só colocar esse tanto na atmosfera, o que significa uma redução das emissões globais de 60% em relação 1990 e de quase 80% em relação aos níveis atuais. Desde 1990 nada se fez de relevante, e as emissões já aumentaram 25%. Reduzir quase 80% não é pouca coisa, e a atmosfera não distingue de onde vêm as emissões. Governantes que queiram garantir a qualidade de vida de suas populações terão todo interesse em reduzir as suas emissões e insistir que o outro reduza, fazendo uso, inclusive, de armas de comércio, já que a própria OMC está começando aceitar a importância das cláusulas ambientais que foram colocadas sob a presidência do embaixador Rubens Ricupero anos atrás. Essa preocupação com a sociedade sob seus governos foi a lógica que fez com que vários estados do nordeste dos Estados Unidos conseguissem uma vitória contra o governo federal americano para obrigar a agência de proteção ambiental americana a regular emissão de CO 2, com o argumento de que não fazê-lo representaria um prejuízo às suas populações estaduais. Em relação ao processo que levou ao Protocolo de Quioto, particularmente na construção do Mandato de Berlin, onde se dividiu os países em dois blocos, o fato é que os países ainda em desenvolvimento não tinham inventários, de forma que não concordavam em falar sobre um indicador que eles não podiam estimar. No caso da China e da Índia, especialmente, por conta das emissões de metano de arroz irrigado, para as quais não havia contabilidade, e, no caso do

Brasil, não se sabia quais eram as emissões do desflorestamento, apenas passíveis de estimativa posteriormente. No caso específico das florestas, havia pressão de alguns países que queriam comprar para si créditos pela absorção de CO 2 da atmosfera pelas florestas em crescimento no mundo, da ordem de 2 bilhões de toneladas de carbono por ano. Isso é algo natural, nos Estados Unidos é porque houve muito corte de florestas, e elas estão se regenerando, e em muitos países do mundo é por causa do efeito do aumento do CO 2 na atmosfera, que também aumenta a remoção pelas matas. Pedir crédito pra isso é o mesmo que pedir crédito para o CO 2 absorvido pelo mar. No campo das negociações internacionais, é importante que existam marcos, como Copenhague em 2009 ou Paris em 2015. Mas não se pode esperar que tudo seja resolvido nesses encontros. E é evidente que a redução de emissões não pode e nem deve ser igual para todos os países. A convenção fala em responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e a discussão central é saber qual o critério de diferenciação. Há três propostas que já foram colocadas na mesa até hoje: (i) (ii) (iii) Um critério implícito (do que em inglês se chama grandfather ) que essencialmente diz o seguinte: quem polui mais tem mais direito de poluir, ou seja, mantém-se a memória do valor atual. Esse critério é usado em negociações internacionais, em direito de pesca e outras coisas, mas não funciona em mudança de clima porque deixaram países que hoje emitem zero com nenhuma probabilidade de emitir. Um direito original de cada habitante do planeta de emissão per capita, partindo do princípio de que somos todos iguais quem quiser emitir mais que pague um que emita menos. Isso soa utópico e é inviável, mas o preocupante é que a Índia vem defendendo este critério por ter uma população de mais de 1 bilhão de habitantes. O princípio do poluidor pagador, ou seja, vamos repartir o ônus entre os países na exata proporção da contribuição de cada um deles para o tamanho do problema. Isso vem sendo difundido recentemente pelo governo brasileiro, e virou oposição do G77 + China, e a União Europeia passou a olhar isso seriamente somente agora. Em relação à possibilidade de um acordo com um número reduzido de países, porém de grande relevância para as emissões globais, conforme citado pelos professores Eduardo Viola e José Goldemberg, pode ser um primeiro passo. O Protocolo de Montreal, por exemplo, para resolver o problema da camada de ozônio também começou concentrado nos países que produziam clorofluorcarbonos. O controle de tecnologia de uso duplo, ou seja, tecnologia que tem aplicações bélicas, tais como nuclear, guerra química, guerra biológica, todos os acordos se iniciaram envolvendo exclusivamente os países que tinham a capacidade, o domínio dessas tecnologias, e depois, naturalmente, houve a adesão de outros países. Embora as diplomacias não reconheçam em nenhum momento, advogando por decisões universais, as discussões necessariamente ocorrerão entre grupos pequenos de países, por ser a única forma de haver uma negociação real. PARTE II Debate

Eduardo Viola reafirma a importância ressaltada por ele e os demais expositores a respeito da aproximação e negociação entre Estados Unidos e China, inclusive retratando negociações que já ocorrem, aparentemente, de forma secreta entre os governos. A União Europeia já espera por um acordo, de forma que, quase que automaticamente, se tornaria um acordo entre as 3 principais fontes de emissões globais. Portanto, o centro do sistema estaria sinalizando um processo que poderia se desencadear, de fato, para os demais países, a despeito da presença de atores fortes do lado oposto, como Índia e Rússia. O envolvimento de outras nações além dos Estados Unidos e China mostra-se importante na medida que as emissões conjuntas dessesdois países revelam-se ser equivalentes a 42% das emissões globais, isto é, a extensão de um eventual acordo bilateral para um clube de países é fundamental para que resultados expressivos sejam alcançados. 1ª Rodada de Participação dos Convidados Márcio Santilli contrapõe a inviabilidade de um acordo relevante na COP de Paris, exposta por Eduardo Viola, considerando que, a partir do momento que Estados Unidos e China chegam a uma situação objetiva que lhes permita reduzir emissões, passa a ser absolutamente imprescindível para esses países chegar a um acordo vinculante planetário. Isto porque, caso contrário, não apenas o efeito climático da eventual redução se esvai, como também esses países não teriam condições de fazer valer as vantagens econômicas potenciais de uma condição como essa. Quando a situação objetiva dos países se inverterem, poderíamos ver o partido republicano americano ou o partido comunista chinês na vanguarda da retórica a favor da redução de emissões. Ricardo Abramovay considera que não está fazendo parte da discussão os efeitos já conhecidos da revolução digital no campo energético, o que alguns chamam de internet da energia, que emerge com uma força extraordinária. O potencial das revoluções trazidas pelos serviços energéticos e tecnologias como a geração de energia solar, eólica, de maré, entre outras, são exponenciais. Neste sentido, os efeitos da revolução digital não mudam basicamente o raciocínio feito pelos expositores, em função de uma situação inédita revolucionária que vai mudar os termos em que o debate é feito? Respostas à 1ª Rodada de Participação dos Convidados Eduardo Viola, em resposta a Márcio Santilli, concorda que os Estados Unidos e a China têm melhores condições de redução de emissões. O primeiro de maneira mais intensa, pois já vê suas emissões reduzirem pela revolução do gás de xisto, o que quebra a até então forte resistência do empresariado a acordos climáticos internacionais. Na China, apesar de avanços no conhecimento e dos defensores de uma economia de baixo carbono, o caminho para a inversão do modelo de desenvolvimentista parece ainda longo. Não há indícios de que a China adote o cenário de pico das emissões no curto prazo e posterior compromisso de redução, o que seria fundamental tanto para os resultados globais de eventuais acordos, pela relevância das emissões chinesas, quanto para que os Estados Unidos aceitassem um acordo

internacional vinculante. Assim, há avanços nas forças descarbonizantes ao redor do mundo, porém estas ainda não se mostram dominadoras. Em relação ao questionamento de Ricardo Abramovay, Viola concorda que a literatura e as discussões enfatizam a inércia do sistema energético. Há todo um sistema energético, uma infraestrutura, associado ao combustível fóssil, representando uma economia política da resistência à revolução descarbonizante. José Goldemberg diz, em relação ao questionamento de Ricardo Abramovay, que os avanços não são apenas marginais. Sobretudo a partir da biomassa e da energia do calor do sol estão produzindo mudanças que dentro de 10 ou 20 anos tendem a revolucionar o mercado. As companhias energéticas convertem-se, cada vez mais, em empresas de serviços. Essa tendência é potencializada pela valorização da conservação da energia, que já ocorre em muitos países, como Estados Unidos e Europa. Por fim, essa revolução que já ocorre nos Estados Unidos com o gás de xisto mostra como uma nova tecnologia pode mudar o cenário. O país já se encontra na curva descendente de emissões. A China deve ter seu pico próximo a 2023, de forma que um acordo escalonado pode ser a melhor alternativa para que este país aceite compromissos vinculantes. Carlos Rittl considera que, embora a COP de Paris não seja a solução de todos os problemas, a sociedade civil tem o papel de pressionar para que se chegue ao melhor acordo possível, que preveja compromissos progressivos dos países do ponto de vista de reduções de emissões e marcos da evolução do nível destes compromissos, direcionando o Brasil a uma trajetória mais segura do ponto de vista de clima. Entretanto, o que se tem visto é que a lógica da convenção e seus compromissos têm um caráter punitivo, o que gera dificuldades no processo. Os países sentam-se à mesa de negociação tentando ceder o mínimo possível. Um resultado positivo de Paris poderia ser uma combinação entre aspectos de um compromisso mandatório, isto é, metas de redução de emissões, com mecanismos que elevassem a recompensa para os países ou para setores que contribuíssem com reduções significativas, de forma que se não dependa apenas desse aspecto punitivo. Em relação ao questionamento de Ricardo Abramovay, Carlos Rittl destaca que dentro dos próximos 5 anos ou 10 anos, redes de energia com a mesma lógica inteligente de redes de internet já estarão à nossa disposição. Representará, ao mesmo tempo, uma solução de redução de emissões e de geração de energia e distribuição de energia de forma mais eficiente. A questão de armazenagem de energia também sofrerá uma revolução nos próximos anos, com baterias muito mais eficientes do que aquelas que nós temos hoje. Portanto, a conta do clima ela não vai ser fechada somente através dos compromissos dos países. Luiz Gylvan considera que o Brasil ainda não internalizou realmente a questão das mudanças do clima. No momento em que o país entender suas responsabilidades e tomar ações para atingir metas consistentes de transição a uma economia de baixo carbono, o Itamaraty terá subsídio para apresentar uma posição contundente no mercado internacional e cobrar ação de outras nações, já que a atmosfera é compartilhada e a competitividade da indústria nacional não pode ser prejudicada neste contexto.

2ª Rodada de Participação dos Convidados Marina Silva inicia sua intervenção dizendo que o Brasil tem potencial de liderar o processo, caso essa liderança seja exercida pelo exemplo, como já fez com a questão do desmatamento. Na situação, o país gerou, de certa forma, um constrangimento ético em Copenhague, antecipando-se aos demais com metas. E, no momento em que se dilui dentro do G77, o país passa a liderar o atraso, provocando um estrago enorme, assumindo um protagonismo fortemente negativo. Adicionalmente, a discussão se pautou muito na discussão sobre a COP de Paris em 2015, porém, até lá, haverá a COP de Lima em 2014. Parece que essa conferência no Peru representa apenas um intervalo, uma escala para Paris, sem qualquer expectativa relevante. José Eli da Veiga considera que pouco se falou de uma questão política fundamental. Quando se chegar à possibilidade de termos algum acordo razoável na trilha oficial, não pode ser um prolongamento de Quioto. Isto porque este acordo se apoia em dois pontos altamente questionáveis. O primeiro deles é a questão das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Eticamente, só se pode responsabilizar um país por seu dano ao meio ambiente a partir do momento que a ciência passou a estabelecer uma ligação clara entre as emissões e as mudanças climáticas. Isso ocorreu no fim da década de 1990, quando da criação do IPCC em 1988, portanto não é correto culpar as gerações passadas por um fato que não tinham conhecimento e passar a fatura para as gerações atuais destes países. O segundo ponto é que o Protocolo de Quioto bloqueia a possibilidade de taxação do carbono, portanto qualquer acordo bilateral ou plurilateral que se estabeleça deve ter isso em conta, o que dificulta o cenário de possibilidades de abertura de excessão no comércio internacional. Portanto, as forças do setor empresarial e terceiro setor deveriam focar na pressão por um acordo que extingua Quioto, e que pode resultar nas bases iniciais de um acordo bilateral entre Estados Unidos e China, conforme já discutido pelos expositores. João Paulo Capobianco, na linha do que foi dito por Marina Silva, questiona se não estamos subestimando a importância dos processos multilaterais, colocando todo o peso de uma ação relevante em um eventual acordo entre Estados Unidos e China. A RIO 92 ou a COP 15 em Copenhague tiveram grande alcance, com presença de chefes de Estado de todo o mundo. Considerando que os processos multilaterais são os únicos nos quais é possível haver a participação e a interferência dos setores não governamentais, incluindo o empresariado, já que numa relação bilateral isso é muito mais difícil, opaco e menos transparente, como ficaria o processo de participação e contribuição dos movimentos sociais, da opinião pública, do conjunto das forças da sociedade se nós reduzirmos a solução a uma negociação bilateral? Respostas à 2ª Rodada de Participação dos Convidados Eduardo Viola, em resposta aos questionamentos, considera que Lima faz parte de um processo multilateral já esgotado, inclusive como demonstra a perda de força da OMC nos últimos anos frente aos acordos bilaterais ou plurilaterais. As ambições dos países não serão apresentadas em Lima. Em linha com o que foi dito por José Eli da Veiga, o expositor Viola considera que o foco do empresariado e das organizações da sociedade civil deveria ser o de influenciar o processo de descarbonização da economia brasileira, deixando de gastar energia

nas negociações multilaterais internacionais. Diante dos bloqueios encontrados nos países no centro do sistema, o único acordo vinculante que pode ser implantado parece ser que cada país seja obrigado a ter suas metas, propostas por eles mesmos, como ofertas unilaterais individualizadas. E, logicamente, as ofertas combinadas, neste caso, não seriam suficientes para endereçar a questão climática global. O que se pode fazer como país é fortalecer suas bases descarbonizantes e liderar coalizões para tal. Aumentar a interação entre as organizações da sociedade civil, a academia e o empresariado é um caminho fundamental. Fazendo isso, teremos voz no mundo para, inclusive, influenciar os grandes atores globais. Não perderíamos tempo com a multilateralidade, faríamos muito mais política bilateral, impulsionando o plurilateralíssimo descarbonizante, os tratados de livre comércio plurilaterais descarbonizantes. Isto é o oposto do que faz o Itamaraty, que mantém um discurso aberrante isolacionista, com medo do Tratado de Livre Comércio do Atlântico Norte, porque vai ter cláusulas descarbonizantes ambientais mais rígidas. Luis Gylvan concorda que Paris não deve resultar em acordos vinculantes, mas lembra que as reduções efetivas ocorrem, sobretudo, no âmbito das empresas atuantes nas sociedades capitalistas e a partir de ações das pessoas que as dirigem. O governo poderia ajudar, por exemplo, no setor energético, fazendo leilões gerais que dão vantagens a propostas de menor emissão de gases de efeito estufa. No caso do Brasil, as empresas, de forma individual, têm muito a ganhar em um mundo onde as emissões de carbono sofrem restrições. O aço ecológico e as tecnologias relacionadas, já dominadas pela indústria nacional, são um exemplo. Carlos Rittl, em relação aos questionamentos de Marina Silva, lembra que não existe alternativa ao processo multilateral quando se fala de participação e, sobretudo, de adaptação às mudanças climáticas. Os países que dependem de adaptação apoiam-se, fundamentalmente, nas decisões que serão tomadas no âmbito das Nações Unidas em relação ao acesso a recursos, por mais que existam acordos bilaterais. Sobre a posição brasileira, Rittl diz que país colocará na mesa de negociação uma contrapartida aos progressos das políticas que adotar internamente. Por outro lado, uma evolução positiva no processo de negociação internacional também pode criar condições para importantes avanços no Brasil. Uma eventual liderança assumida pelo país passa por mudança neste cenário interno, com foco em inovação e desenvolvimento de baixo carbono. Não podemos nos apoiar para sempre em nossa matriz elétrica relativamente limpa ou na redução do desmatamento que conseguimos na década passada. O momento é outro e o país deve assumir suas responsabilidades num acordo que venha a substituir Quioto. Isso passa pela inclusão das mudanças climáticas no centro do modelo de desenvolvimento nacional, com mecanismos como a reforma tributária verde, por exemplo. Carlos Rittl ainda considera que os processos multilaterais demandam revisão. A própria metodologia de deliberação, por consenso entre mais de 190 países, faz com que as propostas aprovadas sejam regidas pelo mínimo denominador comum. Mas hoje não temos alternativa e, diante da urgência de soluções para o desafio das mudanças climáticas, ainda continua sendo um fórum de decisões fundamental, seja do ponto de vista de mitigação, a despeito do risco de não solução do problema, seja do ponto de vista de adaptação.

3ª Rodada de Participação dos Convidados Ricardo Abramovay lembra que a guerra da mudança climática é mais sagrenta do que parece, por envolver interesses econômicos de muitas partes. Um exemplo disso foi quando a ANEEL aprovou a geração distribuída de energia e devolução à rede, com abatimento da conta, há mais de dois anos, e até agora não está regulamentada de forma adequada para operacionalização. Isso mostra que temos muitos assuntos internos a lidar. O convidado ainda questiona Eduardo Viola sobre sua posição em relação ao movimento de precificação do carbono ao redor do mundo, que já conta com adesão de parte relevante do empresariado global. Como se daria esse mercado? Márcio Santilli considera que COPs menos midiáticas, como no caso da COP 20 em Lima, são oportunidades para se plantar sementes e dar voz à sociedade, que chegará a Paris mais fortalecida em suas demandas. Lima pode ser vista, portanto, como uma etapa nesse sentido, um momento preciso de retomada da mobilização, visto que a sociedade civil está desmobilizada desde Copenhague. João Paulo Capobianco traz alguns números que ilustram a necessidade de o Brasil fazer sua lição de casa. (i) O Brasil tem 9,6 milhões de metros quadrados de coletor solar para aquecimento; a China tem 217 milhões, isto é, 22 vezes mais; (ii) O Brasil tem 2.2 GW de capacidade de energia eólica instalada, a China tem 75 GW, ou seja, 34 vezes mais. (iii) Em relação à energia fotovoltaica, o Brasil tem 7,5 MW, a China tem 15,6 GWs, isto é, 2.000 vezes mais. Respostas à 3ª Rodada de Participação dos Convidados Eduardo Viola responde ao questionamento de Ricardo Abramovay ressaltando que as empresas querem ter visibilidade na regra no cenário inevitável de redirecionamento econômico para a descarbonização, por isso se tornam a favor de precificar o carbono, inclusive dotadas de uma ideia de aquisição de vantagem competitiva pelo setor em que estão. Trata-se de uma tentativa de aumentar o espectro de visão para o longo prazo. O expositor entende que, dentre as metodologias disponíveis, o tributo tem mais vantagens que o cap and trade, por permitir maior previsibilidade e, portanto, acelerar o processo de transição, além do fato de possuir custos de transação mais baixos. Em nível nacional, entretanto, dada a inviabilidade de um imposto global sobre o carbono, poder-se-ia distribuir cotas de emissões (caps) e os tributos funcionarem como mecanismo de manutenção das emissões dentro desse padrão assignado. Isso aceleraria extraordinariamente a descarbonização. Por fim, o expositor ressalta que considera um grande retrocesso que o Brasil tenha relançado a doutrina das responsabilidades históricas na COP de Varsóvia. Na linha do que fora dito por José Eli da Veiga, isso é eticamente reprovável e é o que há de mais conservador no mundo. China, Índia, África do Sul seguem esta linha, tentando estabelecer linhas de base muito antes

de a ciência determinar que as emissões de CO 2 estavam causando dano relevante ao meio ambiente e às sociedades pelas mudanças climáticas. Luis Gylvan relembra, em complemento às metodologias de precificação do carbono citadas por Eduardo Viola, que, na prática, a versão mais razoável e mais moderna de aplicação, que vem sendo usada pela Europa e também consta em projeto de lei americano aprovado na câmera de deputados, estabelece um sistema de crédito de cap and trade, mas dizendo que as permissões de emissões seriam leiloadas, o que é equivalente a um imposto. Portanto, uma forma moderna é uma mescla das duas metodologias. Pontos a serem discutidos futuramente PARTE III Encerramento Como posicionar o Brasil num contexto internacional de esvaziamento das negociações multilaterais e predomínio de processos bilaterais e plurilaterais, particularmente na questão da redução das emissões de gases de efeito estufa? Partindo do conceito de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, qual deve ser a posição brasileira em relação aos critérios de diferenciação? Consensos e conclusões que possam ser incorporados à Plataforma É fundamental que sejam adotados acordos vinculantes com resultados consideravelmente superiores àqueles atingidos pelo Protocolo de Quioto. Multilaterais, bilaterais ou plurilaterais, o importante é que tais acordos envolvam as nações com maiores níveis de emissão e que ainda não possuem metas mandatórias, notadamente Estados Unidos e China. A transição a um modelo de desenvolvimento de baixo carbono deve incorporar questões relativas à adaptação às mudanças climáticas, haja visto os eventos climáticos extremos já inevitáveis com a concentração de CO 2 atual na atmosfera. Questões relativas à adaptação devem ser discutidas de forma multilateral, por impactarem países que não necessariamente respondem por volume considerável de emissões. No âmbito das negociações multilaterais da UNFCCC, o Brasil deve se posicionar na vanguarda dos países descarbonizantes, em contraponto à posição recente de alinhamento ao G77+China e de conservadorismo em relação à inclusão de cláusulas socioambientais nos acordos comerciais internacionais. O Brasil deve realizar ações internas que embasem suas posições externas de redução de emissões de gases de efeito estufa. A liderança pelo exemplo, como no caso do combate ao desmatamento, e um posicionamento alinhado aos desafios da transição a uma economia de baixo carbono são fundamentais para suportar uma posição internacional contundente e que influencie outras nações.

As organizações da sociedade civil, a academia e o empresariado devem aumentar seu grau de interação com intenção de potencializar ações internas de redução das emissões de carbono e levar ao posicionamento positivo do país num contexto de cadeias produtivas globais de baixo carbono.