III-100 - PALHADA RESIDUAL DE CANA-DE-AÇÚCAR COLHIDA MECANICAMENTE (SEM QUEIMA PRÉVIA): MANEJO E INFLUÊNCIA NA BROTAÇÃO E PRODUTIVIDADE DA CULTURA Daniela Soares Alves Caldeira (1) Engenheira Agrônoma pela FCAV/UNESP-Jaboticabal. Mestre em Solos e Nutrição de Plantas pela ESALQ/USP. Doutoranda em Energia na Agricultura na FCA/UNESP em Botucatu. Ademércio Antonio Paccola Professor Adjunto do Departamento de Recursos Naturais na FCA/UNESP em Botucatu Endereço (1) : Rua Dr. Mário Soares, 415 casa C - Jardim Bom Pastor - Botucatu - SP - CEP: 18603-450 - Brasil - Tel: (14) 6802-7162 - e-mail: dsacalde@fca.unesp.br RESUMO A prática da queima da palhada do canavial, para facilitar a colheita, ainda é muito utilizada no Brasil, mas vem sendo questionada pela alta emissão de CO 2 e gases de nitrogênio e enxofre. A pressão ambiental exercida, gerou a proibição da queima em alguns municípios, estimulando a colheita mecanizada sem queima prévia. A palhada (palhas e pontas dos colmos), resultante deste tipo de colheita torna-se problema no cultivo da cana-de-açúcar destinada à produção de açúcar, álcool e aguardente, pois permanece no solo dificultando os tratos culturais da soqueira. Quando a cana é cortada crua, permanece sobre o solo uma grande quantidade de palhada, estimada em l5 t/ha de massa seca. O objetivo deste trabalho é, associando diferentes materiais disponíveis à usina e que possivelmente aceleram o processo de decomposição da palhada na superfície do solo, estudar a influência do manejo desta na brotação, produtividade da cultura, em solo arenoso. PALAVRAS-CHAVE: Palhada de Cana de Açúcar, Cana Crua, Manejo de Palhada. INTRODUÇÃO O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, sendo a cultura plantada em praticamente todos os estados do país, ocupando uma área estimada em 1999 de aproximadamente 4 milhões de hectares, com produção total de 270 milhões de toneladas de colmos frescos e produtividade média de 65 t/ha. A queimada da cana-de-açúcar é uma atividade tipicamente poluidora, que degrada o meio ambiente, afetando a saúde pública. Esta prática vem sendo questionada pela alta emissão de CO 2 e gases de nitrogênio e enxofre que são responsáveis pelas chuvas ácidas, além de provocar perdas significativas de nutrientes para as plantas e facilitar o surgimento de ervas daninhas e a erosão, devido a redução da proteção do solo (Bio, 1999). Estima-se que a queima da palhada em canaviais lança na atmosfera em torno de 64,8 milhões de toneladas de gás carbônico por ano, que contribuem para a diminuição da qualidade do ar nas cidades e o aumento do efeito estufa. Os diversos segmentos organizados da sociedade vêm reivindicando, há vários anos, medidas governamentais restritivas para tal atividade, tendo como justificativa os efeitos causados sobre a qualidade geral de vida, seja no plano da saúde humana, como em relação à conservação do solo e clima. Essa crescente pressão social contra a queima da cana-de-açúcar provocou, em anos passados, os decretos do Governo do Estado de São Paulo proibindo as queimadas na faixa de 1 Km do perímetro urbano e, atualmente, o Decreto n 0 42.056, de 06/08/97, proibindo a despalha de cana por queima, mas fixando um período de transição de 8 anos até a proibição total. (Gonçalves e Souza, 1998). Nesse novo sistema de colheita crua, as folhas secas, os ponteiros e as folhas verdes são cortados e lançados sobre a superfície do solo, formando uma cobertura morta, denominada palhada. A palhada serve como um reservatório de nutrientes que são liberados lentamente com a sua decomposição. A manutenção da palhada ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1
da cana no campo após o corte permite a conservação da umidade, temperatura e um acúmulo de matéria orgânica no solo. A quantidade de palhada deixada no campo oscila entre 13 a 20 t ha -1 de matéria seca (MS) e é diferente para cada variedade, apresentando vantagens e desvantagens agronômicas (Abramo Filho et al.,1993) Pode-se citar como desvantagem o possível retardamento da brotação e a redução em até 52% da produtividade agrícola (t/ha), conforme observou Orlando Filho et al.(1994) para a variedade SP 716163. Após um ano de permanência da palhada no campo, Oliveira et al. (1999), verificaram uma redução de massa de aproximadamente 20%. A porcentagem de liberação de nutrientes K, Ca e Mg, em relação ao total contido na palhada foi de 85, 44 e 39%, respectivamente. A palhada contém principalmente matérias celulósicas e lignina. Galvão et al. (1991) comentaram que a quantidade inicial de nitrogênio está entre os fatores de maior influência sobre a velocidade de decomposição desses materiais. Nesse sentido, a adição de nitrogênio à palhada deve estimular a decomposição, conforme relatado por Katterer et al. (1998). O objetivo deste trabalho é, adicionando diferentes materiais disponíveis à usina e que possivelmente aceleram o processo de decomposição da palhada na superfície do solo, estudar a influência do manejo desta palhada na brotação, produtividade da cultura em um solo arenoso. O desenvolvimento desse trabalho contou com o apoio e a participação da Usina da Barra em Barra Bonita. MATERIAIS E MÉTODOS O experimento está sendo conduzido na Fazenda Barreiro Rico, município de Santa Maria da Serra, em área pertencente à Usina da Barra e destinada ao corte mecanizado sem queima prévia desde 1997. O solo da região é a Areia Quartzoza, o espaçamento utilizado neste tipo de solo é de 1,0 m entre linhas e a variedade plantada é a RB 83 5089. O delineamento experimental utilizado foi em blocos ao acaso, com 18 tratamentos em três repetições, totalizando 54 parcelas experimentais, cada uma constituída de 3 linhas e medindo 5 m de largura por 10 m de comprimento, totalizando 50 m 2. Cada bloco tem 90 m de largura por 10 m de comprimento, totalizando 900 m 2. Quanto ao manejo da palhada optou-se por: deixá-la no campo da mesma forma que foi cortada e disposta pela máquina, afastada da linha de brotação e retirada manualmente da parcela. Os materiais foram adicionados nas seguintes quantidades, objetivando elevar a relação Carbono/Nitrogênio da palhada: torta de filtro, 100 kg; vinhaça, 500 litros; uréia, 910 g. Nos tratamentos vinhaça + uréia, a quantidade de uréia foi de 72 g por parcela. Todos materiais foram distribuídos superficialmente à palhada, em área total. Tabela 01 - Tratamentos utilizados em 3 repetições. 1A Com Palhada 1B Palhada Retirada 1C Palhada Afastada 2A Com Palhada +Uréia 2B Uréia 2C Palhada A+Uréia 3A Com Palhada +Torta de Filtro 3B Torta de Filtro 3C Palhada A+Torta 4A Com Palhada +Vinhaça 4B Vinhaça 4C Palhada A+Vinhaça 5A Com Palhada +Vinhaça +Uréia 5B Vinhaça+Uréia 5C Palhada A+Vinh.+Uréia 6A Com Palhada +Torta +Uréia 6B Torta+Uréia 6C Palhada A+Torta +Uréia Após a colheita mecânica sem queima prévia do canavial na safra referente aos anos 1998/1999, procedeu-se as amostragens da palhada, feitas ao acaso, com o auxílio de um amostrador de 39 x 39 cm, em cada parcela. A palhada foi retirada com auxílio de um facão e ensacada para ser pesada e levada para estufa de ventilação forçada por 72 horas a 65 0 C. O material seco foi então pesado para cálculo da umidade da palhada em cada parcela. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2
Os perfilhos foram contados mensalmente, em cada parcela, após a brotação. Quantificou-se a produção dos colmos industrializáveis antes da colheita, bem como foram realizadas as análises tecnológicas dos colmos em cada parcela. A análise química do solo e da palhada foi feita antes da instalação do experimento. Os dados obtidos referentes ao 1 o ano de experimento foram submetidos a análise de variância e comparados pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. Considerou-se para análise um esquema fatorial 6x3x3. RESULTADOS Na Tabela 02 observa-se que, para todos os parâmetros analisados, os resultados foram significativamente maiores quando se aplica vinhaça à palhada em relação ao tratamento testemunha. Obtém-se um acréscimo de 37,1% em produtividade e 36,7% em açúcar. Os valores de produtividade média e número de perfilhos por metro obtidos para todos os tratamentos apresentam-se inferiores aos encontrados na safra anterior que foram de 126 t/ha e 10,2 respectivamente. Tabela 02. Resultados médios entre tratamentos que sofreram adição de materiais, para produtividade, açúcar, número de perfilhos e peso de 36 colmos amostrados na colheita. Perfilhos Peso de 36 colmos Produtividade Açúcar Tratamentos (n 0 perf./metro) (kg) (t/ha) (t/ha) 1 8,57 b 38,31 b 91,47 b 12,71 b 2 9,37 ab 42,04 ab 109,42 ab 15,02 ab 3 9,12 ab 40,48 ab 103,61 ab 14,15 ab 4 9,79 a 46,09 a 125,40 a 17,37 a 5 9,64 ab 42,26 ab 113,71 ab 15,58 ab 6 9,27 ab 42,66 ab 110,11 ab 15,34 ab Médias seguidas de letras minúsculas diferentes nas colunas, diferem estatisticamente pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. A Tabela 03 mostra as médias entre os tratamentos onde se realizou o manejo da palhada. Observa-se que não ocorreu diferença significativa entre os parâmetros analisados como número de perfilhos, produtividade e açúcar. O peso de 36 colmos amostrados apresentou diferença estatística no tratamento C (palhada afastada) que não se traduziu em diferença estatística em ganho de produtividade e açúcar. Tabela 03. Resultados médios entre tratamentos onde fez-se o manejo da palha, para produtividade, açúcar, número de perfilhos e peso de 36 colmos amostrados na colheita. Perfilhos Peso de 36 colmos Produtividade Açúcar Tratamentos (n 0 perf./metro) (kg) (t/ha) (t/ha) A 9,28 a 43,99 a 113,71 a 15,45 a B 9,07 a 39,56 ab 100,07 a 14,09 a C 9,53 a 42,37 b 113,08 a 15,54 a Médias seguidas de letras minúsculas diferentes nas colunas, diferem estatisticamente pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. A ausência de efeito dos tratamentos, com relação a adição de nitrogênio sobre a palhada, pode ser explicada pela perda do elemento na forma de amônia (Oliveira et al.,1999) causada pela alta atividade ureolítica da palhada, associada à sua baixa capacidade de retenção de nitrogênio. Apesar de não existir diferença estatística entre os parâmetros analisados, observa-se uma diferença visual entre eles, traduzida em maior rentabilidade para o produtor, que pode ser demonstrada nas Figura 01 e Figura 02. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3
Figura 01: Acréscimo de valor (%) devido à adição dos diferentes materiais nos parâmetros analisados. 30 Acréscimos do valor devido às adições de torta, 25 vinhaça e uréia em relação à não adição. % de Acréscimo 20 15 10 5 ComPalhada SemPalhada PalhadaAfast. 0 Produtividade Açúcar Perfilhos Altura Diâmetro Figura 02: Produção de açúcar (t/ha) quanto ao manejo: com a palhada, com a palhada afastada e sem a palhada em cada tratamento. Produção de açúcar Com.palhada Afastada Sem palhada 15 t / ha 10 5 0 Testem Uréia T orta Vinhaça Vinh.+Ur Torta+Ur Méd.aplic Nota-se na Figura 01, que em relação ao manejo da palhada, os tratamentos onde a palhada foi deixada a campo mostrou na maioria dos parâmetros analisados, valores inferiores provocando um decréscimo no diâmetro dos colmos. A produção de açúcar não foi influenciada pela retirada ou afastamento da palhada, ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4
apresentando valores inferiores quando a palhada é deixada no campo. Este efeito inferior nos tratamentos A (com palhada) também é observado nos parâmetros: produtividade, número de perfilhos e diâmetro de colmos. Observa-se na Figura 02 que todos os tratamentos apresentaram-se superiores a testemunha, para todas as condições de manejo. A maior diferença observada foi quando se aplicou a vinhaça. Em todos tratamentos os materiais foram aplicados superficialmente a palhada, o fato da vinhaça ser líquida, pode ter facilitado o contato direto com o solo, tornando-se mais disponível. CONCLUSÕES Para as condições em que se realizou o experimento, pode-se recomendar a aplicação de vinhaça, em área total, na quantidade de 500 l/ha que poderá resultar em maior número de perfilhos, produtividade e quantidade de açúcar produzido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ABRAMO FILHO, J.; MATSUOKA, S.; SPERANDIO, M.L.; RODRIGUES, R.C.D.; MARCHETTI, L.L. Resíduo de colheita mecanizada de cana crua. Álcool & Açúcar. n. 67, p 23-25, abril/maio 1993. 2. BIO. Revista Brasileira de Saneamento e Meio Ambiente.n.10, p.42-45, abril/junho.1999. 3. DILLEWIJN, C.N. Botanique de la cana a sucre. Wageningen: Veenman & Zonen, 1960. 591 p 4. GALVÃO, F., ZILLER, S.R., BUFREM, A. M. Decomposição foliar de algumas espécies arbóreas. Ver. Setor Agrárias.Curitiba, v.11. n.1-2, p.161-168, 1989/1991. 5. GONÇALVES, J. S. E SOUZA, S. A. M. Proibição da queima de cana no Estado de São Paulo: simulações dos efeitos na área cultivada e na demanda pela força de trabalho. Informações Econômicas, v.28, n.3 mar.,p.21-40, 1998 6. KATTERER, T.; REICHSTEIN, M.; ANDRÉN, O.; LOMANDER, A. Temperature dependence of organic matter decomposition: In a critical review using data analyzed with different models. Biology and Fertility of soils, v.27, p.258-262, 1998 7. MACHADO, E. C. Fisiologia de produção de cana de açúcar In: PARANHOS, S. B. (Coord.) Cana de açúcar: cultivo e utilização. Campinas: Fundação Cargil, 1987, v.1, cap.1, p.56-87. 8. OLIVEIRA, M.W. TRIVELIN, P. C. O.; GAVA, G. J. C.; PENATTI, C. P. Degradação da palhada de cana-de-açúcar. Scientia Agricola, v.56, n. 4, p. 803-809, out/dez. 1999. 9. ORLANDO FILHO; Adubação de soqueira de cana-de-açúcar sob dois tipos de despalha: cana crua x cana queimada. In: STAB- Açúcar, Álcool e Subprodutos, v.12, n.4, p.7-11 março/abril.1994 10. PRIMAVESI, A. A matéria orgânica. IN:. Manejo ecológico do solo. São Paulo, Nobel. 1987. P. 108-135 11. SILVA, G.M.A. Cana crua x cana queimada. Restrições técnicas e implicações sociais e econômicas. IN: SEMANA DA CANA-DE-AÇÚCAR DE PIRACICABA, 2., Piracicaba, 1997. Resumos.Piracicaba: FEALQ, 1997.p.55-57 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5