Antonia Espíndola Longoni Klee

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Transcrição:

629 Responsabilidade civil por ato lícito, de Daniel Ustárroz Antonia Espíndola Longoni Klee Doutora e Mestre em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS. Advogada. antoniaklee@hotmail.com Dados bibliográficos: USTÁRROZ, Daniel. Responsabilidade civil por ato lícito. São Paulo: Atlas, 2014. 209 p. A tese com a qual o Professor Daniel Ustárroz alcançou o grau de Doutor em Direito, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a orientação da Professora Doutora Véra Maria Jacob de Fradera, enfrenta o tema pouco estudado pela doutrina jurídica nacional: a responsabilidade civil por ato lícito. Nas palavras de sua orientadora, o estudo é inspirado, inteligente e original. 1 Por isso, não foram gratuitos o conceito A conferido pela banca examinadora, integrada pelos Professores Doutores Eroulths Cortiano Junior (UFPR), Des. Eugênio Facchini Neto (PUC-RS), Gilberto Shäfer (UNIRITTER) e Fabiano Menke (UFRGS), e a escolha do trabalho pela Comissão de Pós-Graduação do PPGDir/UFRGS para concorrer ao Prêmio UFRGS de Tese edição 2014, na área de conhecimento Ciências Sociais e Aplicadas. Daniel Ustárroz é destacado jurista de sua geração e há anos se dedica ao estudo da responsabilidade civil. É advogado, sócio-fundador da sociedade de advogados Sérgio Porto, Ustárroz & Dall Agnol, Professor-adjunto de Direito Civil da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Especialista em Direito Processual Civil pela UniRitter. Publicou traduções, artigos científicos e livros, dos quais se destacam Direito dos Contratos: temas atuais (2. ed., Livraria do Advogado, 2012), Responsabilidade Contratual (2. ed., Ed. RT, 2007) e Manual dos Recursos Cíveis (4. ed., Livraria do Advogado, 2013). 1. FRADERA, Véra Maria Jacob de. Prefácio. In: USTÁRROZ, Daniel. Responsabilidade civil por ato lícito. São Paulo: Atlas, 2014. p. IX.

630 Revista de Direito do Consumidor 2016 RDC 107 O Dr. Daniel Ustárroz é bom em tudo o que faz. Filho dedicado, irmão companheiro, marido amoroso, pai atencioso, amigo leal, aluno estudioso, atleta eficiente, professor universitário competente, advogado militante preocupado com a justiça e com a solidariedade. Então, não surpreende que sua tese de Doutorado A compensação dos danos provocados por atos lícitos no direito civil brasileiro: a partir da doutrina solidarista, agora publicada em forma de livro com o título Responsabilidade civil por ato lícito pela Editora Atlas, seja de consulta obrigatória para todos os que se dedicam ao estudo do Direito e, especificamente, da responsabilidade civil. O livro trata da teoria do solidarismo jurídico como fonte específica do dever de indenizar, demonstrando que, entre as várias causas justificadoras desse dever, existe uma ainda não sistematizada pelo ordenamento jurídico brasileiro, que é a compensação dos danos oriundos de atos considerados lícitos. A teoria do solidarismo jurídico parte da ideia de que as relações jurídicas são relacionais e que o indivíduo deve estar situado no meio social. O livro está dividido em duas grandes partes, cada uma subdividida em dois capítulos, cada capítulo subdividido em três tópicos. Na primeira parte, Daniel Ustárroz apresenta a origem da teoria solidarista de Léon Bourgeois, que foi desenvolvida a partir do final do século XIX, nas ciências sociais e no discurso político, e, no início do século XX, pelos juristas Christophe Jamin e Denis Mazeaud, que adaptaram a teoria de Léon Bourgeois ao contrato, inaugurando o solidarismo contratual. Igualmente, examina a possibilidade de o ordenamento jurídico brasileiro receber a teoria, em face das premissas do Código Civil, com o objetivo de reconstruir o direito privado para recepcionar os anseios da sociedade atual. Segundo a teoria explorada pelo autor, a solidariedade social é um novo fundamento para a responsabilidade civil, que objetiva garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou de efeitos lesivos e evitar que poucas pessoas suportem os prejuízos decorrentes das atividades desempenhadas no interesse de toda a sociedade. No primeiro capítulo, Daniel Ustárroz identifica o fenômeno do solidarismo, partindo da análise do direito como ciência social, com base em Christophe Jamin e Denis Mazeaud, e expõe a mutualidade como uma das características desse fenômeno. De acordo com a doutrina solidarista, os riscos presentes na sociedade e as vantagens que podem ser alcançadas por meio deles devem ser mutualizados pelo reconhecimento de que os indivíduos são vulneráveis ao ficar expostos à possibilidade de sofrer dano na sociedade. Se cada indivíduo estiver sozinho para suportar o risco será arruinado; por isso, é preciso se unir para reparti-lo, no sentido de que todos os indivíduos suportem uma pequena

Resenhas 631 parcela desse risco e, assim, todos serem protegidos. Nessa mutualidade entre risco e vantagem, há uma evidente dependência de um indivíduo em relação ao outro, já que todos têm uma parte de responsabilidade sobre as suas ações na vida em sociedade. Para o autor, a importância do solidarismo jurídico está no fato de que a atuação de qualquer pessoa, seja de direito público, seja de direito privado, atinge outras, necessariamente, razão pela qual as consequências desse agir devem ser analisadas em conjunto com outros dados, com o fim de apurar eventual pretensão compensatória em razão dos danos ocasionados. Depois da apresentação das principais ideias do movimento solidarista no primeiro capítulo do livro, o autor, no segundo capítulo, discute se há espaço para postular a proveitosa aplicação da teoria solidarista no ordenamento jurídico brasileiro, em face das premissas adotadas pelo Código Civil. O autor explora, também, o tratamento oferecido pela doutrina e pela jurisprudência à responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro. Na doutrina, Daniel Ustárroz encontra menção à teoria solidarista, por meio de uma visão relacional do direito que considera os efeitos sociais projetados, com base na definição de relações jurídicas, nas obras de Maria Celina Bodin de Moraes, Paulo Luiz Netto Lôbo, Luis Renato Ferreira da Silva e Luciano Benetti Timm. No mesmo sentido, o autor verifica que o princípio da solidariedade contratual está presente na jurisprudência, embora não com esse nome, em precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Daniel Ustárroz identifica que as manifestações jurisprudenciais partem da consideração globalizada do vínculo obrigacional, ou seja, mensuram o direito de um envolvido no plano concreto e não meramente abstrato, com os olhos voltados aos efeitos que o seu exercício projetará nas demais pessoas (p. 84). Assim, o autor analisa a conveniência de reconhecer outra fonte do dever de indenizar o ato lícito tendo por base a sistematização da responsabilidade civil no Código Civil. Para tanto, parte da principiologia idealizada por Miguel Reale, especialmente no tocante aos princípios da eticidade, da socialidade e da operabilidade, para averiguar se essas premissas são compatíveis com a teoria solidarista. Ainda, apresenta o sistema de responsabilidade civil e as principais fontes do dever de indenizar, investigando se esse dever contempla uma fonte subsidiária, que é a compensação de danos por atos lícitos. Daniel Ustárroz afirma que é necessário conjugar a responsabilidade civil subjetiva, fundada na culpa, com outros meios de imputação de responsabilidade, além do risco (responsabilidade objetiva), para dotar o sistema jurídico de condições capazes de contrapor os anseios da sociedade. Sustenta que isso

632 Revista de Direito do Consumidor 2016 RDC 107 é preciso, porque nem o risco, nem qualquer outro meio de imputação, oferece resposta satisfatória a uma sociedade solidária e orgânica, lembrando a lição de Émile Durkheim. Na segunda parte do livro, Daniel Ustárroz expõe a sua tese examinando situações em que o ato lícito autoriza a compensação dos danos ocasionados, fundamentando-se na doutrina e na jurisprudência. O estudo procura estipular critérios mais seguros para a procedência de ações fundamentadas nessa nova fonte do dever de indenizar. Desse modo, no capítulo 3, Daniel Ustárroz demonstra que o direito privado brasileiro, especialmente em função da interpretação e da aplicação do Código Civil pela jurisprudência, admite, em algumas hipóteses, a reparação dos danos ocasionados pela prática de atos lícitos. Na visão do autor, baseada em autores portugueses, italianos e brasileiros, não há contradição no plano da justiça comutativa ou da justiça distributiva em se admitir a compensação do dano gerado por uma atividade lícita, quando o sacrifício do particular for excessivo. Além disso, afirma que o sistema jurídico brasileiro autoriza a recepção da teoria da responsabilidade civil por ato lícito conhecida como responsabilidade pelo sacrifício, no direito português, valendo-se de duas diretrizes: 1) a permissão legal para causar um dano, através da inobservância de direitos subjectivos ou de interesses juridicamente tutelados ; 2) a imposição de um dever de indenizar (António Menezes Cordeiro) (p. 113). Daniel Ustárroz sustenta a necessidade de uma releitura do sistema e a sua adaptação, uma vez que o Código Civil não prevê uma norma geral específica para a responsabilidade civil decorrente de ato lícito. Por isso, o autor sugere que a solução depende da análise de situações específicas, previstas na lei ou decididas pelos tribunais, a fim de ser adotada uma teoria sobre o tema. Refere o autor que o Código Civil arrola algumas hipóteses de compensação de danos em decorrência da prática de atos lícitos, o que demonstra a ausência de vinculação necessária entre o dever de indenizar e a ilicitude (p. 116). E continua: é o caso do art. 1.313 (proprietário deve tolerar que o vizinho entre no prédio em determinadas situações) (p. 116-117). O autor avalia profundamente três fenômenos jurídicos enfrentados pelos tribunais e pelos doutrinadores com relação à responsabilidade civil por ato lícito. São eles: 1) a resilição de mandato, ou quebra unilateral de mandato; 2) o rompimento do noivado; e 3) o estado de necessidade previsto no Código Civil. Da análise dessas três situações, provavelmente retiradas de sua profícua vivência do foro, Daniel Ustárroz chega à conclusão de que a responsabilida-

Resenhas 633 de civil decorrente de um ato lícito, com efeito, em muito se assemelha com o enriquecimento sem causa, expressamente positivado em nosso Código Civil. Contudo, com esse histórico instituto não se confunde (...) (p. 127). Depois de refletir sobre as três situações previstas no Código Civil que podem ensejar a responsabilidade civil por atos lícitos em abstrato, no capítulo 3, o autor enfrenta as particularidades dessa responsabilização no quarto e último capítulo do livro, afirmando o necessário caráter subsidiário do dever de indenizar, a necessidade de seleção dos danos indenizáveis e dos meios de reparação e o arbitramento da compensação. De acordo com o autor, a doutrina, atenta a esta evolução, preconiza a admissão de vários critérios de imputação do dever de reparar. Não apenas a tradicional ilicitude fundamentada na culpa ou no risco, mas também atos lícitos podem gerar pretensões indenizatórias, (...) especialmente nas situações em que é reconhecido o dever de indenizar, independentemente do reconhecimento da licitude do agir, tal como na resilição do mandato, no rompimento do noivado e no estado de necessidade (p. 154). Portanto, Daniel Ustárroz sustenta que a regra da compensação dos danos licitamente causados precisa ser considerada subsidiária, de sorte que apenas será admitida quando inexistente outro meio para fundamentar a reparação (p. 154), isto é, em situações excepcionais nas quais seria injusto deixar uma pessoa lesada sem alguma compensação. O autor não só demonstra os casos em que seria possível admitir a responsabilidade civil por ato lícito, mas também as situações que a priori poderiam ser tratadas como tal, mas que de fato não o são, tais como: a responsabilidade civil da indústria do cigarro; a responsabilidade pelo dano causado pela excessiva duração do processo judicial; a responsabilidade civil por danos ocasionados pela concessão de decisões liminares posteriormente revogadas pelo órgão judicial; a responsabilidade civil pelo reconhecimento posterior do equívoco de uma prisão cautelar, que gera o direito de compensação do lesado perante o Estado. Daniel Ustárroz afirma que a doutrina do solidarismo, ao visualizar o fenômeno jurídico dentro de sua correta dimensão relacional, pode contribuir para o atendimento das expectativas sociais neste novo século (p. 87). Segundo o autor, a teoria do solidarismo, desenvolvida por Léon Bourgeois e atualizada por Christophe Jamin e Denis Mazeaud no âmbito do direito dos contratos, demanda a avaliação dos interesses protegidos pelo Direito, inclusive daquelas pessoas que não estão diretamente envolvidas no episódio da vida que gerou o debate de responsabilidade civil. O livro Responsabilidade civil por ato lícito, editado pela Atlas, muito contribuirá para o estudo, a reflexão e o desenvolvimento da teoria do solidaris-

634 Revista de Direito do Consumidor 2016 RDC 107 mo como fundamento da responsabilidade civil por ato lícito no ordenamento jurídico brasileiro, revelando a atuação de talentoso autor no cenário jurídico nacional, jurista que concilia as qualidades de estudioso advogado acostumado às lides do foro. Recomenda-se a leitura!