1.1.2.Os Instrumentos Lógicos do Pensamento



Documentos relacionados
Num caso como no outro, o filosofar apresenta-se como uma actividade que consiste

1.1.A Lógica como Estudo das Condições de Coerência do Pensamento e do Discurso.

Como se desenvolve o trabalho filosófico? Como constrói o filósofo esses argumentos?

Afirmação verdadeira: frase, falada ou escrita, que declara um facto que é aceite no momento em que é ouvido ou lido.

FILOSOFIA 11º ano. Demonstração e argumentação: Lógica e retórica

Silogística Aristotélica

RACIOCÍNIO LÓGICO QUANTITATIVO

1 Teoria de conjuntos e lógica

RACIOCÍNIO LÓGICO MATEMÁTICO ATIVIDADE DO BLOCO 1 20 QUESTÕES

A Teoria do Conhecimento

Organizadores: Denise Maria Rosa dos Santos, Márcia Luísa Tomazzoni, Mateus Rocha da Silva e Mayara de Andrade.

1. À primeira coluna (P), atribui-se uma quantidade de valores V igual à metade do total de linhas

Introdução à lógica. Lógica. Material produzido por: Bruno Portela Rafael Soares Ramon Matzenbacher Vinícius Schreiner

Noções básicas de Lógica

* Lógica Proposicional Formas de Argumento

DEMONSTRAÇÃO E SILOGISMO NOS ANALÍTICOS DE ARISTÓTELES

O QUE É A FILOSOFIA? A filosofia no Ensino Médio

Sumário 1. PROBLEMAS DE RACIOCÍNIO INTUITIVO ESPACIAL, NUMÉRICO E VERBAL PROBLEMAS DE ARGUMENTAÇÃO LÓGICA INTUITIVA...55

Prova escrita de FILOSOFIA

Bases Matemáticas. Daniel Miranda de maio de sala Bloco B página: daniel.miranda

Noções de Lógica Matemática

TÉCNICAS DE GESTÃO E EMPREENDEDORISMO

OS SERES VIVOS DO AMBIENTE PRÓXIMO

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE RIO DE MOURO EXERCÍCIOS DE LÓGICA - INSTRUÇÕES GERAIS

A forma de valor ou valor de troca Forma simples O conjunto da forma simples de valor

VEJA O CONTEÚDO DO ÚLTIMO EDITAL (2011/2012, ORGANIZADO PELA FCC)

Lógica para computação Professor Marlon Marcon

Agrupamento de Escolas de Castro Daire Ano lectivo 2012/13. Planificação Anual. Filosofia. 11ºano. (Turmas do ensino regular A,B,C)

Resolução da Prova de Raciocínio Lógico do MPOG/ENAP de 2015, aplicada em 30/08/2015.

PROPOSIÇÕES. Proposições Simples e Proposições Compostas. Conceito de Proposição

MÉTODO CIENTÍFICO E MÉTODO DE PESQUISA

alocação de custo têm que ser feita de maneira estimada e muitas vezes arbitrária (como o aluguel, a supervisão, as chefias, etc.

A dimensão discursiva da filosofia

Notas de aula de Lógica para Ciência da Computação. Aula 11, 2012/2

Belém, 7-9 Out 2009 I COLÓQUIO KANT E O KANTISMO - UFPA ANAIS (Vol. 1, Nº 1) UFPA / FAFIL A Filosofia Teórica de Kant ISSN:

RACIOCÍNIO LÓGICO Simplificado

DISSERTAÇÃO E CRITÉRIOS DE CORREÇÃO. Curso Sorocaba

Álge g bra b B ooleana n Bernardo Gonçalves

Falácia dos quatro termos?

Fundamentos de Lógica Matemática

Adler, Mortimer J. & Van Doren, Charles (1972). How to read a book. New York, Touchstone. Partes 1, 2 e 4

OBJETIVOS CONTEÚDOS ESTRATÉGIAS Nº AULAS / AVAL. 1. Argumentação e Lógica Formal Desafios lógicos

3º ANO Ensino Médio LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS

Duração da Prova: 120 minutos. Tolerância: 30 minutos.

Ética, Moral e Deontologia

CRITÉRIOS GERAIS DE AVALIAÇÃO DOS ALUNOS DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS VERGÍLIO FERREIRA

Oficina: Jogar para gostar e aprender matemática. Profa. Dra. Adriana M. Corder Molinari dri.molinari@uol.com.br

Aula 03 Proposições e Conectivos. Disciplina: Fundamentos de Lógica e Algoritmos Prof. Bruno Gomes

Para mostrar que os cépticos estão enganados, Descartes propõe um método: a dúvida metódica.

Resolução da Prova de Raciocínio Lógico do STJ de 2015, aplicada em 27/09/2015.

Platão ( a.c.) Teoria das Idéias

Substituição e Citação. Contra-Exemplos à Lei da Substituição: Citação

JOGOS COM FOTOGRAFIAS FOTO NOME DESCRIÇÃO

Trabalho da página 92 à 94

2012 COTAÇÕES. Prova Escrita de Filosofia. 11.º Ano de Escolaridade. Prova 714/Época Especial. Critérios de Classificação GRUPO I GRUPO II GRUPO III

Metodologia de Investigação Educacional I

Escola Básica e Secundária de Velas. Planificação Anual Filosofia 11º Ano de Escolaridade. Ano letivo 2012/2013. Professores João Silva e Mário Lopes

Correção de exercícios do manual. Página 53

Cursos Educar [PRODUÇÃO DE ARTIGO CIENTÍFICO] Prof. M.Sc. Fábio Figueirôa

Versão 2. Utilize apenas caneta ou esferográfica de tinta indelével, azul ou preta.

ÉTICA E MORAL. profa. Karine Pereira Goss

Agrupamento de Escolas de Porto de Mós

Informação/Exame de Equivalência à Frequência. Ano letivo de 2012/2013

EXAME FINAL NACIONAL DO ENSINO SECUNDÁRIO. Duração da Prova: 120 minutos. Tolerância: 30 minutos.

INFORMAÇÃO PROVA DE EQUIVALÊNCIA À FREQUÊNCIA

FABIANO KLEIN CRITÉRIOS NÃO CLÁSSICOS DE DIVISIBILIDADE

Ficha de Exercícios nº 2

Unidade 10 Análise combinatória. Introdução Princípio Fundamental da contagem Fatorial

UM BREVE ESTUDO HISTÓRICO-ANALÍTICO DA LEI DE HUME

Tabela de um Enunciado Simbolizado

(1, 6) é também uma solução da equação, pois = 15, isto é, 15 = 15. ( 23,

2 Fase conceptual da investigação Escolha e construção do problema 2.3. Quadro de referência teórico

INFORMAÇÃO - PROVA DE EQUIVALÊNCIA À FREQUÊNCIA FRANCÊS (LE II) COMPONENTE ESCRITA

E SCOLA S ECUNDÁRIA DE E RMESINDE

Prova Final de Matemática

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Ofício-circular nº 22/ de Abril de 2007 DGAJ/DAGD

A SEMIÓTICA SEGUNDO PEIRCE

Classificação da Pesquisa:

Lista de Exercícios 5: Soluções Teoria dos Conjuntos

Prova Final de Matemática

ALFABETIZAÇÃO. Joselaine S. de Castro

IV O conhecimento e a racionalidade científica e tecnológica. Filosofia 11ºano. 2. Estatuto do conhecimento científico

O Dinheiro ou a Circulação das Mercadorias. O Capital Crítica da Economia Política Capítulo III

Duração da Prova: 120 minutos. Tolerância: 30 minutos.

1.2. Grandezas Fundamentais e Sistemas de Unidades

Aulas Previstas. Objectivos Conteúdos Estratégias/Actividades Recursos Avaliação. Avaliação diagnóstica. Observação e registo das atitudes dos alunos

1. A IMPORTÂNCIA DOS OBJETIVOS EDUCACIONAIS.

Estágios de desenvolvimento. Profa. Cibelle Celestino Silva IFSC USP

Novo Programa de Matemática do Ensino Básico 3º ANO

Sumário. OS ENIGMAS DE SHERAZADE I Ele fala a verdade ou mente? I I Um truque com os números... 14

ADIÇÃO, SUBTRAÇÃO E SIGNIFICADOS

PLANEJAMENTO Disciplina: Matemática Série: 6º Ano Ensino: Fundamental Prof.: Rafael

Nome: N.º: Turma: Classificação: Professor: Enc. Educação:

3 Metodologia. 3.1 Tipo de pesquisa

Agrupamento de Escolas de Mem Martins Informação n.º /2014

Circuitos Aritméticos

Raciocínio Lógico para o INSS Resolução de questões Prof. Adeilson de Melo Revisão 3 Lógica das Proposições

Oficina de formação Tema: Avaliação da aprendizagem: qualidade de instrumentos de análise

Normas para a elaboração de um relatório. para a disciplina de projecto integrado. 3.º ano 2.º semestre. Abril de 2004

Transcrição:

1.1.2.Os Instrumentos Lógicos do Pensamento Para pensar, necessitamos, não apenas dos princípios lógicos (princípios reguladores do pensamento válido), mas também de instrumentos lógicos (utensílios, meios através dos quais pensamos). Tais instrumentos são: os conceitos; os juízos; os raciocínios. a) O conceito e o termo a.1) O conceito de conceito O conceito é o elemento básico do pensamento. Pensamos a realidade (coisas, factos, acontecimentos, ações, etc.) através de conceitos. Os conceitos exprimem-se através de termos. NOTA: Recorde-se a relação entre pensamento e linguagem e a importância desta na estruturação daquele: rigor de linguagem e clareza de conceitos estão intimamente ligados. O conceito é um instrumento mental por intermédio do qual é possível pensar realidades, representando-as no espírito. As operações intelectuais envolvidas na construção do conceito são: a comparação entre os objetos de uma dada classe, procurando determinar as suas características comuns (essenciais), distinguindo-as das que são próprias de cada um (acidentais); a abstração ou separação mental do que é comum (essencial) aos vários objetos da classe; a generalização ou aplicação das características abstraídas a todos os objetos da classe. O conceito apresenta-se assim como a unidade mental (uma construção abstrata), síntese do que é comum ao conjunto dos indivíduos de uma dada classe: Uma representação intelectual, abstrata e geral do que é comum (a essência) de uma dada classe de seres. 9

Um conceito, em si mesmo, não é verdadeiro nem falso, uma vez que não afirma nem nega coisa alguma. Pelo menos em teoria, podemos imaginar um conjunto infinito de conceitos. Mas há pelo menos um limite lógico à formação de conceitos: um conceito não pode reunir em si elementos contraditórios. Os conceitos devem restringir-se ao campo da possibilidade lógica. Os conceitos não existem isoladamente, mas antes constituindo redes conceptuais. a.2) O termo Note-se que a noção de rede conceptual é-nos já familiar desde o 10º Ano. Falávamos então, por exemplo, de rede conceptual da ação. O termo é a expressão verbal do conceito (a sua vestidura convencional e simbólica). Um mesmo conceito pode ser expresso por vários termos (em diferentes línguas rei, king, roi, etc. e até na mesma língua prémio, galardão, recompensa) como um termo pode exprimir vários conceitos (p. exemplo, compasso instrumento de desenho, visita pascal, divisão de tempo musical). Termo é diferente de palavra: um termo pode ser expresso por uma ou por várias palavras (expressões conceptuais ser vivo, animal racional, homens que habitam o hemisfério norte). Finalmente, um mesmo objeto (p. ex. o planeta Vénus) pode ser designado por expressões verbais diferentes (a estrela da manhã, a estrela da tarde) com significados diferentes ( a última estrela visível no céu a nascente, quando a noite acaba, a primeira estrela a ver-se a poente, quando o sol se põe ). Recorde-se a distinção (e a relação) entre significado e referente. a.3) O conceito: extensão e compreensão No conceito devem ser distinguidas a sua extensão e a sua compreensão. A extensão (denotação ou domínio de aplicação do conceito) é o conjunto dos objetos (coisas, pessoas, acontecimentos) designados pelo conceito, constituindo a classe lógica definida pelo conceito. 10

A compreensão é o conjunto das características ou atributos que definem o conceito e que são comuns aos objetos por ele designados. Definir um conceito é analisar rigorosamente a sua compreensão; definir um termo é indicar a sua significação. Extensão e compreensão variam em sentido inverso: Quanto maior é o número de objetos designados pelo conceito (extensão), menor é o conjunto das características comuns (compreensão). Quanto maior é a compreensão do conceito, menor é a sua extensão. b) O Juízo e a Proposição b.1) Pensar é relacionar conceitos entre si, formando juízos: o juízo é uma relação lógica entre conceitos. Viu-se já que os conceitos não existem isoladamente, mas antes inseridos em redes conceptuais. Pensamos as coisas no interior de tais redes conceptuais, estabelecendo relações entre os conceitos. O juízo é o ato mental pelo qual se afirma ou nega uma relação entre conceitos (M. Gex). Pelo juízo afirmo ou nego alguma coisa (um predicado) acerca de alguma coisa (um sujeito), afirmo (ou nego) que um certo predicado (e a sua compreensão) convém (ou não convém) a um sujeito, que tal predicado é (ou não é) atributo do sujeito. Quando digo que a casa é branca, afirmo que o predicado (ou atributo) branca convém ao sujeito casa Note-se: o juízo expressa uma relação lógica do tipo S é P. Os conceitos sujeito (S) e predicado (P), com a respetiva compreensão, representam a matéria (significação) do juízo. A cópula (é, que relaciona S e P) representa a forma (afirmando ou negando a relação de conveniência ou não conveniência de P a S). O juízo é a operação mental que estabelece uma relação lógica (de afirmação ou de negação da conveniência) entre conceitos, podendo tal relação lógica ser considerada verdadeira ou falsa. 11

b.2) Classificação dos Juízos Os juízos podem ser classificados a partir de diferentes pontos de vista. Retenha-se, como essencial, a seguinte classificação dos juízos: Ponto de vista da quantidade (ou da extensão do Sujeito): Juízos universais quando o respetivo sujeito é tomado universalmente (quando o atributo ou predicado é afirmado de toda a extensão do sujeito); Juízos particulares quando os sujeito é tomado particularmente (quando o atributo é afirmado ou negado apenas de uma parte da extensão do sujeito). Ponto de vista da qualidade (da relação de conveniência entre Sujeito e Predicado): Juízos afirmativos quando o atributo é afirmado acerca do sujeito; Juízos negativos quando o atributo é negado acerca do sujeito. Combinando os pontos de vista da quantidade e da qualidade, teremos: Juízos universais afirmativos (A); Juízos universais negativos (E); Juízos particulares afirmativos(i); Juízos particulares negativos (O). Quanto à relação lógica entre sujeito e predicado, distinguem-se: Juízos analíticos (o que o predicado afirma está logicamente contido na compreensão do conceito sujeito p. ex: os corpos são extensos; o triângulo é um polígono de três ângulos, etc); Juízos sintéticos (o predicado não este logicamente contido na compreensão do conceito sujeito, acrescentando-lhe algo de novo p. ex.: alguns corpos são redondos; a Margarida é estudiosa, etc.). Quanto ao seu fundamento: Juízos a priori (são juízos de razão, independentes da experiência, ainda que se apliquem à experiência); Juízos a posteriori (juízos que têm a sua origem e o seu fundamento na experiência). 12

b.3) Juízos, Proposições e Frases Declarativas O resultado do juízo, enquanto ato mental, é a proposição. A proposição é o pensamento que uma frase declarativa exprime literalmente; ou, dito de outro modo, proposição é o que é afirmado ou negado numa frase declarativa. Temos assim: O juízo, ato mental que estabelece uma relação lógica entre conceitos; A proposição é o resultado do juízo A frase declarativa, expressão verbal do resultado do juízo, a proposição. Uma frase é uma sequência de palavras gramaticalmente ordenadas, exprimindo uma afirmação, uma pergunta, uma ordem, um desejo, etc. Nem todas as frases são frases declarativas; uma frase é declarativa quando afirma ou nega alguma coisa. Por exemplo: Há vida noutros planetas além da terra ; O nada só gosta de pipocas à segunda-feira. Uma proposição exprime-se através de uma frase declarativa; mas nem todas as frases declarativas exprimem proposições. Uma frase declarativa exprime uma proposição quando a frase tem um valor de verdade, quer dizer, quando ela pode ser dita verdadeira ou falsa. Consideremos os dois exemplos anteriores: a primeira frase ( há vida noutros planetas além da terra ) é uma frase declarativa e exprime uma proposição (pode ser dita verdadeira ou falsa); a segunda frase ( o nada só gosta de pipocas à segunda-feira ) é uma frase declarativa mas não exprime uma proposição (porque não exprime um valor de verdade; porque não pode ser dita verdadeira ou falsa é simplesmente uma frase sem sentido, por não ter um referente). NOTA: Uma frase declarativa exprime uma proposição quando tem um valor de verdade, quer dizer, quando, independentemente da sua efetiva verdade ou falsidade, sabemos que ela tem de assumir um de dois valores lógicos: o verdadeiro ou o falso. 13

c) O Raciocínio e o Argumento c.1) O Raciocínio O raciocínio é a operação lógica que, partindo de uma ou mais proposições (expressões de juízos) dadas previamente (premissas) conduz a uma nova proposição que é a sua consequência lógica (a conclusão). O raciocínio (ou inferência) consiste na transição lógica de proposições dadas a uma nova proposição. O raciocínio é assim uma relação lógica de antecedente a consequente: dadas determinadas premissas, delas resulta, como sua consequência, uma nova proposição, a conclusão. c.2) O Argumento Do mesmo modo que o termo é a expressão verbal do conceito e a proposição se exprime através de uma frase declarativa, o argumento é a expressão verbal do raciocínio. Um argumento é uma sequência de proposições ordenadas de tal modo que uma delas (a conclusão) seja apoiada pelas outras (as premissas). Premissas são proposições utilizadas num argumento para sustentar uma conclusão. Conclusão é a proposição defendida num argumento, com recurso a determinadas premissas. Se um argumento é um conjunto de proposições, nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Para que um conjunto de proposições seja um argumento, é necessário que esse conjunto possua uma estrutura: É necessário que uma das proposições exprima a tese que se quer defender (conclusão) e que a(s) outra(s) (premissas) sejam apresentadas como razões a favor dessa tese. Argumentar é justificar, fundamentar, apresentar razões, quer dizer, proposições que, postas antes (premissas), dão apoio à conclusão. 14

c.3) O que é um bom argumento? Em termos gerais, é um argumento cujas premissas justificam, defendem, a conclusão. Mas o que isto significa depende do tipo de argumento considerado. Um argumento bom é, antes de mais, um argumento válido. E por argumento válido entende-se um argumento em que é impossível (ou muito improvável) que, se as suas premissas forem verdadeiras, a conclusão seja falsa. Um argumento válido é tal que a conclusão é uma consequência das premissas. Um tal argumento, partindo de premissas admitidas (hipoteticamente) como verdadeiras, conduz a uma conclusão verdadeira. Note-se que a validade do argumento (questão de forma lógica) é independente da verdade das premissas: o argumento pode ser (formalmente) válido, apesar das suas premissas e a sua conclusão serem falsas, como pode ser (formalmente) inválido, ainda que as premissas e a conclusão sejam verdadeiras. Repare-se na diferença entre validade (de um argumento) e verdade das proposições (premissas e conclusão). Mas, para que um argumento seja bom, não basta que ele seja válido. A validade é condição necessária, mas não é condição suficiente, para que um argumento seja bom. Um bom argumento é aquele que, além da relação lógica entre premissas e conclusão (questão de validade), parte de premissas verdadeiras, caso em que a conclusão será também verdadeira. É logicamente impossível (ou, pelo menos, pouco provável) que um argumento que seja válido e parta de premissas verdadeiras tenha uma conclusão falsa. Um argumento nestas condições (válido e com premissas verdadeiras logo conconclusão verdadeira) chama-se argumento sólido (se for um argumento dedutivo) ou um argumento forte (se for um argumento indutivo). Em síntese: Um argumento válido é aquele em que: o A conclusão é a consequência das premissas; o É impossível (ou improvável) que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. 15

Um argumento válido com premissas, de facto, verdadeiras é um bom argumento. o Um argumento válido com pelo menos uma premissa falsa não é um bom argumento (a conclusão até pode ser verdadeira; mas tal acontece por acaso, não como consequência das premissas). o Um argumento não válido é aquele cuja conclusão não é apoiada pelas premissas. Um bom argumento é um argumento válido e com premissas verdadeiras. Um mau argumento é: o Um argumento válido, mas com pelo menos uma premissa de facto falsa; ou o Um argumento inválido, ainda que com todas as premissas verdadeiras. c.4) A Análise do Discurso Argumentativo c.4.1.identificação e reconstrução de argumentos Dissemos já que o que é característico do trabalho filosófico é a discussão crítica, o jogo dos argumentos e dos contra-argumentos em que, pelo seu confronto crítico, uns e outros se vão pondo à prova mutuamente. As discussões filosóficas devem assim concentrar a sua atenção aos aspetos argumentativos do discurso (oral ou escrito). Importante é, desde logo, distinguir, no discurso, os seus aspetos argumentativos e os seus aspetos não argumentativos (descrições, explicações, exemplos, etc.) que, mesmo sendo importantes para a compreensão do discurso (ajudam a compreender), não são relevantes para a argumentação. Do ponto de vista da lógica, importa considerar, no discurso, os seus aspetos argumentativos, identificando e reconstruindo os argumentos nele presentes (por vezes de forma não imediatamente percetível). No processo de identificação e reconstrução dos argumentos presentes num discurso deve proceder-se à realização das seguintes tarefas: Identificar os argumentos um mesmo discurso argumentativo pode conter (e normalmente contém) vários argumentos. A forma de identificar um argumento é verificar se há uma conclusão: onde há conclusão, há argumento; se há argumento, há conclusão. 16

O que há a verificar é o seguinte: Há uma afirmação/proposição a ser defendida? Há intenção de convencer alguém de alguma coisa? De quê? Há afirmações que apoiam outra afirmação? Qual? A outra componente de um argumento a identificar são as premissas o conjunto das afirmações/proposições (uma ou várias) que dão apoio, justificam, a conclusão. o o Uma parte importante da reconstrução de argumentos consiste em detetar premissas omitidas, quer dizer, premissas que não foram explicitamente apresentadas. Chama-se entimema a um argumento com uma ou mais premissas ocultas, quer dizer, implícitas e que, para o reconhecimento da estrutura completa do argumento, importa explicitar. Nem sempre é fácil descobrir premissas ocultas. Uma das facetas das discussões filosóficas consiste exatamente em explicitar premissas implícitas, para depois as submeter a exame. Importa formular claramente todas as premissas dos argumentos, pois só assim podemos proceder a um exame cuidadoso da relação entre as premissas e a conclusão. Auxiliar importante da reconstrução de argumentos é a presença de certas expressões que são indicadores de premissa ou indicadores de conclusão. Indicadores típicos de premissa Indicadores típicos de conclusão 0ra, dado que, porque, assumindo que, admitindo que, em virtude de, considerando que, uma vez que, visto que, devido a que, a razão é que, etc. Logo, portanto, por isso, por conseguinte, infere-se que, então, segue-se que, consequentemente, daí que, o que mostra que, etc. Nota: Bem pode acontecer, contudo, que um argumento se apresente sem qualquer dos indicadores atrás referidos, como no seguinte exemplo: A pena de morte é inaceitável. Matar um ser humano só é aceitável se não houver alternativa moralmente válida. 17

C.4.2. A Crítica dos Argumentos Disse-se que o trabalho filosófico consiste na discussão crítica, no confronto crítico de argumentos e de contra-argumentos. Uma das formas que assume o exame crítico característico do filosofar é a clarificação de argumentos, a verificação da respetiva força (se são bons argumentos) para dar apoio à tese que se propõem justificar. A crítica de um argumento pode fazer-se de duas formas: Verificando se (e em que grau) as premissas (sendo verdadeiras) garantem a conclusão. o Trata-se, sob este aspeto, de verificar se o argumento é válido, quer dizer, se, sendo as premissas verdadeiras, isso garante a conclusão (argumento dedutivo) ou a torna provável (argumento indutivo). Verificando se as premissas são verdadeiras ou falsas. O bom argumento é o que, sendo válido, parte de premissas verdadeiras. Assim, para refutar um argumento dedutivo válido, basta mostrar que pelo menos uma das premissas é falsa. d) Tipos de Inferências Disse-se já que os raciocínios (e os argumentos) não são verdadeiros ou falsos, mas válidos ou não válidos. Um argumento é formado por proposições (as premissas e a conclusão) e estas podem ser verdadeiras ou falsas (porque afirmam ou negam alguma coisa acerca de alguma coisa). A verdade e a falsidade aplicam-se a proposições, enquanto estas representam ou não de forma adequada a realidade. Mas um argumento não é uma proposição (não afirma nem nega nada); estabelece relações entre proposições. Tais relações são válidas ou não válidas (mas não verdadeiras ou falsas). Distinguem-se habitualmente três tipos de inferências: Dedução; Indução; Analogia. 18

d.1) A Dedução Entende-se por dedução a operação lógica pela qual se derivam certos enunciados de outros enunciados de um modo puramente formal (Ferrater Mora). Pela operação lógica de dedução, dadas determinadas proposições (premissas) tidas como verdadeiras, obtém-se uma nova proposição (a conclusão) necessariamente verdadeira. A validade dedutiva é uma relação entre valores de verdade e a estrutura lógica de um argumento Se o argumento tiver uma estrutura formalmente válida e as suas premissas forem verdadeiras (materialmente válidas), a conclusão será necessariamente verdadeira. Admitida a verdade das premissas, se a relação entre elas for formalmente correta (válida), tem de se admitir a verdade da conclusão. Note-se: não interessa nada para o caso saber se as premissas são verdadeiras; importa apenas a validade formal do argumento; se o argumento for formalmente válido, a conclusão é uma consequência necessária das premissas. A validade de um argumento dedutivo depende assim apenas da sua forma lógica, quer dizer, da coerência ou correção, da consistência da relação entre premissas e conclusão. Do ponto de vista lógico formal, a questão do conteúdo do argumento (a verdade ou falsidade das proposições que o compõem) é irrelevante. Veja-se o exemplo da p. 19 do Manual (lê-se com proveito todo o texto de Baggini e Fosl. Pp. 19-20). Recorde-se a distinção entre validade (validade formal) e verdade (validade material): Um argumento pode ser válido, tendo premissas e conclusão falsas. Um argumento inválido pode ter premissas e conclusão verdadeiras. Há dois tipos de dedução: A dedução silogística um raciocínio formado por três proposições, de tal maneira que, sendo dadas as duas primeiras (as premissas), se segue necessariamente a terceira (a conclusão). 19

A dedução silogística procede do mais geral para o menos geral ou, se se quiser, do geral para o particular. Daí a acusação de que, ainda que seja um raciocínio rigoroso, o silogismo não permite inovar, antes servindo para expor aos outros aquilo que é já por nós conhecido. A dedução matemática um procedimento lógico que consiste em substituir determinadas grandezas por outras que lhes são equivalentes. d.2) A Indução Dadas determinadas proposições (tidas como verdadeiras ou aceites por convenção), a dedução matemática substitui-as, mediante regras de derivação, por outras que lhes são equivalentes. Os raciocínios dedutivos da matemática são demonstrações. O raciocínio indutivo consiste em concluir do particular para o geral: constatados um certo número de casos particulares, generaliza-se concluindo que o mesmo se há de verificar em todos os casos do mesmo tipo. A indução é a operação mental que consiste em ascender de um certo número de proposições dadas a uma proposição de maior generalidade que implica todas as proposições induzidas (A. Lalande). Distingue-se habitualmente dois tipos de indução: A indução completa (formal ou aristotélica), partindo da verificação da presença de uma determinada característica em cada um dos elementos de um conjunto, generaliza, concluindo que tal característica pertence a todos os elementos do conjunto. Trata-se de uma indução totalizante (uma totalização do saber adquirido), uma vez que o geral se infere da enumeração de todos os casos particulares. É um raciocínio rigoroso, mas não inovador (não afirma nada que não esteja já contido nas premissas). A indução incompleta (baconiana ou amplificante), partindo da verificação de uma dada característica em alguns elementos de uma dada classe, generaliza essa característica a todos os elementos da mesma classe: conclui de alguns para todos. Ao contrário da dedução e da indução completa, que são logicamente necessárias, a indução incompleta implica um salto no desconhecido, não apoiado na necessidade lógica e portanto sem garantias formais de rigor da respetiva conclusão. 20

Apesar de este salto no desconhecido não ser logicamente sustentado, realizámo-lo frequentemente, tanto na vida quotidiana como na investigação científica. É mesmo este salto logicamente não justificado que permite alargar os nossos conhecimentos: o progresso científico (pelo menos segundo alguns pontos de vista) baseia-se neste tipo de raciocínio. Uma forma de justificar o raciocínio indutivo é supor como seu suporte o princípio do determinismo causal da natureza. Mas as críticas de David Hume (1711-1776) ao conceito de causalidade apontam para que o fundamento da indução (o princípio do determinismo causal) seja apenas psicológico (o hábito) e não lógico ou ontológico. Importa reconhecer que a indução incompleta não tem as mesmas garantias que a dedução ou a indução completa (ambas logicamente justificadas). O raciocínio indutivo é sempre conjetural, sujeito a ser contrariado pela experiência futura. Sem garantias formais, o argumento indutivo não estabelece uma relação necessária, mas apenas uma relação provável entre premissas e conclusão. Um bom argumento indutivo (válido) é um argumento forte; um mau argumento indutivo (não válido) é um argumento fraco. Um argumento indutivo válido é aquele em que a verdade das premissas nos dá fortes razões para pensar que a conclusão é verdadeira. d.3) O Raciocínio por Analogia Para além do raciocínio dedutivo (cujo fundamento é de ordem lógico formal) e do raciocínio indutivo (fundado no, suposto mas discutível, princípio do determinismo causal), há ainda o raciocínio analógico. O raciocínio por analogia consiste em, partindo de certas semelhanças (relações de identidade sob determinados aspetos) entre objetos (ou classes de objetos), concluir outras identidades entre objetos (ou classes de objetos). A semelhança funda-se na comparação entre (classes de) objetos. 21

Análogos são dois objetos (ou classes de objetos) que são em parte semelhantes (mas em parte, maior ou menor, diferentes). Exemplo. Se Na Terra há água e na Terra há vida. E Em Marte há água. Logo: Em Marte há vida. De um ponto de vista estritamente lógico-dedutivo, o raciocínio não é válido. Semelhança não é o mesmo que identidade (admitir semelhanças é também admitir diferenças). Contudo, o raciocínio por analogia funciona espontaneamente na vida quotidiana. Nele encontram o seu suporte as imagens, as metáforas, os símbolos, de importância óbvia na produção literária. Nas ciências, o raciocínio por analogia pode ser útil e inspirador, mas o valor do seu resultado só pode ser determinado por testes empíricos. 22