Adolescência e contemporaneidade



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Transcrição:

340 Adolescência e contemporaneidade Gloria Sadala Psicóloga, psicanalista,doutora em comunicação pela UFRJ, coordenadora do mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade e do Curso de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica e prática clínico-institucional da Universidade Veiga de Almeida. Professora do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC/RJ. Eliana Julia Garritano Psicóloga, psicanalista, mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela UVA (Universidade Veiga de Almeida), Fonoaudióloga e psicomotricista. Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar um recorte da pesquisa desenvolvida no programa de pósgraduação do Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida. Este projeto, sob coordenação e orientação da Profª Gloria Sadala, congrega pesquisadores interessados nas investigações sobre a adolescência e contemporaneidade e há alguns anos vem desenvolvendo estudos visando aprofundar o conhecimento sobre as questões referentes a esta temática. A eleição do tema decorreu da prevalência que o significante adolescência assume no discurso cultural, buscando correlacionar, no campo da psicanálise, a adolescência e a cultura do corpo no mundo contemporâneo. Palavras-chave: psicanálise, adolescência, corpo, contemporaneidade. Abstract The objective of this work is part of a research program developed at the postgraduate Master of Professional Psychoanalysis, Health and Society at the University Veiga de Almeida. This project, under the coordination and guidance of Prof. Gloria Sadala brings together researchers interested in research on adolescence in a contemporary setting and a few years ago has developed studies to deepen our understanding of issues relating to this subject. The election theme resulted from the significant prevalence in adolescence takes on cultural discourse, seeking to correlate the field of psychoanalysis, adolescence and culture of the body in the contemporary world. Keywords: psychoanalysis, adolescence, body, contemporary.

341 Adolescência: conceitos e controvérsias A pesquisa sobre a adolescência é recente, e somente nas últimas décadas surgiram trabalhos e publicações sobre o assunto. Na atualidade as questões teóricas e conceituais sobre a adolescência têm ocupado um grande espaço na sociedade contemporânea. O que se entendia como um tempo de transição entre infância e o mundo adulto, parece estar mudando consideravelmente nos dias atuais. Vem ocupando espaços na mídia, na educação, na saúde, nos estudos jurídicos, nos textos acadêmicos. Encontramos diferentes propostas conceituais para a adolescência sendo o seu conceito polêmico por atravessar diferentes práticas em diferentes campos de atuação. O fenômeno da adolescência, concomitante com a puberdade, possui em sua expressividade múltiplos aspectos, uns constantes e outros variáveis, estando intimamente articulado à história e à cultura, em suas transformações progressivas. Qualquer que seja a formulação conceitual, sempre estará voltada para uma ótica sociohistórica por sua conexão com questões econômicas, sociais, religiosas e políticas, questões estas produtoras de significados simbólicos e construções subjetivas. O conceito de adolescência configura um campo não unívoco, pelos questionamentos que daí emergem, não havendo, portanto, uma concordância a seu respeito. Ora é caracterizado como uma produção cultural da modernidade, ora como um tempo na constituição do sujeito, ora como uma etapa evolutiva de desenvolvimento. Pensamos que adolescentes sempre existiram, em diferentes épocas e culturas, porém com roupagens e significados outros. Da antiguidade ao mundo contemporâneo podemos encontrar referências a este tempo. Se outrora a adolescência não suscitava questionamentos, sendo considerada uma etapa transitória entre a infância e a vida adulta, hoje seu conceito parece estar em constante reformulação frente às rápidas transformações culturais. Por possuir interfaces teóricas, produz não só interrogações como um fenômeno, mas, também, uma demanda de posicionamento teórico frente a tantas vicissitudes. Embora a localização do período etário denominado adolescência, sugerida por Ariès (1981), se refira ao sec. XVIII, como uma decorrência das noções de família e infância podemos encontrar, desde a antiguidade, referências ao tempo da juventude. Na Grécia clássica, com os modelos para educação de jovens guerreiros e efebos, na mitologia na figura de Ícaro, nos escritos de Santo Agostinho, na iconografia renascentista e nos ritos de passagem em tempos longínquos, encontramos referências que demarcavam uma transição, através de comportamentos e práticas específicas. A tentativa de conceituar a adolescência toma contornos mais delineados a partir do sec. XIX, vindo a se afirmar no sec.xx. Eric Hobsbawm (2002) denomina este século como a Era dos Extremos, era caracterizada de um lado por grande revolução sócio cultural e avanços tecnológicos e, por outro marcada por catástrofes, incertezas e crises. As duas grandes guerras, a guerra fria, as múltiplas guerras civis em nome do poder econômico, retomam práticas da violência e banalização da vida através do retorno ao cenário mundial do holocausto e do genocídio. É neste cenário que o conceito de adolescência se afirma. Pela própria necessidade cultural, a juventude passa a ocupar um lugar de idealização coletiva. Como imagem ideal, o adolescente torna-se depositário de atributos como: força, beleza, felicidade e vigor. Tal qual a Fênix, traz a possibilidade de fazer renascer das cinzas uma cultura fratura. Embora o conceito de adolescência não seja um conceito fundamental em psicanálise, sua temática vem ocupando um campo de reflexão teórica. Acreditamos que a adolescência possa ser reconhecida como um fenômeno cultural articulado à constituição do sujeito, pois segundo a psicanálise o sujeito é constituído no seio de sua cultura através de múltiplas identificações. Emergindo na puberdade é um fenômeno possuidor um tempo lógico e peculiar, com profundas reorganizações subjetivas, tanto imaginárias quanto simbólicas que apontam para o Outro. Estas reorganizações decorrem da retomada do conflito edípico e do despertar pulsional implicando

342 em dois trabalhos psíquicos: o encontro com o real do sexo e o desligamento dos pais da infância. Frente a tão laborioso percurso o fenômeno da adolescência pode ser conceituado em uma dupla vertente. A vertente da realidade interna, pelos lutos que precisa viver dos os primeiros objetos de amor e da imagem do corpo que se transforma. A vertente externa, nas demandas culturais, em uma contemporaneidade que engloba a cultura do corpo e da imagem, o consumismo, a evolução massiva da globalização, os avanços tecnológicos e o individualismo. Os parâmetros desta pluralidade e transitoriedade acarretam um solo cultural movediço de identificações, devido à ambigüidade implícita no papel social do sujeito adolescente e, conseqüentemente, apontam para uma possível dificuldade em estabelecer um conceito único para a adolescência. O Sexo e o mal estar na adolescência Na pesquisa sobre adolescência e contemporaneidade não poderíamos deixar de abordar as questões principais relativas ao novo encontro com o real do sexo que ocorre na adolescência. Os resultados obtidos na investigação deste tema especifico foram apresentados no curso avançado intitulado A Sexualidade na Aurora do século XXI promovido pelo Programa de Pós-graduação em Psicanálise do Instituto de Psicologia da UERJ e integrou a publicação do livro em 2008, sob este mesmo título, ambos organizados pela psicanalista e professora do Programa, Sonia Alberti. A psicanálise é constantemente convocada a se posicionar diante das questões que expressam o mal-estar dos adolescentes, manifesto através das toxicodependências, do suicídio, das dificuldades na escolha profissional, etc. Os trabalhos sobre adolescência permaneceram marginais no campo psicanalítico durante longo tempo, enquanto as investigações sobre crianças e adultos ocupavam lugar de destaque. O artigo princeps de Freud sobre adolescência intitula-se As Transformações da puberdade e constitui o terceiro dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, escrito em 1905. Ao tratar da sexualidade, Freud subverteu o mito da infância pura, ingênua e angelical. Apontou a sexualidade infantil, constatando o destino do sujeito como ser-para-o-sexo. Lacan, em 1967, na Conferência proferida como conclusão das Jornadas sobre o tema Alocução sobre as psicoses da criança, pergunta: Mas,estaremos nós à altura do que parecemos, pela subversão freudiana, ser convocados a carregar o ser-para-osexo? (1967,p.362). Constata-se na adolescência um processo de redistribuição pulsional com o posicionamento de alguns objetos pulsionais em lugar de destaque. Além disso, observa-se um deslocamento do campo pulsional, uma vez que o corpo do outro passa a ocupar um objeto possível de desejo. A questão sexual origina, desde a infância, um saber sobre o sexo. As teorias sexuais infantis sobre a concepção, o nascimento, o coito, a diferença sexual são testemunhos da existência deste saber. Anterior à adolescência, situa-se um período nomeado por Freud como latência, por nele se constatar uma certa inibição das pulsões sexuais que impulsionaram as fantasias construídas no tempo da infância. Na adolescência, há o despertar dessas fantasias adormecidas, em concomitância com a retomada da construção do saber sobre o sexo. Grandes revelações ocorrem na adolescência, mas uma delas causa efeitos importantíssimos no que diz respeito à articulação do sujeito na estrutura. Trata-se da evidência da incompletude, da falta no Outro, da impossibilidade. O adolescente constata que o objeto sexual nunca o satisfaz plenamente e assim conclui que só tem a si próprio para encontrar meios de contornar o mal-estar que a vida lhe impõe. Vive o desamparo daí resultante, com a diferença de não esperar a solução do Outro. Pode ser ajudado, mas não poderá ser poupado do mal-estar.

343 Sabemos que na neurose, o mal-estar manifesta-se em forma de sintomas. Na psicose são, especialmente, as alucinações verbais que perturbam o sujeito, impedindo a formação dos laços sociais necessários ao trabalho psíquico frente ao desamparo. A adolescência implica um retorno à sexualidade sempre infantil, embora seja possível o aparecimento de novas constelações no campo psíquico. Mas a sexualidade atravessada pela adolescência é marcada pelo mal-estar resultante do desencontro, da falta, da desilusão. Sabemos que é necessário que a criança desde cedo acredite nos pais como super-heróis para que sobreviva, comendo, vestindo-se, adquirindo hábitos, segundo a indicação dos pais. A queda da imagem ideal dos pais causa, necessariamente, um mal-estar no adolescente, impulsionando-o a buscar nas identificações com seus pares, assim como nos ideais coletivos, alívio frente ao desamparo e horror resultantes do encontro com a castração. O adolescente não possui todas as condições de enfrentar as dificuldades que a vida apresenta, mas ao se deparar com o real do sexo, pode tomar, gradativamente, em suas mãos a responsabilidade de seus atos. É assim que a adolescência pode ser concebida como paralela à constituição de uma ética, pois assumir o desamparo carreia a responsabilidade do sujeito adolescente pelos seus próprios atos. Este momento especial na constituição do sujeito implica em demitir o Outro de sua função salvadora, assumindo-se como sujeito do desejo, conforme lhe permite a função paterna. A adolescência e a cultura do corpo O ensino de Lacan nos diz que o corpo se constitui pulsionalmente na articulação do real, simbólico e imaginário. O real do corpo é representado na operação simbólica da linguagem, quando articulado à imagem unificada pelo narcisismo. Também, na trajetória do pensamento freudiano, o corpo, até então biológico, torna-se pulsional e representado pela submissão ao simbólico. Quais seriam, então, os destinos do corpo? Sem dúvida, os destinos do desejo, e, se o corpo fala, fala em um dialeto pulsional. Toda referência ao sujeito, em função do descentramento operado pelo inconsciente, é atravessada pela singularidade e, em se tratando do sujeito adolescente não seria diferente. Assim, podemos inferir que há tantas adolescências quanto adolescentes. Porém um dos significantes mais relevantes no discurso adolescente é o corpo, na busca de uma nova imagem que lhe dê sustentação. De braços dados com a pulsão o adolescente desperta da latência, obrigado a se confrontar com a imagem corporal e com os lutos que necessita viver. A adolescência, de certa forma, é um tempo de retomada do narcisismo e do estádio do espelho em função de uma estabilidade rompida, ficando suas demandas incondicionalmente referidas às questões da imagem, onde o real do corpo não só permite, mas, também, clama por novos objetos. O adolescente necessita readquirir o júbilo narcísico que lhe confira uma nova unidade. Ao contrário da latência o corpo na adolescência é aquele que faz apelo ao Outro demandando nova unificação. Se o retorno ao narcisismo é imperioso, não é suficiente, sendo necessário buscar suportes simbólicos reorganizadores do imaginário fraturado. A perfeição narcísica será retomada pelos ideais que o sujeito adolescente tentará edificar na cultura. É o campo do simbólico que, permitindo a dialética com o imaginário e a falta de sentido do real, aquele que oferece uma condição ímpar à adolescência ao promover um equilíbrio frente às oscilações comuns dos jovens em função do eixo ideal. Eixo ideal aqui entendido como a união indissolúvel entre o eu ideal e o Ideal do eu, instâncias presentes em toda vida do sujeito. As exigências ideais irão reorientar a vida pulsional, onde suas realizações tornam-se, também, fontes de prazer na promoção do laço social. Vivemos, na contemporaneidade, um tempo norteado pela inundação de imagens, sob o fascínio ilimitado do eu.

344 A quantidade excessiva de reportagens veiculadas abordando a beleza, a estética e o rejuvenescimento denuncia o interesse midiático pelo corpo jovem. Na ressacralização do corpo, como um objeto a ser consumido, encontramos um vetor de suporte econômico e controle social, onde o adolescente representa uma grande parte de seu mercado. A imagem do adolescente tomada como paradigma da perfeição e completude vende o lazer, o saber, a moda e o próprio corpo. Constatamos na atualidade uma cultura predominantemente narcísica, onde a imagem da beleza e perfeição são instauradas juntamente com a precariedade simbólica que atinge a todos. Se o adolescente vai requisitar o simbólico como em nenhum outro momento, fatalmente será atingido por tal precariedade. Em uma cultura onde o Outro toma a beleza e a juventude como prioritárias, delegando ao jovem a sua salvação, promove certa cristalização, pois a sociedade temerosa do envelhecimento promove uma juventude cada vez mais idealizada e eterna. A infância é encurtada e, a vida adulta torna-se mais distante. De certa forma Freud, em seu texto de 1914 Sobre o narcisismo: uma introdução, já preconizava este fenômeno ao afirmar que o amor dos pais apesar de sua metamorfose objetal, era o amor por si renascido, negando a castração e a falta. Esta afirmação freudiana nos permite entender como cada sociedade vai produzir sua adolescência. A cultura do corpo faz nascer não só uma submissão limitadora, mas, também, a punição aos que fogem de seus ditames. O consumismo de múltiplos objetos fugazes é gerador de angústia, pois em nenhum deles pode ser encontrada a pretensa plenitude. Ao negar a castração faz nascer uma vida degradada no espetáculo da imagem, aprisionando o sujeito em seu desejo de dormir. Segundo Debord (2002) o espetáculo torna-se o verdadeiro guardião do sono. O adolescente passa da submissão passiva do gozo narcísico dos pais para objeto de gozo da cultura, que o mantém preso ao nó da servidão imaginária. A cultura do corpo promove uma sociedade sem interdito que ao empobrecer os vínculos sociais, acirra o individualismo e a competitividade. Viver a adolescência é elaborar a falta do Outro e esta elaboração só se torna possível através de referências estáveis para novas construções. Lacan (1959-60) afirma que o homem é o artesão de seus suportes. O que é a adolescência senão um tempo artesanal onde serão tecidos ideais e valores éticos? Mesmo em um tempo que aponta para a unificação, esperamos que a cultura possa transformar o lugar oferecido aos adolescentes. Que seus corpos possam ser reconhecidos na singularidade e na diferença para que o adolescente possa autorizar-se na busca de seu desejo. Acreditamos que uma pesquisa sobre a adolescência e o corpo na contemporaneidade, seja mais um instrumento para compreender os fenômenos gerados pela atual cultura, dando visibilidade aos fatores de risco e ao impacto da violência constatada ao corpo de alguns jovens na atualidade. REFERÊNCIAS: ALBERTI, S. Esse sujeito Adolescente. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996.. O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004 ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. 2.ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981. BAUDRILLARD, J. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70 Ltda, 1970.

345 COSTA MOURA, F. Função ética do erotismo e adolescência. In: A sexualidade na aurora do século XXI. Organização Sonia Alberti. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008. DEBORD, G. A Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002. FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. 7, 1969.. Os instintos e suas vicissitudes (1915). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.14, 1969.. Sobre o narcisismo: uma Introdução (1914). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v. 14, 1969. GARRITANO, E. J, 2008, O adolescente e a cultura do corpo, dissertação de mestrado, programa de pós- graduação da Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro. LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.. O Seminário, livro 17, O avesso da Psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.. O Seminário, livro 7: A Ética da psicanálise (1959/60). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. LASCH, C. A cultura do Narcisismo: A Vida americana numa era de esperança em declínio. Tradução Ernani Pavaneli, Rio de Janeiro: Imago, 1983. RASSIAL, J..J. O adolescente e o psicanalista. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999. SADALA, M.G. S. O sexo e o mal-estar na adolescência. In: A sexualidade na aurora do século XXI. Organização Sonia Alberti, Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008. Recebido em: 6 de maio de 2010.